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O condômino antissocial pode ser expulso da vida condominial?

ART. 1.337

CÓDIGO CIVIL

COMPORTAMENTO

CONDOMÍNIO

CONDÔMINO

CONDÔMINO ANTISSOCIAL

CONDÔMINO NOCIVO

DIREITO DE DEFESA

EDIFÍCIO

Marco Aurélio Bezerra de Melo

Marco Aurélio Bezerra de Melo

29/08/2017

O artigo 1.337 do Código Civil traz duas noções jurídicas importantes: o condômino nocivo e o antissocial[1]. O referido artigo preocupa-se com o procedimento abusivo do condômino que com o seu comportamento reprovável coloca em risco todo o corpo social do condomínio, por vezes gerando incompatibilidade de convivência. O Código centra todas as suas atenções na reprimenda patrimonial, firme na ideia de que ao atingir o bolso do condômino ou possuidor, este mudará a postura reprovável.

O pagamento da multa prevista no caput do artigo mencionado é hipótese mais branda, pois cuida apenas do condômino ou possuidor que sistematicamente desatende aos comandos da lei e/ou da convenção de condomínio, ao qual denominaremos de condômino nocivo. Esse descumprimento reiterado poderá ensejar a cobrança de cinco vezes o valor da cota condominial, segundo critérios estabelecidos na própria convenção, sem prejuízo de eventuais perdas e danos experimentados pelo condomínio. Imagine-se a hipótese de condômino que já pagou várias vezes a multa simples, arbitrada em função das festas que realiza todas as segundas-feiras e adentram a madrugada com uma poluição sonora incompatível e insuportável para os moradores.

Já a previsão do parágrafo único é muito mais séria. Aqui, o comportamento do condômino ou possuidor é tão grave que torna a convivência insuportável, ao qual denominaremos de condômino antissocial, como seria o caso de uma pessoa que tivesse dois cães ferozes no interior da unidade imobiliária e, em função desse fato, já houvesse pago toda a sorte de multas ao condomínio e continua mantendo a mesma postura abusiva. Para o caso, a lei prevê multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até o pronunciamento posterior de nova assembleia.

Repugna ao bom-senso que qualquer sanção seja aplicada a alguém sem que seja oportunizado o direito de defesa. Poderia se indagar que há o cumprimento do devido processo legal com a decisão da assembleia que deverá ser expressamente convocada para deliberar sobre a matéria. Essa penalidade não pode ser aplicada pelo síndico, apenas pela assembleia, e ainda assim há que se dar ao condômino efetiva proteção com relação à garantia constitucional da ampla defesa. Desse modo, se o Condomínio Edilício quiser optar pela possibilidade de aplicação da sanção ao condômino nocivo, terá que constar na Convenção de Condomínio um procedimento para a aplicação da multa e, aconselha-se, um rol de ilícitos passíveis de tão severa sanção, mormente quando se sustenta acerca da possibilidade de eventual interdição temporária do uso de unidade condominial ou a própria expulsão do condômino nocivo. Nesse passo, registre-se o Enunciado no 92 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal/STJ: “as sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo”.

O Código Civil não teve a coragem encontrada em legislações alienígenas de prever para a hipótese de incompatibilidade de convivência a interdição temporária ou, conforme o caso, definitiva do uso da unidade imobiliária. Imaginemos uma situação em que o condômino abastado prefira pagar as multas arbitradas e continue realizando as suas festas madrugada adentro, praticando comércio que acarrete em um alto consumo de água e mantendo os seus animais ferozes no interior do imóvel, entre outras práticas ainda mais condenáveis, como a exploração à prostituição ou o favorecimento ao consumo de drogas ilícitas no condomínio. O que fazer? Saem os condôminos ordeiros e cumpridores de suas obrigações e fica reinando absoluto no edifício o arruaceiro, o chalaceador, o intrigueiro, o egoísta, o bandido, o fascista, o traficante, o facínora, o mau-caráter, o insuportável? Pensamos que não.

O legislador talvez tenha imaginado que a inovação no sentido propugnado malferiria a garantia constitucional ao direito de propriedade (art. 5o, XXII, da CF). Entretanto, como já visto, o direito de propriedade deve cumprir função social (art. 5º, XXIII, da CF) e não pode revestir-se de abuso de direito de propriedade (art. 1.228, § 2o), sob pena de configuração de ato ilícito (art. 187, CC). Registre-se que o próprio art. 1.228, § 4o, do Código Civil prevê a possibilidade de privação de um bem para o caso lá previsto, sem importar, necessariamente, em perda do direito de propriedade.

Maria Regina Pagetti Moran[2], após analisar com profundidade as possibilidades de interdição temporária do direito argentino e espanhol, definitiva do direito alemão e suíço, passando pelas admissões previstas na convenção adotada na Itália e França, conclui pela possibilidade dessas sanções, ainda que a lei brasileira não se refira expressamente, em razão da análise funcional da propriedade em nível constitucional.

A autora assevera, com correção, que a interdição da utilização por parte do condômino deve ser processada em juízo mediante ação de exclusão em que serão observadas as garantias constitucionais do devido processo legal. Sustenta ainda em anteprojeto de lei que a aprovação assemblear por 2/3 dos condôminos deveria ser a medida preparatória indispensável para o ajuizamento da referida medida judicial. Ancorada em legislação alemã, propugna que decisão judicial deveria poder compelir o coproprietário a alienar judicialmente a unidade autônoma.

Acerca da exclusão do condômino como o único remédio para o convalescimento do mal e a recuperação do equilíbrio socioeconômico do condomínio, assim se manifesta a autora: “A exclusão é sanção que se impõe em razão da própria natureza jurídica do condomínio em edifícios. A propriedade em condomínio constitui o núcleo central para que possa existir a propriedade individual sobre cada unidade. Na propriedade em condomínio coexistem, assim, a propriedade exclusiva dos apartamentos e a propriedade comum, formando um todo indivisível. A lei, em virtude desta especial condição, deve impor a este instituto regulamentação personalíssima, pois os interesses comunitários necessariamente predominam sobre os individuais. O condômino que transgredir os deveres impostos pela lei e pela Convenção de Condomínio, de modo a tornar insuportável a vida em comum, perde a legitimação à própria atribuição de seu direito de propriedade, incidindo na sanção de exclusão definitiva do condomínio. À Convenção, ato-regra que é, cabe criar, com fundamento na lei de condomínio, a norma de conduta para o grupo social formado pelo condomínio, ditando regras de comportamento, assegurando direitos e impondo deveres. O fundamento jurídico da exclusão do condômino nocivo repousa, em primeiro plano, sobre o pilar constitucional, ferindo de ilegitimidade a atribuição do direito de propriedade que não atenda à sua função social; em segundo plano, sobre a necessidade de se manter o equilíbrio das relações socioeconômicas do grupo social formado pelo condomínio, cuja estrutura jurídica forma um todo indivisível, indissolúvel”.

A expressão até ulterior deliberação da assembleia contida no parágrafo único do artigo 1337 do Código Civil é o fundamento infraconstitucional que possibilitará à assembleia ministrar um remédio ainda mais amargo com o objetivo de conter o condômino recalcitrante em seu comportamento insuportável, isto é, repita-se, aquele que gera incompatibilidade de convivência. Dessa forma, entendemos que a assembleia, com o quórum especial, previsto no caput (três quartos), poderá deliberar a interdição temporária do uso da unidade habitacional ou até mesmo a privação da coisa por parte do condômino ou do possuidor. Forçoso reconhecer que seria melhor a previsão expressa, até mesmo porque a norma é restritiva de direitos. Contudo, nos parece que a proposta sugerida, diante de impasses insolúveis e esgotadas todas as tentativas, é a única forma apta a solucionar a questão e harmonizar a vida no condomínio.

Na qualidade de membro da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal/STJ, encaminhamos proposta de enunciado favorável à tese da exclusão do condômino antissocial que restou aprovado sob o nº 508: “Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5o, XXIII, da CF e 1.228, § 1o, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2o, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal”.

Enfim, cremos que o trabalho dos advogados e dos magistrados que atuarão no drama do caso concreto é o que basta para não permitir ofensas a direitos personalíssimos, ao passo que poderá, em situações extremas, propiciar à sociedade o remédio necessário para evitar a prática, quem sabe, de atos violentos muito mais graves. Talvez seja realmente por isso que Têmis, deusa da justiça que na mitologia grega fora casada com o próprio Zeus, é representada com uma balança em uma de suas mãos e a na outra com o gládio, nos ensinando que a justiça depende da equidade, mas também da força.


[1]? Art. 1.337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.
[2] Maria Regina Pagetti Moran. Exclusão do Condômino Nocivo nos Condomínios em Edifícios. São Paulo: Led Editora de Direito, 1996, p. 92, 321/322 e 338/339. No mesmo sentido: Nascimento Franco. Condomínio. 2ª ed., 1991, p. 188-189.

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