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As cláusulas exorbitantes diante da contratualização administrativa

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As cláusulas exorbitantes diante da contratualização administrativa

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CLÁUSULAS EXORBITANTES

CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO

CONTRATUALIZAÇÃO

Thiago Marrara

Thiago Marrara

18/07/2017

Resumo: Os poderes exorbitantes da Administração Pública também se manifestam em matéria contratual. Ocorre que, nos últimos anos, a multiplicação das formas de acordo envolvendo o Estado vem suscitando críticas a respeito da utilidade e aplicabilidade desses poderes. A partir do exame da contratualização administrativa, o presente artigo examina os posicionamentos dos juristas brasileiros a respeito do problema e traz algumas considerações críticas sobre a necessidade ou não de se modificar a legislação.

Palavras ­chave: Contratos da administração. Cláusulas exorbitantes. Contratualização.

Sumário: 1 Introdução – Consensualização e contratualização – 2 Poderes exorbitantes – Previsão legal e aplicabilidade – 3 O “futuro das cláusulas exorbitantes” – Visões doutrinárias – 4 Proposições conclusivas acerca das cláusulas exorbitantes – 5 Propostas a título de conclusão – É preciso mudar o direito? – Referências

1   Introdução – Consensualização e contratualização

A renovação do direito administrativo que se opera desde a edição da Constituição de 1988 e, sobretudo, do Plano Diretor de Reforma do Estado atingiu intensamente as convenções celebradas pela Administração. As espécies de acordos e contratos se multiplicaram e a dinâmica tanto das relações interadministrativas, quanto das relações entre entes públicos e sociedade tem sido rapidamente modificada. É nesse contexto que despontam dois movimentos relevantes: a consensualização e a contratualização da gestão pública.

É preciso diferenciar os fenômenos! A consensualização designa o emprego crescente de formas de busca de consenso nos processos decisórios estatais. Trata­se de um processo de transformação da gestão pública em favor de um resultado claro: o incremento da consensualidade, ou seja, de decisões, unilaterais ou não, assentadas em consensos obtidos por mecanismos de diálogo e percepção dos interesses dos indivíduos e das entidades por elas afetados. A consensualização se vale, pois, de instrumentos processuais (como audiências e consultas públicas), instrumentos orgânicos (como conselhos compostos por representantes do Estado e da sociedade), bem como instrumentos contratuais (incluindo desde as espécies clássicas de contratos administrativos até os novos acordos no exercício do poder de polícia).

É a partir desse panorama básico acerca dos mecanismos pró­consensuais que se compreende a relação entre consensualização e contratualização. Este último fenômeno é naturalmente parte do primeiro, mas não o esgota. A gestão consensual é mais ampla que a gestão contratual. Sem embargo, o destaque ao fenômeno da contratualização se justifica na atual fase de transformação do direito administrativo pelo fato de que, desde meados da década de 1990, assiste­se a uma multiplicação de módulos convencionais no exercício das atividades administrativas. O movimento atinge não apenas a gestão de serviços públicos e atividades econômicas, mas, principalmente, a de serviços administrativos (acordos entre entidades públicas) e o exercício da atividade de polícia e de regulação (e.g., por acordos entre entes reguladores e regulados). Isso significa que a  teoria contratual se tornou mais complexa.

Com efeito, tradicionalmente, na boa síntese de Bacellar Filho:

[Há] três vertentes no tocante ao módulo contratual aplicável à atividade administrativa: (i) identificação de um típico contrato administrativo que, para uns, estaria regulado exclusivamente pelo direito público (Maria Sylvia Zanella Di Pietro) e, para outros, prevalentemente pelo direito administrativo sem afastar a incidência subsidiária do direito privado (Celso Antônio Bandeira de Mello e Lúcia Valle Figueiredo)? (ii) identificação de “contratos da Administração Pública” regidos pelo direito privado com derrogações parciais do direito público […]? (iii) constatação de que o direito privado incide nas contratações da Administração Pública, ora com maior intensidade, ora com menos intensidade, mas nunca desacompanhado de normas próprias do direito administrativo (o que leva à negação de contratos celebrados pela Administração Pública regidos exclusivamente pelo direito privado).1

Em contraste com a clássica distinção entre contratos administrativos e contratos da Administração, hoje se busca problematizar a teoria dos módulos convencionais e, nesse caminho, despontam novas propostas de sistematização. Para dar conta da multiplicidade de módulos convencionais na Administração Pública, Menezes de Almeida,2 em sua tese de livre­docência, propõe uma classificação que abarca:

1. Os módulos convencionais necessários para a criação de situação jurídica, que abrangem: (a) os módulos de cooperação (como convênios, consórcios administrativos, contrato de repasse, termo de parceria com OSCIPs, contrato de gestão com OS etc.)? (b) osmódulos de concessão (abrangendo as concessões comum, patrocinada e administrativa, a permissão de serviços públicos, a concessão de uso ou exploração de bens públicos, a concessão urbanística ) e (c) os módulos instrumentais (incluindo contratos de obras, serviços, compras, alienações, locações, arrendamento, superfície, seguro, financiamento, uso de serviço público, trabalho etc.)?

2. Os módulos convencionais substitutivos de decisão unilateral, que incluem os acordos em desapropriações, compromissos de cessação de prática na legislação concorrencial

Reconhecer tantos tipos de acordos e contratos traz, para o administrativa, um problema óbvio. Como definir o regime jurídico geral de cada um desses módulos? Quais regras lhe são comuns? Quais são peculiares a um ou outro módulo? O problema poderia parecer simples, quando se recorda que existe uma lei geral de licitações e contratos, uma lei geral de concessões e várias leis específicas sobre inúmeros dos contratos mencionados. Falsa impressão. A legislação existente mais causa dúvidas que traz soluções. As normas contratuais da Lei de Licitações são aplicáveis a todos as espécies hoje existentes que não estejam regidas por norma especial? Faz sentido utilizar disposições gerais clássicas, por exemplo, para os recentes acordos no exercício do poder de polícia ou da atividade regulatória restritiva?

É nesse mar de incertezas que emergem as dúvidas sobre os poderes exorbitantes da Administração Pública. É verdade que há normas gerais que reconhecem e regem esses poderes, mas o problema não está exatamente na ausência absoluta de normas, senão na dúvida quanto à incidência das existentes sobre os multiformes acordos hoje existentes. Em suma, é possível sustentar um regime padronizado de poderes estatais diante dos contratantes ou, diferentemente, mostra­-se necessário reconstruir a teoria das cláusulas exorbitantes e modular sua aplicabilidade concreta?

A doutrina brasileira não negligenciou o problema. Os posicionamentos a respeito são muitos e diversificados em seu conteúdo. Antes de se apresentá­los criticamente, é fundamental traçar um panorama brevíssimo a respeito do tratamento das cláusulas exorbitantes pelo direito administrativo positivo. Ao final desse caminho, espera­se contribuir com o debate mediante uma avaliação crítica a respeito da real necessidade de se modificar a legislação brasileira.

2   Poderes exorbitantes – Previsão legal e aplicabilidade

Segundo Moreira Neto, as cláusulas exorbitantes se dividem em três catego­rias:

1. As cláusulas de executoriedade, embora, na sua opinião, elas consistam mais exatamente em determinações extracontratuais, já que “extracontratual é o privilégio da execução prévia”?

2. As cláusulas de jus variandi, que permitem alterar unilateralmente contratos, mas que devem ser submetidas a um juízo de razoabilidade, nada impedindo que sejam, ademais, “incluídas em contratos privados, desde que não rompam a equivalência das prestações e não sejam abusivas”? e

3. As cláusulas de previsão de efeitos sobre terceiros, que atribuem “direitos de expropriação, de receber tarifas, de exercer atividades de polícia e outras, que podem se refletir sobre terceiros e que, por isso, revogariam a regra da res inter alios acta nec noccet — no caso dos contratos administrativos resultam apenas da aplicação das leis”.3

Na legislação em geral, as cláusulas exorbitantes aparecem sob diversas formas. Há, porém, um dispositivo que disciplina a matéria dentro da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos. Trata­se do art. 58, segundo o qual “o regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de”:

1. Modificá­los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado?4

2. Rescindi­los, unilateralmente, em inúmeras situações legalmente previstas (art. 78, I a XII e XVII), abrangendo a superveniência de relevantíssimo motivo de interesse público?5

3. Fiscalizar­lhes a execução?

4. Aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste? e

5. Nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contrato, bem como na hipótese de rescisão do contrato

Seguindo a classificação de Moreira Neto, as cláusulas previstas no art. 58, II, III, IV e V seriam de executoriedade? o poder de alteração unilateral se incluiria na categoria do jus variandi? as cláusulas de fiscalização seriam de executoriedade e efeitos sobre terceiros? e as demais cláusulas de executoriedade. Em comum, todas elas dividem uma vinculação presumida em relação ao princípio da supremacia e da indisponibilidade do interesse público primário. Em outras palavras, ao Estado seriam assegurados tais poderes no intuito de bem zelar pelos seus ajustes contratuais e, com isso, evitar prejuízos ao erário, ao funcionamento de serviços públicos e às suas atividades precípuas.

Sob essa linha, o art. 58 — praticamente idêntico ao art. 48 do Decreto­Lei nº 2.300/1986, com a exceção da prerrogativa de ocupação, integrada na lei atual6 — insere uma série de poderes a princípio inafastáveis em benefício do Estado em suas relações contratuais. E tais poderes, segundo Bacellar Filho, permeiam “as contratações da Administração Pública, deixando de ser uma imposição característica das ‘contratações administrativas’ e passando a estigmatizar todas as avenças do Poder Público […]”.7

Tal explicação, em realidade, baseia­se no art. 62, §3º da Lei nº 8.666/1993, de acordo com o qual os poderes do art. 58 se aplicam “I ­ aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado? e II ­ aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público”. Referido dispositivo, por sua vez, é potencializado pelo art. 117, que estende as normas da Lei de Licitações em geral para obras, serviços, compras e alienações realizados pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Tribunal de Contas nas três esferas da federação. Em síntese, os poderes exorbitantes se aplicariam aos contratos tradicionalmente regidos pela lei (incluindo obras, compras e serviços), bem como aos contratos com conteúdo de direito privado, aos contratos em que a Administração surge como usuária de serviços e em diversos módulos contratuais regidos por leis específicas que fazem remissão às normas gerais da Lei de Licitações como corpo de normas gerais.

Ora, o problema dessa construção do direito positivo reside, como dito, no fato de que as normas gerais de 1993 não atendem novas e complexas modalidades contratuais que Administração Pública passa a empregar no exercício de suas tarefas mais diversas e, até mesmo, no campo da polícia administrativa. É aqui que então se pergunta: as cláusulas exorbitantes devem ser aplicadas amplamente para contratos da Administração Pública ou não? Qual é o espaço que resta aos poderes exorbitantes no atual cenário do direito administrativo?

3   O “futuro das cláusulas exorbitantes” – Visões doutrinárias

3.1 Posicionamento de Franco Sobrinho

No início da década de 1980, ao tratar dos contratos administrativos, Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, administrativista paranaense, já abordava a questão ainda que, à época, não fosse certamente estimulado pela multiplicação dos módulos administrativos.

Ao se posicionar criticamente sobre os poderes exorbitantes, asseverava que “o que deve, ou pode, a Administração, em nome do interesse público, é exigir a mais do exigível nas relações privadas. Nunca, porém, em circunstância alguma, o poder administrativo é arbitrário”.8 Com isso, buscava esclarecer que, se há poderes fundados na supremacia do interesse público e que,  inclusive, atingem as relações contratuais do Estado, isso não significa que eles prescindam de uma relação de vinculação com os princípios que os sustentam. Os poderes se alinham ao interesse público primário e, por isso, somente se manifestam quando interesses do gênero estejam em jogo. Utilizar poderes exorbitantes aleatoriamente é agir com arbitrariedade.

Ao valorizar a relação de necessária vinculação entre poderes e interesses públicos, já caminhava  o jurista para uma concepção relativizante da realidade contratual. Assim, aduzia: “as exigências, fundadas no interesse público, possuem motivações factuais, podem impor ou não cláusulas estranhas ao direito comum, como podem não impor conforme seja a natureza do ajuste nas esperadas consequências de serviço”9 (grifos nossos).

A expressão grifada dentro do trecho transcrito tem significado evidente. Entendia o autor que certos contratos administrativos não necessitam conter cláusulas consideradas exorbitantes. Há, portanto, contratos e acordos celebrados que, por sua função, não exigem a conferência de poderes de alteração, rescisão, fiscalização, ocupação etc. para além daquilo que já permite o direito privado.

3.2    Posicionamento de Moreira Neto

As considerações de Franco Sobrinho ficariam, porém, por longo tempo adormecidas até que, em 2008, Diogo de Figueiredo Moreira Neto se debruçasse sobre o assunto, estimulando novos e acalorados debates com um artigo crítico acerca do futuro das cláusulas exorbitantes, escrito em tempo de profundas mudanças nos valores e nas concepções reinantes do direito administrativo brasileiro.

Nesse ensaio, Moreira Neto lança mão de um breve histórico e uma proposta de classificação dos poderes exorbitantes. A partir daí, reflete sobre as vantagens e desvantagens dessas cláusulas no cenário atual, aponta os novos parâmetros da contratação pública e defende, enfim, a tese do uso discricionário dos poderes em questão, colocando em segundo plano a norma geral da Lei de Licitações.

No tocante à ponderação das vantagens e desvantagens, observa que as cláusulas exorbitantes “eram” de inegável relevância para um contexto de semidirecionamento da economia pelo Estado pautado em uma “supremacia indiscriminada do Estado”. Em uma economia fechada, o Estado aspirava gerar capital e tecnologia “a partir de políticas públicas dirigistas, praticadas conforme as nuanças do regime político — mais fechado ou mais aberto — que tivesse sido adotado”.10

Ocorre que tais vantagens perdem força em uma economia de mercado que demande alta competividade no intuito de gerar desenvolvimento. Em um ambiente de empresas globalizadas e incremento do papel dos agentes econômicos nos rumos do mercado, as cláusulas exorbitantes passam a gerar algumas dificuldades, a saber:

1. “A imprecisão e insegurança de direitos resultantes do manejo públicos das prerrogativas da Administração nas transações, pela ambivalência de sua origem e justificativa, ou seja, o fato de decorrerem ou da natureza dos contratos (relativas) ou da natureza da própria Administração Pública (absoluta)”?

2. “O agravamento dos custos de transação pelo aumento do risco”, já que o agente econômico muitas vezes eleva seus custos e ofertas de preços na contratação pública com forma de responder aos riscos de uso de poderes exorbitantes, o que, justifica o autor a aduzir que a mitigação ou extinção das cláusulas exorbitantes reduziria o risco soberano?

3. “O déficit de transparência da transação, pois as prerrogativas são genericamente estabelecidas nas leis, sem evidente relação com as situações fáticas específicas e as peculiaridades de cada contrato”, afinal, como visto, as normas gerais de licitações são de 1993, momento histórico em que a contratualização não mostrava, ainda, toda sua força como instrumento de reforma e dinamização da Administração Pública? e

4. “O sacrifício da confiança legítima do administrado na transação, pois as prerrogativas tanto podem servir a propósitos legítimos como disfarçar intenções ilegítimas, como a difundida e gravosa corrupção pelo temor”,11o que, em última instância, poderia ser visto como prejuízo à ampla e real competitividade dos certames licitatórios, em detrimento da economicidade e eficiência.

Em síntese, dentro de um novo contexto administrativo marcado pela “proeminência dos direitos fundamentais? a exigência de legitimidade? a necessidade de assegurar a competitividade, a indispensabilidade de criar e aperfeiçoar as tecnologias? a importância da publicidade e da visibilidade da atuação pública? a obrigatoriedade da motivação e a inafastabilidade de controle multimodais”,12 a concepção tradicional das cláusulas exorbitantes sujeita­se a intenso ataque.

Moreira Neto não se limita, porém, às críticas. Propõe­se a colaborar com o aprimoramento da matéria e oferta solução ao problema. No intuito de superar as desvantagens apontadas, sugere como solução do anacronismo de uma adoção genérica de cláusulas exorbitantes em contratos da Administração Pública o emprego de uma técnica de flexibilização. Nesse sentido, a padronização legal de comandos seria abandonada em favor da adoção da necessária modulação dos poderes “para atender as miríades de circunstâncias próprias de cada contratação”. Sob esse entendimento, à Administração restaria margem de discricionariedade para avaliar “a conveniência e a oportunidade de inserir ou não, casuisticamente, em cada contrato, as modulações ditas exorbitantes”.13

Entende, inclusive, que essa sugestão não esbarraria na legislação vigente, já que a generalização das hidratado exorbitantes pela lei de licitações e contratos não deteria assento constitucional. Nada impediria, pois, que o legislador ordinário delegasse ao administrador o poder de avaliar o emprego das cláusulas no caso concreto. Note­se bem: Moreira Neto não propõe que se viole o art. 58, mas sim que sejam criadas técnicas flexibilização por meio de outras normas legais, de acordo com as quais a impositividade das cláusulas exorbitantes quedaria na esfera decisória do administrador e não mais do legislador.

Essa técnica de flexibilização seria, ainda, acoplada à teoria da dupla motivação. Nesse sentido, a Administração Pública, em primeiro lugar, seria obrigada a motivar, em cada caso concreto, a adoção ou o afastamento das cláusulas exorbitantes. Em segundo lugar, o administrador público ainda deveria motivar a aplicação efetiva da cláusula prevista contratualmente14 — dever que, porém, já se impõe atualmente por força do art. 50, I, da Lei de Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784/1999).

Enfim, registra o administrativista fluminense que essa flexibilização não esbarraria no princípio da supremacia do interesse público. Afinal, se o atendimento ao interesse público é legalmente indisponível, “as condições em que esse atendimento dar­se­á ou se possa dar, é matéria administrativamente disponível, sempre que se instaure concurso com outros princípios constitucionalmente relevantes”. 15 Em outras palavras, aceitar novos meios de gestão pública e contratual não significa abrir mão de finalidades e interesses públicos. As técnicas contratuais são meros meios e, por isso, devem ser marcadas pela flexibilidade, inclusive para que os fins possam ser mais facilmente atingidos com o máximo de respeito a outros princípios constitucionais e direitos fundamentais.

3.3    Posicionamento de Menezes de Almeida

Na mesma coletânea organizada por Floriano de Azevedo Marques Neto e Alexandre Aragão, o paulista Fernando Dias Menezes de Almeida também se dedica ao tema das cláusulas exorbitantes em texto a respeito da consensualização do direito administrativo.16

Para o autor, a doutrina brasileira ainda se prende excessivamente à ideia de que o contrato celebrado por entidades administrativas se caracterize por um regime especial de direito público que tenha como traço marcante as cláusulas exorbitantes, “no sentido de exorbitarem do que seria normal em termos do direito privado, em que vigora a noção essencial de igualdade jurídica das partes”.17 Todavia, acredita que são questionáveis os fundamentos teóricos dessa distinção entre contratos administrativos e contratos privados e, mais que isso, coloca em dúvida a real aptidão de as cláusulas exorbitantes garantirem efetivamente os interesses públicos primários.

Em realidade, cotejando o quotidiano da Administração Pública brasileira, Menezes de Almeida vislumbra o regime de prerrogativas exorbitantes como um mecanismo extremamente perigoso e, muitas vezes, instrumentalizado para finalidades não tão compatíveis com as estatais. Nessa linha, em suas palavras, as cláusulas, entre outros problemas, serviriam:

a. de estímulo à ineficiência da Administração, muitas vezes acomodada, g., na facilidade de poder alterar ou rescindir unilateralmente os contratos — o que pode induzir a celebração de contratos insuficientemente planejados, com objetos mal dimensionados, em suma, com elementos que dificultam sua boa execução?

b. de geração de contratos mais onerosos para a Administração, pois evidentemente nos preços das contratações estatais está incluído o custo adicional decorrente da incerteza gerada pelas cláusulas exorbitantes?

c. de legitimação das práticas autoritárias dos governantes, incompatíveis com o Estado de Direito? tais práticas podem se caracterizar tanto pelo uso das medidas unilaterais — de índole autoritária, ainda que fundamentadas na lei — ou, pior ainda, na coação moral decorrente da ameaça do uso de tais medidas? e mesmo

d. de facilitação de desvios em relação à probidade administrativa, no curso da execução dos contratos, posto que ao administrador resta aberta a possibilidade de, por exemplo, alterar ou não certas cláusulas contratuais? nesse caso, o agente ímprobo tanto pode receber vantagens indevidas para não o fazer, como para fazê­lo, atendendo exclusivamente ao interesse do particular contratado, em detrimento do interesse público.18(grifos nossos)

Menezes de Almeida atenta, contudo, para o reconhecimento explícito das cláusulas exorbitantes na legislação brasileira. Diante disso, assim como Moreira Neto, não se furta a propor alternativas: recomenda uma interpretação restritiva do alcance das normas gerais, de sorte a compatibilizá­las com o “contexto constitucional de um Estado que se pretende democrático e de Direito”. De lege ferenda, sugere, outrossim, que o direito administrativo rume para a “mitigação, facultatividade e, enfim, abolição do regime de cláusulas exorbitantes, em especial no que diz respeito à possibilidade de alteração e rescisão unilateral dos contratos”.19

3.4    Posicionamento de Gonzalez Borges

O exame dos três posicionamentos anteriores revela, portanto, uma tendência crítica em relação aos poderes exorbitantes do Estado em matéria contratual. Disso não se deve extrair que haja total consenso sobre os problemas do ordenamento jurídico e sobre as propostas de se aperfeiçoá­ lo. Em linha divergente do que até aqui se expôs se manifesta a professora baiana Alice Gonzalez Borges em explícito diálogo com os autores precitados.

As premissas contextuais de Borges não são diversas. Também ela reconhece uma recente mudança no emprego dos módulos contratuais pela Administração Pública. Seguindo essa linha, registra explicitamente que vivemos uma era da Administração consensual, como designante de uma “tendência universal para o estabelecimento de amplas negociações, antes que imposições, visando à colaboração entre a Administração e entidades privadas, mediante acordos e parcerias, e até mesmo à cooperação entre as próprias pessoas de direito público de diferentes esferas”.20

É a partir dessa tendência maior, pela qual “se parte de um modelo de contrato administrativo baseado em prerrogativas de poder público para um modelo aberto e democrático baseado no acordo e na negociação”, que a autora se indaga a respeito do futuro das cláusulas exorbitantes.

Ao abordar a questão, refere­se inicialmente a proposta dos chamados “pós­modernistas”, de acordo com a qual a existência de cláusulas exorbitantes em contratos administrativos simbolizaria o “autoritarismo reacionário incompatível com a nova ordem constitucional”. Referida visão sustentar­se­ia na “supremacia dos direitos fundamentais e no princípio da dignidade da humana”, referências principiológicas e valorativas que colocariam em um plano subsidiário as manifestações da supremacia do interesse público.21 Nesse contexto, a autora faz referência expressa ao posicionamento de Menezes de Almeida em favor da mitigação, facultatividade e eventual abolição das cláusulas, sobretudo no que toca à alteração e rescisão unilateral, tal como visto.

A luz dessas abordagens, Borges ataca, em primeiro lugar, as pretensas desvantagens das cláusulas exorbitantes no quotidiano da Administração Pública. Na sua análise, seria ingênuo pensar que a exclusão das cláusulas exorbitantes teria o efeito de evitar, por exemplo, que contratantes privados procurassem “superfaturar os preços para aumentar seus lucros”. 22 Em realidade, acredita que a gestão pública se tornaria caótica caso a Administração não pudesse se valer de prerrogativas contratuais, tal como a alteração unilateral e a autoexecutoriedade de certas medidas urgentes, por exemplo, por ocupação temporária de bens e serviços e por aplicação de sanções, diante de “novas, cambiantes e dinâmicas necessidades supervenientes de interesse público”.

Isso não significa que Borges aceite o uso dos poderes contratuais do Estado sem ressalvas. Necessariamente, explica, o emprego dessas armas deve vir justificado por “circunstâncias especiais perfeitamente delineadas pela lei”, bem como pelo respeito à “preservação dos direitos dos contratados e da manutenção do equilíbrio econômico­financeiro”. 23 Em outras palavras, as cláusulas exorbitantes seriam condicionadas por circunstâncias diferenciadas e previsão legal, bem como delimitadas por direitos fundamentais e compensações econômicas.

A jurista também se dirige explicitamente à proposta de Moreira Neto, previamente debatida. Em resposta ao autor fluminense, diz ser inaceitável a relativização ou flexibilização do uso das cláusulas exorbitantes mediante a conferência de discricionariedade ao agente público na elaboração e gestão de contratos. Sustenta que tal flexibilização seria incompatível com a realidade brasileira, permeada pela corrupção em todos os níveis. Não por outro motivo, dar espaço de escolhas para o agente público significaria, na sua visão, criar um “terreno fértil […] para a improbidade administrativa e para os conluios entre administradores e contratados!”.24

Em conclusão, Borges, com perspicácia, aponta a necessidade de não se confundir o plano do direito com o plano dos fatos. Em outras palavras, consigna que as aludidas prerrogativas em si (plano normativo) não devem ser misturadas com seu uso “através de práticas ilegais e abusivas” (plano fático). Com essa cautela, propõe então que os limites e abrandamentos que já vem sofrendo as cláusulas exorbitantes desde a promulgação da Constituição de 1988 sejam aperfeiçoados, “dirigindo­se sobretudo a cláusulas esparsas em várias leis, que ainda consagram privilégios autoritários sem razão em um ordenamento jurídico­constitucional que privilegia os direitos fundamentais”. Nega, contudo, a viabilidade de uma proposta de flexibilização das cláusulas exorbitantes, pela qual se delegue aos administradores públicos o “poder de modificar discricionariamente, a seu talante, sob a invocação de razões de conveniência e oportunidade, as cláusulas padronizadas que, originariamente, estabeleceram prerrogativas destinadas a preservar  o verdadeiro interesse público”.25

4   Proposições conclusivas acerca das cláusulas exorbitantes

No atual cenário de transição do direito administrativo brasileiro e sua ciência, é preciso que a elaboração de novas ideias e propostas seja cautelosa. Para se aprimorar um instituto ou princípio, não basta analisá­lo apenas em suas especificidades. Propostas seguras dependem de investigações complexas e isso significa direcionar os olhos para a realidade microscópica, mas não somente para ela. É preciso investigar o objeto de análise também à distância e considerar o seu entorno, seu ambiente, tanto jurídico, quanto administrativo e real. Análises complexas — certamente mais prudentes em um mundo interdisciplinar no qual o direito não vive desvinculado de outros microssistemas — dependem, portanto, de inúmeros fatores e considerações.

É nessa linha que a discussão a respeito do futuro das cláusulas exorbitantes exige maior problematização, a qual, a nosso ver, somente será obtida quando os administrativistas considerarem novas premissas, como as apontadas a seguir.

4.1    O plano dos fatos é distinto do plano das normas

Embora Hans Kelsen já tratasse dessa diferenciação há décadas,26 hoje se observa que muitas discussões a respeito das modificações do direito administrativo contemporâneo se baseiam em visões confusas sobre o que é direito e o que é realidade. Isso se vislumbra, por exemplo, no debate acerca do princípio da supremacia do interesse público. O fato de um princípio ser mal empregado no dia­a­dia em razão do despreparo dos administradores públicos não significa que exista um problema em relação ao princípio em si. É verdade que institutos mal elaborados geram problemas práticos, mas nem todos os problemas práticos derivam de institutos imperfeitos. Muitos administrativistas, porém, erram ao supor que as falhas da gestão públicas constituam obrigatoriamente de origem teorético­normativa e que, nessa linha, somente possam ser superadas por novas normas e institutos.

Isso vale para a discussão das cláusulas exorbitantes. É preciso maior aprofundamento teórico, inclusive mediante pesquisa empírica, para verificar se as pretensas desvantagens no uso dessas cláusulas existem na prática ou se elas são meras especulações e “achismos”. É verdadeira a afirmação de que as cláusulas aumentam os preços dos contratos celebrados pelo Estado? Em que medida elas efetivamente dissuadem a participação de concorrentes em certames licitatórios? Elas dão margem à corrupção? Meras especulações de gabinete não respondem satisfatoriamente a essas perguntas a ponto de se poder utilizá­las para propor novas normas ou leis. A ciência jurídica precisa ir a campo e sondar o impacto das cláusulas na eficiência do sistema de licitações e contratos.

4.2    O plano da Administração não é o plano do direito administrativo

A confusão entre mundo dos fatos e mundo do direito obscurece as reais causas de problemas na gestão pública. Mas esse não é o único óbice para uma investigação satisfatória de inúmeros temas em voga. O jurista vai além e, como dito, frequentemente acredita que a superação de todo e qualquer problema necessariamente passa por soluções jurídicas. Acredita incondicionalmente no poder transformador do direito e ignora seus limites operacionais.

Sucede, entretanto, que o direito interage, na prática, com outros sistemas de estímulos e, na teoria, com outras ciências. Voltando­se o foco para a prática, o agente público, ao agir, não se baseia apenas na norma. Ele se conduz, em realidade, por estímulos políticos, econômicos, morais e também jurídicos. E mais. Sua atuação depende intensamente de condições técnico­funcionais, o que nos remete à realidade da gestão pública — espaço muito mais abrangente que o do direito.

O que se quer dizer com isso é que as pretensas vantagens e desvantagens das cláusulas exorbitantes na gestão de contratos (e.g., proteção do interesse público primário ou, de outro lado, o aumento de custos estatais e de abusos de poder) não podem ser pensadas sem a contextualização do problema à luz da gestão pública brasileira. E isso equivale a dizer que, hipoteticamente, os problemas que os juristas vinculam à existência de cláusulas exorbitantes podem não decorrer integralmente de uma norma jurídica que as reconhece (seja na Lei de Licitações, seja em leis especiais). Assim, mesmo que a norma ou o instituto seja modificado no direito positivo (por exemplo, mediante a criação de explícita discricionariedade no uso das cláusulas), é possível que os problemas se mantenham no quotidiano da Administração. Partir da crença de que os males da gestão pública estão necessariamente nas leis afigura­se, pois, perigoso teoricamente e arriscadamente inútil para transformar a realidade administrativa.

4.3    A relação dos poderes exorbitantes com o sistema contratual vigente

Ainda que se volte o foco de análise para o direito, deixando­se de lado o plano real e o plano não jurídico da gestão pública, novamente o exame do problema das cláusulas exorbitantes precisa ser acoplado a análises macroscópicas. Melhor dizendo: a leitura, nua e crua, das cláusulas exorbitantes previstas de modo genérico na Lei de Licitações depende de uma contextualização que considere o funcionamento peculiar do sistema de contratações públicas no Brasil. Alguns exemplos ilustram essa advertência.

O primeiro deles se refere à complexidade do processo administrativo licitatório no Brasil. Como se sabe, partindo de um modelo burocrático fortemente pautado pela desconfiança em relação ao administrador público, as licitações brasileiras são extremamente formais e rígidas em seus procedimentos. Isso, em realidade, produz um impacto negativo claro na celeridade da contratação estatal. Nesse contexto, prever legalmente o uso do poder exorbitante de alterar contratos já celebrados de modo unilateral (mas em respeito ao equilíbrio econômico­financeiro e a limites quantitativos) significa autorizar o administrador a atender interesses públicos imprescindíveis sem necessariamente reabrir nova licitação e sem enfrentar as perdas de tempo e recursos que isso implicaria. Imagine­se, portanto, uma empreiteira que é contratada para a construção de uma escola pública e, ao longo do projeto, por uma modificação na projeção de alunos, reste sujeita a alteração quantitativa do contrato e fique obrigada a ampliar a construção dentro dos percentuais legais. Não há dúvidas de que a alteração unilateral seja aceitável e compreensível caso a ampliação da obra seja necessária para evitar que as atividades de ensino não se atrasem ou indevidamente paralisem.

O segundo diz respeito à importância de muitas atividades estatais para a dignidade do indivíduo e o exercício de direitos fundamentais básicos. É o que ocorre em relação à ocupação temporária para tutelar serviços essenciais. Imagine­se, assim, uma concessionária de rodovias que, indevidamente, esteja a fraudar o contrato e a cobrar valores abusivos dos usuários. Ora, nesse contexto, a ocupação motivada de certas instalações da empresa pode se mostrar fundamental para que a Administração Pública efetivamente verifique o bom funcionamento do serviço delegado ao particular contratado e, assim, possa evitar danos à sociedade e aos usuários dos serviços. Nesse caso, não é apenas um interesse exclusivo da entidade pública, mas também o dever de o Estado promover os direitos fundamentais que exige medidas excepcionais — naturalmente, previstas na legislação e exercidas de modo motivado e razoável.

Com esses dois simples exemplos, pretende­se apenas ilustrar que há sim situações nas quais as cláusulas exorbitantes são plenamente justificáveis e úteis à boa gestão pública. É preciso contextualizar tais cláusulas no sistema de licitações e contratos públicos para se criticá­las e então fornecer propostas de aperfeiçoamento. Naturalmente, o intérprete que tome os poderes (do art. 58 da Lei de Licitações, por exemplo) de modo isolado, poucas chances terá de entender sua funcionalidade macroscópica. Se for verdade que as cláusulas exorbitantes, de um lado, dão margem a certos abusos, falhas de gestão e até graves prejuízos, de outro, elas apresentam notória utilidade em incontáveis situações. Tudo depende, portanto, do uso que delas se faça à luz das circunstâncias fáticas e contratuais.

No mais, cumpre registrar, também em interpretação sistemática, que a exorbitância de muitas cláusulas previstas, por exemplo, no art. 58 da Lei de Licitações, é extremamente baixa quando se as compara com o direito privado. É o caso, por exemplo, dos poderes de fiscalização e de aplicação de multas por descumprimento do contrato administrativo. Obrigações de suportar a fiscalização e de pagar multa ou mesmo reparações prévias padronizadas (por meio de cláusula penal) são comuns no direito privado. O que ocorre no direito administrativo é basicamente a determinação de que tais cláusulas incidam em todos os contratos, enquanto no direito privado a escolha dependerá da negociação privada. Em outras palavras, a exorbitância não está exatamente no conteúdo do poder, mas sim na sua previsão contratual obrigatória — o que, a propósito, sequer implica que o administrador necessariamente o utilizará no caso concreto.

Não bastasse isso, a legislação especial prevê uma série de nuances a respeito da incidência dos poderes exorbitantes sobre contratos específicos. E nesse sentido, vale lembrar, sempre pode o legislador prever novas adaptações das cláusulas em questão a módulos convencionais que venham a surgir. Em vista disso, torna­se difícil afirmar que exista um único regime aplicável a todo e qualquer tipo de contrato ou mesmo que as normas gerais previstas na Lei de Licitações enrijeçam definitivamente o tratamento da matéria.

5   Propostas a título de conclusão – É preciso mudar o direito?

Diante das críticas teóricas examinadas e das premissas científicas apontadas, a questão que resta resolver é se, efetivamente, o tratamento dado pelo ordenamento jurídico brasileiro às cláusulas exorbitantes necessita de uma modificação revolucionária. É imprescindível, afinal, alterar as normas gerais vigentes?

A nosso ver, a resposta é negativa! Ou seja, alterações de normas gerais poderiam ser úteis, mas não se mostram imprescindíveis por quatro motivos:

1. A legislação geral não obsta a eficácia de normas especiais sobre o assunto, que, inclusive, prevejam a discricionariedade do administrador quanto à inclusão de poderes exorbitantes em certos tipos de ajuste celebrados pela Administração?

2. Sem prejuízo de normas especiais, a interpretação lógica e teleológica das normas gerais de licitações e contratos é capaz de, por si só, limitar a aplicabilidade e os efeitos das cláusulas exorbitantes ali previstas em relação a alguns novos módulos convencionais, como os acordos realizados no exercício do poder de polícia?

3. Não há comprovação científica aprofundada de que a substituição das normas gerais atuais por um sistema que torne discricionária sua previsão contratual será capaz de extinguir custos e riscos de abuso na gestão de contratos da Administração? e

4. Mesmo que a previsão contratual de tais cláusulas seja hoje norma geral, seu uso fático em relação a um contrato firmado é sempre discricionário e, vale dizer, condicionado pelos princípios da legalidade, da motivação e, sobretudo, da razoabilidade e da finalidade pública primária.

Se problemas há no uso prático dos poderes exorbitantes, inclusive os contratuais, certamente muitos deles poderão ser primariamente coibidos pelo emprego das formas de controle da Administração Pública alinhadas aos princípios mencionados, bem como pelo necessário aperfeiçoamento técnico e qualitativo da gestão pública brasileira. Modificar irrefletidamente as normas jurídicas como solução para todos os males pode não apenas manter as coisas como estão, como também ocasionar novas dificuldades administrativas. Mais urgente que mudar o ordenamento é aprofundar a compreensão das relações causais entre as normas administrativas que regem as cláusulas exorbitantes e a realidade contratual da Administração Pública. FDRP/USP, 05 de julho de 2013.

Extraordinary Powers before the Contractualization of Administrative Law

Abstract: Extraordinary powers are used by the Public Administration also in the management of contracts. However, the emergence of many new contractual forms during the last two decades in Brazil has stimulated criticism regarding the utility and applicability of such powers. Taking as its background the administrative contractualization, this article aims at examining the different points of view on the topic and at pointing out some final considerations whether it is really necessary to modify the current legislation.

Key words: Public contracts. Extraordinary powers. Contractualization.


Referências

ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Mecanismos de consenso no direito administrativo.In: MARQUES NETO, Floriano de Azevedo? ARAGÃO, Alexandre Santos de (Coord.)D. ireito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.Reflexões sobre direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

BORGES, Alice Gonzalez.Temas de direito administrativo atual: estudos e pareceres. Belo Horizonte: Fórum, 2010. v. 2.

FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Contratos administrativos. São Paulo: Saraiva, 1981.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Contrato administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O futuro das cláusulas exorbitantes no contrato administrativo. In: MARQUES NETO, Floriano de Azevedo? ARAGÃO, Alexandre Santos de (Coord.) Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008.


[1] BACELLAR Reflexões sobre direito administrativo, p. 168.
[2] Contrato administrativo, p. 236 et seq.
[3] MOREIRA NETO. O futuro das cláusulas exorbitantes no contrato In: MARQUES NETO? ARAGÃO (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 580­581.
[4] As alterações podem ser qualitativas ou O que não pode ocorrer, porém, é a transformação total do objeto do contrato. Além disso, há que se observa o equilíbrio econômico­ financeiro, a alteração quantitativa para mais não implica em enriquecimento sem causa da Administração Pública. De modo geral, todos esses limites, nos dizeres de Lucas Rocha Furtado, “importam o respeito ao direito dos contratados e a interdição de fraude à licitação”. Além disso, entende o autor que limites das alterações qualitativas seguem os parâmetros das quantitativas, já que elas também dão causa a alterações no valor do contrato. Esses limites, vale, dizer, podem ser superados por alterações consensuais, caso porém que não há poder exorbitante da Administração. Cf. FURTADO. Curso de licitações e contratos administrativos, p. 449.
[5] Essas situações se referem: I ­ ao não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos? II ­ ao cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos? III ­ à lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados? IV ­ o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento? V ­ a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração? VI ­ a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato? VII ­ o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores? VIII ­ o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do 1º do art. 67 desta Lei? IX ­ a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil? X ­ a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado? XI ­ a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato? XII ­ razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato? […] e XVII ­ à ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.
[6] Dispunha o Decreto­Lei nº 300/86 que “o regime jurídico dos contratos administrativos, instituídos por este Decreto­Lei, confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I ­ modificá­los unilateralmente para melhor adequação às finalidades de interesse público? II ­ extingui­los, unilateralmente, nos casos especificados no inc. I do art. 69? III ­ fiscalizar­lhes a execução? IV ­ aplicar sanções motivadas pela inexecução, total ou parcial, do ajuste”.
[7] BACELLAR Reflexões sobre direito administrativo, p. 178.
[8] FRANCO SOBRINHO. Contratos administrativos, p.
[9] FRANCO SOBRINHO. Contratos administrativos, p.
[10] MOREIRA NETO. O futuro das cláusulas exorbitantes no contrato In: MARQUES NETO? ARAGÃO (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 581.
[11] MOREIRA NETO. O futuro das cláusulas exorbitantes no contrato In: MARQUES NETO? ARAGÃO (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 581­582.
[12] MOREIRA NETO. O futuro das cláusulas exorbitantes no contrato In: MARQUES NETO? ARAGÃO (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 583.
[13] MOREIRA NETO. O futuro das cláusulas exorbitantes no contrato In: MARQUES NETO? ARAGÃO (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 585.
[14] MOREIRA NETO. O futuro das cláusulas exorbitantes no contrato In: MARQUES NETO? ARAGÃO (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 586.
[15] MOREIRA NETO. O futuro das cláusulas exorbitantes no contrato In: MARQUES NETO? ARAGÃO (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 589.
[16] Mecanismos de consenso no direito administrativo.In: MARQUES NETO? ARAGÃO (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 335 et seq.
[17] Mecanismos de consenso no direito administrativo.In: MARQUES NETO? ARAGÃO (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 341.
[18] Mecanismos de consenso no direito administrativo.In: MARQUES NETO? ARAGÃO (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 344.
[19] Mecanismos de consenso no direito administrativo.In: MARQUES NETO? ARAGÃO (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 345.
[20] BORGES. Temas de direito administrativo atual: estudos e pareceres, p. 161.
[21] BORGES. Temas de direito administrativo atual: estudos e pareceres, p. 163.
[22] BORGES. Temas de direito administrativo atual: estudos e pareceres, p. 164.
[23] BORGES. Temas de direito administrativo atual: estudos e pareceres, p. 164.
[24] BORGES. Temas de direito administrativo atual: estudos e pareceres, p. 164.
[25] BORGES. Temas de direito administrativo atual: estudos e pareceres, p. 165.
[26] Teoria pura do direito, p. 113.

Como citar este conteúdo na versão digital:

Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:

MARRARA, Thiago. As cláusulas exorbitantes diante da contratualização administrativa.Revista de Contratos Públicos – RCP,  Belo Horizonte, ano 3, n. 3, mar./ago. 2013. Disponível   em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=97114>. Acesso em: 16 fev. 2017.

Como citar este conteúdo na versão impressa:

Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico impresso deve ser citado da seguinte forma:

MARRARA, Thiago. As cláusulas exorbitantes diante da contratualização administrativa.Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 3, n. 3, p. 237­255, mar./ago. 2013.


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