GENJURÍDICO
Corrupção, Jeitinho Brasileiro e Estado de Direito

32

Ínicio

>

Seminário da Feiticeira

SEMINÁRIO DA FEITICEIRA

Contra o fanatismo textualista: Corrupção, Jeitinho Brasileiro e Estado de Direito – José Rodrigo Rodriguez

BRASIL

CORRUPÇÃO

CRÍTICA

DEMOCRACIA

DIREITO

MORAL

Seminário da Feiticeira

Seminário da Feiticeira

01/03/2016

Por José Rodrigo Rodriguez

Resumo

Este texto organiza o debate público sobre corrupção no Brasil a partir de dois extremos, absolvição moral e o pânico moral. Em seguida, o texto mostra como estas duas posições podem ser vistas como versões do que chamamos de “fanatismo textualista” e aponta as inconsistências e riscos desta posição para a democracia brasileira.

Palavras-chave: Corrupção, Direito, Moral, Democracia, Brasil, Crítica.

Abstract
This text organizes the Brazilian debate on corruption from its two extremes: “moral absolutism” and “moral panic”. Then, the text shows how these two positions can be classified as versions of what we call “textualist fanaticism” and points out the inconsistencies and risks of this position to Brazilian democracy.

Keywords: Corruption, Law, Morality, Democracy, Brazil, Criticism.

Crítica e não teoria da corrupção

O intenso processo de investigação e combate à corrupção que o Brasil experimenta hoje tem sido acompanhado da circulação de toda a sorte de discursos sobre o tema, elaborados por diversos agentes sociais que disputam a atenção e o convencimento dos participantes da esfera pública. A maior parte destes discursos, como veremos, não estão preocupados em refletir sobre as causas e consequências da corrupção, mas sim em apresentar uma série de afirmações fortes sobre seu combate.

A situação de nosso debate público parece marcada por um excesso de certezas e muito poucas dúvidas sobre a corrupção, exatamente o oposto da situação imperante no campo dos estudos acadêmicos sobre o tema. Dizem especialistas no tema (AVRITZER, 2013; HOUGH, 2014; JOHNSTON, 2014; HOLMES, 2015) que a pesquisa sobre corrupção é muito recente e ainda não produziu resultados conclusivos. Não há receitas prontas para combater a corrupção nos diversos países, tampouco há uma definição clara sobre que tipo de ação devemos considerar como corrupção (HOUGH, 2013; JOHNSTON, 2014).

Para ficar apenas em um exemplo, o conceito de corrupção como abuso da função pública para obter fins privados (ROSE-ACKERMANN, 1999) tem sido questionado para que o termo “corrupção” passa a incluir práticas que não se referem ao estado e não envolvem funcionários públicos, por exemplo, práticas consideradas lícitas que buscam influenciar o mercado, como o lobby e o financiamento de campanha.

Alguns autores questionam (JOHSNTON, 2014) se a legalização destas práticas não produziu uma situação na qual interesses econômicos terminam simplesmente reconhecidos pelas leis, em numa verdadeira legalização de práticas antes consideradas corruptas por permitirem a influência privada sobre os agentes públicos.

Além disso, o suposto sucesso de receitas de boa governança contra a corrupção hoje indicadas por organizações internacionais como o Banco Mundial, têm sido relativizadas por análises qualitativas que apontam para a necessidade de conhecer cada contexto social antes de pensar nas medidas anticorrupção e estratégias destinadas a implementá-las (ROUGH, 2013; JOHNSTON, 2014)

A primeira agenda de pesquisa sobre o tema, que se desenvolveu a partir da década de 90 depois da queda do muro de Berlim, estava ligada à teoria da modernização e considerava o problema da corrupção como característico de países que passam por intensas transformações sociais. Países em que o peso das tradições se revela nos processos de mudança na direção de um modelo institucional semelhante àquele presente nos países ocidentais. Tais mudanças provocariam um mau funcionamento das instituições, marcadas pela herança de um desenvolvimento atrasado que inclui oportunidades para que as autoridades desviassem das normas e servissem a interesses particulares, uma situação típica de países subdesenvolvidos (FILGUEIRAS, 2012).

Esta agenda de pesquisa também discutia como as diferenças culturais seriam centrais para explicar a corrupção. Por exemplo, imaginava-se que países protestantes tenderiam a ser menos corruptos do que países de tradição católica (FILGUEIRAS, 2012).

O debate atual põe outras questões. Para começar, as discussões atuais procuram tematizar as diversas maneiras de conceber e experimentar a corrupção nos vários países do mundo (JOHNSTON, 2014), situação que torna difícil identificar o fenômeno com precisão e tentar mensurá-lo (AVRITZER, 2012). Além disso, o debate sobre eventuais fatores culturais cedeu lugar para uma investigação entre a relação entre as características das instituições e os incentivos que elas oferecem aos agentes sociais (FILGUEIRAS, 2012).

Por exemplo, a existência ou não de grandes concentrações de poder sem controle nas mãos de algumas poucas pessoas e a presença de mecanismos de combate à corrupção são fatores que influenciam o comportamento dos agentes públicos e privados na tentativa de obter vantagens individuais em detrimento do interesse público.

Ora, como argumenta Avritzer 2011, não seria possível explicar todo o esforço de aprimoramento institucional realizado pelo Brasil já nos anos 90, com a criação da lei orgânica dos Tribunais de Conta, a criação de Controladoria Geral da União, entre outras mudanças, senão afirmando que nossa cultura está em disputa e, portanto, não é completamente tolerante com a corrupção. Não é marcada, de forma indelével, por uma espécie de “tara” que nos condenaria a ter que conviver com a corrupção.

É evidente que pode haver tolerância à corrupção entre certos grupos de brasileiros e brasileiras, mas também há pessoas e instituições que tem se esforçado para combate-la, como estamos testemunhando neste exato momento de nossa história. Por isso mesmo, encarar a corrupção no Brasil como um destino inevitável torna inexplicável grande parte de nossa história recente, marcada pelo aprofundamento da democracia e, com ela, dos mecanismos de controle da sociedade sobre os organismos de poder do Estado.

Nesse sentido, a utilização de atalhos epistemológicos como o “jeitinho brasileiro” ou a “cordialidade” que costumam ser tomados como explicações definitivas para todos os nossos problemas, soam cada vez menos plausível. A utilização deste tipo de argumento tem sido feita sem grande rigor com a finalidade de explicar os mais variados fenômenos, sempre em função dos interesses ocasionais do autor deste ou daquele texto (LAVALLE, 2004).[1]

Por exemplo, o livro A Cabeça do Brasileiro de Alberto Carlos de Almeida (ALMEIDA, 2007) argumenta que a tolerância à corrupção é maior entre os mais pobres e aos menos escolarizados. Este argumento foi criticado, por exemplo, pela resenha de FIALHO, 2008 que aponta para a temeridade do salto interpretativo realizado por ALMEIDA que parte de apenas uma pergunta feita em um survey e segue na direção de uma conclusão de ampla magnitude, sem sequer passar pela literatura acadêmica pertinente ao tema.

Não, se atenta, por exemplo, para a discussão de Reis e Castro (2001): indivíduos mais escolarizados, que tendem a ser os mais sofisticados, são aqueles que mais lançam mão das “regras do jogo” a seu favor. Assim, quando se deparam com determinada situação, mobilizam o “jeitinho” como recurso disponível (e legitimado pelos costumes e hábitos brasileiros em determinadas circunstâncias) para a viabilização de uma ação, e conseguem justificar o porquê da utilização deste recurso. Porém, são também os mais propensos a vocalizar opinião contrária à utilização do “jeitinho” em uma entrevista – que é, ela mesma, uma interação social – e, dessa forma, a expressar adesão a valores socialmente desejáveis.

Segue o argumento:

Ou, ainda, poder-se-ia atentar para o debate sobre falsificação de preferências (cf. Kuran, 1998), segundo o qual, diante de certos constrangimentos externos (como a presença de um entrevistador, por exemplo), certas pessoas podem não vocalizar suas reais preferências (por serem socialmente indesejáveis ou malquistas) mas, sim, expressar aquelas socialmente bem-vistas. Considerando-se de tal possibilidade, seria possível conjeturar se, no Brasil, indivíduos mais escolarizados e/ou sofisticados seriam mais hábeis em identificar situações nas quais tal falsificação pode ser uma opção de ação adequada à situação e assim agir. São os mais escolarizados aqueles que defendem valores considerados mais “modernos” pelo autor (condenando a prática do “jeitinho”); mas os comportamentos que declaram contradizem tais valores. A interpretação de Almeida a partir de sua análise, de que o aumento da escolaridade, sobretudo a formação superior, conferiria ao Brasil padrões comportamentais e atitudinais mais “modernos”, sustentar-se-ia mesmo diante de tais proposições de Reis e Castro e de Kuran? Não sabemos, uma vez que o autor não arrisca qualquer interpretação nesta direção (FIALHO, 2008: 198).

Por todas estas razões, depois de uma rápida visita à literatura sobre corrupção, fica claro que a maior parte dos discursos enfáticos sobre as causas e o combate à corrupção atualmente presentes na esfera pública brasileira parecem ser mais a expressão de posições político-ideológicas deste ou daquele indivíduo, grupo ou instituição do que afirmações com algum fundamento científico.

Partidários desta ou daquela força política defendem a punição exemplar dos culpados, por coincidência, seus adversários políticos, e fazem afirmações enfáticas sobre as dimensões e as medidas supostamente imprescindíveis para combater a corrupção. Representantes deste ou daquele órgão do Estado são enfáticos na necessidade de combater com dureza a corrupção, também com a finalidade de conseguir mais competência, liberdade de ação e recursos públicos.

Ainda, indivíduos e grupos de convicções liberais tendem a defender com toda a ênfase medidas de compliance que atribuem ao mercado o dever de prevenir e combater a corrupção, posição que se confunde com a sua visão normativa sobre o papel que o Estado deve ter. De sua parte, indivíduos e grupos de inspiração socialista e socialdemocrata apostam em aumentar o poder de fiscalização dos estados das mais diversas maneiras, ampliando os mecanismos, os organismos e os recursos destinados a prevenir e combater o problema (GUIMARÃES, 2011).

Todas estas supostas certezas, que se confundem com a posição política, profissional ou social de seus defensores, podem ser explicadas pela situação em que o Brasil está imerso neste momento. Uma situação de indignação e acirramento político em que investigações como a Lava-Jato, levada adiante pelo Ministério Público Federal, tem implicado em atos de corrupção diversas figuras políticas importantes e grandes empresas brasileiras.

Uma situação como a que estamos vivendo, em que a palavra “corrupção” parece designar todas as mazelas do pais e não um problema específico entre tantos outros[2], faz com que a esfera pública exija respostas rápidas e eficazes para seu combate, o que favorece julgamentos apressados, propostas temerárias e uso retórico e isolado deste ou daquele pedaço de informação. Um ambiente como este abre espaço para que sejam oferecidas receitas mágicas para uma questão altamente complexa que não se presta a este tipo de abordagem. Ao menos no que diz respeito ao campo da reflexão acadêmica.

Um bom exemplo disso é a campanha “10 medidas de combate à corrupção” levada adiante pelo Ministério Público Federal (MPF), que atualmente colhe assinaturas para apoiar uma série de projetos de lei defendidos por esta instituição. A maior parte das medidas implica no endurecimento da legislação penal e nenhuma delas foi debatida com a sociedade brasileira ou,, talvez propositadamente, mereceu qualquer análise sobre sua possível eficácia nos documentos relativos à campanha presentes no site desta instituição.[3] O MPF simplesmente parte do pressuposto de que estas seriam as medidas necessárias para combater a corrupção, deixa de ouvir o que os estudiosos sobre o tema teriam a dizer e aproveita o clamor popular para levar adiante a sua aprovação, que resultaria em uma ampliação evidente do poder de investigação e ação da instituição.

Por isso mesmo, parece ser urgente adotar um ponto de vista mais crítico para refletir sobre estes problemas, buscando desmontar as supostas verdades do discurso público com a finalidade de esclarecer conceitos, identificar o uso retórico de afirmações sem fundamento conclusivo e identificar relações entre os discursos e os desejos, interesses e projetos deste ou daquele indivíduo, grupo social, corporação profissional ou partido político.

Para além da pesquisa científica sobre a corrupção, tarefa à qual têm se dedicado, experts da ciência política e da ciência econômica, é necessário analisar e refletir sobre o significado das controvérsias públicas sobre as causas e as receitas de combate à corrupção sem partir de uma suposta verdade sobre o fenômeno. Como sabemos há tempos, esta é uma tarefa que cabe aos filósofos, cuja missão é examinar a consistência dos argumentos apresentados na arena pública com a finalidade de zelar pela racionalidade dos debates na polis mesmo diante das mais intensas paixões políticas e os mais desvairados desejos de poder e dinheiro; tudo isso sob o risco de morte; a mesma morte que nos levou Sócrates e que hoje atende pelo nome de especialização disciplinar e exigências de publicação massiva. Mas esse é assunto para outra ocasião.

É tarefa da filosofia, no sentido utilizado neste trabalho, examinar os termos do debate público para identificar e evidenciar estratégias de naturalização conceitual que buscam apresentar uma determinada afirmação sobre o mundo como incontroversa, mesmo que assim não o seja, com finalidade de deixar fora do debate democrático uma determinada distribuição de poder ou implementar um determinado projeto de poder apresentando-o como inelutável (RODRIGUEZ, 2013b).

Como mostramos logo acima, de fato, as eventuais soluções para o problema da corrupção variam conforme a posição política de seus defensores, mais ou menos favorável à liberdade dos mercados e da intervenção estatal na vida da sociedade e, por via de consequência, terminam por distribuir responsabilidades e poderes entre os agentes sociais de maneira completamente diferente. Apresentar qualquer uma destas posições como a suposta verdade sobre o assunto tem como efeito subtrair determinada distribuição de poder do debate democrático.

Tal estratégia de pensamento tem sido praticada pelos representantes da assim denominada Teoria Crítica da Sociedade, cujo texto fundador, “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” de Max Horkheimer (HORKHEIMER, 1983) opõe-se a qualquer modelo de pensamento que negue o caráter histórico do pensamento. Nesse sentido específico, a Teoria Crítica da Sociedade guarda muitas semelhanças com outras vertentes do pensamento contemporâneo, por exemplo, o pensamento de Michel Foucault, como o próprio reconheceu em seus escritos no final de sua vida, ver FOUCAULT, 1991.

Reservo a expressão “teoria crítica” para nomear o pensamento dos autores e autoras que circularam e circulam em torno do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, os quais costumam reivindicar expressamente o texto fundador de Horkheimer como referência para a construção de sua própria posição. Esta reivindicação normalmente implica em um projeto de atualização da obra de Karl Marx com o objetivo de identificar o que ainda está vivo e o que caducou em seu trabalho.

O objetivo final destes autores é construir novos conceitos críticos capazes de identificar tendências emancipatórias inscritas na realidade de cada momento histórico, acessível por meio da reconstrução de teorias de natureza diversa e por meio da pesquisa empírica das práticas sociais (para o sentido de “reconstrução”, ver NOBRE & REPA, 2013). A Teoria Crítica não possui uma doutrina comum que a caracterize como uma escola. Ao contrário, os autores deste campo trabalham a partir de balizas abstratas as quais abrem um espaço amplo para a construção dos mais variados “modelos críticos” (NOBRE, 2004).

Tais modelos críticos são muitas vezes discordantes, podem surgir a partir de estudos de direito, política, economia, psicanálise, arte, literatura entre outros campos do saber e podem variar ao longo da obra de um mesmo autor, sempre em função da necessidade de pôr a teoria em dia com novos diagnósticos do tempo. É esta variedade e liberdade constitutiva da teoria crítica a responsável pela imensa riqueza deste campo do pensamento, capaz de produzir figuras como Leo Lowenthal, Friedrich Pollock, Max Horkheimer, Erich Fromm, Walter Benjamin, Theodor Adorno, Sigfried Krakauer, Franz Neumann, Otto Kirchheimer, Jürgen Habermas, Axel Honneth, Klaus Günther e Rainer Forst.

Uso a expressão “pensamento crítico” para caracterizar, com fundamento no texto de Michel Foucault, “O que é a ilustração?” (FOUCAULT, 2006) todos aqueles e aquelas que se deixaram influenciar pela revolução copernicana de Immanuel Kant, ou seja, estudiosos e estudiosas que não consideram a “realidade” como alguma coisa separada e independente de determinadas categorias do pensamento, as quais são as responsáveis por traçar as fronteiras do que se pode pensar; tenham tais categorias natureza transcendental ou histórica. Está incluída no campo do “pensamento crítico” toda a Teoria Crítica; por auto-declaração no mesmo artigo, Michel Foucault e, entre outros e outras, Nietzsche, Heidegger, Derrida e Judith Butler.

Retomando o fio da meada, adotar uma postura crítica parece especialmente importante para a análise do tema que nos ocupa neste texto do ponto de vista de um ou uma jurista o qual, como veremos, implica na referência a diversos argumentos jurídicos. Os juristas tradicionais costumam falar em nome da suposta verdade de sua interpretação dos textos legais e, assumindo a posição de vanguarda iluminada, veem a si mesmos como uma elite intelectual destinada a orientar o processo de tomada de decisões. Tais juristas pretendem ser capazes de oferecer a palavra final sobre qualquer conflito social mediado pelo Direito e pelo Estado, em nome de uma suposta verdade técnica obtida por intermédio das ferramentas metodológicas da ciência do direito.

Ao agir desta maneira, tais juristas procuram seguir as pegadas de alguns filósofos, cientistas sociais e economistas que legitimam sua autoridade na esfera pública ao procurarem argumentar para além da política. A habilidade dessa espécie de intelectual é tentar pôr algumas supostas verdades à salvo do vozerio desconexo, emocional e alegadamente ignorante dos debates ocorridos na pólis.

No entanto, ao defender este ponto de vista, intelectuais públicos deste jaez colocam em risco a democracia. Pois eles e elas tendem a naturalizar, contra a dinâmica incessante dos conflitos sociais, uma certa visão do Direito e do Estado, uma certa visão da Constituição. Ou seja, tendem a tornar imutáveis determinada distribuição de poder e recursos encarnada no direito posto; uma certa forma de vida e modelo de sociedade desenhada pelo Direito.

Para pensar o Direito em um ambiente democrático, o jurista ou a jurista não pode mais se colocar na posição de juiz ou juíza do debate público. Seu papel passa a ser tomar parte do debate ao lado dos cidadãos e cidadãs, contribuindo para a radicalização da democracia a partir de sua posição específica. Nesse sentido, um jurista democrático tem como tarefa básica desnaturalizar argumentos tidos como auto evidentes ao identificar os agentes sociais, seus desejos e interesses defendidos via direito.Também é sua atribuição aumentar o arsenal argumentativo da sociedade ao procurar dar voz a grupos silenciados e buscando na experiência comparada possibilidades renovadas de regular os conflitos sociais.Finalmente, é seu papel cobrar coerência e realismo dos agentes sociais e dos poderes do Estado, para tornar as demandas sociais e as ações estatais factíveis, encarnadas e racionalmente justificadas.

A democracia é um regime de verdades frágeis e cambiantes, desenhado para acolher a mudança e abrir espaço para o conflito não violento sobre suas consequências desestabilizadoras.[4] Um jurista democrático deve ser capaz de auxiliar na construção de um ambiente que favoreça o florescimento da democracia. Um ambiente de relativa paz, que favoreça a transformação social inclusiva, participativa e não violenta, o que implica em eximir-se de servir a qualquer forma de naturalização do sentido dos direitos.[5]

Absolvição moral ou pânico moral?

Ao abordar a questão da corrupção da perspectiva crítica como exporta acima, podemos notar que há dois discursos circulando na esfera pública, dentre tantos outros, que merecem a atenção especial dos pesquisadores em Direito por colocarem em cheque, de maneiras diferentes, o conceito de estado de direito.

O primeiro deles, que podemos ilustrar pela na celebérrima foto de José Dirceu de punho em riste, em posição desafiadora diante das autoridades que iriam efetuar sua prisão, parece sugerir que determinados atos praticados por ele e por outros membros de seu grupo político, mesmo que considerados ilícitos, deveriam ser interpretados como atos heroicos e, portanto, de acordo com a moral.

A ideia subjacente ao gesto de José Dirceu, presente na “Carta aberta ao povo brasileiro” divulgada por ele na ocasião de sua prisão[6] e reproduzida muitas vezes por defensores dos últimos governos Dilma e Lula[7], parece ser a seguinte: em um ambiente de corrupção generalizada como o que caracterizaria a política brasileira, não seria justo, a despeito de ser lícito, considerar os atos praticados pelos atuais acusados e as acusadas como excepcionalmente graves. Não foram atos inéditos, atos semelhantes aconteceram muitas outras vezes e, portanto, não foram praticados especificamente apenas pelos atuais governantes e pelos membros de sua base aliada.

Ademais, essa linha de raciocínio sugere que devemos considerar tais atos quase como necessários para realizar os fins perseguidos pelos governos Lula e Dilma, afinal todos os governantes, em maior ou menor grau, os teriam cometido como condição sine qua non para serem capazes de governar. A corrupção faria parte, assim, das regras do jogo da política brasileira, o que nos levaria à seguinte conclusão: ou bem toda a classe política deve ser punida ou ninguém deve sê-lo.

Nessa ordem de razões, combater a corrupção punindo indivíduos seria ineficaz e injusto. O objetivo central deveria ser acabar com os mecanismos que teriam transformado a corrupção em elemento essencial do sistema político nacional. Imputar a corrupção brasileira à ação individual de homens e mulheres seria equivalente a falsear a questão. Mais do que isso, seja equivalente a utilizar determinados indivíduos como bodes expiatórios, deixando impunes todos os demais participantes de um sistema político corrupto. Daí Dirceu afirmar, em sua “Carta…”, que ele se considera um preso político.

É claro que a atitude de José Dirceu e este discurso de absolvição moral causou e ainda causa perplexidade em muita gente. Pois esta maneira de encarar as investigações e condenações judiciais recentes acaba funcionando como desculpa para qualquer ato de corrupção praticado no passado e para qualquer ato que venha a ser praticado no futuro. Afinal, não importa o que alguém tenha feito, pouco importa a apuração de sua eventual culpa: seu capital moral e político deve ser preservado e sua eventual responsabilidade deve ser atribuída ao sistema político como um todo.

Ser preso e ir para a cadeia neste caso, mesmo que seja lícito, jurídico, não seria justo. Todo preso ou presa em condições como estas acabaria ocupando, segundo este ponto de vista, a posição de um verdadeiro herói. Alguém que foi capaz de jogar de acordo com as regras de um sistema corrupto, o seja, fazer política como todo mundo faz, mas não para enriquecer individualmente, mas para promover mudanças sociais importantes para nosso país. Os fins justificariam os meios, portanto, e a legitimidade da punição estatal e do estado de direito como um todo ficariam, assim, em posição de cheque, na iminência de sacrificar um herói.

Alguns elementos nos permitem supor que um segundo discurso significativo está se formando no Brasil, o qual chamarei de discurso de pânico moral, o qual caminha no sentido contrário ao anterior. Tal discurso também atribui a corrupção a toda a classe política[8] e a todos os brasileiros e brasileiras, ideia presente na noção de “jeitinho brasileiro”. Viveríamos, assim, em uma cultura essencialmente corrupta, marcada pela corrupção generalizada de funcionários e funcionárias públicas, cidadãos e cidadãs, setor público e setor privado.

Ao contrário do discurso anterior, o discurso de pânico moral afirma que se todos são culpados pela corrupção, todo e qualquer ato que viole uma norma jurídica com a finalidade de obter vantagem pessoal deve ser punido, por mais insignificante que ele pareça. A permissividade com pequenos atos alimentaria a corrupção em larga escala; uma afirmação que autorizaria o Estado brasileiro a promover uma verdadeira caça às bruxas da qual quase ninguém iria escapar.

O que poderia soar como um pesadelo autoritário e paranoico, parece dar sinais de que pode se tornar realidade. O Ministério Públicos Eleitoral do Rio de Janeiro e o de São Paulo, aparentemente tomados por este clima de pânico moral, decidiram processar pequenos doadores da campanha eleitoral do PSOL e do PSTU, transformando seus agentes no que parece ser, se me for permitida a ironia, em um verdadeiro CCCP, Comando de Caça aos Comunistas Pobres.[9]

O argumento para levar adiante essa ação radical moralizante é que doadores e doadoras isentos do imposto de renda não poderiam ceder de 30 a 60 reais para seus partidos. Afinal, estes valores excederiam o teto de 10% da renda total da pessoa física para doações eleitorais, limite este estabelecido pela legislação eleitoral. Com efeito, tal fundamentação jurídica soa temerária pois ser isento do Imposto de Renda não significa ter recebido zero reais por ano. Pressupor que 30 ou 60 reais de doação excedem o limite legal é apenas um chute.

Ademais, perseguir pequenos doadores, salvo engano, não parece ser uma prioridade no combate à corrupção eleitoral. Os valores envolvidos são irrisórios e, por isso mesmo, o apoio desses doadores ao partido, com toda a certeza, não se deu em troca de favores futuros em eventuais licitações ou contratos administrativos, a serem celebrados caso os candidatos do PSOL fossem eleitos.

Seja como for, sob a forma de perdão moral ou sob a figura do pânico moral, o debate sobre a corrupção no Brasil está produzindo problemas jurídicos e morais com consequências práticas muito graves. De um lado, a insistência no perdão moral dos supostos heróis de uma política corrupta pode contribuir para deslegitimar a punição jurídica dos acusados sob o argumento da corrupção generalizada e do bode expiatório. De outro lado, a criação de uma situação de pânico moral pode motivar a adoção de medidas temerárias, draconianas e sem eficácia comprovada no combate à corrupção.

Nossa história recente nos ensina que este tipo de situação pode minar as bases do estado de direito ao atribuir ao Estado poderes de investigação que criam regimes de exceção que põe em segundo plano uma série de garantias fundamentais. Nesse sentido, fui testemunha ocular de uma palestra do MPF na Escola de Direito da UNISINOS (Universidade do Vale dos Sinos) em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, ocorrida na quarta-feira dia 14/10/2015 na qual a Procuradora-Chefe do Rio Grande do Sul, Dra. Patrícia Maria Núñez Weber, afirmou publicamente que o modelo institucional desejado por esta instituição é um direito penal de três velocidades, defendido por uma série de autores para o combate ao terrorismo, visto aqui como inimigo do Estado.

Nesta forma de direito penal, os acusados de determinados crimes não têm direito a uma série de direitos e garantias presentes no direito penal de velocidade normal, sempre em nome da maior eficiência em combater certos tipos de crime. Como nos explica SILVA-SANCHES, 2002, o direito penal de primeira velocidade é aquele que respeita as garantias constitucionais clássicas e gira em torno da pena de prisão.

O direito penal de segunda velocidade o direito penal reparador busca substituir a pena de prisão por penas alternativas (penas restritivas de direito, pecuniárias etc.) que impõem limites à vida do infrator e impõe obrigações proporcionais ao mal causado, com dispensa de advogado em alguns casos e inexistência de denúncia e de processo, como na lei brasileira dos Juizados Especiais (nº 9.099/95) que cria a possibilidade de transação penal (art. 76).

Enfim, o direito penal de terceira velocidade possui características dos dois tipos expostos acima. Ele estaria centrado na pena de prisão, de um lado, e flexibilizaria e suprimiria diversas garantias penais e processuais penais, de outro. Aqui podemos localizar a proposta de um assim denominado “direito penal do inimigo” elaborada por Günther Jakobs e medidas de combate ao terrorismo como o “Patriotic Act”, legislação aprovada nos Estados Unidos da América durante o governo de Bill Clinton. Nestes dois casos, para combater certos tipos de crime, estaria justificado flexibilizar o suprimir uma série de garantias legais constitucionalmente previstas (por exemplo, prender suspeitos para interrogatório, fazer escutas telefônicas e quebrar o sigilo de correspondência sem autorização judicial) o que resulta na ampliação do poder de investigação e de punição do Estado diante de seus cidadãos e cidadãs.[10]

Como se vê, os discursos da absolvição moral e o discurso do pânico moral põem problemas centrais para o debate sobre a relação entre combate a corrupção e estado de direito. Nesse sentido, podemos perguntar: em que circunstâncias seria considerado razoável postular exceções ou a suspensão das normas que punem a corrupção sem colocar em risco a legitimidade do estado do direito? Ainda, uma visão interventiva e altamente moralizante do direito, convidado a punir todo e qualquer ato que se pareça com um ato de corrupção, por mais insignificante que ele pareça, ajuda de fato a combater a corrupção e a consolidar o estado de direito?[11]

Contra o fanatismo textualista

Na parte final deste texto, com os meios da filosofia e não das poderosas ciências política e econômica, pretendo oferecer algumas respostas para as questões que acabei de propor. Para realizar esta tarefa, começo por comparar os discursos da absolvição moral e do pânico moral para além de suas diferenças, discutidas acima.

Ao fazer isso, fica fácil perceber que ambos guardam uma semelhança importante. Os dois discursos propõem que desconsideremos as peculiaridades dos casos concretos, irrelevantes para a absolvição de todos os eventuais heróis da pátria acusados de corrupção ou para a condenação indiscriminada de todo e qualquer ato de corrupção, por mais irrelevante que ele seja.

Parece razoável dizer, portanto, que os dois discursos são formas de um mesmo fanatismo textualista que tende a tomar uma determinada regra (moral, ética, jurídica) de forma absoluta e defender sua aplicação a tudo e a todos, doa a quem doer, eliminando completamente um eventual espaço existente entre a formulação abstrata da regra e seu momento de aplicação.

Muitos podem acreditar que o fanatismo textualista é a única posição compatível com ações sérias de combate à corrupção e a tantos outros atos considerados graves. “Tolerância zero” para que nos tornemos, finalmente, um país sério, sem ter pena de ninguém. Mas a filosofia do direito alemã nos traz elementos interessantes para, eventualmente, convencer adeptos desta posição radical a matizar sua posição e abrir espaço no direito para a complexidade dos casos concretos.

Tomemos um exemplo muito simples oferecido por Klaus Günther em seu livro “Senso de Adequação” (GÜNTHER, 1992). Consideremos a seguinte situação: “uma pessoa faz a promessa de comparecer à festa de seu amigo Smith, mas no dia não comparece”. Em uma primeira análise, a norma pertinente a este caso é a seguinte: “promessas devem ser cumpridas”.

No entanto, afirma Günter, ao examinar as circunstâncias do caso em que a promessa foi feita, podemos chegar à conclusão que a regra deve ser afastada. Neste caso, pode-se considerar que (1) não foi feita nenhuma promessa a Smith; (2) o que foi dito Smith não era uma promessa de fato, mas apenas a afirmação de uma possibilidade ou, (3) embora promessa tenha de fato existido, um outro amigo, Jones, estava em sérias dificuldades e precisou de ajuda no exato momento da festa. E todos consideramos correta a norma que afirma: “não devemos negar ajuda a um amigo em sérias dificuldades”.

Este exemplo mostra que a análise completa de um caso concreto poder alterar ou mesmo afastar a aplicação de uma norma, que parece ser aplicável a ele em uma primeira análise. Por isso mesmo, diz Günther, é preciso distinguir, de um lado, a justificação das normas e, de outro, a aplicação das normas. No momento da justificação é necessário considerar em abstrato os interesses de todos os possíveis afetados pela norma que está sendo discutida. Afinal, a legitimidade das normas deriva do fato de que elas sejam capazes de considerar todos os interesses dos afetados por elas.

O problema é a tentativa de antecipar os efeitos da norma se faz necessariamente em abstrato, a partir dos traços comuns de uma série de situações concretas. E é impossível investigar todas as situações relevantes para a elaboração de uma norma, a menos que dispuséssemos de todo o tempo e de toda a capacidade de conhecimento do mundo, além de todas as informações disponíveis sobre determinadas situações no presente, no passado e no futuro. Afinal, os interesses das pessoas envolvidas na elaboração de uma norma são mutáveis e contextuais.

Ao aplicar uma norma, portanto, é necessário suprir as deficiências do momento da justificação, levando em consideração efeitos não antecipados ou desconsiderados durante sua justificação em abstrato. Diante do caso concreto, pode-se tentar identificar todos os seus efeitos possíveis e uma norma e verificar se ela é adequada ao caso. Nesse sentido, a aplicação de uma norma deve ser realizada com “senso de adequação”, ou seja, de modo a fazer com que a decisão seja aceita como legítima por todos os interessados.

Mas voltemos ao nosso assunto, agora munidos das ideias de Klaus Günther. Parece razoável assim tentar distinguir, lembrando dos discursos da absolvição moral e do pânico moral, situações em que consideramos que abrir uma exceção às normas em nome de interesses pessoais seja aceitável, de situações em que fazer algo assim seja considerado claramente reprovável.

Para um fundamentalista textualista, propor esta distinção já significa compactuar com a corrupção. Mas como nos ensina a teoria do direito e a filosofia em geral, é preciso zelar pela sanidade da cidade em tempos de paixões violentas. E este parece ser um passo necessário se quisermos preservar a legitimidade das normas e, por via de consequência, do estado de direito.

Talvez seja uma boa ideia começar por desmontar o Comando de Caça aos Comunistas Pobres, cuja temeridade já foi exposta acima, e refletir com cuidado sobre este acontecimento. Para que ele não seja reconhecido no futuro como a o primeiro momento de um período de desvario punitivista. Mas para não ficar apenas neste exemplo, a construção jurisprudencial do crime de bagatela nos põe diante de um raciocínio semelhante ao que proponho. De acordo com o princípio da insignificância, podemos afastar a tipicidade penal e deixar considerar crime ações pouco ofensivas, que não revelem nenhuma periculosidade social, que se mostrem pouco reprováveis e provoquem uma lesão jurídica inexpressiva, por exemplo, o furto de um objeto de baixo valor, por exemplo, um alfinete, um bombom, m vidro de shampoo, o seja, uma verdadeira bagatela.[12]

À despeito da originalidade da formulação de Klaus Günther, o debate sobre a indeterminação das normas está presente no campo da teoria do direito e da moral ao menos desde o final do século XIX. Não há novidade alguma em simplesmente dizer, por exemplo, que juízes criam direito em não se limitam a reafirmar o conteúdo dos textos legais. Mesmo assim, diversas versões de posições fanáticas pelos textos normativos têm surgido no espaço público, inclusive o fanatismo textualista atual. Como tive a oportunidade de mostrar em escritos anteriores (RODRIGUEZ, 2010), o debate científico parece não ser suficiente para impedir o surgimento de posições fanáticas como as que debatemos aqui, sempre que este tipo de discurso esteja ligado aos interesses de determinados agentes sociais.

É importante lembrar que a pesquisa e a reflexão sobre a visão de direito e de moral dos agentes sociais não se confundem e muitas vezes não se deixa influenciar pelo debate ocorrido no campo da teoria. Da mesma forma, a crítica radical e demolidora feita pela ciência biológica ao conceito de raça, mais especificamente pelos estudos de genética, não teve o condão de impedir que o racismo surja e se manifeste de forma radical e exuberante em diversas sociedades, inclusive a europeia e a norte-americana.

Nesse sentido, juristas críticos que pretendam contribuir para o debate público não podem reduzir a sua tarefa à busca de bons critérios para diferenciar direito e moral e para caracterizar a racionalidade específica do direito em relação às demais esferas de ação humana. É preciso compreender também a origem e a dinâmica das visões de direito e de moral esposada pelos agentes sociais e de estado no contexto das lutas sociais travadas entre si para tentar compreender as razões pelas quais tais agentes adotam este ou aquele curso de ação.

A verdade é inimiga do pensamento

A despeito de todas as advertências feitas por este trabalho no que diz respeito ao tema da corrupção, especialmente sua relação com um suposto “jeitinho brasileiro”, não deixa de ser irônico vermos prosperar o Brasil discursos textualistas radicais como aqueles que examinamos aqui. Para combater nosso suposto e atávico “jeitinho”, o seja, para “curar” uma sociedade atavicamente doente de corrupção, estamos vendo nascer posições radicalmente intolerantes com qualquer tipo de exceção às regras. Posições que ameaçam a legitimidade de nosso direito não mais por sua inoperância, mas por seu excesso de iniciativa, que pode levar, como já mencionado, à punição de fatos claramente irrelevantes.

Saudades do “jeitinho”, talvez?  Saudades de tempos mais cordiais? Saudades da violência e do arbítrio privado que ocupava o lugar da violência e do poder estatal? Nem uma coisa nem outra, eu ousaria dizer, pois a irracionalidade do fanatismo textualista é o contraponto necessário dos exageros interpretativos do “jeitinho”. Explicações ponderadas e bem fundamentadas raramente se traduzem em excessos verbais e cruzadas morais desta natureza.

O pensamento crítico tem essa característica: tende a ser frio. Ele é capaz de inflamar os ânimos ao revelar as artimanhas do poder, explicitando o uso interessado de supostas verdades e denunciando o caráter arbitrário de diversas instituições que alegam falar em nome do direito. Mas em seu momento positivo, ao lidar com decisões reais de uma política real, assim como n’ As Leis de Platão, é preciso deixar de lado todo o radicalismo, abandonar os sonhos de uma cidade ideal concebida em abstrato, como em A República, e comparar experiências e instituições variadas, sem ter lá muita certeza sobre o melhor caminho a seguir.[13]

A política real deve ser racional, mas nunca fundada em verdades definitivas sobre a ética, a moral ou o direito. A verdade, nesse sentido, é a maior inimiga do pensamento crítico.


Referências bibliográficas
ALMEIDA, Alberto Carlos. A cabeça do brasileiro. Rio de Janeiro, Record, 2007
AVRITZER, Leonardo et al. (org.). Corrupção: Ensaios e críticas. Belo Horizonte: UFMG, 2012.
AVRITZER, Leonardo; FILGUEIRAS, Fernando. Corrupção e sistema político no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
FIALHO, Fabrício Mendes. “Vicissitudes de uma análise de survey à brasileira”. Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol.23, n.66, 2008, pp. 197-200.
FOUCAULT, Michel. Sobre la Ilustración. Barcelona : Paidós, 1991.
GIANNOTTI, José Arthur. “Para a virtuosa Marilena”, Folha de S. Paulo, 30/05/01.
GÜNTHER, Klaus. The Sense of Appropriateness. Application Discourses in Morality and Law. New York: SUNY University Press, 1993.
HOLMES, Leslie. Corruption: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2015.
HOUGH, Dan. Corruption, Anti-Corruption and Governance. Basingtoke: Palgrave Macmillan: 2013.
HORKHEIMER, Max. “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”. In: BENJAMIN, Walter, HORKHEIMER, Max, ADORNO, Theodor W., HABERMAS, Jürgen. Textos escolhidos. (Col. Os Pensadores, Vo. XLVIII).  São Paulo, Abril Cultural, 1983. P 117-161.

JOHNSTON, Michael. Corruption, Contention, and Reform. The Power of Deep Democratization. Cambridge: Cambridge University Press, 2014.
LAVALLE, Adrián Gurza. Vida pública e identidade nacional: leituras brasileiras. São Paulo: Editora Globo, 2004.
LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no Direito Penal. São Paulo: RT, 2000.
MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade de risco e direito penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005.
NOBRE, M. A Teoria Crítica. Rio de Janeiro, Zahar, 2004.
NOBRE, M.; REPA, L (orgs.). Habermas e a Reconstrução – Sobre a Categoria Central da Teoria Crítica Habermasiana. Campinas: Papirus, 2012.
OLIVEIRA, Richard R. Demiurgia Política: As relações entre a razão e a cidade nas “Leis” de Platão. São Paulo: Loyola, 2011.
RODRIGUEZ, José Rodrigo. “Luta por direitos, rebeliões e democracia no Século XXI: algumas tarefas para a pesquisa em Direito. In: Lenio Luiz Streck; Leonel Severo Rocha; Wilson Engelmann. (Org.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 125-156.
____. “A desintegração do status quo: direito e lutas sociais”. Novos Estudos – CEBRAP, n.96, 2013a, pp. 49-66.
___. Como Decidem as Cortes: Para uma crítica do direito (brasileiro). Rio de Janeiro: FGV, 2013b.
____. “The Persistence of Formalism: Towards a Situated Critique beyond the Classic Separation of Powers”, The Law and Development Review. Volume 3, Issue 2, Pages 41–77, 2010.
ROSE-ACKERMANN, Susan. Corruption and Government: Causes, Consequences, and Reform. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

[1] LAVALLE, 2004 faz uma crítica sistemática e organizada ao uso indiscriminado destas categorias, que parecem isentar quem as utiliza do dever de prova. Em RODRIGUEZ, 2013b apresento uma crítica semelhante.
[2] “Corrupção adquiriu esses múltiplos sentidos. É como se resumisse as mazelas do país: vira um resumo para um sistema que se fecha, para essa sensação de exclusão política”, disse Marcos Nobre para a reportagem: “Internautas do UOL apontam corrupção como o principal problema das prefeituras do país” por Débora Melo do UOL em São Paulo, 12/09/2012 (http://eleicoes.uol.com.br/2012/noticias/2012/09/12/internautas-do-uol-apontam-corrupcao-como-o-principal-problema-das-prefeituras-do-pais.htm).
[3] Ver www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas.
[4] Sobre este ponto, ver RODRIGUEZ, 2013a.
[5] Sobre este ponto, ver RODRIGUEZ, 2014.
[6] “Carta Aberta do Povo Brasileiro”, Blog do Zé, 15/11/2013, (http://www.zedirceu.com.br/carta-aberta-ao-povo-brasileiro/).
[7] “Globo decreta a prisão de Dirceu”, Blog Conversa Afiada,
13/07/2015 , http://www.conversaafiada.com.br/pig/2015/07/13/globo-decreta-a-prisao-de-dirceu; “José Dirceu, sacrificado ao deus Mercado no altar da Mídia”, por Fábio de O. Ribeiro, Blog Jornal GGN, 04/08/2015, http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/jose-dirceu-sacrificado-ao-deus-mercado-no-altar-da-midia-por-fabio-de-o-ribeiro; “Dirceu: É a segunda vez que serei um preso político, por Miguel do Rosário, Blog O Cafezinho, 15/11/2013, http://www.ocafezinho.com/2013/11/15/dirceu-e-a-segunda-vez-que-serei-um-preso-politico.
[8] O Ministério Público de Rondônia lançou uma campanha de “Tolerância Zero à Corrupção” voltada para o setor público, http://www.mpro.mp.br/web/caop-ppa/tolerancia-zero-contra-a-corrupcao.
[9] Ver: “Após doar valores como R$ 30 e R$ 60 a partidos, eleitores são processados”, Felipe Amorim do UOL, em Brasília 16/10/2015 (http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/10/16/eleitores-sao-processados-por-doacoes-de-ate-r-30-no-rio-e-em-sp.htm).
[10] Para mais detalhes, ver SILVA SANCHES, 2002.
[11] Em um contexto diferente, José Arthur Giannotti manifestava preocupações semelhantes: “Preocupo-me com os ares de moralismo irracional e desvairado que, em nome da moral, nega a legitimidade da política no seu caráter de jogo, pois já sabemos que essa negação leva ao terror. Temo qualquer programa político que se arme centrado na bandeira da moralidade. Nada mais pretendo do que resgatar uma política republicana, em que cada instituição há de agir dentro dos limites que lhe são próprios, respeitando cuidadosamente os limites das outras. Exemplificando: que uma revista não construa uma informação na base do grampo de um telefone celular (procedimento tecnicamente impossível) [NOTA JR: Hoje isso é possível]; que um promotor não inicie um processo a partir da suspeita que ele próprio transformou em notícia; que o Legislativo investigue a corrupção disto ou daquilo, mas nunca a corrupção em geral, que foi de tal forma generalizada que deveria começar investigando alguns corruptos que a requereram. É preciso dar mais exemplos da confusão reinante?” (GIANNOTTI, 2001)
[12] Sobre esse assunto ver, entre outros, LOPES, 2002
[13] Sobre as diferenças entre A República e As Leis de Platão, um tópico ainda pouco estudado pela academia, ver em português o livro de OLIVEIRA, 2011.

Veja também:

Assine nossa Newsletter

Li e aceito a Política de privacidade

GENJURÍDICO

De maneira independente, os autores e colaboradores do GEN Jurídico, renomados juristas e doutrinadores nacionais, se posicionam diante de questões relevantes do cotidiano e universo jurídico.

Áreas de Interesse

ÁREAS DE INTERESSE

Administrativo

Agronegócio

Ambiental

Biodireito

Civil

Constitucional

Consumidor

Direito Comparado

Direito Digital

Direitos Humanos e Fundamentais

ECA

Eleitoral

Empreendedorismo Jurídico

Empresarial

Ética

Filosofia do Direito

Financeiro e Econômico

História do Direito

Imobiliário

Internacional

Mediação e Arbitragem

Notarial e Registral

Penal

Português Jurídico

Previdenciário

Processo Civil

Segurança e Saúde no Trabalho

Trabalho

Tributário

SAIBA MAIS

    SAIBA MAIS
  • Autores
  • Contato
  • Quem Somos
  • Regulamento Geral
    • SIGA