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O novo CPC e a desconsideração da personalidade jurídica

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PROCESSO CIVIL

O novo CPC e a desconsideração da personalidade jurídica

CPC 2015

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

NCPC

NOVO CPC

PERSONALIDADE JURÍDICA

PROCESSO CIVIL

Fernando Gajardoni
Fernando Gajardoni

12/06/2017

A pessoa jurídica é sujeito autônomo de direitos e obrigações. Não é lícito, como regra, imputar-se à pessoa física de seus sócios (inclusive administradores) as obrigações da sociedade. Todavia, em casos excepcionais, constatado o uso abusivo da personalidade jurídica para fins de ocultação patrimonial, admite-se a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para que os bens dos sócios respondam diretamente pelas obrigações por ela contraídas.

A dívida continua sendo da pessoa jurídica. Mas a responsabilidade, diante do reconhecimento da desconsideração, passa a recair sobre o patrimônio dos sócios (na verdade, o patrimônio da pessoa jurídica ocultado nos bens dos sócios), conforme art. 790, VII, do CPC/2015.

Pesem as disposições legais a respeito do tema no âmbito do direito material (art. 50 do CC e 28 do CDC), carecia o direito brasileiro de regulamentação processual adequada para o trato da questão, o que fazia com que, na prática, cada juízo adotasse o procedimento que bem entendesse a fim de decidir sobre a desconsideração.

Alguns decidiam sobre a desconsideração imediatamente, sem contraditório algum, remetendo os prejudicados à via recursal ou dos embargos de terceiros para desconstituição do ato constritivo ordenado; outros determinavam a prévia ouvida da sociedade cuja personalidade se pretendida desconsiderar (mas não do sócio atingido pela decisão); mas havia também aqueles que entendiam ser indispensável a prévia oitiva dos sócios atingidos pela desconsideração e que não integravam o processo até então, isto para que pudessem se defender da afirmação da ocorrência dos pressupostos legais para a desconsideração.

O CPC/2015 resolveu o problema do déficit procedimental no tocante à desconsideração da personalidade jurídica, estabelecendo que tanto para a desconsideração direta (a sociedade devedora oculta seu patrimônio no dos seus sócios) quanto para a indireta (o sócio devedor oculta seu patrimônio no da pessoa jurídica), os sócios e/ou a sociedade potencialmente atingidos pela decisão devem ser previamente ouvidos a respeito, admitindo-se a produção de provas a bem da comprovação de que não houve abuso de personalidade ou ocultação patrimonial.

Criou-se, portanto, um incidente processual para a desconsideração (vide art. 133 e ss. do CPC), a prestigiar, por evidente, o princípio do contraditório, norma fundamental do processo não apenas pelo que já consta do art. 5º, LIV e LV da CF/1988, mas também pelo regramento dos arts. 9º e 10 do CPC/2015.

De fato, não se pode admitir que qualquer pessoa, salvo nas hipóteses de tutela de urgência (arts. 9º I e 300, do CPC/2015), sofra constrição em seus bens e direitos sem o devido processo legal. Deve se assegurar aos potencialmente lesados pela atuação do Estado/Juiz a possibilidade de contraditório pleno (conhecimento/manifestação/influência) e o uso dos recursos inerentes ao exercício da ampla defesa.

O que por um lado agora resta claro no tocante à desconsideração da personalidade jurídica, por outro continua bastante nebuloso no tocante a outras formas de responsabilidade patrimonial por dívida de terceiros, especialmente nas hipóteses de responsabilidade tributária (arts. 779, VI e 790, II, ambos do CPC/2015).

Pois pelo art. 135, do Código Tributário Nacional, podem ser pessoalmente responsabilizados os mandatários, prepostos, empregados, os diretores, gerentes, representantes de pessoas jurídicas de direito privado, entre outros, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias da pessoa jurídicas resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Seria necessário o manejo do incidente dos arts. 133 e ss do CPC/2015 para atingir os bens do responsável tributário em sede de execução fiscal?

A questão deve ser analisada sobre dupla perspectiva.

Se o fisco, administrativamente já apurou a incidência do art. 135 do CTN e lançou o sócio/administrador ou afim como sujeito passivo da exação, inscrevendo seu nome na dívida ativa junto com o da empresa[1]; competirá ao sócio/administrador ou afim, mediante o uso de ações autônomas ou embargos à execução fiscal, comprovar a não ocorrência da responsabilização tributária, caso em que será afastada a constrição sobre seu patrimônio. O contraditório judicial aqui se dá após o reconhecimento da responsabilidade tributária no âmbito administrativo e ajuizamento da execução fiscal também contra o sócio.

Por outro lado, ajuizada a execução fiscal apenas contra a sociedade, requerida a aplicação pelo fisco do disposto no art. 135 do CTN no curso do processo, com o fim de integrar os sócios/administradores ou afins ao executivo fiscal e consequentemente atingir patrimônio pessoal deles (redirecionamento da execução fiscal), parece bastante clara, pese a omissão legal, a necessidade de obediência do incidente do art. 133 e ss., do CPC/2015.

Os fundamentos que ensejaram a estruturação do incidente de desconsideração no CPC/2015 (proteção ao contraditório e à ampla defesa dos sócios atingidos pela medida) são os mesmos que devem ser tutelados no caso de redirecionamento da execução fiscal, não havendo mínimo sentido para que o sócio não seja ouvido antes de ver decretada a sua responsabilidade tributária.

Inclusive, o artigo 4º. § 2º, da Lei de Execuções Fiscais, manda aplicar à dívida ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, “as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial”. Ora, se as normas civis sobre responsabilidade patrimonial exigem, para que terceiro seja considerado responsável por débito alheio, um incidente prévio de apuração, absolutamente razoável que se lhe aplique, também, aos casos de redirecionamento da execução fiscal, não havendo nenhuma particularidade do direito material que justifique a preservação desta garantia na situação dos arts.28 do CDC e 50 do CC, e a supressão dela nos casos do art. 135 do CTN.

Em realidade, faltou aos responsáveis pela elaboração do Novo CPC uma compreensão mais ampla do fenômeno processual que pretendiam tutelar. Tivessem, em vez de “incidente de desconsideração da personalidade jurídica”, se utilizado a expressão “incidente de sujeição de terceiros”, “incidente de responsabilidade patrimonial de terceiros”, ou qualquer outra semelhante, não restaria dúvida alguma quanto à aplicação dos arts. 133 e ss do CPC/2015 aos casos do arts. 134/135 do CTN[2].

Como não o fez, graça na doutrina/jurisprudência celeuma a respeito do tema.

O Enunciado 53 da Escola Nacional de Formação de Magistrado (ENFAM) estabelece que “o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015”.

Por outro lado, no âmbito do TRF3, encontram-se decisões em ambos os sentidos, tanto pela aplicação do modelo de contraditório prévio do incidente de desconsideração da personalidade jurídica aos casos de redirecionamento da execução fiscal[3], quanto pela negativa diante da especialidade da situação do art. 135 do CTN (posição aparentemente dominante na atualidade)[4].

A solução da questão passa pela definição de qual valor é mais importante para o nosso sistema: a rápida e eficaz recuperação dos créditos tributários ou o contraditório prévio em prol de quem pode ser atingido pela decisão do redirecionamento.

Como acreditamos que a tutela do primeiro não é incompatível com a do segundo, pois o manejo adequado de tutelas de urgência para bloqueio de bens do suposto responsável tributário bem soluciona a questão até que se lhe garanta contraditório prévio, estamos convictos da necessariedade da aplicação dos arts. 133 e ss do CPC/2015 para fins de redirecionamento da execução fiscal contra o responsável tributário.


[1] Escrevemos a respeito desta possibilidade no recém lançado Execução e recursos: Comentários ao CPC/2015. São Paulo: Método, 2017, p. 47/48.

[2] No mesmo sentido cf. ROQUE, Andre. Execução e recursos: Comentários ao CPC/2015. São Paulo: Método, 2017, p. 95/96.

[3] “O CPC/15 disciplinou em seus artigos 133 a 137 o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o qual passou a ser necessário para análise de eventual pretensão de redirecionamento da execução ao patrimônio dos sócios. A instauração do incidente exige a comprovação dos requisitos legais específicos previstos pelo art. 50 do Código Civil de 2002. Esse incidente aplica-se, em toda sua extensão, à Fazenda Pública, por expressa disposição do artigo 4º. § 2º, da Lei de Execuções Fiscais, que prevê que à dívida ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial. Registre-se que os atos direcionados à satisfação do crédito tributário foram estabelecidos entre a União Federal e a devedora (titular da relação contributiva) e não podem ser opostas indiscriminadamente aos sócios. Eventual modificação da situação econômico-patrimonial da empresa executada já no curso do processo não é motivo bastante para o redirecionamento da execução aos sócios; para se responsabilizar os sócios é necessário que se demonstre que os sócios contribuíram ilegalmente para a constituição da dívida tributária. Agravo de instrumento a que se dá provimento (TRF 3, AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 592718 / SP. 0022670-51.2016.4.03.0000. Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento: 30/05/2017. Data da Publicação: 09/06/2017).

[4] “Desnecessária a instauração de um incidente de desconsideração de personalidade jurídica, em observância aos termos do artigo 133 e seguintes do CPC, visto que a aferição da responsabilidade tributária tem gênese diretamente na observância dos pressupostos previstos em lei (…) Agravo de instrumento provido, para que haja apreciação do pedido de redirecionamento da execução fiscal, independentemente da instauração da desconsideração da personalidade jurídica (TRF3, AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 592547 / SP. 0021926-56.2016.4.03.0000. Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI FERREIRA. Órgão Julgador: QUARTA TURMA. Data do Julgamento: 03/05/2017)


VEJA AQUI OUTROS TEXTOS DA SÉRIE CPC 2015

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