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A Tutela Cautelar Requerida em Caráter Antecedente

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PEDIDO ACAUTELATÓRIO

PEDIDO SUBSEQÜENTE

PROCESSO CIVIL

TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE

TUTELA CAUTELAR REQUERIDA

Elpídio Donizetti

Elpídio Donizetti

30/08/2017

Sumário: 1 Considerações Iniciais. 2 Requisitos da petição inicial da tutela cautelar antecedente. 3 Cognição preliminar e apreciação do pedido de liminar. 4 As possíveis atitudes do réu em face da citação e o encaminhamento do processo. 5 Momento para formulação do pedido principal. 6 Consequências da não apresentação do pedido principal no prazo de trinta dias da efetivação da tutela cautelar. 7 Consequências do indeferimento ou da não efetivação da tutela cautelar. 8 O pedido principal – procedimento. 9 Conclusões.

As dúvidas acerca do procedimento e principalmente das conseqüências do indeferimento e da cessação da eficácia da tutela cautelar em caráter antecedente motivaram-me a escrever o presente artigo. Nele procuro jogar um pouco de luz nessa modalidade de medida cautelar, que de nova só tem o nome e a redução de alguns atos processuais.

A medida cautelar requerida em caráter antecedente em tudo se assemelha à cautelar preparatória do CPC/1973, distinguindo-se principalmente pela redução de atos processuais. Diferentemente do que ocorria no Código revogado, não há duplicidade de pagamento de custas, de distribuição, de autuação, de citação e de outros atos processuais. Diz-se que o processo cautelar perdeu a autonomia. Contudo, não se vislumbra essa anunciada dependência. Os procedimentos referentes ao pedido de tutela cautelar e ao pedido principal continuam autônomos e interdependentes, como se verá adiante. Com relação ao pedido principal a autonomia é quase absoluta, somente sofrendo influência do que se decidir no pedido cautelar se houver declaração de prescrição ou decadência. O que houve foi economia de papel (em breve os autos serão todos eletrônicos e nem essa economia será notada) e de atos processuais. Como se trata de um só processo, formado em um único caderno processual (autos), há uma só citação; os atos de comunicação posteriores se fazem por intimação, de regra na pessoa do advogado.

Esse procedimento deverá ser utilizado naquelas hipóteses em que a urgência não permite que a petição inicial seja completa, isto é, que contemple os pedidos principal e cautelar, com os respectivos fundamentos e provas. A urgência, por ser contemporânea à propositura da ação – embora possa ter surgido anteriormente –, enseja o desmembramento do pedido: primeiro se formula o pedido de tutela cautelar e, depois, em aditamento, o pedido principal. Há dois pedidos – um de natureza acautelatória e outro subseqüente, de direito substancial -, mas um só processo (que pode ser de conhecimento ou de execução).

Permite-se que a petição que veicula o pedido de tutela cautelar em caráter antecedente seja mais simplificada. Embora não conste do art. 305, a petição inicial deve conter os requisitos do art. 319, uma vez que será essa petição que instaurará a relação processual. Quando da formulação do pedido principal – no aditamento ou complementação – há que se complementar os requisitos faltantes, conforme art. 308, § 2º.

Juízo competente. O autor deve indicar o juízo (a autoridade judiciária) ao qual a petição é dirigida. Deve-se lembrar que o pedido de tutela cautelar pode ser formulado perante juízo monocrático de primeiro grau ou em tribunal, nos casos de competência originária, como, por exemplo, ação rescisória. A competência será definida levando-se em conta o pedido principal. Atento ao disposto nas disposições sobre competência, faz-se um prognóstico. Os arts. 46 e seguintes servirão de norte para a determinação da competência. Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis, por exemplo, competente é o foro de situação da coisa (art. 47).

Identificação das partes. Deve-se constar da petição inaugural – é essa petição veiculadora do pedido de tutela cautelar antecedente que vai inaugurar ou instaurar a jurisdição – o nome e qualificação das partes, isto é, o nome de quem pede e contra quem é pedida a tutela cautelar e, de futuro, também a tutela principal. Os legitimados (requerente, requerido e eventualmente um terceiro interveniente) serão aqueles que têm pertinência subjetiva com o direito substancial objeto da asseguração e que será acertado ou realizado. Consoante disposto no art. 319, II, a petição inicial indicará: “os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu”.

A lide e seu fundamento. Para possibilitar a aferição da probabilidade do direito substancial (fumus boni iuris), além de outros requisitos que autorizam a apreciação do mérito (legitimidade e interesse, por exemplo), exige-se a indicação da lide principal (pretensão resistida), bem como os fundamentos do pedido, a exposição sumária do direito (substancial) que se objetiva garantir, além da demonstração do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo (art. 305).

A exposição sumária do direito ameaçado e o perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo. Correspondem ao fumus boni iuris e ao periculum in mora. O primeiro relaciona-se com a probabilidade da existência do direito afirmado pelo requerente da medida. O segundo tem relação com o perigo de dano ao direito (objeto do pedido principal) caso a prestação jurisdicional venha a ser concedida apenas ao final da demanda. O caput do art. 305, com pequena alteração redacional, reproduziu os incs. III e IV do art. 801 do CPC/73. Trata-se dos elementos que devem ser comprovados para a obtenção da tutela provisória de natureza cautelar.

O pedido de tutela cautelar. O pedido, formulado nessa fase, deve decorrer logicamente do direito ameaçado e do perigo da demora na prestação jurisdicional. A providência deve ser adequada para acautelar o direito substancial que será postulado no pedido principal.

Valor da causa. As custas serão pagas quando do ajuizamento da ação, isto é, do protocolo da petição contendo o pedido de cautelar antecedente, assim, indispensável é o valor da causa, que servirá de base de cálculo para o pagamento do tribuno (taxa judiciária e outras despesas iniciais).

Provas. Havendo provas do fumus boni iuris e do periculum in mora, deve o autor com elas instruir a petição inicial. Tais elementos são relevantes para se aquilatar, de plano, os requisitos para deferimento liminar da tutela cautelar. A inexistência de provas documentais não inviabiliza o pedido de tutela cautelar antecedente, mas pode ensejar a necessidade de justificação prévia. Por ocasião do aditamento o autor poderá o juntar outros documentos pertinentes ao pedido principal.

Recebida a petição, o juiz – no tribunal, será o relator – exercerá a cognição preliminar, que consiste em verificar se a petição inicial preenche os requisitos legais (presença dos requisitos do art. 319), se estão presentes os pressupostos legais, por exemplo, referentes à imparcialidade, à competência, à legitimidade, ao interesse e à capacidade postulatória, entre outros. Se estiver em termos (de acordo com as exigências legais), examinará o pedido de liminar, caso contrário, determinará que o autor (ou requerente) a emende no prazo de quinze dias (art. 321). Não cumprida a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.

A tutela cautelar pode ser concedida liminarmente, ou seja, antes da citação do réu, dependendo das provas que instruíram a petição inicial, bem como do perigo de que o réu, uma vez citado, possa comprometer a eficácia da providência acautelatória. Não sendo suficientes as provas para aferição dos requisitos da tutela cautelar, procede-se à justificação prévia, na qual é facultado ao autor arrolar testemunhas. Essa justificação, dependendo do risco de ineficácia da providência, pode ser feita antes ou depois da citação do réu. Dependendo do grau da probabilidade do direito afirmado, pode o juiz determinar a prestação de caução.

Embora o pedido cautelar antecedente e o pedido principal (de direito substancial) sejam formulados no mesmo processo, como já afirmei, há certa autonomia procedimental entre eles. Tais procedimentos seguem paralelamente pelo menos até certo ponto. A instrução, contudo, quando possível, é feita conjuntamente, com a prolação, ao final, de uma só sentença.  Por outro lado, há certa interdependência entre ambos. Por exemplo, se o autor, uma vez efetivada a tutela cautelar, com ela se contenta e não formula o pedido principal no prazo de trinta dias, deve-se extinguir o processo (o qual ainda só contempla o pedido cautelar) sem julgamento do mérito, por aplicação extensiva do art. 303, § 2º, e, mutatis mutandis, da Súmula nº 482 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC (refere-se ao CPC/1973) acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar”. Por outro lado, se na cognição preliminar ou em outro momento processual, o juiz reconhecer a decadência ou a prescrição, inviabilizada está a apresentação do pedido principal ou, se já apresentado, a apreciação dos fatos e fundamentos jurídicos nele contidos. Finalmente, pode-se cogitar, inclusive, da possibilidade do julgamento liminar de improcedência do pedido principal ou, quando nada, do pedido cautelar, com base no art. 332.

Bem, não sendo o caso de indeferimento da petição inicial, o juiz passará à apreciação do pedido de liminar. Concedida ou não a liminar, o réu é citado para, no prazo de cinco dias[1] (art. 306), contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir. Essa citação para contestar refere-se somente ao pedido de tutela cautelar. Posteriormente haverá a formulação do pedido principal e, em se tratando de processo de conhecimento, designação de audiência de conciliação, a partir da qual fluirá o prazo para contestar. Como já houve citação para contestar o pedido cautelar, não haverá outra citação. Dos demais atos do processo, as partes serão intimadas, inclusive da designação da audiência de conciliação.

Conforme prescreve o art. 307, em não havendo contestação, incidem os efeitos materiais da revelia, ou seja, os fatos alegados pelo autor presumir-se-ão aceitos pelo réu como ocorridos, o que ensejará o julgamento antecipado do pedido cautelar dentro de cinco dias – prazo impróprio, o que significa que, se descumprido, não haverá imposição de qualquer ônus ou penalidade ao juiz. É importante atentar que, nesse ponto, ainda não há pedido principal, mas tão somente o pedido cautelar. Assim, a revelia a que se refere o art. 307 guarda relação com os requisitos da cautelar, ou seja, com a situação cautelanda, consistente na probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. A pretensão de direito material será deduzida no pedido principal, de regra, após a análise do pedido cautelar. Ressalte-se que nem sempre os efeitos da revelia são automáticos, como nas hipóteses mencionadas no art. 345, caso em que haverá necessidade de se facultar ao requerente a oportunidade de produzir prova das suas alegações.

Se houver contestação ou, não havendo, inocorrer o efeito da revelia, deve-se observar o procedimento comum (art. 307, parágrafo único), o que significa passar às providências preliminares, como a determinação para a especificação de provas, se for o caso, e ao julgamento conforme o estado do processo, tudo referente à pretensão cautelar. Não sendo o caso de extinção ou de julgamento antecipado, passa-se à fase do saneamento e organização do processo e, se for o caso, à produção de prova, para, a seguir, proferir a decisão acerca do pedido cautelar. É bom insistir. Tudo que estou a dizer refere-se ao pedido cautelar. A liminar do pedido cautelar antecedente é decidida por meio de decisão interlocutória, a qual pode ser impugnada por agravo de instrumento (art. 1.015, I). Quanto à tutela cautelar final, pode ser decidida em outra decisão interlocutória, também agravável – à qual podemos denominar sentença parcial – ou juntamente com o pedido principal, na sentença final (essa apelável). Se a tutela cautelar foi concedida anteriormente à sentença final, deve nesta ser confirmada, modificada ou revogada.

Em se tratando de pedido cautelar formulado em caráter antecedente em processo de conhecimento, os princípios da eficiência e da economia processual recomendam que a instrução seja feita conjuntamente com a instrução do pedido principal, formulado no aditamento. Afinal, pelo princípio da apropriação da prova, não se distingue entre prova apresentada pelo autor, pelo réu ou determinada de ofício pelo juiz. Igualmente, não se distingue entre provas requeridas na petição da cautelar antecedente ou no pedido principal. Neste particular, direito substancial e a situação cautelanda (fumus boni iuris + periculum in mora) de tal forma se imbricam que recomendável é a instrução conjunta. Contudo, nem sempre essa simbiose é possível. Não é incomum haver necessidade de cindir a prova, provando-se primeiro os requisitos da cautelar e, após o protocolo do pedido principal, abrir-se a oportunidade da prova referente ao direito substancial. Evidente que a prova produzida na fase de instrução do pedido cautelar é apropriada pelo processo e, portanto, aproveita-se para a análise do pedido principal.

No caso de cautelar em caráter antecedente formulada em processo de execução, de regra não há provas a produzir quanto à realização do direito – a menos que se interponha embargos à execução –, que já se encontra devidamente acertado no título exequendo, caso em que não há que se falar em instrução conjunta. A prova, se necessária, restringir-se-á à comprovação dos requisitos da medida cautelar requerida.

Até agora cogitamos das atitudes que o réu poderá adotar em razão da citação “para contestar o pedido cautelar e indicar as provas que pretende produzir” (art. 307), tudo, por enquanto, com relação à cautelar. Agora é hora de dar continuidade ao desdobramento do direito de ação do autor, requerente da tutela cautelar antecedente. Quem requer uma tutela cautelar é porque, pelo menos no plano hipotético, é titular de um direito substancial, ainda que se refira este à mera desconstituição da coisa julgada (ação rescisória). Assim, se a tutela cautelar é postulada em caráter antecedente, espera-se que o requerente desta, independentemente de ter ou não sido concedida (em caráter liminar ou no final do procedimento traçado para o pedido cautelar) complemente ou adite a inicial, para formular o pedido principal, que se refere ao bem da vida propriamente direito.

Não há interesse somente na tutela cautelar, tanto que o processo será extinto caso não formulado o pedido principal. Em contrapartida, o indeferimento do pedido cautelar não tem reflexo automático sobre a pretensão de direito substancial. O indeferimento da tutela cautelar significa que o requerente não conseguiu demonstrar a situação cautelanda, ou seja, o fumus iuris e o periculum in mora. Essa circunstância não tem o condão de fechar o caminho da tutela do direito substancial. Pode ocorrer de o autor, na fase procedimental referente à definição da tutela cautelar, não lograr êxito nessa pretensão. Entretanto, tal fato não constitui obstáculo a que persiga os caminhos para a demonstração do direito substancial.

Há quem afirme que no caso de a pretensão de tutela de urgência ser denegada, o processo se extingue, sem chegar ao estágio de formulação do pedido principal. Em verdade as coisas não se passam bem assim.  Vedar a formulação do pedido principal pelo simples fato de o autor não ter obtido a tutela cautelar constituiria a mais arrematada afronta ao acesso à justiça e ao direito de ação, numa verdadeira negativa de jurisdição e aí por diante. Exigir que o autor ajuíze outra ação (novo processo) para obter aquilo que ele poderia obter com o processo já instaurado constituiria afronta ao princípio da economia – de atos processuais e de dinheiro, porquanto novas custas teriam que ser pagas, novo caderno processual (ou arquivo eletrônico aberto) formado e nova citação realizada.

A tutela cautelar pode ser pleiteada conjuntamente com o pedido principal. Nesse caso, não se questiona que o indeferimento da cautelar não inviabiliza o exame do outro pedido, de direito substancial. Assim também se passa com o pedido formulado antecipadamente – mutatis mutandis equivalente à cautelar preparatória; não há como romper de vez com o passado. O fato de a inicial ter sido fatiada (em pedido cautelar e pedido principal) não altera a substância da formulação. A tutela cautelar foi pedida antes, porque a demora do processo podia comprometer o seu resultado útil, daí a urgência para assegurar o direito substancial. Não foi possível acautelar o direito substancial, mas isso não significa que, no exame do pedido principal o autor não logre êxito, aí sim, poderá não só acautelar, mas até usufruir desse direito. As diversas conseqüências referentes à tutela cautelar sobre o pedido principal serão analisadas em tópicos a seguir.

Volto ao procedimento do pedido de tutela cautelar. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá que ser formulado pelo autor no prazo de trinta dias (art. 308, 1ª parte), a contar da efetivação da medida cautelar – e não do deferimento ou ciência desta. Diferentemente do processo cautelar completamente autônomo (cautelar preparatória) com o qual estávamos acostumados, o pedido principal deverá ser feito nos mesmos autos e independerá do adiantamento de novas custas processuais (art. 308, 2ª parte). O novo CPC permite, ainda, que a causa de pedir seja aditada no momento da formulação do pedido principal (art. 308, § 2º). Quando do requerimento da tutela cautelar, apenas a lide e seu fundamento foram indicados, bem como a exposição sumária do direito que pretendia assegurar. Ao apresentar o pedido principal, faculta-se o reforço da causa de pedir e a apresentação de provas.

O prazo de trinta dias é para evitar que o autor, depois de obter a tutela cautelar, com ela se satisfaça e se acomode, atitude que, embora possa lhe ser cômoda, pode causar prejuízos ao réu. Assim, se a tutela foi concedida liminarmente ou no final do procedimento cautelar não importa. O processo é uno, mas os procedimentos cautelar e principal podem ter caminhos independentes, paralelos, não obstante na mesma relação processual. O que importa para a ocorrência da preclusão é a efetivação da tutela cautelar. Efetivada a medida cautelar, de regra, há que se formular o pedido principal, sob pena de cessação desta e extinção da relação processual instaurada com o pedido de cautelar antecedente. Nem se fala em extinção sem julgamento do mérito do pedido principal, porque ele ainda não foi formulado. Não formulou e não mais pode ser formulado naquele processo. Quando formulou o pedido de tutela cautelar antecedente o autor indicou a lide e seu fundamento relativos à tutela do direito substancial, surgindo daí o interesse-necessidade de compor esse conflito de direito. Não apresentado o pedido principal no prazo de trinta dias a presunção é de que o autor perdeu aquele interesse inicial. Como o Estado não fica a procurar lides, o processo (no seu todo) é extinto sem julgamento do mérito – do procedimento  cautelar, porque a tutela cautelar somente sobrevive se definido o direito material; e do arremedo de procedimento para definição do direito material, porque o respectivo pedido, na sua inteireza,  sequer foi formulado.

A literalidade do caput do art. 308 pode conduzir à equivocada interpretação de que somente no caso de ser efetivada a tutela cautelar o pedido principal poderá ser apresentado nos mesmos autos. Assim, indeferida a tutela cautelar, persistindo o interesse na resolução do conflito de direito material, caberia à parte ajuizar outro processo, com o pagamento de novas custas processuais. Nessa linha de raciocínio, indeferida a medida cautelar, toda a máquina da justiça teria que começar do zero, isto é: o advogado prepararia outra inicial, o juiz a despacharia, formaria outro caderno processual (autos), nova citação e assim por diante. Em tempos de crise e economia (principalmente no processo), não faz o menor sentido esse “começar de novo”. A principiologia do novo Código e as razões que justificaram a sua edição estão a recomendar o máximo aproveitamento dos atos processuais (princípios da eficiência e da economia processual).

É certo que o procedimento para o processamento da cautelar antecedente e do subseqüente pedido principal foi precariamente traçada no Código. Quisemos inovar, como se o passado fosse uma roupa que não nos servisse mais. Mas a história é indissociável da nossa cultura. O procedimento previsto para a cautelar antecedente não pode ser mais burocrático do que o da falecida cautelar preparatória. Temos que praticar a economia do bem. O novo não pode ser pior do que o antigo. E precisamos todos rejuvenescer. É a velha roupa colorida. Viva o Belchior!

A constatação da precariedade não nos autoriza a agir em descompasso com a principiologia e com a própria vontade do legislador. Quem desde o início participou da formulação das regras do novo CPC sabe que essa sequer era a vontade da Comissão de Juristas. Cabe a nós, doutrinadores, indicarmos o procedimento que mais se compatibilize com os objetivos visados pelo legislador. É o que estou procurando fazer no presente artigo. A lógica indica que, mesmo no caso de indeferimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente, bem como naquele em que a tutela cautelar é deferida, mas não efetivada, deve-se facultar ao autor a formulação do pedido principal nos próprios autos. Essa interpretação teleológica está em consonância com os propósitos da Reforma Processual, a qual tem como um dos objetivos permitir a solução de conflitos com o menor número de processos possíveis, sem que isso prejudique a efetividade da tutela jurisdicional.

Fato é que a redação do art. 308, embora não constitua novidade – porque é praticamente idêntica à do art. 806 do CPC/73 – tem causado perplexidade e má compreensão, com evidente prejuízo para a economia processual. Esqueceram alguns de que o novo é o velho rejuvenescido. A jurisprudência do novo CPC por certo estabelecerá balizas consentâneas com o estágio do processo brasileiro.  Dou aqui o meu empurrãozinho.

Com relação à conseqüência dessa inércia, não há dúvidas. Efetivada a medida cautelar e não deduzido o pedido principal pelo autor, tutela cautelar terá seus efeitos cessados (art. 309, I) e o processo será extinto sem resolução do mérito na sua integralidade. A cessação dos efeitos é automática, decorrência natural da sentença extintiva (art. 309, III). A hipótese é de falta de interesse processual à tutela cautelar final, bem como ao julgamento do mérito, esse referente ao pedido principal, cujos contornos foram delineados na petição inicial, a qual seria complementada (aditamento) após a efetivação da medida, e não foi. Nesse caso, nada impede que, em outro processo, se formule o pedido principal, pagando-se novas custas. Contudo, a tutela cautelar – antecedente ou incidental – somente poderá ser novamente pleiteada com base em outro fundamento.

Uma observação. A norma do art. 309, I não configura punição ao autor por ter movimentado a máquina judiciária e não ter efetivado a medida que a seu favor foi deferida. Não. A extinção em verdade constitui proteção a interesse do réu. Evita que o autor “assente sobre a medida”, usufrua de um direito ou de uma posição jurídica em detrimento da situação do réu. Tanto é assim que a extinção do processo e consequente cessação da eficácia só ocorrem naqueles casos em que a perpetuação da tutela cautelar efetivada pode causar restrição de direito à outra parte – sequestro de bens, por exemplo. Exemplificativamente, não se aplica a exigência da propositura da ação principal no prazo de trinta dias: (i) na produção antecipada de provas; (ii) na separação de corpos; (iii) no arresto cuja dívida se torne exigível somente após o vencimento do prazo de trinta dias. Nesse último caso, a contagem do prazo deverá iniciar com o vencimento da dívida, momento a partir do qual surge o interesse para a propositura da ação de cobrança.

Aqui a hipótese é diferente da apresentada no item anterior (art. 309, I), segundo a qual, não obstante executada a medida cautelar restritiva de direito do réu, o autor não deduziu o pedido principal. Aqui a medida cautelar foi deferida, mas não cumprida ou efetivada, de forma que não se configura qualquer abuso de direito por parte do autor em detrimento a direito a direito do réu. Ainda que a medida deferida seja daquelas que possa causar restrição à outra parte, de restrição não se pode cogitar, uma vez que não houve cumprimento da medida.

Pode ser que o autor tenha perdido a necessidade (interesse processual) na efetivação da medida. Suponhamos que na disputa pela propriedade do automóvel tenha pleiteado e obtido medida cautelar antecedente. Entretanto, depois do deferimento da medida, constatou que o réu, ao tomar conhecimento da demanda, por vontade própria, depositou o carro em estabelecimento idôneo. A conseqüência é a cessação da eficácia da tutela cautelar (art. 309, II), ou seja, não mais poderá ser executada e esta não poderá ser renovada, a não ser com base em outro fundamento (art. 309, parágrafo único). Nesse caso, mais do que a simples cessação da eficácia, haverá a extinção do pedido cautelar, sem julgamento do mérito cautelar (situação cautelanda), por falta de interesse processual. Se a parte não promove a efetivação de medida cautelar deferida é porque dela não necessita. Nesse caso, por meio de decisão interlocutória, o procedimento cautelar será extinto, correndo daí o prazo para apresentação do pedido principal.  Logicamente que a penalização do requerente da medida deve decorrer da inércia deste. Se a não efetivação decorre do natural emperramento da máquina judiciária ou de comportamentos da parte contrária, não há que se falar em cessação dos efeitos da cautelar.

Como já afirmado, a fixação do prazo de trinta dias para apresentação do pedido principal, a contar da efetivação da tutela cautelar, tem a finalidade de evitar que o acautelamento se perpetue sem que o requerente proponha a discussão (no processo de conhecimento) ou a realização (na execução) do direito substancial, reconhecido como provável no momento da concessão da medida acautelatória.  No caso, como não há efetivação da tutela cautelar, não se cogita de extinção do processo sem resolução do mérito substancial pela inércia, mas apenas de extinção do pedido cautelar; a extinção não obsta que o autor formule outro pedido, logicamente por outro fundamento – caso contrário não seria outro, mas sim o mesmo ou igual pedido.  A decisão que declara a cessação da eficácia do pedido cautelar é interlocutória, agravável, portanto (art. 1.015, I).

Não se pode falar em julgamento sem resolução do mérito propriamente dito, até porque o pedido principal sequer foi formulado; não se extingue aquilo que sequer foi proposto. Traçando um paralelo com a situação em que o pedido de tutela cautelar é formulado conjuntamente (cumulação) com o pedido principal, o indeferimento (liminarmente ou na sentença final) não interfere no processo e julgamento da pretensão de direito substancial. Nem o indeferimento nem a cessação da tutela cautelar interferem no direito (verdadeiro poder) de ver dirimido o conflito de direito substancial. O indeferimento ou a não efetivação não obsta a que o autor formule o pedido principal (art. 310), a menos que a prescrição ou a decadência tenham servido de supedâneo para o indeferimento. Em tais hipóteses, o pedido principal deve ser formulado no prazo de trinta dias, a contar do indeferimento ou da declaração de cessação da eficácia da tutela cautelar requerida em caráter antecedente.

O processo (como um todo) será extinto sem resolução do mérito caso o pedido principal não seja deduzido nesse prazo. Embora não conste na literalidade da lei, o prazo e o estabelecimento desse termo a quo para formulação do pedido principal constituem uma forma para se conciliar o direito de ação do autor e a não eternização dos processos judiciais – atenta contra a eficiência e a celeridade ficar aguardando pela vontade do autor. A extinção será com base no art. 485, III – extinção do processo sem julgamento do mérito por abandono da causa, isto é, em razão da não apresentação do pedido principal. No caso, caracterizado estará a falta de interesse processual superveniente. Antes, porém, deverá o juiz mandar intimar a parte pessoalmente para dar andamento ao processo, isto é, apresentar o pedido principal, sob pena de extinção (art. 485, § 1º). Nesse caso, se o réu contestou o pedido cautelar, fará jus a honorários, que serão suportados pelo autor, haja vista o princípio da causalidade.

Por outro lado, há fungibilidade entre tutela cautelar e tutela antecipada (satisfativa). Se o juiz entender que o pedido de tutela cautelar requerida em caráter antecedente tem natureza antecipada, deverá observar o procedimento específico para o requerimento de tutela antecipada em caráter antecedente (art. 305, parágrafo único), ou seja, o procedimento previsto no art. 303, com a possibilidade de estabilização prevista no art. 304. Não obstante o parágrafo único do art. 305 mencione tão somente uma via (da tutela cautelar para a antecipada), a fungibilidade opera em mão dupla, ou seja, se o autor requereu tutela antecipada em caráter antecedente, mas percebendo o juiz que a postulação se refere a pedido de asseguração, deve-se processar o pedido como de tutela cautelar. Em sendo necessário, deve-se conceder prazo para a emenda do pedido. No novo CPC, a ordem é o máximo aproveitamento dos atos processuais.

Já dissemos que o requerimento de cautelar em caráter antecedente e o pedido principal (de direito substancial) desencadeiam procedimentos distintos, os quais podem se enlaçar. A concessão ou o indeferimento do pedido de tutela cautelar antecedente, exceto se houver a declaração da prescrição e da decadência, não tem reflexo sobre o pedido de tutela do direito substancial, formulado no pedido principal.  O direito à resolução do conflito é autônomo em relação ao direito ao acautelamento. Só pode acautelar o direito substancial se este for plausível ou evidente. Mas pode-se compor o conflito sem que o direito substancial seja assegurado.

O pedido principal, no qual se admite inclusive o aditamento da causa de pedir apresentada quando da formulação do pedido de tutela cautelar antecedente, será formulado nos próprios autos, sem que para tanto tenha que pagar novas custas. O pedido do bem da vida (substancial) e o pedido para asseguração desse bem (formulado em caráter antecedente) tramitarão simultaneamente.

Recebido o pedido principal, o juiz exerce uma cognição preliminar, agora mais simplificada, porque, quando da análise do pedido de cautelar, já se procedeu ao exame prévio dos aspectos processuais, incluindo os pressupostos processuais, interesse e legitimidade.

De qualquer forma, verificado que o pedido principal encontra-se em termos, o juiz designará audiência de conciliação/mediação, determinando, em seguida, a intimação das partes, por meio de seus advogados. Lembre que a citação é uma e já ocorreu quando do processamento do pedido de tutela cautelar antecedente (art. 308, § 3º). Não havendo autocomposição, o prazo para o réu contestar o pedido principal será contado na forma do art. 334. Note-se que essa contestação é apenas em relação ao pedido principal. A contestação do pedido cautelar possivelmente já terá ocorrido.

Embora o § 3º do art. 308 mencione intimação para a audiência de conciliação ou de mediação, pode ser que o pedido de cautelar antecedente não tenha sido formulado em processo de conhecimento, e sim no processo de execução. Admite-se essa modalidade de requerimento de tutela cautelar também no processo de execução, e, nesse caso, o executado será intimado (porque o réu já foi citado para contestar o pedido cautelar formulado em caráter antecedente) para, por exemplo, pagar o débito no prazo de três dias (art. 829) ou entregar a coisa no prazo de 15 dias (art. 806). Uma das diretrizes que norteou a Comissão de Juristas na elaboração do anteprojeto do novo CPC foi a simplificação dos processos, daí a mencionada simbiose entre os procedimentos, o sincretismo, com a extinção dos procedimentos cautelares autônomos.

Raciocinando com o processo de conhecimento, não havendo acordo na audiência de conciliação ou mediação, abre-se o prazo para contestação. Se houver acordo, o processo será extinto com resolução do mérito, podendo, dependendo do que dispuser o acordo, cessar ou não os efeitos de eventual medida cautelar concedida. Não havendo acordo e apresentada a contestação, passa-se à fase das providências preliminares (arts. 347 a 353), do julgamento conforme o estado do processo (arts. 354 a 356), que pode, dependendo do caso concreto, desembocar na extinção do processo, no julgamento antecipado do mérito, no julgamento antecipado parcial do mérito ou no saneamento e na organização do processo, preparando-o para a fase instrutória (coleta de provas) e, finalmente, a prolação da sentença (arts. 485 a 508), que comporá o conflito, julgando total ou parcialmente procedente o pedido formulado no pedido principal ou improcedente.  Quanto ao pedido de tutela cautelar formulado em caráter antecedente, dependerá do que restar decidido acerca do direito material. Julgando-se procedente o pedido principal, de regra, a liminar é confirmada ou, se não houve deferimento de tutela cautelar liminarmente, esta é concedida na sentença.  Quando o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o processo sem resolução do mérito, igual sorte terá a tutela cautelar, que será indeferida ou revogada.

O processo cautelar, como instituto autônomo, não consta no Código de Processo Civil vigente. O novo CPC adotou a regra de que basta à parte demonstrar o fumus boni iuris e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo para que sejam deferidos os pedidos de tutela de urgência pleiteados. Entre esses pedidos, encontra-se o da tutela cautelar.

Especificamente em relação à tutela cautelar requerida em caráter antecedente, há grande semelhança com a cautelar preparatória do CPC/1973, diferenciando-se principalmente pela redução de atos processuais. Será utilizada nas hipóteses em que a urgência impossibilite que a petição inicial contemple o pedido cautelar e o pedido principal a um só tempo.

Um dos pontos mais significativos referentes à tutela cautelar requerida em caráter antecedente guarda relação com a possibilidade de apreciação do pedido principal nas hipóteses em que o pedido de urgência é indeferido. Entendo que o veto à formulação do pedido principal pelo simples fato de o autor não ter obtido a tutela cautelar constituiria indubitável óbice ao acesso à justiça e ao direito de ação.

Para que esse procedimento atue como instrumento de efetivação dos princípios norteadores do Novo Código, mormente o da eficiência e o da economia processual, é necessário que os operadores do direito comecem a enxergar a tutela cautelar requerida em caráter antecedente com os olhos voltados para o presente. Em tempos onde a burocracia processual costuma impedir que a prestação jurisdicional seja realizada em sua completude, a aplicação e interpretação de novos institutos, quando efetuadas de modo consciente, configuram elementos responsáveis pela construção das balizas adequadas à realidade processual brasileira.


[1] O prazo para a contestação do réu permanece o mesmo daquele relativo ao processo cautelar autônomo do CPC/1973 (art. 802, caput).

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