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Decodificando o Co?digo Civil (20): A inconstitucional disciplina da sucessão do companheiro constante no art. 1.790 do Código

AQUESTOS

ART. 1.790

CURSO DIDÁTICO DE DIREITO CIVIL

DESCENDENTE

FILIAÇÃO HÍBRIDA

HERANÇA

HERANÇA VACANTE

SUCESSÃO DO COMPANHEIRO

SUCESSÃO DO CÔNJUGE

SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO

Felipe Quintella

Felipe Quintella

23/05/2017

Comentei no Repensando o Direito Civil brasileiro (18) a tese aprovada em 10 de maio de 2017 no STF no sentido de ser inconstitucional a disciplina da sucessão do cônjuge constante no art. 1.790 do Código de 2002.

Para uma melhor compreensão do assunto, vamos, no Decodificando de hoje, relembrar os problemas do art. 1.790. Apesar de ainda constar no texto do Código, vamos nos referir ao dispositivo no passado, vez que não é mais de ser aplicado, porquanto inconstitucional.

Uma primeira polêmica depreendia-se já do caput do dispositivo, que se referia aos “bens adquiridos onerosamente na constância da união estável” — denominados, tecnicamente, aquestos. Ocorre que o próprio Código, outrora, mandara aplicar à união estável o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725), na falta de acordo em sentido diverso entre os companheiros. No art. 1.790, todavia, o Código previa uma sucessão para o companheiro que era o oposto da sucessão do cônjuge casado em comunhão parcial, o qual em concorrência com descendentes não herda dos bens comuns, mas somente do patrimônio particular que houvesse — segundo o entendimento uniformizado pelo STJ em 2015. Ademais, como conciliar o caput do art. 1.790 com a menção à herança, tanto no inciso III como no inciso IV? Neste, especificamente, consta a expressão “totalidade da herança”! Mesmo antes de o STF se posicionar, defendíamos no Curso Didático de Direito Civil, o Prof. Elpídio Donizetti e eu, que não se devia levar em conta a ressalva do caput, pois, do contrário, admitir-se-ia norma que discriminava a posição do companheiro quando comparada à do cônjuge.

A segunda e a terceira polêmica giravam em torno dos incisos I e II.

A segunda polêmica referia-se ao fato de o inciso I cuidar da concorrência do companheiro com filhos comuns, enquanto o inciso II cuidava da concorrência com descendentes exclusivos. Isso significava que a norma do inciso I não se aplicava a outros descendentes comuns – netos, por exemplo? Quer dizer, se fossem chamados à sucessão netos comuns, ou bisnetos etc., não haveria direito do companheiro à sucessão? Ou se aplicaria a regra do inciso III? A melhor interpretação do preceito, a nosso ver, era a que lia “descendentes” onde apenas se havia dito “filhos” — modo ampliativo ou extensivo de interpretação. Nesse sentido, firmara-se o enunciado nº 266 da III Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF: “aplica-se o inc. I do art. 1.790 também na hipótese de concorrência do companheiro sobrevivente com outros descendentes comuns, e não apenas na concorrência com filhos comuns”.

A terceira polêmica dizia respeito à hipótese de haver tanto descendentes comuns quanto descendentes exclusivos — hipótese a que a doutrina se refere como de filiação híbrida.

Como calcular, nesse caso, o quinhão do companheiro? Para nós, devia se tratar da hipótese como se houvesse apenas filhos comuns, ou seja, aplicando-se o inciso I. Cuidava-se da interpretação que mais privilegiava o companheiro, cuja posição não podia ser inferiorizada.

A quarta e a quinta polêmica giravam em torno do inciso III, o qual reservava para o companheiro um terço da herança se concorresse com outros parentes sucessíveis.

Primeiramente, tratava-se de um terço da herança, como preceituava o inciso, ou do acervo composto pelos bens adquiridos onerosamente na constância da união, como preceituava o caput? Era nossa opinião que a referência era sempre à herança, conforme asseverado anteriormente.

Ademais, outros parentes sucessíveis são os ascendentes e os colaterais até o quarto grau. Isso queria dizer que, havendo companheiro e tio-avô, o companheiro herdaria um terço e o tio-avô dois terços? Sim, por interpretação literal. Não, segundo sustentávamos. Uma interpretação sistemática e consentânea com a ordem constitucional deveria colocar o companheiro na mesma situação do cônjuge. Havendo companheiro e colaterais, estes não herdariam – pois não são herdeiros necessários. E, havendo companheiro e ascendentes, a sucessão do companheiro deveria observar as regras sobre a concorrência do cônjuge com os ascendentes.

Impende destacar que a inconstitucionalidade do inciso III já era reconhecida em diversos julgados, antes de o tema chegar ao STF.

A sexta polêmica, por sua vez, referia-se à hipótese de concorrência entre o cônjuge e o companheiro. Por interpretação do § 1º do art. 1.723, não há nenhum óbice ao reconhecimento da união estável em que um dos conviventes é casado, contanto que se encontre separado de fato ou judicialmente. Por sua vez, o art. 1.830 confere legitimidade para suceder ao cônjuge que não se encontrar separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos, ao tempo da abertura da sucessão. Poderia haver concorrência, então, na hipótese de separação de fato que datasse de menos de dois anos. Nesse caso, entendíamos que o companheiro concorria com o cônjuge em igualdade de condições.

A última polêmica, por fim, referia-se ao inciso IV, acerca da sucessão exclusiva do companheiro. Quem o interpretava em consonância com o caput e que, por conseguinte, só admitia a sucessão do companheiro nos aquestos, acabava forçado a admitir que o restante da herança se tornaria herança vacante, sendo posteriormente incorporado ao patrimônio do município ou do Distrito Federal, dependendo do caso. Como não considerar tal entendimento contrário à Constituição da República?

(Adaptado do Curso Didático de Direito Civil, 6ª ed., 2017)


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