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Ausência de fundamentação nas decisões judiciais

ART. 93

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NOVO CPC

Elpídio Donizetti

Elpídio Donizetti

21/06/2017

Para explicitar o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF), o novo CPC enumerou, em rol exemplificativo, as hipóteses em que não se atenderá a tal requisito. As prescrições do art. 489, § 1º, se aplicam tanto às sentenças, como aos acórdãos e às decisões interlocutórias.

Essas disposições foram inseridas pelo legislador como forma de obstar a prolação de sentenças demasiadamente concisas, que muitas vezes ignoram os argumentos apresentados pelas partes e até mesmo o entendimento jurisprudencial predominante sobre a questão em litígio. Não se pode exigir, contudo, que em todo e qualquer caso o juiz fundamente, de forma exaustiva, as suas decisões. O Supremo, intérprete da Constituição, já afirmou, a propósito, que “o magistrado não estar obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte” (AI 761.901/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22.04.2014).

Por tal razão penso que o dispositivo estabelece uma espécie de roteiro para o magistrado – assim como faz para o advogado (art. 319, CPC/2015) –, mas que não precisa ser seguido “a ferro e fogo”.[1] Afinal, para dar conta do acervo e das metas estabelecidas pelo CNJ, não há como exigir que o julgador analise, de forma pormenorizada, todas as alegações trazidas pelas partes. O que o ordenamento jurídico não admite é a escolha aleatória de uma ou de outra questão fática para embasar o ato decisório, com desprezo a questões importantes e aos princípios do contraditório e da ampla defesa. A decisão que não se explica, que não mostra de onde veio, suscita descrença à própria atividade jurisdicional.

Pois bem. Nos termos do § 1º do art. 489, CPC/2015, não será considerada fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

O julgador deve expor, de forma clara e coerente, as razões que lhe formaram o convencimento e não apenas indicar a norma que aplicou ao caso concreto ou reproduzir o texto de lei aplicável ao caso. São exemplos de decisões que afrontam esse dispositivo: “Em razão do disposto no art. X, indefiro o pedido”; “Restou caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte, razão pela qual defiro a medida pleiteada”.

Além disso, nos termos do § 2º do art. 489, CPC/2015, na hipótese de colisão entre normas, “o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”. O critério de aplicação e escolha de uma ou de outra norma é um critério fático. A aplicação ou o afastamento de regras e princípios (espécies de normas) serão realizados de acordo com as especificidades do caso concreto.

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

Conceitos jurídicos indeterminados são aqueles “cujos termos têm significados intencionalmente vagos e abertos”.[2] São, em outras palavras, institutos que possibilitam interpretação ampla por parte do julgador, a exemplo da “ordem pública” e do “interesse público”.

Em sendo assim, a aplicação de conceitos indeterminados é, muitas vezes, geradora de insegurança jurídica. É como conceder um “cheque em branco” ao magistrado, permitindo-lhe adotar a interpretação que entenda mais adequada à solução da controvérsia.

Para evitar abusos, o Código determina que o juiz, ao aplicar esses conceitos, o faça de forma motivada, objetiva, explicitando as razões pelas quais adotou essa ou aquela interpretação.

Vamos ao exemplo. O Código Civil prevê a chamada desapropriação judicial privada por posse-trabalho (art. 1.228, § 4º), instituto que admite a restrição da propriedade quando o imóvel reivindicado consistir em extensa área e estiver na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas houverem realizado obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Boa parte das expressões utilizadas no dispositivo constituem “cláusulas abertas”, que devem ser analisadas de acordo com o caso concreto. Não pode o juiz, por exemplo, deferir o pedido afirmando apenas que “a área é extensa e permite a aplicação do art. 1.228, § 4º”.

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

É fundamental que as decisões judiciais estejam coerentes com os fatos apresentados pelas partes. A fundamentação do julgado não pode se mostrar incompreensível ou contraditória, ao ponto de gerar dúvida acerca da conclusão apresentada pelo magistrado. Além disso, levando-se em consideração que a jurisdição tem como característica a criatividade, incumbe ao órgão jurisdicional respeitar as peculiaridades de cada caso concreto.

Se o autor, maior e capaz, pleiteia alimentos em face de seu genitor, sob o argumento de que ainda se encontra cursando o ensino superior em horário integral, ou o juiz acolhe o pedido (integralmente ou em parte), ou nega-o com base, por exemplo, na idade avançada do autor. Nesse exemplo, não pode o juiz invocar que se o autor não tivesse condições de trabalhar, o pleito alimentar poderia ser atendido. Em síntese, se o autor demonstrar que não tem condições de trabalhar e o juiz, ao analisar o mérito, não apreciar essa questão, mas a suscitar como possível, a decisão será considerada como não fundamentada, possibilitando a interposição de embargos declaratórios em razão de contradição.

Outro exemplo ocorre quando o juiz, ao proferir determinada decisão, discorre sobre posicionamento tido como correto, mas aplica tese oposta. É como se na fundamentação do julgado as razões invocadas indicassem a procedência do pedido, mas o dispositivo chegasse a conclusão totalmente diversa. Não se afasta, contudo, a possibilidade de o julgador ressalvar o seu entendimento em relação a determinado tema, mas aplicar tese definida por tribunal superior.

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

A decisão judicial deve ser construída ao longo do processo, após a análise das alegações das partes, da apreciação da prova e das demais circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras, tudo o que de relevante for produzido, deduzido e percebido no processo deve ser levado em consideração no momento de se proferir uma decisão, especialmente em se tratando de sentença ou de acórdão.

Isso não quer dizer que o juiz tenha que apreciar todo e qualquer argumento constante dos autos. Se, por exemplo, em ação de divórcio, uma das partes enumera as razões pelas quais se está propondo a demanda, não há necessidade de que o juiz se manifeste sobre elas, mas apenas que verifique se estão preenchidos os pressupostos necessários à concessão do pedido.

Outro exemplo ocorre quando as partes apresentam diversos fundamentos, mas todos eles são capazes de lhe propiciar um julgamento favorável. Se o juiz examina o primeiro e conclui pela procedência da demanda, não há necessidade de apreciar os demais. Por outro lado, se apenas um dos argumentos é levado em consideração para a prolação de uma decisão desfavorável, deve o juiz informar na sentença o motivo pelo qual rejeitou todos os pedidos. Pode, inclusive, invocar um motivo único para todos os argumentos.

Tal requisito encontra fundamento no princípio do contraditório, que não apenas garante o direito de manifestação das partes, mas, também, o direito de serem essas manifestações tomadas em consideração pelo juiz.

Sobre o inciso IV, vale transcrever os enunciados da Escola de Aperfeiçoamento de Magistrados, que podem indicar uma futura interpretação desses dispositivos:

Enunciado nº 6: “Não constitui julgamento surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos, ainda que diversos dos apresentados pelas partes, desde que embasados em provas submetidas ao contraditório”.

Enunciado nº 10: “A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa”.

Enunciado nº 12: “Não ofende a norma extraível do inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC/2015 a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame tenha ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante”.

Enunciado nº 13: “O art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015 não obriga o juiz a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido enfrentados na formação dos precedentes obrigatórios”.

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

Nem sempre o dever de fundamentação é observado dentro dos limites que efetivamente o processo reproduziu. As questões de fato e de direito postas em julgamento muitas vezes são desconsideradas em detrimento da aplicação “rápida” e “prática” de entendimento jurisprudencial que sequer tem relação com o caso concreto.

Por esse motivo, o novo CPC traz regras expressas que visam evitar as decisões meramente repetitivas de julgados, jurisprudências ou enunciados de súmulas, que não demonstrem a aplicabilidade do entendimento consolidado ao caso efetivamente apreciado.

Há que se ressalvar, contudo, a desnecessidade de identificação pormenorizada dos fundamentos do próprio precedente invocado. Explico. De acordo com o art. 984, § 2º, CPC/2015, o conteúdo do acórdão proferido em IRDR (incidente de resolução de demandas repetitivas) “abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários”. A tese firmada no incidente será amplamente divulgada (art. 979, CPC/2015), razão pela qual não se pode exigir do julgador a identificação de todos os fundamentos da decisão que ele utilizará para subsidiar a sua sentença. Como a tese já está firmada, caberá ao juiz simplesmente segui-la ou, se for o caso, demonstrar que ela efetivamente não se aplica ao caso concreto.

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.[3]

Da mesma forma que o magistrado deve lançar as razões pelas quais aplicou determinado entendimento ao litígio posto sob sua apreciação, também deve justificar a inadequação de precedente, súmula ou jurisprudência quando a parte a invocar como forma de subsidiar o seu pleito. Se, por exemplo, a parte invoca um precedente vinculante e o juiz entende que ele não se aplica ao caso concreto, deve, de forma fundamentada, demonstrar que a situação fática apresentada é distinta daquela que serviu para o precedente.


[1] Citem-se os Enunciados nos 42 e 47 da ENFAM (Escola Nacional de Aperfeiçoamento de Magistrados), que acabam afastando a aplicação desse dispositivo: “Não será declarada a nulidade sem que tenha sido demonstrado o efetivo prejuízo por ausência de análise de argumento deduzido pela parte”; “O art. 489 do CPC/2015 não se aplica ao sistema de juizados especiais”. Não há como afirmar se essas serão as teses adotadas pela jurisprudência. Por enquanto, esses enunciados indicam uma provável interpretação por parte da carreira da magistratura.
[2] COSTA, Judith Martins; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 117-119.
[3] Quanto a esse inciso a ao anterior, cito novamente os enunciados da ENFAM: “É ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC/2015, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula” (Enunciado nº 9); “Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do § 1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332” (Enunciado nº 11); “A decisão que aplica a tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos não precisa enfrentar os fundamentos já analisados na decisão paradigma, sendo suficiente, para fins de atendimento das exigências constantes no art. 489, § 1º, do CPC/2015, a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no incidente de solução concentrada” (Enunciado nº 19). Como se pode perceber, a interpretação por parte da magistratura parece ser de restringir o alcance desses dispositivos.

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