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Estudo completo do acordo de não-persecução penal e o novo procedimento investigatório criminal (Parte II)

ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL

ACORDO FORMALIZAÇÃO

ARQUIVAMENTO

AUTORIDADE

CONCLUSÃO

CORRESPONDÊNCIAS

DESARQUIVAMENTO

DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS

DISPENSABILIDADE

FORMALIZAÇÃO

Francisco Dirceu Barros

Francisco Dirceu Barros

20/09/2017

Por Francisco Dirceu Barros e Jefson Romaniuc[1]

Sumário: 3.Constitucionalidade do acordo de não-persecução penal; 3.1. O acordo de não-persecução penal e a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal; 3.2. Quando será possível o acordo de não-persecução penal; 3.3. Da impossibilidade do acordo de não-persecução penal; 3.4. Da formalização do acordo de não-persecução penal; 3.5. O momento da formalização do acordo de não-persecução penal; 3.6. Da consequência do descumprimento das condições estipuladas no acordo formalização de não-persecução penal; 3.7. Da conclusão e do arquivamento do PIC (Procedimento Investigatório Criminal); 3.8. Desarquivamento do PIC (Procedimento Investigatório Criminal); 3.9. Dos direitos e garantias individuais. 3.10. O acordo  de não-persecução penal e o processo de expansão do processo penal

Nunca entendi porque o legislador brasileiro defende a eternização das lides, talvez Bernd Schüneman tenha a resposta:

 “O ideário do século XIX, de submeter cada caso concreto a um juízo oral completo (audiência de instrução e julgamento), reconhecendo os princípios da publicidade, oralidade e imediação somente é realizável em uma sociedade sumamente integrada, burguesa, na qual o comportamento desviado cumpre quantitativamente somente um papel secundário. Nas sociedades pós-modernas desintegradas, fragmentadas, multiculturais, com sua propagação quantitativamente enorme de comportamentos desviados, não resta outra alternativa que a de chegar-se a uma condenação sem um juízo oral detalhado, nos casos em que o suposto fato se apresente como tão profundamente esclarecido já na etapa da investigação, que nem sequer ao imputado interessa uma repetição da produção da prova em audiência de instrução e julgamento.[2]

3.Constitucionalidade do acordo de não-persecução penal

No que diz respeito ao acordo de não-persecução penal, a Resolução nº 181 do Conselho Nacional do Ministério Público nada mais fez do que prever mais um meio de evitar que os processos se prolonguem por anos, impedindo uma atuação jurisdicional célere, o que reforça o sentimento de impunidade vivido pela sociedade moderna brasileira.

Desse modo, nos delitos cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, é possível que haja acordo de não-persecução penal, desde que obedecidos determinados requisitos previstos expressamente na mencionada resolução.

Ademais, referida norma teve a cautela necessária de prever que tal acordo seja pactuado apenas de forma subsidiária. Ou seja, uma vez cabível algum dos institutos despenalizadores do procedimento dos juizados especiais criminais, deverão estes prevalecer sobre eventual proposta de não-persecução penal.

Sendo assim, o acordo de não-persecução penal possui natureza jurídica semelhante a outros institutos já amplamente consolidados em nosso ordenamento jurídico, a exemplo da transação penal, da suspensão condicional do processo e da colaboração premiada.

É imperioso ressaltar que encontramos doutrinadores que afirmem ser o mencionado acordo inconstitucional em virtude de violar o inciso I do art. 22 da Constituição Federal, segundo o qual é competência privativa da União legislar sobre determinadas matérias, dentre elas o direito penal e o direito processual penal.

Tal argumentação não se sustenta por diversos motivos. Primeiramente porque o próprio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADC nº 12, fixou a tese de que as normas emanadas do CNJ – e, pela mesma razão, as emanadas do CNMP – são atos normativos primários, ou seja, autônomos, abstratos e subordinados diretamente às normas constitucionais. Dessa forma, referidos atos equivalem a normas federais, de maneira semelhante às Resoluções advindas da Justiça Eleitoral. Vejamos a ementa do julgado:

1. Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios “estabelecidos” por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia do substantivo “direção” nos incisos II, III, IV, V do artigo 2° do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça.[3]

De forma mais clara, em seu voto, no julgamento dessa ação de controle concentrado, o ministro Marco Aurélio ressaltou ainda que

“A partir do momento em que a Corte consignou que o ato editado pelo Conselho Nacional de Justiça é um ato normativo abstrato autônomo – isso já está decidido pelo menos neste caso, e deixo para rediscutir a matéria em outro processo -, tendo, portanto, o Conselho a competência legiferante, concluo pela constitucionalidade, sem qualquer acréscimo, sem interpretação conforme.” [4]

Com fulcro no entendimento da nossa Corte Suprema acima colacionado, resta evidente que inexiste qualquer violação ao dispositivo constitucional referente à iniciativa privativa da União para a matéria em tela.

Não bastasse isso, como segundo argumento favorável, devemos atentar para o fato de que a proposta de não-persecução penal, sob uma perspectiva constitucional, é um direito fundamental por força do art. 5º, §2º da Constituição Federal.

Referido dispositivo afirma que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Desse modo, sendo o instituto da proposta de não-persecução penal tema diretamente relacionado ao status libertatis do autor do delito, não resta outra conclusão senão seu reconhecimento como direito fundamental.

Cuida-se, portanto, de direito fundamental do réu, de modo que negar aplicação ao instituto seria, em última análise, negar um direito essencial do acusado e violar considerável gama de outros direitos igualmente fundamentais, como segurança jurídica, devido processo legal e razoável duração do processo.

Como quarto argumento favorável, é possível destacar que, mesmo que não se tratasse de ato normativo primário, o tema desenvolvido pelo Conselho Nacional do Ministério Público por meio de resolução não está diretamente relacionado ao direito processual, mas sim a procedimento anterior à instauração do processo.

Sendo assim, considerando que o acordo de não-persecução penal é anterior ao processo e, portanto, eventuais normas regulamentares desses atos não poderiam ser consideradas como de direito processual e violadoras do inciso I do art. 22 da Constituição Federal.

Ora, o acordo em tela evita a instauração do processo. Desse modo, assim como o inquérito policial, o acordo de não-persecução possui natureza administrativa (pré-processual), não havendo se falar em inconstitucionalidade formal por violação do art. 22 da CF/88.

Percebe-se, assim, que Resolução nº 181 do Conselho Nacional do Ministério Público encontra-se em harmonia com os ditames da justiça restaurativa e com o movimento doutrinário e jurisprudencial da sociedade moderna; compatibiliza-se, ainda, com o movimento de descarcerização, das audiências de custódia – podendo ser aplicado inclusive nesse momento – e com os princípios da economia processual e celeridade.

Temerário, portanto, negar aplicabilidade ao instituto do acordo de não-persecução sob o pretexto de inconstitucionalidade formal sobretudo quando a casa judicial mais elevada do Estado brasileiro reconheceu sua natureza de ato normativo primário e, além disso, cuidar-se de instituto ligado a direito fundamental do acusado.

Importante, por fim, destacar que esse tipo de atuação por parte do membro ministerial não é novidade em nosso ordenamento jurídico, haja vista a existência de institutos como a transação penal, suspensão condicional do processo e não oferecimento de denúncia em razão de acordo de colaboração premiada.

Da mesma forma não se trata de novidade em nível mundial. Nesse tom, países como Estados unidos da América, Bolívia e Alemanha[5] possuem institutos semelhantes com a mesma finalidade de se evitar a promoção da ação penal em prol de solução mais adequada para o caso, tanto do ponto de vista do autor do crime quanto de sua vítima.

Sendo assim, não vemos como negar aplicação ao instituto da não-persecução penal, pois, além de constitucional, encontra-se em perfeita sintonia com a situação nacional da criminalidade e suas possíveis soluções.

No mesmo sentido, defendendo a constitucionalidade do acordo de não persecução penal, o doutrinador Rodrigo Leite Ferreira Cabral, elenca os seguintes argumentos:

a) O Supremo Tribunal Federal ja? reconheceu que as resoluções do CNJ (e portanto, também, as do CNMP) ostentam “caráter normativo primário” (STF-ADC 12 MC);

b) a Resolução nº 181/17 busca ta?o somente aplicar os princípios constitucionais da eficiência (CF, art. 37, caput); da celeridade (CF, art. 5º, LXXVIII) e do acusatório (CF, art. 129, I, VI e VI);

c) a autorização para a celebração do acordo não consubstancia norma de direito processual (cuja competência legislativa e? privativa da Unia?o – CF, art. 22, I), uma vez que não trata “do contradito?rio, do devido processo legal, dos poderes, direitos e o?nus que constituem a relac?a?o processual, como tambe?m as normas que regulam os atos destinados a realizar a causa final da jurisdic?a?o” (STF – ADI 2.970), ja? que disciplina questo?es pre?vias ao processo penal e externas ao exercício da jurisdição;

d) a nova normativa propõe regulamentar e aplicar diretamente dispositivos constitucionais relacionados a? atuação do Ministério Público, inserindo-se, pois, no a?mbito da compete?ncia normativa do CNMP (CF, art. 130-A, § 2º e seus incisos I e II);

e) o Supremo ja? reconheceu a constitucionalidade formal de atos normativos em condic?o?es muito semelhantes (v.g. STF – ADI 5104 MC), permitindo, inclusive, a regulamentac?a?o, por resoluc?a?o do CNJ, de prazos e condic?o?es para a apresentac?a?o de presos a? audie?ncia de custo?dia (STF – ADPF 347 MC).

3.1. Oacordo de não-persecução penal e a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal

A doutrina processual penal tradicional defende o princípio da obrigatoriedade da ação penal. Defendiam Vanini e Cocciardi:“O Ministério Público (a pretor e ainda o Ministério Público) tem a obrigação de proceder, isto é a obrigação de promover e exercitar a ação penal (e de promover a instrução sumária); obrigação, portanto, não é poder discricionário”. [6]

Ensinava Jorge de Figueiredo Dias:[7] “Não há pois lugar para qualquer juízo de oportunidade sobre a promoção e a persecução do processo penal, antes esta se apresenta como um dever para o Ministério Público”.

Entendemos de forma divergente, nenhum texto constitucional não traz previsão expressa ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, o que temos como previsão expressa é o princípio da independência funcional dos membros do Ministério Público, não havendo a mínima possibilidade jurídica do parquet ser obrigado a mover a persecução penal judicial, há uma conveniência justificada pela livre valoração do interesse público.

No mesmo sentido, Mazilli ao comentar o princípio da obrigatoriedade da ação penal, aduz:

“Não se veja aí, porém, um dever cego e automático de agir: o Ministério Público tem liberdade para identificar ou não a hipótese de agir, desde que o faça fundamentadamente”.

E completa:

“Em suma, isso é mera consequência da livre valoração do interesse público pelo parquet: o dever de agir do Ministério Público pressupõe essa valoração da existência ou da persistência do interesse público, seja para propor a ação, seja para nela prosseguir, seja para nela intervir. Com efeito, a instituição deve apreciar a justa causa não só para propor, como para prosseguir na ação, ou para nela ser órgão interveniente”.

Neste contexto, merece destaque a lição de Hely Lopes Meirelles (1983, p. 332-336):

“[…] os membros do Ministério Público atuam com total absoluta liberdade funcional, só submissos à sua consciência e aos seus deveres profissionais, pautados pela Constituição e pelas lei regedoras da Instituição. Nessa liberdade de atuação no seu ofício, é que se expressa a independência funcional.”

Carnelutti, afirmava que “a valoração da conveniência do processo para a tutela do interesse público, à base da qual o Ministério Público resolve acionar, não está vinculada”.[8] Neste sentido, a moderna doutrina processual penal defende a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal.

Consoante Emerson Garcia:

“Trata-se de nítida mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal. O sistema brasileiro tem autorizado a celebração de acordos, os quais podem redundar na redução das sanções ou, no extremo, na própria concessão do perdão. Esses acordos, em qualquer caso, sempre estão condicionados à apreciação judicial. Vide Lei nº 8.072/1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, arts. 7º e 8º, parágrafo único; Lei nº 9.807/1999, que trata da proteção às testemunhas, arts. 13 e 14; Lei nº 9.034/1995, revogada pela Lei nº 12.850/2013, que dispunha sobre as organizações criminosas (art. 6º); Lei nº 9.080/1995, que incluiu um § 2º no art. 25 da Lei nº 7.492/1986, diploma este que versa sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional, e um parágrafo único, de conteúdo idêntico, no art. 16 da Lei nº 8.137/1990, que trata dos crimes contra a ordem tributária; Lei nº 9.613/1998, que versa sobre o combate à lavagem de dinheiro (art. 1º, § 5º); Lei nº 11.343/2006, que dispõe sobre o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes (art. 41). Na sistemática dessas leis não há celebração de verdadeiro acordo, mas, sim, posterior avaliação, pelo juízo competente, da colaboração do réu para a elucidação dos fatos. Foi a Lei nº 12.850/2013, ao dispor sobre as organizações criminosas, que traçou os contornos de um verdadeiro acordo, celebrado por ocasião da colaboração premiada. Ainda merece menção a Medida Provisória nº 2.055/2000, convertida na Lei nº 10.149/2000, que alterou a Lei nº 8.884/1994 e dispôs sobre o acordo de leniência a ser celebrado por autoridades administrativas, nos casos de infração contra a ordem econômica. Esse acordo, mantido pela Lei nº 12.529/2011, que revogou parcialmente a Lei nº 8.884/1994, produz reflexos no plano criminal, acarretando a extinção da punibilidade. Para contornar os possíveis vícios decorrentes da não participação do Ministério Público, dominus litis da ação penal, a Instituição tem sido chamada a firmá-lo em conjunto com o CADE. Nesse ajuste, que se aproxima do acordo de não-persecução penal a que se refere a Resolução CNMP nº 181/2017, a lei, repita-se, a lei, afastou a necessidade de homologação judicial para que o acordo produza efeitos na seara penal. Também não passa pela homologação judicial o acordo de leniência a que se refere o art. 16 da Lei nº 12.846/2013, passível de ser celebrado pelas pessoas jurídicas no plano administrativo e que reduz as sanções a serem aplicadas no plano judicial cível”.

3.2. Quando será possível o acordo de não-persecução penal

Conforme a resolução 181 do CNMP, nos delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não-persecução penal, desde que este confesse formal e detalhadamente a prática do delito e indique eventuais provas de seu cometimento, além de cumprir os seguintes requisitos, de forma cumulativa ou não:

I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima;

II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, de modo a gerar resultados práticos equivalentes aos efeitos genéricos da condenação, nos termos e condições estabelecidos pelos artigos 91 e 92 do Código Penal;

III – comunicar ao Ministério Público eventual mudança de endereço, número de telefone ou e-mail;

IV – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público.

V – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito.

VI – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.

Leciona Emerson Garcia:

“Na disciplina da Resolução CNMP nº 181/2017, não são aplicadas verdadeiras penas, já que os requisitos a serem cumpridos são individualizados em momento anterior à persecução penal, excluindo-a. Acresça-se que o objeto do acordo não importa em qualquer ruptura com o sistema vigente, que admite a celebração de ajustes inclusive em relação ao quantum da pena privativa de liberdade a ser cumprida, afastando a tradicional tese da indisponibilidade do interesse. Além disso, os requisitos que mais se assemelham às sanções previstas na legislação penal, especificamente às penas restritivas de direitos, são a prestação de serviço à comunidade e o pagamento de prestação pecuniária, os quais sequer redundam em privação da liberdade”.

3.3. Da impossibilidade do acordo de não-persecução penal

Não se admitirá a proposta nos casos em que:

I – for cabível a transação penal, nos termos da lei;

II – o dano causado for superior a vinte salários-mínimos ou a parâmetro diverso definido pelo respectivo órgão de coordenação;

III – o investigado incorra em alguma das hipóteses previstas no art. 76, § 2º, da Lei n. 9.099/95, in verbis:

a) ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

b) ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

c) não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

IV – o aguardo para o cumprimento do acordo possa acarretar a prescrição da pretensão punitiva estatal.

3.4. Da formalização do acordo de não-persecução penal

O acordo será formalizado nos autos, com a qualificação completa do investigado e estipulará de modo claro as suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas para cumprimento e será firmado pelo Membro do Ministério Público, pelo investigado e seu advogado.

A confissão detalhada dos fatos e as tratativas do acordo deverão ser registrados pelos meios ou recursos de gravação audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações.

É dever do investigado comprovar mensalmente o cumprimento das condições, independentemente de notificação ou aviso prévio, devendo ele, quando for o caso, por iniciativa própria, apresentar imediatamente e de forma documentada eventual justificativa para o não cumprimento do acordo.

3.5. O momento da formalização do acordo de não-persecução penal

Segundo o artigo 18 § 5º da Resolução 181 do CNMP:

“O acordo de não-persecução poderá ser celebrado na mesma oportunidade da audiência de custódia”.

Dada a celeridade da audiência de custódia e o tempo que pode levar para que os Membros do Ministério Público possam averiguar os fatos permissivos e impeditivos do acordo de não-persecução penal, na prática, nem sempre será possível ofertar a proposta de não-persecução penal, mas não há nenhum óbice do acordo ser proposto por ocasião do recebimento da nota de culpa ou inquérito policial.

3.6. Da consequência do descumprimento das condições estipuladas no acordo de formalização de não-persecução penal

Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo ou não comprovando o investigado o seu cumprimento, no prazo e condições estabelecidas, o Membro do Ministério Público deverá, se for o caso, imediatamente oferecer denúncia.

Não havendo elementos informativos mínimos para dar suporte a uma delatio criminis, o Membro do Ministério Público requisitar a instauração de um inquérito policial ou instaurar um PIC.

O descumprimento do acordo de não-persecução pelo investigado, também, poderá ser utilizado pelo Membro do Ministério Público como justificativa para o eventual não-oferecimento de suspensão condicional do processo.

Cumprido integralmente o acordo, o Ministério Público promoverá o arquivamento da investigação, sendo que esse pronunciamento, desde que esteja em conformidade com as leis e com a resolução 181 do CNMP, vinculará toda a Instituição.

3.7. Da conclusão e do arquivamento do PIC (Procedimento Investigatório Criminal).

Segundo o artigo 19 da Resolução 181 do CNMP:

Art. 19. Se o membro do Ministério Público responsável pelo procedimento investigatório criminal se convencer da inexistência de fundamento para a propositura de ação penal pública ou constatar o cumprimento do acordo de não persecução, promoverá o arquivamento dos autos ou das peças de informação, fazendo-o fundamentadamente.

Parágrafo único. A promoção de arquivamento será apresentada ao juízo competente, nos moldes do art. 28 do CPP, ou ao órgão superior interno responsável por sua apreciação, nos termos da legislação vigente.

Portanto, caso o poder judiciário não aceite o acordo de não-persecução penal, haverá duas hipóteses:

  1. No âmbito da justiça estadual, não havendo aceitação do acordo de não-persecução penal, o juiz fará remessa dos autos ao procurador-geral de justiça, e este oferecerá a denúncia, se houver elementos informativos suficientes, ou designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
  2. No âmbito da justiça federal, deverá os autos serem remetidos à Câmara de Coordenação e Revisão Criminal manifestar-se sobre o arquivamento, à exceção das hipóteses de competência originária do Procurador-geral, isto é, nos casos de ações penais que devam ser ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal e perante o Superior Tribunal de Justiça (arts. 46 e 48 da Lei Complementar no 75/1993).

3.8. Desarquivamento do PIC (Procedimento Investigatório Criminal).

A decisão que defere o pedido de arquivamento motivado pelo acordo não-persecução penal, não faz coisa julgada material, mas tão-somente formal. Portanto, aparecendo novas provas, será possível o desarquivamento:

O artigo 20 da resolução nº 181 do CNMP é clara:

“Se houver notícia da existência de novos elementos de informação, poderá o membro do Ministério Público requerer o desarquivamento dos autos, providenciando-se a comunicação a que se refere o artigo 5º desta Resolução”.

3.9. Dos direitos e garantias individuais

No procedimento investigatório criminal serão observados os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil, aplicando-se, no que couber, as normas do Código de Processo Penal e a legislação especial pertinente.

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de informação que, já documentados em procedimento investigatório realizado pelo Ministério Público, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

3.10. O acordo de não-persecução penal e o processo de expansão do processo penal

Dissertamos no livro Tratado Doutrinário de Direito Penal, ainda no prelo que:

Jésus-Maria Silva Sánchez criou o chamado processo de expansão do Direito Penal, atribuindo o que seria as velocidades do Direito Penal. Ensina o renomado autor:[9]

Uma primeira velocidade, representada pelo Direito Penal ‘do cárcere’, em que haveriam de ser mantidos rigidamente os princí­pios político-criminais clássicos, as regras de imputação e os princí­pios processuais; e uma segunda velocidade, para os casos em que, por não se tratar de prisão, senão de penas de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar uma flexibilização proporcionada a menor intensidade da sanção.

O “Direito Penal da pena de prisão” concorre com uma ampla relativização de garantias político-criminais, neste sentido, as regras de imputação e critérios processuais, devem ser alterados para alcançar o fim maior do processo que é a resolução das lides com fito de promover a paz social.

Neste sentido, no processo de expansão do processo penal, há três velocidades:

a) Direito Penal de primeira velocidade: é o Direito Penal tradicional, car­acterizado pela pena de prisão, com duas características predominantes:

1 –tem como último fim a aplicação de uma pena privativa de liberdade;

2 –observa na aplicação da pena as regras garantistas penais e processuais penais.

EXEMPLO PRÁTICO

É a velocidade, em regra, adotada pelo Direito Penal brasileiro, em que a maioria das penas é privativa de liberdade, mas são observados vários princípios constitucionais e infraconstitucionais na aplicação da pena.

b) Direito Penal de segunda velocidade: é o Direito Penal caracterizado pela aplicação de penas que não levam o condenado ao cárcere e que tem como principais características:

1 –aplicação de penas em não-privativas de liberdade;

2 –na aplicação das penas não-privativas de liberdade podem ser afastadas algumas garantias penais e processuais penais.

EXEMPLO PRÁTICO

Um exemplo típico do Direito Penal de segunda velocidade são os institutos da Lei no?9.099/1995, transação penal, suspensão condicional do processo e agora o acordo de não-persecução penal, em que temos a aplicação de penas em não-privativas de liberdade, mas não são observados os princípios do contraditório, ampla defesa e o devido processo legal.

c) Direito penal de terceira velocidade: é a teoria do Direito Penal do inimigo de Güinther Jakobs. Na realidade, há um Direito Penal de velocidade híbrida, pois há duas características principais:

1 –tem como último fim a aplicação de uma pena privativa de liberdade (primeira característica do Direito Penal de primeira velocidade);

2 –na aplicação das penas privativas de liberdade podem ser afastadas algu­mas garantias penais e processuais penais (segundacaracterística do Direito Penal de segunda velocidade).

Tem como características, dentre outras: a tipificação dos atos meramente preparatórios na associação criminosa (art. 288, CP), tipos de mera conduta (ex. ato obsceno), tipos de perigo abstrato (ex. lei de drogas).

EXEMPLO PRÁTICO

Podemos afirmar que, no Brasil, há um exemplo de direito penal do inimigo, é a chamada lei do abate (Lei no 9.614/1998) que, como já relatamos, autoriza sem a observância de nenhuma das garantias constitucionais, a destruição de aeronave e, por ser evidente, a morte do piloto.

Já o RDD (regime disciplinar diferenciado) não pode ser classificado como terceira velocidade, porque há uma priorização da pena privativa de liberdade, mas há plena observação de garantistas penais e processuais penais, portanto, estamos diante de uma primeira velocidade.


[1] Autor de livros jurídicos. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior da Advocacia da Paraíba – ESA/PB. Advogado.
[2](SCHÜNEMANN, Bernd. Cuestiones Básicas de la Estructura y Reforma del Procedimento Penal bajo una Perspectiva Global, in Obras. Tomo II, Rubinzal Culzoni: Buenos Aires, 2009, p. 423).
[3]ADC 12, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2008, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-01 PP-00001 RTJ VOL-00215-01 PP-00011 RT v. 99, n. 893, 2010, p. 133-149
[4]Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=606840>. Acesso em: 11 de setembro de 2017.
[5]Especificamente no caso da Alemanha, os casos que permitem disponibilidade do membro do Ministério Público para o não oferecimento da ação penal estão restritos aos crimes de bagatela. 10.2001)
[6] (VANINI, Ottorino, COCCIARDI, Giuseppe. Manuale di diritto processuale penale italiano, 1986. Milão: Giufré, 1986. 22.)
[7] (Dias. Jorge de Figueiredo. Op. cit.
[8] (Istituzioni del processo civile italiano. Roma, 1956, n. 98).
[9] SÁNCHEZ, Jésus-Maria Silva. La expansión del derecho penal, p. 163.

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