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Decodificando o Código Civil (26): A ordem de vocação hereditária e o inacreditável art. 1.829 (Parte II)

ART. 1.829

CONCORRÊNCIA NA SUCESSÃO

CURSO DIDÁTICO DE DIREITO CIVIL

ORDEM DE VOCAC?A?O HEREDITA?RIA

REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL

REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL

REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA

SUCESSÃO LEGÍTIMA

Felipe Quintella

Felipe Quintella

04/07/2017

Começamos, na semana passada, a comentar a ordem de vocação hereditária estabelecida no art. 1.829 do Código de 2002.

Convém, para quem está começando agora a se debruçar sobre o assunto, relembrar a fatídica redação do dispositivo:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I — aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II — aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III — ao cônjuge sobrevivente;

IV — aos colaterais.

Conforme observei na semana precedente, se você é iniciante no estudo do assunto e não conseguiu entender qual é, afinal, o comando do inc. I do dispositivo transcrito, não se preocupe, porquanto, até hoje, nem doutrina nem jurisprudência conseguiram chegar a um consenso.

Inicialmente, vale ressaltar que não há problemas técnicos nos incs. II a IV, cujos comandos são bem claros. Toda a intransponível dificuldade que a matéria suscita decorre da tosca redação do inc. I e da inacreditável situação que dela decorre. E que, infelizmente, refere-se à hipótese estatisticamente mais frequente de morte: da pessoa que era casada, ou vivia em união estável, e deixou descendentes.

Aparentemente, no inc. I, o Código estabelece a sucessão dos descendentes em concorrência com o cônjuge — ou companheiro — sobrevivente como regra geral, enunciando, posteriormente, as exceções à regra, baseadas no regime de bens do casamento.

Regime da comunhão universal

A primeira exceção — e única sobre a qual autores e Tribunais não divergem — ocorre quando o cônjuge ou companheiro sobrevivente era casado com o autor da herança, ou havia constituído união estável, pelo regime da comunhão universal de bens. Neste caso, o cônjuge ou companheiro é meeiro — ou seja, é dono de metade do patrimônio do casal —, mas não será herdeiro; os descendentes herdarão sozinhos a metade do falecido no patrimônio do casal.

Regime da separação obrigatória

A segunda exceção seria a hipótese de o regime de bens do casamento ou da união estável ser o da separação obrigatória.

Aqui, há quem, como eu, interprete separação obrigatória como separação legal, ou seja, aquela que a lei impõe aos nubentes, nas hipóteses previstas no art. 1.641. Daí o adjetivo obrigatória. Nesse sentido firmou-se o enunciado nº 270 na III Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, e, anos mais tarde, em 2015, fixou-se o entendimento uniformizado do STJ.

Todavia, considerando-se a pluralidade de expressões utilizadas para referência aos regimes de separação — obrigatória, legal, convencional, total, absoluta —, bem como a remissão equivocada ao art. 1.640, parágrafo único — o qual trata da escolha de regime de bens em pacto antenupcial, e não de qualquer regime de separação —, instaurou-se uma controvérsia sobre a interpretação da regra.

Há quem considere separação obrigatória como gênero do qual seriam espécies a separação legal — imposta pela lei — e a separação convencional — escolhida pelos nubentes. É o que defendia Miguel Reale, e o que chegou a sustentar a Min. Nancy Andrighi, no STJ, antes da uniformização.

Regime da comunhão parcial

O terceiro regime mencionado no dispositivo é o da comunhão parcial.

Devido à má redação da parte respectiva no art. 1.829, I surgiram três correntes (!) propondo a interpretação da regra acerca da concorrência do cônjuge — ou do companheiro — com os descendentes quando o regime de bens vigente era o da comunhão parcial.

Para uma primeira corrente, à qual me filio, só haverá concorrência se o autor da herança houver deixado patrimônio particular. Nesse sentido firmou-se o enunciado nº 270 na III Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF, e, em 2015, fixou-se o entendimento uniformizado do STJ.

Por sua vez, para Maria Berenice Dias, o ponto-e-vígula que separa a referência ao regime de comunhão parcial de bens na parte final do dispositivo das exceções constantes na primeira parte implica que o comando posterior ao sinal de pontuação não pode ser interpretado como abrangido pela expressão “salvo se”. Logo, só haveria concorrência, ao contrário, se o cônjuge não houver deixado bens particulares.

Por fim, atuando como ministro convocado no STJ, o Des. Honildo Amaral de Mello Castro, no TJAP, posicionou-se no sentido de que, por interpretação teleológica, só deveria haver concorrência nos casos em que não houver patrimônio comum, vez que, do contrário, o cônjuge ou companheiro sobrevivente tem meação, não ficando desamparado pela morte do outro.

A inacreditável situação decorrente das dificuldades criadas para o intérprete pelo art. 1.829, I, todavia, não se encerram por aqui. Mas, para não estender demais o artigo desta semana — considerando-se que a proposta da coluna Decodificando o Código Civil é discutir o Código Civil por meio de textos breves, porém semanais, para que você sempre tenha tempo de os ler, e nunca pare de estudar o Direito Civil — vamos deixar para concluir as considerações sobre o tema na semana que vem.

Até lá!


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