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Decodificando o Código Civil (21): As pertenças e sua disciplina no Código de 2002

ACESSÓRIO

ACESSÓRIO SEGUE O PRINCIPAL

ART. 93

BEM ACESSÓRIO

BEM PRINCIPAL

CLASSIFICAÇÃO DOS BENS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS

CÓDIGO CIVIL

GRAVITAÇÃO JURÍDICA

PERTENÇAS

PRINCIPAL

Felipe Quintella

Felipe Quintella

30/05/2017

Provavelmente motivado por problemas práticos em que se discutia se um determinado bem era acessório ou principal — o exemplo maior sempre parece ter sido o do som do carro —, o legislador optou, na elaboração do atual Código Civil, por adicionar uma terceira categoria ao rol da classificação dos bens reciprocamente considerados.

Optou-se por considerar aqueles bens — como o som do carro, que nunca se sabe ao certo se são acessórios do carro ou não —, como uma categoria autônoma, que se situa entre os bens principais e os acessórios. O vocábulo adotado para denominar tal categoria foi pertença.

Assim é que, no art. 93, o Código de 2002 conceitua as pertenças como “os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro”.

A princípio, tudo resolvido. O som do carro, afinal, se é daquele tipo que se destaca do painel, e que pode ser substituído por outro, realmente não pode propriamente ser considerado acessório — vez que o carro não perde sua destinação sem o som —, mas também não pode propriamente ser considerado bem principal — pois se destina a ser usado no carro. Ou seja, o som do carro é um bem que não constitui parte integrante do carro, mas que se destina de modo duradouro ao uso nele. Em outras palavras, é uma pertença, nos termos do art. 93.

Mas, em se tratando do Código de 2002, não é de se estranhar que o que era para resolver um problema tenha criado outro!

Isso porque o art. 94 estabelece que “os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso”. Quer dizer, não se aplica a velha regra de que oacessório segue o principal — ou, como preferem alguns, o princípio, lei ou regra da gravitação jurídica — às pertenças. Enquanto o acessório segue o principal, a pertença, não.

Pode ser que você esteja indagando: mas, Quintella, que mal há nisso?

Ocorre que o conceito do art. 93, ainda que bem redigido e bem intencionado, é aberto. Em cada caso concreto, faz-se necessário analisar as circunstâncias para tentar determinar se um bem é acessório ou pertença.

E, como a disciplina jurídica de um e de outro bem é diversa — um segue o principal, o outro não —, os sujeitos são levados, na prática, a continuar discutindo, até mesmo em juízo, como discutiam antes do Código de 2002.

O exemplo mais elucidativo é o da compra e venda. O sujeito que quer vender mostra a um potencial comprador seu apartamento, cheio de armários planejados, com fogão cooktop e coifa de vidro, e com espelhos de cristal nos banheiros. Todavia, não fala nada sobre esses bens, nem o potencial comprador faz perguntas. Na hora de entregar o apartamento, depois de celebrado o contrato — em que nada constou expressamente sobre as coisas mencionadas —, interessa ao vendedor retirá-las, e, ao comprador, recebê-las.

Aí, o vendedor alega que se trata de pertenças, as quais, por força de lei (art. 94 do CC/02) não se consideram abrangidas no negócio sobre o principal. Já o comprador argumenta que se trata de acessórios, os quais, também por força de lei (art. 233 do mesmo Código) reputam-se incluídos no negócio sobre o principal. Como não chegam a consenso, ambos vão parar na Justiça.

E por que não resolveram a dúvida na fase das tratativas, ou quando fecharam o negócio?

Ora, o vendedor nada mencionou sobre retirar os bens polêmicos, para evitar que o comprador pedisse um desconto. Já o comprador também nada mencionou, para evitar que o vendedor esclarecesse que, havendo interesse nos tais bens, poderia deixá-los, por um preço maior.

E nem se pode dizer propriamente que tenham, cada um, violado a boa-fé e faltado com o dever de informar, pois cada um tem a lei ao seu lado, dependendo a solução da questão da classificação de cada coisa como bem acessório ou como pertença — o que caberá ao juiz, eventualmente, decidir.

A mim parece que a discussão seria evitada se o art. 94 determinasse que “os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal abrangem as pertenças, salvo se o contrário for expressamente pactuado no negócio”. Sujeitando-se ambos, os bens acessórios e as pertenças, à mesma disciplina — seguir o principal —, seria inócuo discutir sua classificação, obrigando-se os sujeitos, assim, a fazer os devidos esclarecimentos antes de contratar.


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