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Indenização pelo estado e superpopulação carcerária

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SUPERPOPULAÇÃO CARCERÁRIA

José dos Santos Carvalho Filho

José dos Santos Carvalho Filho

22/05/2017

Embora repetidas vezes tenha sido objeto de estudos, pesquisas e decisões, o tema relacionado à responsabilidade civil do Estado sempre encontra uma novidade ou uma nova orientação, nem sempre dotada da desejável consistência em face do ordenamento jurídico ou de elementos que possam persuadir no sentido de sua aceitabilidade.

Neste breve estudo, devem ser trazidos à tona, preliminarmente, dois aspectos para análise. Um deles reside na interpretação do art. 37, § 6º, da CF, que adota, segundo interpretação dominante, a teoria da responsabilidade objetiva, fundada no risco administrativo, em que o Estado deve ser obrigado a indenizar mesmo sem culpa de seus agentes em virtude de sua posição de soberania e predominância em relação ao administrado atingido pela lesão. (1) À primeira vista, o dispositivo é bastante claro, mas, assim mesmo, gera interpretações díspares quanto à sua aplicabilidade.

O segundo aspecto consiste na questão do dano moral, que já se inicia pela dualidade de entendimentos quanto à possibilidade ou não de haver indenização nesse tipo de dano, como bem ensina Caio Mário da Silva Pereira. Atualmente, o dano moral é efetivamente indenizável, preceito que, inclusive, consta de norma constitucional (art. 5º, V, CF), mas, mesmo assim, há dificuldades na identificação e no quantum indenizatório. Com razão, pois, o referido mestre: “Um dos pontos mais controvertidos na moderna sistemática civil é o que diz respeito ao dano moral e seu ressarcimento”. (2)

É imperioso registrar que o fato de o Estado ser responsável civilmente pela responsabilidade objetiva não afasta a necessidade de que se apresentem os seus elementos para fins indenizatórios. Assim, cumpre que haja (a) um fato administrativo (imputável à Administração), (b) um dano e (c) o nexo causal entre ambos.

Bem sintetiza Edmir Netto de Araújo que nexo causal “significareferibilidade jurídica ao Estado do evento danoso, que é básica e fundamental para a fixação da responsabilidade e consequente obrigação de indenizar, que deixará de existir sem essa relação, ou a atenuará quando não for a causa única do dano” (grifos do original). (3)  A observação está correta, porque se não há a relação de causalidade entre o fato e o dano, ausente estará a responsabilidade civil do Estado.

Além desse aspecto da imprescindibilidade dos elementos de responsabilidade estatal, urge também analisar os efeitos de condutas comissivas e omissivas, que não guardam inteira identidade. Na prática, o mais comum é que a responsabilidade decorra de atos comissivos de agentes do Estado, ou seja, aqueles atos positivos que retratam uma ação em sentido lato. Nessa hipótese, eventuais indagações se apresentam em menor número, e isso em razão da situação concreta das condutas comissivas.

O mesmo não se dá, no entanto, com as omissões estatais, ou condutas omissivas, que não raras vezes têm ocasionado profundas divergências e controvérsias, numa demonstração de que a matéria não é tão simples como pode parecer à primeira vista.

De plano não se pode esquecer o fato primordial de que nem todas as omissões provocam a responsabilidade civil do Estado, obrigando o intérprete a distinguir as hipóteses, como já anotamos. (4) Trata-se de um postulado básico a que se sujeitam todos os ordenamentos jurídicos. Há numerosas situações de non facere que, por sua natureza, não podem responsabilizar a Administração, pena de esta tornar-se inviável. Entretanto, considera-se presente a responsabilidade quando há a violação, pelo Estado, de seu dever legal de agir.

Em outra vertente, não se aplica, em caso de conduta omissiva, a teoria da responsabilidade objetiva. Em razão da natureza da conduta, deve recorrer-se à teoria da responsabilidade subjetiva, vale dizer, é preciso que a omissão seja culposa. Aqui é oportuno invocar as anotações de Celso Antônio Bandeira de Mello no sentido de que, se há omissão, não foi o Estado o autor do fato, e, não sendo o autor, não cabe responsabilizá-lo a não ser que esteja obrigado a impedir o dano. E conclui: “Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo”. (5)

A jurisprudência dominante também impõe o elemento culpa para a caracterização da responsabilidade do Estado. Assim, decidindo essa matéria, julgou o STJ:

“Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as correntes da responsabilidade objetiva e da responsabilidade subjetiva, prevalece, na jurisprudência, a teoria subjetiva do ato omissivo, só havendo indenização com culpa do preposto”. (6)

A verdade, em tudo isso, é que, a despeito das exigências reclamadas para a responsabilização do Estado por atos omissivos, ainda não há uma linha demarcatória precisa entre as omissões que provocam e as que não provocam indenização aos lesados.  Esse, aliás, é o motivo pelo qual tem havido tantas contradições e perplexidades no que toca à responsabilidade estatal.

Preocupa-nos que a matéria seja tratada com ranços de passionalismo, como já anotamos em outra oportunidade. É que todas as áreas sociais têm carências – saúde, educação, emprego, saneamento – e muitas soluções dependem de políticas públicas, e estas, por sua vez, reclamam recursos abundantes, nem sempre disponíveis para suprir omissões. Dissemos também que a Administração é tão ineficiente que se revela compreensível a indignação da sociedade, “mas o fato não conduz a que o Estado tenha que indenizar toda a sociedade pelas carências a que ela se sujeita”. Concluímos então: “Deve separar-se o sentimento emocional das soluções jurídicas: são estas que o Direito contempla”. (7)

Um exemplo recente mostra o verdadeiro disparate de uma solução injurídica. O STF condenou o Estado a indenizar, por danos morais, no valor de dois mil reais, o detento que estava recluso em penitenciária com superpopulação, sob a alegação da falta de condições mínimas de saúde e de higiene. A decisão reformou acórdão de segunda instância e restabeleceu o julgamento do juízo originário, no sentido da responsabilidade civil do Estado. (8)

Ninguém desconhece a situação dramática dos estabelecimentos prisionais, o que provém, sem dúvida, da má gestão dos serviços públicos pelos entes estatais. Salvo em raras situações, o fato ocorre em todo o mundo. Mas situações similares ocorrem também em outras áreas, como na saúde, na educação, no transporte, no saneamento e em tantos outros serviços. Em todas essas áreas se encontram omissões – as quais, porém, são de caráter genérico, decorrentes de políticas públicas desqualificadas.

A orientação do STF no caso, com a devida vênia, é claramente passional e se situa muito mais nos meandros da política governamental do que em pressupostos jurídicos consistentes. E nem se diga que houve violação de direitos fundamentais contemplados na Constituição, porque, a ser assim, todos eles acabam por sofrer algum efeito proveniente de políticas públicas distorcidas e de omissões estatais. Claro que a população menos informada aplaude esse tipo de decisão, mas é imperdoável que a mais alta Corte se deixe levar por movimentos de rua.

O resultado geral da votação desse julgamento – diga-se de passagem – deixa clara a variedade de opiniões em virtude da insustentabilidade dos fundamentos. A maioria se postou no sentido de ser o preso indenizado em dois mil reais. Dois Ministros, porém, divergiram e condenaram o lesado a receber um salário mínimo por mês. E três outros Ministros, numa terceira solução, entenderam que a condenação deveria adotar a remição da pena como forma de indenização. Quer dizer: não houve parâmetros consistentes nem para o juízo condenatório, nem para o meio de reparação dos danos morais.

Concluímos esta breve abordagem com as acertadas observações da jornalista Míriam Leitão: “Um dos princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal é não criar despesa sem dizer de onde virá a receita. O STF está livre desse limite e por isso criou, esta semana, uma despesa, que nem sabe o tamanho, quando mandou indenizar presos em condições degradantes. Confirmou um defeito do Brasil: em vez de determinar o fim da causa, quer dar um cala-boca na consequência”. (9)

A crítica é de todo procedente. De fato, nem sempre proferir julgamentos em gabinetes fechados e confortáveis revela o conhecimento e a vivência das realidades sociais e das complexidades e carências da sociedade num todo.


NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

(1) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Manual de direito administrativo, Gen/Atlas, 31ª ed., 2017, p. 594.
(2) CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de direito civil, Forense, vol. II, 19ª ed., 2000, p. 215.
(3) EDMIR NETTO DE ARAÚJO, Curso de direito administrativo, Saraiva, 5ª ed., 2010, p. 790.
(4) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Manual cit., p. 609.
(5) CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de direito administrativo, Malheiros, 33ª ed., 2016, p. 1.045.
(6) STJ, REsp 721.439, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 21.8.2007.
(7) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Manual cit., p. 611.
(8) STF, RE 580.252, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 16.2.2017.
(9) MÍRIAM LEITÃO, coluna no jornal O Globo, de 18.2.2017, p. 20.

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