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Usucapião Familiar: quem nos salva da bondade dos bons?[1]

Ricardo Lucas Calderón

Ricardo Lucas Calderón

23/11/2017

Por Ricardo Lucas Calderón e Michele Mayumi Iwasaki[3]

A celeridade das mutações fáticas do líquido cenário contemporâneo acaba por apresentar novas questões ao Direito, não raro com complexos e intricados fatores envolvidos[4]. O afã de procurar respostas imediatas para alguns destes intrigantes litígios do presente acaba, muitas vezes, por levar a uma precipitação que nem sempre é recomendável aos juristas.

É o que se percebe na introdução no direito brasileiro da denominada usucapião familiar[5], novel modalidade aquisitiva da propriedade que decorre do abandono do lar por um dos cônjuges ou companheiros, agregado a outros requisitos descritos na regra que o instaurou. Tal usucapião extraordinária urbana foi regulada pela incorporação do art. 1.240-A no Código Civil[6], criando um instituto sem qualquer prévia discussão doutrinária ou jurisprudencial a respeito.

Em um primeiro momento, pode-se vislumbrar uma provável boa intenção do legislador ao procurar tutelar um problema social muitas vezes reiterado: o imbróglio resultante de um fim conflituoso de uma relação de conjugalidade[7] sem a resolução das questões patrimoniais relativas ao imóvel que serve de moradia para os integrantes daquele núcleo familiar. Isso porque, com a separação de fato, usualmente um dos membros do casal permanece no lar conjugal (muitas vezes a mulher com filhos) enquanto o outro dali se retira (nestes casos, o homem). E o posterior pleito de partilha do bem pelo cônjuge ou convivente que se afastou pode, em muitos casos, trazer dificuldades de moradia e subsistência para aqueles que restaram no imóvel, implicando em problemas de diversas ordens.

É possível que o legislador tenha tentado tutelar situações fáticas como essas, amparando o consorte abandonado que permaneceu no imóvel (a mulher com a prole, na imagem que foi retratada como corriqueira nos debates legislativos sobre o tema) e que então necessitaria do bem para sua moradia[8]. Observa-se, assim, primeiramente, uma certa preocupação em tutelar a família abandonada e garantir o seu direito de moradia, o que pode parecer justificável.

Contudo, em que pese uma provável boa intenção na origem da inclusão desta nova modalidade da usucapião familiar, calha aqui o célebre questionamento de Agostinho Ramalho Marques Neto: quem nos salva da bondade dos bons?[9] Isso porque, a regulação posta com o referido dispositivo legal não é muito clara nas expressões que elegeu para retratá-lo. Diversas inconsistências técnicas são observadas e, quiçá, não proteja nem mesmo o bem jurídico que pretendeu (proteção da família e do direito à moradia), de modo que a norma resultante da leitura desse dispositivo pode levar a algumas situações não previstas e certamente não desejadas nem mesmo por quem a aprovou. A precipitação e a generalização praticada com a imposição da usucapião familiar exige um esforço hermenêutico dos civilistas, com o objetivo de evitar um inadmissível retrocesso e permitir uma significação jurídica alinhada ao estágio atual da nossa literatura jurídica e da nossa jurisprudência.[10]

O intuito do presente artigo é contribuir com a apuração do sentido civil-constitucional desse dispositivo, adequado a este momento do direito privado, averiguando qual sua função no nosso ordenamento jurídico, sempre com especial atenção para os princípios constitucionais incidentes na hipótese, com observância da funcionalização do direito das coisas e sem descurar da estatura do pulsante direito de família brasileiro hodierno.

Anteriormente à análise dos aspectos jurídicos envolvidos na temática, importa anotar ao menos uma percepção prévia que salta aos olhos ao apreciar o texto legal da usucapião familiar: os sociólogos afirmam que, dentre as principais características dos relacionamentos afetivos atuais, estão a flexibilidade e a efemeridade, as quais levaram Zygmunt Bauman a denominar o período como a era do amor líquido.[11] Para Gilles Lipovestky “tão flexíveis são as características da família pós-moralista hodierna, que já é possível fazer a montagem ou desmontagem da mesma segundo a preferência de cada um”[12].

Não deixa de ser sintomático que, justamente no momento de maior liberdade e permissividade para dissoluções e recombinações dos relacionamentos afetivos, entre em voga uma reiterada busca jurídica por uma ‘tutela do abandono’. Prova disso é que um dos temas mais discutidos no direito de família atualmente é o abandono afetivo[13]. Paralelamente, segue o abandono elencado no Código Civil como uma das hipóteses de impossibilidade da comunhão de vida conjugal[14] e, agora, com repercussão também no direito das coisas, de forma até mesmo surpreendente, nota-se que um aspecto relevante da locução que instituiu a usucapião familiar está na expressão abandono do lar[15]. Essa centralidade que pretende ser conferida às consequências jurídicas das situações fáticas decorrentes do abandono é merecedora de percepção e reflexão.

Para além disso, o histórico do direito brasileiro exige que o significante abandono do lar mereça especial atenção dos juristas na extração do seu significado atual, visto não ser indicado, neste momento, retomar o sentido que a denominação já teve outrora[16]. A partir desta percepção, um dos pontos centrais da análise ora proposta se debruçará na tradução atual para o termo abandono do lar previsto na regra da usucapião conjugal, pois esse parece ser um dos pontos nevrálgicos do tema em comento. Outro aspecto que será tratado diz respeito à necessária imbricação que o direito à moradia deverá ter no momento da concretização do referido instituto.

Para melhor clareza do que se propõe, dividiu-se a análise em quatro pontos: o primeiro discorrerá sobre a constitucionalidade do dispositivo; o segundo sobre os aspectos centrais desta modalidade aquisitiva; o terceiro sustentará o sentido que deve ser conferido a expressão abandono do lar com a necessária tutela da família; e, por derradeiro, considerações finais são apresentadas com destaque no perfil funcional que deve ser conferido à usucapião familiar.

O processo legislativo de aprovação da Lei 12.424 de 2011 (que introduziu o art. 1.240-A no Código Civil) está repleto de peculiaridades que, para alguns autores, maculariam o dispositivo de insanável inconstitucionalidade, a qual sustentam ser também de ordem material, por tratar equivocadamente como usucapião uma situação que afronta aspectos basilares desta modalidade aquisitiva[17].

No âmbito formal, a referida lei teve como ponto de partida uma Medida Provisória que atualizava as regras do programa do governo federal Minha Casa Minha Vida[18], que originariamente nada falava sobre a nova modalidade de usucapião. No decorrer do debate desta Medida Provisória nas comissões do Congresso Nacional, foi suscitada a possibilidade de introdução desta usucapião familiar, o que acabou prevalecendo no projeto final que foi aprovado. Entretanto, não houve discussão no plenário sobre tal novel usucapião, que não constou nem mesmo da exposição de motivos do referido projeto de lei. Por tudo isso, há quem alegue “que o próprio processo legislativo resta contaminado”[19].

Essas inconsistências formais do atabalhoado processo de aprovação da lei que implantou o art. 1.240-A no Código Civil podem, efetivamente, maculá-lo por completo, visto que são relevantes os questionamentos apresentados (o que não se ignora). Apesar disso, até este momento nenhuma medida que o retire do ordenamento (ou suspenda sua eficácia) foi proferida, de modo que segue em vigência e, ainda, vem sendo aplicado reiteradamente pelos nossos tribunais. Apesar da possibilidade até mesmo de uma declaração incidental de inconstitucionalidade no julgamento dos casos concretos, fato é que até este momento a majoritária corrente doutrinária e jurisprudencial aponta no sentido de sua validade e constitucionalidade, o que tem feito avançar o debate relativo ao seu conteúdo material e a forma da sua concretização.

A partir da premissa de que a Constituição é a bússola que deve orientar a interpretação do Código Civil (e não o contrário) entende-se possível extrair um sentido da usucapião familiar que seja adequado ao texto constitucional[20].  Diante disso, com esta observação prévia, sem deixar de anotar a pertinência de muitas das objeções formais que lhe são postas, passa-se a análise das questões materiais do dispositivo, pois é este o objetivo central do presente trabalho.

Ao lado do aspecto formal, como antes mencionado, alguns autores questionam também uma suposta inconstitucionalidade material da usucapião familiar, entendendo haver afronta injustificada a segurança jurídica e o direito de propriedade, por não demonstrar uma função social compatível com a expropriação pretendida e, ainda, não atentar para as atuais diretrizes constitucionais sobre direito de família.[21]

Nesse particular, não parecem se sustentar os argumentos dos defensores da inconstitucionalidade material, pois é possível encontrar guarida constitucional para uma adequada interpretação desse instituto, sem embargo dos diversos equívocos terminológicos que ele apresenta. Em outras palavras, pode-se identificar uma leitura do dispositivo adequada aos princípios e valores constitucionais incidentes na hipótese, o que faria reluzir sua constitucionalidade.

O princípio basilar da nossa Constituição é o da dignidade da pessoa humana[22], que aponta no sentido de proteção desta esfera dos particulares com a maior efetividade possível. A escorreita atenção ao princípio não abarca apenas a proteção contra tratamentos degradantes ou desumanos, mas se circunscreve em um invólucro que pode assumir inclusive relevos patrimoniais.[23] Uma especial proteção da dignidade daqueles integrantes do núcleo familiar que restaram desamparados e necessitam do uso do imóvel para sua subsistência pode dar suporte a constitucionalidade da modalidade aquisitiva ora apreciada[24].

Outro princípio que assume densidade na análise da constitucionalidade da usucapião familiar é o da solidariedade[25], também previsto expressamente pela Constituição de 1988[26]. A diretriz que impele a um tratamento solidário assume especial destaque quando do trato de conflitos entre cônjuges ou conviventes, podendo inclusive resultar em obrigações específicas decorrentes de tais relações de conjugalidade, com extensão até mesmo para após o término do relacionamento (como o exemplo da obrigação alimentar). Assim, a destinação da propriedade do imóvel apenas a apenas um dos integrantes da respectiva relação pode se justificar em um espectro de prevalência do princípio da solidariedade, no sentido concreto de que o patrimônio de um dos consortes acolha, naquele momento, o outro.

O direito à moradia[27] também pode contribuir para uma densificação constitucional da usucapião familiar, desde que sua materialização vise tutelar essa premente questão habitacional. Na perspectiva do direito italiano Pietro Perlingieri assevera que

A inegável relevância jurídica do interesse à moradia permitiu à Corte Constitucional argumentar a existência de um ‘direito à moradia’, a ser elencado ‘entre os requisitos essenciais que caracterizam a socialidade a que se conforma o Estado democrático descrito na Constituição’ e a ser qualificado como ‘fundamental direito social voltado para contribuir para que a vida de cada pessoa reflita a cada dia e sob qualquer aspecto, a imagem universal da dignidade humana’.[28]

A Constituição Federal brasileira possui expresso dispositivo que aponta na proteção do direito à moradia, art. 6º, devidamente incluído no rol dos direitos sociais, com aplicação direta e imediata, de modo que “fazem-se necessários novos instrumentos jurídicos destinados a garantir a efetiva tutela do direito à moradia”[29]. Nesse contexto, é possível vislumbrar uma áurea de constitucionalidade desta nova modalidade de usucapião caso sua interpretação priorize a consagração do constitucional direito à moradia[30].

Os questionamentos quanto a eventual desrespeito ao direito de propriedade e à segurança jurídica podem ser respondidos com a observância da sua funcionalização, que também é reverenciada constitucionalmente. Norberto Bobbio preconiza que o direito deve atentar para além da estrutura dos institutos jurídicos, dedicando especial relevo para a sua função[31]. O movimento de repersonalização do direito civil também conferiu uma nova coloração a muitos destes conceitos[32].

A função social é elemento estrutural da propriedade, obriga o proprietário e deve restar atendida no caso concreto, sob pena até mesmo de fulminar a titularidade desse direito na sua esfera jurídica[33]. Conforme afirma Eroulths Cortiano Junior, a adequada função social da propriedade aponta na melhor utilização do bem no específico caso concreto

Na apreciação da função social da propriedade, o operador do Direito tem de atentar para a concretude da situação proprietária, levando em conta a posição ocupada pelo sujeito proprietário – na sua vida de relações e na sua relação com o bem apropriado -, as características do bem sobre o qual incide a propriedade e a forma do exercício dos poderes proprietários. A função social da propriedade remete, sempre, a uma visão concreta das relações em que incide o fenômeno proprietário, cujo balizamento será feito a partir da normativa, mas cujo objetivo é garantir a melhor utilização social da propriedade. Aqui se dá a ruptura do modelo proprietário.[34]

Nesta perspectiva, mostra-se viável sustentar a constitucionalidade da usucapião familiar como instrumento que vise proteger a mais adequada utilização concreta do imóvel, o que retrataria o atendimento escorreito da sua função social, apontando, inequivocamente, para a prevalência do direito à moradia como acesso ao direito de propriedade.[35]

No campo das titularidades é inequívoco que nossa Constituição Federal assegura o direito a um mínimo existencial[36], o que pode vir a justificar a aquisição da propriedade na forma do art. 1.240-A do Código Civil[37]. Exemplificativamente: na hipótese de um dos consortes necessitar do imóvel para sua moradia, como condição vital para sua mantença e de seus familiares, viável a sua proteção também em observância do direito ao mínimo existencial.

Ainda sob a ótica constitucional, percebe-se uma especial tutela da família, ao ser descrita como base da sociedade e merecedora de especial proteção do Estado (art. 226), de maneira que latente a constitucionalidade dos institutos que pretendam efetivar essa proteção[38]. Na esteira disso, uma leitura da usucapião familiar que objetive proteger a esfera patrimonial da família se afigura claramente constitucional, visto que também no direito brasileiro “o direito à moradia é da pessoa e da família; isso tem consequências notáveis no plano das relações civilísticas”[39]. Há sólida corrente doutrinária nesse sentido. Luiz Edson Fachin é um dos defensores da constitucionalidade do art. 1.240-A do Código Civil

Apreende-se que o novo dispositivo legal encartado ao Código Civil é adequado aos vetores que esteiam o ordenamento jurídico brasileiro, sendo possível o acolhimento sistemático ao art. 1240-A em leitura orientada pelas determinantes principiológico-constitucionais.[40]

A partir das considerações acima, afigura-se possível sustentar a constitucionalidade de uma leitura da usucapião familiar ao afiná-la com tais pressupostos constitucionais, que devem, inexoravelmente, reverberar na definição das balizas de aplicação de referido instituto.

Inegável que faltou ao legislador uma precisão terminológica para a definição do instituto da usucapião familiar, o que já vem sendo observado por parte da doutrina e alguns precedentes nos tribunais.[41]

Nesse contexto, na apuração do sentido do instituto não se pode perder de vista a essência da necessária hermenêutica com a superação da simples subsunção conforme apregoa Gustavo Tepedino

[…] se o ordenamento é unitário, moldado na tensão dialética da argamassa única dos fatos e das normas, cada regra deve ser interpretada e aplicada a um só tempo, refletindo o conjunto das normas em vigor. A norma do caso concreto é definida pelas circunstâncias fáticas na qual incide, sendo extraída do conjunto normativo em que se constitui o ordenamento como um todo. [42]

Com a vigência da Lei Federal 12.424 de 16.06.2011 foi incluído no Código Civil o denominado instituto da “usucapião familiar” (art. 1.240-A, CC), pelo qual se passa a admitir a exceção de hipótese de prescrição aquisitiva da posse entre ex-cônjuges ou ex-companheiros (art. 197, I, CC).

Da letra fria da lei extrai-se tratar de instituto aplicável a imóvel urbano com até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), objeto de partilha de bens em que uma das partes abandona o lar em detrimento do exercício da posse pela outra, que utiliza o bem para sua moradia ou de sua família, sem que esta seja proprietário de outro imóvel, urbano ou rural:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

A primeira controvérsia em torno do tema parece estar praticamente superada e diz respeito ao marco temporal inicial da contagem do prazo da prescrição aquisitiva pela incidência do instituto em razão da sua eficácia no tempo. Para delimitar a prazo inicial da usucapião familiar prevalece o entendimento da sua ocorrência a partir da vigência da Lei 12.424/2011, que visa assegurar a segurança jurídica das relações jurídicas previamente estabelecidas.

Esse é o entendimento firmado por muitos tribunais e que vêm sendo acompanhado em uma razoável quantidade de precedentes[43], assim como foi deliberado na V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal[44]

Enunciado 498 – A fluência do prazo de 2 (dois) anos previsto pelo art. 1.240-A para a nova modalidade de usucapião nele contemplada tem início com a entrada em vigor da Lei n. 12.424/2011.

Assim, independentemente do exercício prévio da posse de forma exclusiva por um dos cônjuges ou companheiro (a), segundo a decisão reiterada dos tribunais, a data inicial a qual se aplica a usucapião familiar é 16.06.2011, quando passou a vigorar o dispositivo em tela no Código Civil.

Outra questão que em princípio se evidenciava mais tortuosa na caracterização do começo do prazo da prescrição aquisitiva está na definição da data separação do casal, o que não implica, necessariamente, na existência de separação judicial, medida cautelar de separação de corpos ou até mesmo do divórcio.

O texto legal faz referência a condição subjetiva de ser “ex-cônjuge ou companheiro” e a ocorrência de “abandono do lar”. Na medida em que a coabitação prescindível à constituição da entidade familiar, a data da separação fática do casal será o marco para a contagem do período aquisitivo, sendo irrelevante o seu prévio reconhecimento formal (seja pela via judicial ou por escritura pública).

Nessa linha é a interpretação dada pelo Enunciado 501 da V Jornada de Direito Civil

501 – As expressões “ex-cônjuge” e “ex-companheiro”, contidas no art. 1.240-A do Código Civil, correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio.[45][46]

Nota-se a necessária adequação dos termos empregados na redação do art. 1.240-A, CC pela interpretação sistemática da concepção de ex-cônjuge ou companheiro, tendo em vista a dignidade constitucional para a pluralidade de entidades familiares. Vide o Enunciado 500 da V Jornada de Direito Civil

500 – A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas.[47]

Outro requisito legal da usucapião familiar que merece atenção é da “posse direta” sobre o bem, que não se confunde com aquela definida no art. 1.197 do Código Civil

Enunciado 502 – O conceito de posse direta referido no art. 1.240-A do Código Civil não coincide com a acepção empregada no art. 1.197 do mesmo Código.[48]

Conforme leciona Pontes de Miranda, o conceito e natureza jurídica da posse, por essência é suporte fático da relação inter-humana de poder exercido entre o possuidor e o alter, ou seja, a comunidade. Não se trata de poder ou o seu exercício relativo ao domínio ou à propriedade (usus, fructus, abusos). [49] Assim, a posse pertence ao mundo dos fatos e pode ingressar no plano jurídico em razão de ato, negócio, ato-fato ou fato jurídico puro. O exercício da posse, ainda que acrescida de algum direito, é do plano fático e o que importa ao titular. [50] Fundada na sua natureza fática, a teoria clássica da posse admite distintas gradações e uma consequente pluralidade de sujeitos que variam do possuidor imediato (posse direta) ao mediato (posse indireta), adotada pelo Código.

Assim, dispõe o texto legal que a usucapião familiar poderá ser concedida àquele que exercer a posse direta por 02 (dois) anos ininterruptos, sem oposição e com exclusividade. Nesse contexto, é preciso registrar que a finalidade do instituto não pode restringir o direito a aquisição originária da propriedade àquele que permanece na posse efetiva do lar conjugal, devendo ser contextualizada com as múltiplas vicissitudes que motivam a saída de uma das partes.

Darcy Bessone há muito já sustentava a necessidade de uma releitura contemporânea do instituto e do Direito das Coisas

Não estamos a refletir apenas a figura complexa da posse. Queremos saltar para fora de um círculo tão estrito para vermos todo o descompasso entre o Direito e a vida, especialmente no campo do Direito privado. Tem faltado imaginação e criatividade aos cientistas do Direito. Não conseguem vincular-se à evolução resultante das novas descobertas e inventos. De ordinário, viram-se para trás, em lugar de volverem-se para frente.[51]

Por estar diretamente atrelada à proteção da família e à concretização da dignidade da pessoa humana, há que se garantir uma “interpretação tecnicamente mais branda do termo posse direta”[52] para evitar situações concretas de injustiça. Por isso, em alguns casos é possível a concessão da usucapião familiar até mesmo para o consorte que não está na posse efetiva do bem. [53]

Uma sociedade desigual na qual persistem condições de desigualdade de gênero e de altos índices de violência doméstica, não se pode limitar a conferir apenas a aplicação do instituto àquele cônjuge ou companheiro que permaneceu fisicamente no imóvel.

É necessária uma reinterpretação dos institutos do direito das coisas em sintonia com o Direito de Família hodierno. Exemplo da insuficiência das teorias possessórias clássicas[54] para a correta aplicação da usucapião familiar pode ser verificada na situação abaixo

DIREITO CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. IMÓVEL ADQUIRIDO DURANTE PERÍODO DE CONVIVÊNCIA. PERDA DA MEAÇÃO PELO COMPANHEIRO. ART. 1.240-A. APLICAÇÃO ANALÓGICA. COMPANHEIRA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. INAPLICABILIDADE. PARTILHA NECESSÁRIA.

Segundo dispõe o art. 1.725 do Código Civil, reconhecida a união estável, aplica-se o regime da comunhão parcial de bens.

Não comprovado, na hipótese, os requisitos para usucapião nos termos do art. 1.240-A, em especial o abandono do lar e a posse sem oposição, inviável aplicação analógica deste dispositivo à companheira anteriormente vítima de violência doméstica e familiar a partir da interpretação dos justos objetivos da Lei Maria da Penha, ainda mais quando já reparada financeiramente por tal ocorrência.

(Acórdão n.690599, 20120310272384APC, Relator: CARMELITA BRASIL, Revisor: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 03/07/2013, Publicado no DJE: 10/07/2013. Pág.: 122)

Não raro as vítimas de violência doméstica não representam seus agressores por temer o agravamento do conflito familiar, e, com o intuito de proteger a si e eventual prole, saem do lar conjugal. Assim, a interpretação acerca do requisito da posse direta deve ser orientada para a finalidade de tutelar a entidade familiar e o conjunto de direitos que compõe a sua esfera existencial mínima, não para coagi-la a permanecer onde sequer a sua integridade física e moral é respeitada.[55]

Outro ponto controvertido sobre o tema diz respeito ao foro competente para julgar as ações relativas à usucapião familiar. Como pertine tanto ao Direito das Coisas como ao Direito de Família, atualmente discute-se qual o foro competente para o julgamento dessas demandas: se o foro cível comum ou as varas especializadas de família.

Nessa questão vislumbra-se uma tendência dos tribunais a decidir pela competência cível:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DIVÓRCIO – RECONVENÇÃO – USUCAPIÃO FAMILIAR – ART. 1240-A DO CC/02 – COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO – DIREITO REAL – COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL – DECISÃO MANTIDA.

Na usucapião familiar, prevista art. 1240-A do CC/02, a existência de instituição familiar, seja o casamento ou a união estável, é apenas um dos requisitos necessários para a sua constituição. A questão de fundo nela contida refere-se a constituição de domínio sobre imóvel, constituindo-se, portanto, ação de cunho patrimonial. Tendo em vista que a usucapião familiar não se refere a estado de pessoas, mas sim a aquisição originária de propriedade imobiliária, cujos efeitos poderão atingir terceiros, a competência para seu julgamento é dos Juízes da Vara Cível, e não da Vara de Família. (TJMG, Agravo de Instrumento Cv 1.0024.13.206443-7/001, Relator(a): Des.(a) Afrânio Vilela, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/03/2014, publicação da súmula em 21/03/2014) [56]

Sendo a aquisição da propriedade uma consequência do abandono familiar, questão que diz muito mais com o direito de família, a competência para o processamento do pedido deve ser atribuída às varas de família[57].

Conforme se verá adiante, a usucapião familiar tem caráter principalmente existencial, pois visa tutelar a família e o seu direito à moradia, de modo que sua análise é matéria que deve restar sob a incumbência dos juízos de família.

O dispositivo legal que introduziu a usucapião familiar traz como um dos seus requisitos o ‘abandono do lar’, expressão consignada no texto do art. 1240-A do Código Civil. Infeliz a escolha deste significante pelo legislador, como já exposto, pois a figura do abandono do lar desempenhou outro papel no direito brasileiro recente, atualmente já totalmente superado.

Como o instituto visa tutelar um aspecto patrimonial de uma relação familiar, deve, necessariamente, corresponder ao momento atual do direito de família brasileiro, sob pena de incorrer em inadmissível retrocesso. As alterações neste ramo do direito foram tantas que alguns autores até preferem referir a um direito das famílias[58], no plural, para bem demarcar esse multifacetado sentido contemporâneo.

Quem descreve com clareza a alteração que se processou é Maria Celina Bodin de Moraes

Esse processo foi acompanhado de perto pela legislação e pela jurisprudência brasileiras que tiveram nas duas últimas décadas, inegavelmente, um papel promocional na construção do novo modelo  familiar. Tal modelo vem sendo chamado, por alguns especialistas em sociologia, de ‘democrático’, correspondente, em termos históricos, a uma significativa novidade, em decorrência da inserção, no ambiente familiar, de princípios como igualdade e liberdade.[59]

A partir dessas diretrizes constitucionais o trato atual das relações familiares fez emergir, dentre outros, os princípios da responsabilidade[60] e da afetividade[61], que conferem outra coloração às diversas categorias do direito de família. Para proteção dessa família democrática hodierna, inviável a utilização de figuras jurídicas que incompatibilizem com o momento alcançado[62].

Importa destacar que uma adequada tutela das relações jurídicas familiares existenciais não se compatibiliza com meras técnicas subsuntivas, exigindo muito mais do intérprete[63].  Essa especialidade das situações familiares já era sustentada por José Lamartine de Oliveira e Francisco Muniz

Poderíamos dizer, pois, que os direitos de família, por razões éticas e pelo caráter eminentemente pessoal da relação, exigem formas próprias de tutela, inteiramente distintas das que caracterizam a defesa dos direitos de crédito, dos direitos reais e dos próprios direitos da personalidade.[64]

Diante disso, ao significante abandono do lar deve ser conferido um significado adequado com a tutela da relação familiar subjacente. Ou seja, compatível com um retrato civil-constitucional contemporâneo da família brasileira, de modo que sua significação se circunscreva aos contornos constitucionais e às categorias vigentes do nosso atual direito privado.

Consequentemente, se mostra inconcebível qualquer interpretação da expressão abandono do lar que busque retomar a averiguação da culpa na dissolução do vínculo conjugal, visto ser esta uma questão já superada no direito de família brasileiro, máxime após a Emenda Constitucional 66/2010. Do mesmo modo, não se pode vislumbrar na figura do abandono do lar uma mera sanção a um dos cônjuges ou conviventes. Calha, aqui, a alteração de enfoque que se percebe na própria responsabilidade civil: muito mais do que se sancionar um culpado, o que na maioria das vezes não é simples, o foco atual visa a recomposição da vítima. Embora não se ignore que existam autores que sustentem que a perda da propriedade pelo cônjuge que abandona o lar simbolize uma verdadeira sanção pelo descumprimento dos deveres do casamento ou da união estável (a utilização da expressão abandono do lar como elemento desta usucapião inicialmente reforça essa visão, pois é a mesma que é descrita como um dos deveres do casamento).[65]

Como se pode perceber, é complemente inviável a restauração da figura do abandono do lar com uma interpretação quase literal, que possa inicialmente induzir a um retrocesso que busque requentar questões já superadas. A busca de um culpado pelo fim do relacionamento somente aumenta a litigiosidade, sem nada agregar, de modo que a solução das controvérsias só tende a agravar dada a infinita quantidade de motivos que ambas as partes podem trazer em seu favor. Esta leitura é incompatível com o estádio do nosso direito jusfamiliar.

Por outro lado, também o direito das coisas assumiu uma feição constitucionalizada. A partir desta percepção não parece adequado atribuir ao abandono do lar um sentido meramente objetivo de ausência de vínculo efetivo com o imóvel, de ausência de posse, ausência de relação direta de uso do bem, como é usual nas demais modalidades de usucapião. Diversos autores estão a sustentar que a expressão abandono do lar para fins desta usucapião deve ser entendida de modo objetivo, com um sentido que indique apenas vínculo efetivo com o uso do imóvel[66].

Novamente aqui as vicissitudes das relações familiares impedem que se denote ao abandono do lar um significado que retrate meramente a ausência de vínculo efetivo com a coisa (de uso concreto do imóvel). Isto porque, em muitos casos, o consorte que resta no imóvel não é o que necessita dele para a moradia, não é o que está com a prole, não é o que foi desamparado pelo outro, não é o que está fazendo frente às responsabilidades parentais; por tudo isso, não é o que será merecedor da titularidade plena do lar conjugal.

Corolário disso, por envolver relações familiares que possuem infinitas delineações, se mostra totalmente descabida a fixação, a priori, de um critério objetivo e singelo como este: que identifique a expressão abandono do lar com o mero distanciamento físico do imóvel.

Um exemplo hipotético concreto pode auxiliar na compreensão do que se está a sustentar: não raro muitas das mulheres vítimas de violência doméstica simplesmente saem do lar com seus filhos para parar de sofrer tais sevícias; grande parte delas não ajuíza as competentes ações judiciais no exíguo prazo de dois anos e sequer registra os competentes boletins de ocorrência (pois muitas vezes estão mais preocupadas com a segurança e subsistência – sua e dos seus filhos – naquele difícil momento da vida, ainda mais quando o pai-agressor está sem emprego e possui ainda vícios de drogas ou álcool).  Também não é incomum que o agressor que restou fisicamente no lar não faça frente as suas responsabilidades parentais: não pague alimentos, não visite os filhos, não exerça sua autoridade parental, não permita que a mulher entre em contato e que sequer volte ao lar pegar os seus pertences e os dos filhos. Este quadro sombrio ocorre com mais frequência em famílias de baixa renda, desestruturadas e com diversos problemas sociais, mas atualmente muitas delas são proprietárias de imóvel pelo referido programa federal Minha Casa, Minha Vida. Sobrevinda uma ação real, imagine-se que tais fatos se comprovem facilmente (até com confissão de ambas as partes: o pai das agressões e descumprimentos das obrigações com os filhos; a mãe com seu distanciamento do local por mais de dois anos sem ajuizar qualquer demanda). Pois bem, seria sustentável no atual direito civil-constitucional brasileiro afirmar que o consorte-agressor que restou fisicamente no lar por dois anos seguidos, mas abandonou por completo sua família neste período, descumprindo in totum sua responsabilidade familiar e parental, venha a receber a propriedade total do imóvel pelo mero atendimento objetivo dos requisitos formais da usucapião familiar?

Parece que não.

Conceder a aquisição da propriedade a este pai-agressor apenas porque foi ele quem restou fisicamente no imóvel pelo prazo de dois anos afrontaria justamente os princípios constitucionais que conferem guarida à usucapião familiar: dignidade, solidariedade, função social, direito à moradia e direito a um mínimo existencial.  Este é um dos pontos nodais da presente proposta: exaltar que a significação da usucapião familiar não pode descurar dos princípios constitucionais que a sustentaram. Ou seja, a caracterização dos requisitos do instituto não pode olvidar dos comandos que advém dos valores constitucionais que o fundamentam e, com isso, o integram. Impensável sustentar a constitucionalidade da usucapião familiar com base na dignidade da pessoa humana, solidariedade, função social, direito à moradia e, no momento da aplicação concreta dos seus requisitos, virar as costas para tais questões e se ater apenas aos elementos estruturais-formais, contrariando os supracitados valores constitucionais[67].

Há que se apurar a adequada função contemporânea desta recente modalidade de usucapião familiar, de acordo com uma análise unitária do ordenamento, sempre a partir da Constituição Federal e do Código Civil, com o intuito de constatar o papel que este instituto deve desempenhar naquela dada situação jurídica. Gustavo Tepedino esclarece a relação entre o aspecto estrutural e funcional dos bens jurídicos

Como se pode observar, a disciplina dos bens jurídicos, delineada de maneira minuciosamente tipificadora e abstrata no Código Civil, embora tradicionalmente difundida em seu aspecto estrutural, a desenhar classificação aparentemente neutra de objetos sujeitos ao tráfego jurídico, adquire renovada dimensão e importância no direito contemporâneo. Para tanto, há que se deslocar a análise para perspectiva funcional, de tal modo que a qualificação do bem jurídico se encontre sempre associada à sua função, investigando-se, na dinâmica da relação jurídica em que se insere, a destinação do bem de acordo com os interesses tutelados.[68]

A percepção da dimensão funcional da usucapião familiar demonstrará, sem maiores dificuldades, qual o seu efetivo papel na relação jurídica subjacente e evidenciará mais facilmente qual o bem jurídico que deve ser tutelado. Consequentemente, nessas condições, impõe-se buscar um sentido compatível de abandono do lar, que exalte essa função e o permita transitar tanto no direito das coisas como no direito de família, densificando as normas constitucionais que o fundamentam.

Resta patente que este sentido não pode significar nem a busca por um culpado pelo término da relação, nem restar adstrito à mera retirada física do imóvel, conforme exposto acima (visões que têm sido difundidas). Nenhuma dessas duas opções permite a consagração das diretrizes da Constituição que incidem sob a matéria e muito menos destacam o aspecto funcional da inovadora modalidade aquisitiva.

Diante dessas considerações, o que se mostra indicado é que se traduza a expressão abandono do lar como um abandono familiar, no sentido de um desamparo da família por um daqueles que deveria ser seu provedor. Em outras palavras, retrate o não atendimento das responsabilidades familiares e parentais incidentes no caso concreto, um desassistir que venha a trazer dificuldades materiais e afetivas para os familiares que restaram abandonados. Exemplificando: não prestar alimentos, não contribuir para as despesas do lar, não manter os vínculos afetivos com os demais integrantes da família, dentre outros.

O foco de análise deve ser a partir da situação jurídica dos entes familiares que restaram desamparados e podem vir a merecer certa proteção patrimonial. Substitui-se eventual busca pelo sancionamento de um ofensor pela priorização na recomposição das vítimas do desamparo[69]. Este abandono familiar equivaleria ao sentido contemporâneo de abandono do lar para fins da usucapião e permitiria a averiguação dos seus demais requisitos legais[70].

Consequentemente, só faria jus à aquisição da propriedade quem cumpriu com suas responsabilidades familiares, ou seja, quem fez frente a sua obrigação alimentar (ainda que não fixada judicialmente), exerceu efetivamente sua autoridade parental, visitou os filhos, não agrediu fisicamente o outro consorte ou demais integrantes da família, dentre outros critérios a apurar na situação concreta. Com tal sentido de abandono do lar o exemplo hipotético acima descrito estaria sanado, pois aquele pai-agressor não seria agraciado com a propriedade.

Uma leitura de abandono do lar próxima ao que se descreveu como um abandono familiar já foi retratada, de algum modo, no enunciado 499 da V Jornadas de Direito Civil

499 – A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O requisito “abandono do lar” deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais, tais como assistência material e sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião.

Nas entrelinhas do enunciado é possível perceber as questões materiais atinentes ao cumprimento das responsabilidades familiares (assistência material, sustento do lar), em consonância com o que se ora defende[71].

Muito mais do que simplesmente vincular o abandono do lar a um requisito objetivo de uso do imóvel há que se edificar um sentido ético para a expressão, único passível de bem retratar a sua função.  A própria nomenclatura de “usucapião familiar” para designar este instituto, ao invés de outras nominações, pode contribuir para destacar o aspecto que ora pretende se jogar luz (a tutela da família).

Referir a um sentido de abandono familiar como pressuposto para a usucapião familiar permite uma aproximação com todos os princípios e valores constitucionais que foram justificadores da aplicação do dispositivo e, ainda, atenta para a sua devida função na respectiva relação jurídica. Já há quem defenda uma leitura arejada e atualizada de abandono do lar, com vistas a bem retratar a adequada função do instituto

No seio desta perspectiva não se pode aproximar a locução abandono do lar  às matizes de um tempo no qual a dissolução das relações era exclusivamente pelo desfazimento do casamento, sempre a partir da conduta culposa de um dos cônjuges. (…) Não parece correto interpretar o termo abandono, nesta singra, como mera saída temporária do lar ou mesmo mudança de endereço, mormente pela flexibilidade da estrutura familiar antes explicitada. O abandono é, efetivamente, o movimento peremptório e unidirecionalmente manifestado de abdicar por ação ou omissão aos vínculos afetivos, cindindo-se a conexão com núcleo intersubjetivo de convergência afetiva. Compreende-se assim como a interrupção do projeto de vida constituído pela coletividade de sujeitos ligados pelo afeto, retirando-se aquele que abandona o lar de todos os vínculos que o conectavam, seja eles financeiros, afetivos ou mesmo de íon livre que se desatrela do papel desempenhado naquele conteúdo coletivo de direitos. Deve-se interpretar a norma, quanto a este tema, em convergência com sentido mais benéfico aos direitos fundamentais que, mediatamente, pretende-se tutelar. Não há que se falar em conceito apriorístico de abandono, demandando-se interpretação casuística construtiva.[72]

A presente proposta de leitura do abandono do lar como um verdadeiro abandono familiar, retratado pelo desatendimento da responsabilidade familiar inerente ao caso concreto, permite ir ainda mais longe, de modo até mesmo a vislumbrar a possibilidade de se conceder a propriedade para um dos cônjuges ou conviventes que teve que deixar o imóvel, mas restou desamparado pelo outro (com a sua prole) por dois anos ou mais, e está a necessitar do lar conjugal para moradia. Dito de outro modo, eventualmente conceder a usucapião aquisitiva mesmo para aquele que não está na posse efetiva do bem, mas que tenha sido abandonado pelo outro e que necessite do bem para sua moradia e sobrevivência (muitas vezes com os filhos). Acaso presente os demais requisitos, se afigura possível esta hipótese. Com isso se permitiria o desacoplamento pontual da usucapião da posse efetiva do bem[73].

Outra questão a ser observada é que sendo a usucapião um modo de aquisição originário da propriedade, em regra, adere a esfera jurídica do novo titular sem os gravames que pendiam anteriormente sobre o bem. Face às peculiaridades desta usucapião, inclusive pela lei vir com o Programa Minha Casa, Minha Vida parece recomendável se adotar o entendimento de que para esta modalidade de usucapião permanecem hígidas e plenas as garantias reais que pendiam anteriormente sobre o bem (até mesmo para se evitar um incentivo à fraude e preservar o interesse de terceiros).

Estas considerações ressaltam a necessidade de uma hermenêutica crítico-construtiva na apuração do sentido civil-constitucional da usucapião familiar que seja, sempre, harmônica com os tempos presentes.

O esforço exigido para conceder contornos adequados a esta nova modalidade aquisitiva da propriedade é prova maior do desacerto do legislador na colocação do instituto, visto que os equívocos não foram poucos. Ainda assim, parece possível se extrair um significado constitucional para o dispositivo.

Ciente que uma norma não nasce norma, mas sim se faz norma no dia-a-dia dos embates jurídicos doutrinários e jurisprudenciais, entende-se possível a edificação de um sentido funcionalizado da usucapião familiar.

Ainda assim, não sem deixar de anotar as críticas pertinentes. Uma delas, a descabida escolha da usucapião para proteger os bens jurídicos pretendidos (tutela da família e do direito à moradia), pois acabou mantenedora do discurso proprietário que impera no direito brasileiro.[74] Isto porque, a forma eleita para tutelar àquelas situações jurídicas foi a concessão do status proprietário ao consorte abandonado, o que demonstra a prevalência da outorga da apropriação das coisas ao invés da garantia do seu uso, uma lógica de mercado que segue presente no nosso imaginário coletivo[75].

Para preservação da família e garantia do uso do imóvel muito mais razoável seria se o legislador tivesse conferido apenas a garantia do direito de moradia, sem ônus, para o membro da família abandonado; ao invés de o permitir usucapir a totalidade do bem e lhe entregar a propriedade plena. Bastava que conferisse guarida similar ao ‘direito real de habitação’ – já de há muito conhecido dos civilistas – que estaria suficientemente protegido o bem jurídico que se pretendia tutelar. Com tal proceder priorizaria o uso ao invés da apropriação. Entretanto, a mentalidade proprietária reinante certamente ofuscou tal alternativa. O equívoco na eleição da usucapião como solução para estes casos concretos pode acabar por não proteger nem mesmo um dos seus objetos centrais (como a garantia da moradia), visto que com o regramento atual nada impede que quem tenha adquirido o bem com a usucapião o coloque a venda a seguir, ao invés de permanecer com o mesmo para moradia da família.

Com estas ressalvas, defende-se a tese que é viável prospectar uma definição contemporânea adequada para esta usucapião familiar, desde que se perceba a exata dimensão da influência que as vicissitudes jusfamiliares terão nesta configuração (daí a recomendação para que o foro adequado seja sempre o do juízo das varas de família). O tratamento desta relevante questão patrimonial dos litígios familiares não pode, mais do que nunca, ignorar a necessária prevalência do ser sobre o ter.[76]

A regra posta pelo legislador é apenas o marco inicial da norma que será erigida, pois mesmo quando o legislador ordinário permanecer inerte, deve o juiz e o jurista proceder ao inarredável trabalho de adequação da legislação civil, através de interpretação dotadas de particular ‘sensibilidade constitucional’, que, em última análise – e sempre – vivifiquem o teor e o espírito da Constituição. [77] Com observância desta orientação o trabalho construtivo deixado aos civilistas poderá ser exitoso.

As dificuldades que se apresentam na adequada significação da usucapião familiar comprovam que

será íngreme e necessária, imprescindível mesmo, a tarefa hermenêutica para reconhecer, na investigação teórica e na aplicação prática, o Código Civil que o Século XXI da sociedade brasileira está a demandar, clamando por justiça e igualdade substancial. Impende, pois, nessa quadra, subscrever uma hermenêutica construtiva apta a realizar, na doutrina e na jurisprudência que seguir-se-ão, esse mister.[78]

As direções apontadas pela bússola da Constituição são as que deverão orientar a consolidação de um adequado sentido para a usucapião familiar, que observe sua função no ordenamento e esteja afinado com atual estágio do direito civil-constitucional brasileiro.

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Paulo Leminski


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[1] Artigo publicado originalmente em: CALDERON, R.L.; IWASAKI, M.M. Usucapião Familiar: Quem nos salva da vontade dos bons? Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil. v.3, p.29-56, jan./mar. 2015.
[3] Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal do Paraná-UFPR. Pós-graduada em Sociologia Política-UFPR. Pesquisadora do grupo de estudos e pesquisas de Direito Civil “Virada de Copérnico”, vinculado ao PPGD-UFPR. Advogada em Curitiba.
[4] “Num mundo em que as coisas deliberadamente instáveis são a matéria-prima das identidades, que são necessariamente instáveis, é preciso estar constantemente em alerta; mas acima de tudo é preciso manter a própria flexibilidade e velocidade de reajuste em relação aos padrões cambiantes do mundo ‘lá fora’.” (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 100).
[5] Também denominada usucapião conjugal, usucapião por abandono afetivo, ou, ainda, usucapião extraordinária por abandono do lar. Parece que a definição mais adequada é efetivamente usucapião familiar.
[6] “Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011).  § 1o  O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.§ 2o(VETADO).” (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011, que alterou a Lei 11 977/2009 – reguladora do programa federal Minha Casa, Minha Vida).
[7] Utiliza-se neste trabalho da expressão conjugalidade como significante que engloba tanto as relações consagradas pelo matrimônio como as relações mantidas sob a forma de união estável.
[8] Ao comentar o trâmite do projeto de lei nas casas legislativas do Congresso, Ricardo Aronne assevera: “Dentro das comissões, no debate das propostas ao Minha Casa Vida, um dos pontos em que os iluminados legisladores do planalto se detiveram, foi que não raro os casais constituintes das famílias simples da planície, para os quais o programa se dirige, tinham sua união dissolvida. Que em razão disso, a mulher, normalmente, era abandonada e ficava vulnerável; enquanto o homem depois, ao divórcio, separação ou dissolução, viria a postular a sua meação. E mais, que esse era mais um problema que atribulava o Judiciário, sendo desejável um mecanismo que lograsse aliviar-lhe tal peso.” ARONNE, Ricardo. A usucapião por abandono familiar e o cinismo: ligeiro ensaio cínico de longo título sobre o que não é, mesmo que digam ser o que jamais será. p. 4. Artigo atualmente no prelo.
[9] MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática: O Juiz Cidadão. In:Revista ANAMATRA. São Paulo, n. 21, p. 30-50, 1994: “Uma vez perguntei: quem nos protege da bondade dos bons? Do ponto de vista do cidadão comum, nada nos garante, ‘a priori’, que nas mãos do Juiz estamos em boas mãos, mesmo que essas mãos sejam boas. (…)”.
[10] Como se perceberá a seguir, não são poucos os questionamentos apresentados a referida usucapião, muitos deles contundentes. Ademais, a literatura jurídica e o conjunto de decisões dos nossos tribunais consolidaram conquistas que não podem ser renunciadas pelos civilistas.
[11] “Pode-se supor (mas será uma suposição fundamentada) que em nossa época cresce rapidamente o número de pessoas que tendem a chamar de amor mais de uma de suas experiências de vida, que não garantiriam que o amor que atualmente vivenciam é o último, que têm expectativa de viver outras experiências como essa no futuro. Não devemos nos surpreender se essa suposição se mostrar correta. Afinal, a definição romântica do amor como ‘até que a morte nos separe’ está decididamente fora de moda, tendo deixado para trás seu tempo de vida útil em função da radical alteração das estruturas de parentesco às quais costumavam servir e de onde extraía seu vigor e sua valorização.” (BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Op. cit., p. 19).
[12] LIPOVETSKY, Gilles. A Sociedade Pós-Moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos tempos democráticos. Trad. Armando Braio Ara. Barueri: Manole, 2005. p. 139.
[13] CALDERON, Ricardo Lucas. Abandono Afetivo: reflexões a partir do entendimento do Superior Tribunal de Justiça. IN: RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. et all (orgs.) A ressignificação da função dos institutos fundamentais do Direito Civil contemporâneo e suas consequências. Florianópolis: Conceito Editorial, 2014. (p. 545-564)
[14] O Código Civil de 2002 também refere ao abandono nos relacionamentos familiares no seu art. 1.573, IV: Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos: (.;..) IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo.”
[15] Cujo sentido não é descrito pela regra, o que pode levar (e já tem levado) a questionamentos quanto ao seu significado atual.
[16] Isto porque, durante grande parte do século passado o abandono do lar como descumprimento dos deveres do casamento acabou por servir de embasamento para situações de repressão e até mesmo dominação da mulher, com um viés totalmente equivocado, incompatível com a igualdade de gêneros garantida pela atual Constituição: “No regime originário do Código Civil de 1916 o desquite litigioso deveria caber em uma das causas especificadas no art. 317: ‘ adultério, tentativa de morte, sevícias ou injúria grave, abandono voluntário do lar por mais de dois anos’. A jurisprudência do passado procurou alargar esse aparente numerus clausus, entendendo que o abandono do lar por menos de dois anos poderia constituir injúria grave, expandindo o conceito de injúria.” VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. 14 ed. v.6. São Paulo: Atlas, 2014. p. 197. Quem aponta a direção a ser seguida neste particular é Ana Carla Harmatiuk Matos: “Desta maneira, objetivamos não reproduzir uma dogmática ultrapassada, comprometida com ideais dominantes de uma classe social, artificial, excludente, discriminatória à condição feminina, a qual não abrange as diferentes espécies de relações familiares. Tal modelo foi erigido em um determinado momento histórico, entretanto, os valores atuais estão a exigir novas estruturas jurídicas de respostas.” MATOS, Ana Carla Harmatiuk. As famílias não fundadas no casamento e a condição feminina. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.164.
[17] Por todos, as contundentes observações de: ARONNE, Ricardo. A usucapião por abandono familiar e o cinismo: ligeiro ensaio cínico de longo título sobre o que não é, mesmo que digam ser o que jamais será. p. 4. Artigo atualmente no prelo.
[18] Medida Provisória 514 de 2010.
[19]Ob. Cit. p. 5.
[20] “É verdade que a boa hermenêutica deve impedir retrocessos, na medida em que a Constituição Federal é que deve conformar a disciplina do Código Civil. Nunca o contrário. Não é menos verdade, todavia, que em um campo no qual o político e o jurídico encontram-se tão próximos, o texto do Novo Código referencia um posicionamento teórico diverso daquele conquistado a partir da paulatina construção doutrinária e jurisprudencial consolidada.” LEONARDO, Rodrigo Xavier. A função social da propriedade: em busca de uma contextualização entre a Constituição Federal e o Novo Código Civil. IN: Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. A. 8. N. 10. São Paulo, 2004. (p. 271-287). p. 285-286.
[21] “Nessa linha, não se descarta a inconstitucionalidade do novel artigo 1240-A.” DONIZETTI, Elpídio. Usucapião do lar serve de consolo para o abandonado. Artigo publicado na Revista Consultor Jurídico de 20 de setembro de 2011. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-set-20/consolo-abandonado-usucapiao-lar-desfeito>. Acesso em 02 de agosto de 2014.
[22] Art. 1º da CF/88. Sobre o tema: MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 116
[23] “[…] o princípio constitucional visa a garantir o respeito e a proteção da dignidade humana não apenas no sentido de assegurar um tratamento humano e não degradante, e tampouco conduz ao mero oferecimento de integridades físicas ao ser humano. […] Neste ambiente, de um renovado humanismo, a vulnerabilidade humana será tutelada, prioritariamente, onde quer que ela se manifeste. De modo que terão precedência os direitos e as prerrogativas de determinados grupos considerados, de uma maneira ou de outra, frágeis e que estão a exigir, por conseguinte, a especial proteção da lei.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. Op. cit., p. 116)
[24] “A proteção jurídica à dignidade da pessoa humana, valor fundamental do ordenamento brasileiro, abrange, como se sabe, a tutela dos múltiplos aspectos existenciais da pessoa: nome, imagem, privacidade etc. Inclui também a garantia dos meios materiais razoavelmente necessários – em não apenas mínimos – para o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Tal garantia decorre logicamente da própria tutela da dignidade humana, que se converteria em fórmula vazia não fosse dever do Estado, das instituições e da sociedade civil assegurar os meios necessários ao pleno exercício desta dignidade.” SCHREIBER, Anderson. Direito à moradia como fundamento para impenhorabilidade do imóvel residencial do devedor solteiro. IN: RAMOS, Carmem Lucia Silveira. et. al. (org.) Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 84.
[25] Art. 3º da CF/88.
[26] LÔBO, Paulo Luiz Netto. O princípio constitucional da solidariedade nas relações de família. In: CONRADO, Marcelo (Org.). Direito Privado e Constituição: ensaios para uma recomposição valorativa da pessoa e do patrimônio. Curitiba: Juruá, 2009. p. 327.
[27] Art. 6º da CF/88. Sobre o tema: “A moradia como direito, formalizado em texto normativo, somente aparece em 2000, com a inclusão realizada via Emenda Constitucional 26, no art. 6º. O que significa dizer desde logo que, assim como o direito não acompanhou a idéia da questão social e da política pública, a moradia também não figurou no rol das ‘novas’ regulações fundamentais e sociais estabelecidas inicialmente no período da redemocratização.” PONTES, Daniele Regina. Direito à Moradia: entre o tempo e o espaço das apropriações. Curitiba: Juruá, 2014. p. 129-130
[28] PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 888. Em nota de rodapé.
[29] SCHREIBER, Anderson. Direito à moradia como fundamento para impenhorabilidade do imóvel residencial do devedor solteiro. IN: RAMOS, Carmem Lucia Silveira. et. al. (org.) Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.85.
[30] Nessa perspectiva a posição de Nelson Nery Junior, para quem o sentido finalístico da usucapião familiar deve estar atrelado ao direito à moradia: “É mecanismo de incentivo à aquisição de imóveis urbanos para famílias com pequena renda mensal, bem como visa proteger aquele que rompeu união estável ou sociedade conjugal, mais que ainda reside no imóvel, dividindo-o com o ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar. (…) O elemento finalísitico da utilização do imóvel como sua moradia própria, individual, ou de sua família, deve estar presente para que possa ser declarado proprietário pela usucapião.” NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 1162.
[31] “Sem fazer concessões a rótulos, sempre perigosos por mais úteis que sejam, acredito ser possível afirmar com certa tranqüilidade que, no seu desenvolvimento posterior à guinada kelseniana, a teoria do direito tenha obedecido muito mais a sugestões estruturalistas do que funcionalistas. Em poucas palavras, aqueles que se dedicaram à teoria do direito se preocuparam muito mais em saber ‘como o direito é feito’ do que ‘para que o direito serve’. A conseqüência disso foi que a análise estrutural foi levada muito mais a fundo do que a análise funcional.” (BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p. 53-54.
[32] “Neste sentido se julga oportuna a «repersonalização» do direito civil – seja qual for o invólucro em que esse direito se contenha –, isto é, a acentuação da sua raiz antropocêntrica, da sua ligação visceral com a pessoa e os seus direitos.” (CARVALHO, Orlando de. A Teoria Geral da Relação Jurídica. 2. ed. Coimbra: Centelha, 1982. p. 90)
[33] “Diante de tais reflexões críticas, construiu-se o entendimento de que a função social da propriedade consiste em elemento interno do direito de propriedade, aspecto funcional que integra o conteúdo do direito, ao lado do aspecto estrutural. A partir daí, transforma-se a concepção segundo a qual o proprietário deteria amplos poderes, limitados apenas externa e negativamente, na medida em que o legislador imponha confins para o regular exercício dos direitos. Diversamente, os poderes concedidos ao proprietário adquirem legitimidade na medida em que o exercício concreto da propriedade adquire legitimidade na medida em que o exercício concreto da propriedade desempenhe função merecedora de tutela, tendo em conta os centros de interesse extra-proprietários alcançados pelo exercício do domínio, a serem preservados e promovidos na relação jurídica da propriedade, como expressão de sua função social.” TEPEDINO, Gustavo. A Função Social da Propriedade e o Meio Ambiente. IN:Temas de Direito Civil. v. III. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 187.
[34] CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O Discurso Jurídico da Propriedade e suas rupturas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 146-147.
[35] “O direito à moradia, como direito ao acesso à propriedade da moradia, é um dos instrumentos, mas não o  único, para realizar a fruição e a utilização da coisa.” PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional.Op. Cit. p. 888.
[36] “Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas”. TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p.8.
[37] “A guarida a essa esfera patrimonial básica acentua a consideração de valores que denotam interesses sociais incidentes sobre as titularidades. Tais valores recaem, ainda que de modo diverso, sobre a posse a propriedade.” FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2 ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 285.
[38] “Em verdade a grande reviravolta surgida no Direito de Família com o advento da Constituição Federal foi a defesa intransigente dos componentes que formulam a inata estrutura humana, passando a prevalecer o respeito à personalização do homem e de sua família, preocupado o Estado Democrático de Direito com a defesa de cada um dos cidadãos. E a família passou a servir como espaço e instrumento de proteção à dignidade da pessoa, de tal sorte que todas as esparsas disposições pertinentes ao Direito de Família devem ser focadas sob a luz do Direito Constitucional.” MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4. ed., rev. atual. amp. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 42.
[39] PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 888.
[40] FACHIN, Luiz Edson. A constitucionalidade da usucapião familiar do art. 1.240-A do Código Civil.In: Revista Carta Forense, de 2 de outubro de 2011. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-constitucionalidade-da-usucapiao-familiar-do-artigo-1240-a-do-codigo-civil-brasileiro/7733>. Acesso em: 02 de agosto de 2014.
[41]No caso da usucapião familiar há dificuldade ainda maior devido ao curto lapso temporal entre a aprovação da norma e a de vigência da lei que a criou. Além disso, há dificuldade de acesso a amostragem mais ampla de julgados em vários de tribunais devido a tramitação em segredo de justiça nos processos de famílias (art. 155, II, CPC). Essa pesquisa tem por base a pesquisa de jurisprudência no Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunais de Justiça das unidades da federação de Alagoas, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Territórios, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
[42]TEPEDINO, Gustavo. O ocaso da subsunção. Disponível em: <http://www.tepedino.adv.br/wp/wp-content/uploads/2012/09/RTDC.Editorial.v.034.pdf>. Acesso em 28.07.2014.
[43]EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – USUCAPIÃO FAMILIAR – LEI 12.424/11 – VIGÊNCIA – PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. O prazo de 02 anos da prescrição aquisitiva, exigido pela Lei nº 12.424/11, deve ser contado a partir da sua vigência, por questões de segurança jurídica, vez que antes da edição da nova forma de aquisição da propriedade não existia esta espécie de usucapião. (Apelação Cível 1.0177.11.001434-3/001, Relator(a): Des.(a) Antônio de Pádua , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/03/2013, publicação da súmula em 19/03/2013). No mesmo sentido: TJ/MG Apelação Cível 1.0702.12.035148-2/001, Apelação Cível 1.0702.11.079218-2/001, Apelação Cível 1.0598.11.002678-1/001; TJ/SP Apelação 0012360-17.2013.8.26.0032, Apelação 0707317-31.2012.8.26.0020, Apelação 0001253-55.2013.8.26.0426, Apelação 0040665-69.2011.8.26.0100, Apelação 0052438-14.2011.8.26.0100, Apelação 0023846-23.2012.8.26.0100; TJ/RS Apelação Cível Nº 70050616598; TJ/PR Apelação Cível 3201-90.2011.8.16.0002, Apelação Cível 0007120-30.2011.8.16.0021).
[44]Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. – Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. In: <http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf>. Acesso em: 28.07.2014.
[45]Jornadas de direito civil I, III, IV e V. Op. cit.
[46]No mesmo sentido julgou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL Usucapião familiar, com fundamento no artigo 1.240-A do Código Civil Ação de extinção do feito, sem resolução do mérito, afastada. O evento a quo para o início da contagem do prazo prescricional é a separação de fato do casal, com o abandono do lar por um dos cônjuges. Ação em condições de ser julgada (art. 515, § 5º, do CPC). Lapso temporal não verificado. Pedido improcedente. (Apelação 0023846-23.2012.8.26.0100, Relator(a): Des.(a) José Carlos Ferreira Alves, 2ª Câmara de Direito Privado, julgamento em 03.12.2013) (grifo nosso)
[47]Jornadas de direito civil I, III, IV e V. Op. cit.
[48]Jornadas de direito civil I, III, IV e V.Op. cit.
[49]MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Parte Especial, Tomo 10, Direito das Coisas: Posse. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. 2ª ed. Campinas: Bookseller, 2001. p. 31.
[50]MIRANDA. Ibid. p. 32-33.
[51]BESSONE, Darcy.  Da Posse. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 7.
[52]FACHIN, Luiz Edson; GONÇALVES, Marcos Alberto Rocha. 10 anos do Código Civil: o ser e o ter no direito de família a partir da aquisição pela permanência na morada familiar. In: Direito civil constitucional e outros estudos em homenagem ao Prof. Zeno Veloso. Coordenação Pastora do Socorro Teixeira Leal. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 646.
[53]SIMÃO, José Fernando; TARTUCE, Flávio. Direito Civil. v. 4 . Direito das Coisas. São Paulo: Método, 2013. p. 172.
[54]Em que pese a velocidade das enormes transformações sociais ocorridas no século passado e início deste, as teorias objetiva e subjetiva de Ihering e Savigny, respectivamente, que datam do século XIX, permanecem bastante fortes na codificação vigente.
[55]Nessa linha, José Fernando Simão e Flávio Tartuce sustentam que o abandono do lar não tem vinculação necessária com a posse direta do imóvel: “Desse modo, o requisito do abandono do lar merece uma interpretação objetiva e cautelosa. (…) Como incidência concreta desse enunciado doutrinário, não se pode admitir a aplicação da nova usucapião nos casos de atos de violência praticados por cônjuge ou companheiro para retirar o outro do lar conjugal. Em suma, a expulsão do cônjuge ou companheiro não pode ser comparada ao abandono.” In: SIMÃO, José Fernando; TARTUCE, Flávio. DIREITO CIVIL. v. 4 . Direito das Coisas. São Paulo: Método, 2013. p. 172.
[56]No mesmo sentido TJ/SP Conflito de competência nº 0180277-60.2013.8.26.0000 e TJ/PR AGRAVO DE INSTRUMENTO n.º 966031-5.
[57]LIMA, Susana Borges Viegas de Lima. Usucapião familiar.In: Direito das famílias por juristas brasileiras. Organizadoras Joyceane Bezerra de Menezes e Ana Carla Harmatiuk Matos. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 805-821.
[58] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
[59] MORAES, Maria Celina Bodin de. A Família Democrática. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Anais do V Congresso Brasileiro do Direito de Família. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 615.
[60] SANCHES, Fernanda Karam de Chueiri. A Responsabilidade no Direito de Família Brasileiro Contemporâneo: Do Jurídico à Ética. Dissertação. (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2013. p. 157.
[61] CALDERON, Ricardo Lucas. Princípio da Afetividade no Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 320.
[62] “Não se pode esquecer que a família, nas últimas décadas e neste início de milênio, busca mecanismos jurídicos diversos de proteção para seus membros, o respeito às diferenças, necessidades e possibilidades.” PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 5. 22 ed. atual. Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
[63]Più che mai dunque nel diritto familiare risulta evidente la necessita di rinnovare le tecniche di interpretazione e di qualificazione con il superamento di qualsiasi operazione argomentativa di tipo sillogistico che pretenda di fermarsi alla lettera del legislatore e di espungere dall’analisi, che è a fondamento del convincimento giuridico, il profilo funzionale rappresentato dagli interessi e dai valori.” (PERLINGIERI, Pietro. La persona e i suoi diritti: problemi del diritto civile. Napoli: Edizione Scientifiche, 2004. p. 378). Em tradução livre: “Mais do que nunca, portanto, no direito de família resulta evidente a necessidade de renovar as técnicas de interpretação e de qualificação com a superação de qualquer operação argumentativa de tipo silogístico que pretenda se deter nas palavras do legislador e  afastar da análise, que é o fundamento do convencimento jurídico, o perfil funcional representado pelos interesses e pelos valores.”
[64] OLIVEIRA, José Lamartine de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de Direito de Família.  4 ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 14.
[65]“A nova modalidade de usucapião inserida no Código Civil pela Lei 12.424/2011 consiste em sanção civil pelo descumprimento dos deveres do casamento e da união estável. Aquele que abandona voluntária e injuriosamente o domicílio familiar, nas condições descritas neste dispositivo legal, descumpre gravemente os deveres conjugais e os deveres oriundos da união estável e fica sujeito à perda do direito de propriedade em favor do consorte que ali permanece durante dois anos e sem oposição. Este é mais um dos artigos do Código Civil que oferece proteção ao consorte inocente e punição ao culpado pelo descumprimento dos deveres familiares, reforçando essas normas de conduta após a Emenda Constitucional 66/2010. Recordemos que dever sem sanção não é norma de conduta, mas sim, mera recomendação ou simples conselho, o que seria inadmissível, por inconstitucional, ou seja, por violar principalmente o art. 226, caput, da Constituição Federal, que impõe ao Estado proteção especial à família e, por conseguinte, aos seus membros.” FIUZA, Ricardo; TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Código civil comentado. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1171. Ainda: “O abandono do lar pelo cônjuge consiste em infração grave para a relação jurídica de casamento. O art. 1.566, II, do CC estabelece que (…) ‘são deveres de ambos o cônjuges (…) II – vida em comum, no domicílio conjugal; (…)’. O casamento ou a união estável marcam a opção da vida conjugal, que pode ser consolidada pelo contrato de casamento ou pela união estável.” MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO; Fábio Caldas de. Código Civil Comentado.  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 781.
[66] “É mecanismo de incentivo à aquisição de imóveis urbanos para famílias com pequena renda mensal, bem como visa proteger aquele que rompeu união estável ou sociedade conjugal, mais que ainda reside no imóvel, dividindo-o com o ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar. (…) O elemento finalístico da utilização do imóvel como sua moradia própria, individual, ou de sua família, deve estar presente para que possa ser declarado proprietário pela usucapião.” NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 1162.
[67] “Desse modo, o requisito do abandono do lar merece uma interpretação objetiva e cautelosa. (…) Como incidência concreta desse enunciado doutrinário, não se pode admitir a aplicação da nova usucapião nos casos de atos de violência praticados por cônjuge ou companheiro para retirar o outro do lar conjugal. Em suma, a expulsão do cônjuge ou companheiro não pode ser comparada ao abandono.”. SIMÃO, José Fernando; TARTUCE, Flávio. DIREITO CIVIL. v. 4 . Direito das Coisas. São Paulo: Método, 2013. p. 172.
[68] TEPEDINO, Gustavo. Regime Jurídico dos Bens no Código Civil. IN: Silvio de Salvo Venosa; Rafael Villar Gagliardi e Paulo Magalhães Násser (Org.). Dez anos do Código Civil:desafios e perspectivas. São Paulo: Atlas, 2012. p. 30.
[69] “Essa espécie de usucapião visa à proteção do cônjuge que, abandonado ou, mesmo, privado de assistência material e do sustento e da moradia, mantém-se no imóvel e se responsabiliza pelos respectivos encargos, situação que justifica a aquisição da propriedade por usucapião e a alteração do regime de bens quanto ao respectivo imóvel.” CHALHUB, Melhim Namem. Direitos Reais. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2014. p. 90-91.
[70] Alguns autores sustentam nesse sentido, como Priscila Maria Pereira Correa da Fonseca: “O abandono que rende ensejo às consequências previstas no art. 1.240-A é aquele efetivado de má-fé, aquele claramente levado a efeito com o intuito de relegar à família repudiada ao signo de desamparo moral e/ou material. Insista-se: não é apenas a falta de assistência financeira daquele que se desligou do antigo lar que proporcionará o pedido de aquisição do domínio nos moldes do comando sub examine. Há, por igual, de configurar o abandono referido pelo art. 1240- A, aquele praticado pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro que, não obstante diligencie satisfatoriamente à mantença dos componentes da família, a eles volta às costas, passando a ignorar o atendimento assistencial necessário, ainda que não de ordem moral.” FONSECA, Priscila Maria Pereira Correa da. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre, Magister/Belo Horizonte, IBDFAM, v. 23,ago./set. 2011. p. 120.
[71] Uma única observação quanto a redação do enunciado: prefere-se aqui referir a um desatendimento da responsabilidade familiar pelo abandonador do que descumprimento dos deveres conjugais, como constou na ementa.
[72] FACHIN, Luiz Edson; GONÇALVES, Marcos Alberto Rocha. “10 Anos do Código Civil: O ser e o ter no Direito de Família a partir da aquisição pela permanência na moradia familiar” IN: LEAL, Pastora do Socorro Teixeira (coord.). Direito Civil Constitucional e outros estudos em homenagem ao Prof. Zeno Veloso. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. (p.632-648) p. 641.
[73] “Nesse contexto, não há necessidade de que o imóvel esteja na posse direita do ex-cônjuge ou ex-companheiro, podendo ele estar locado a terceiro; sendo viável do mesmo modo a nova usucapião pelo exercício da posse indireta.” SIMÃO, José Fernando; TARTUCE, Flávio. Direito Civil. v. 4 . Direito das Coisas. São Paulo: Método, 2013. p. 172.
[74] CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas.Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 259.
[75]Proprietà privata e autonomia privata, dunque, sono i due principi cardine attorno ai quali il diritto moderno organizza i rapporti giuridici individuali, dando ad essi la forma tipica dei rapporti di mercato: il diritto di appropriarsi in via esclusiva di una quota della ricchezza sociale non può non comportare anche il diritto di realizzarne il controvalore mediante un libero atto di scambio, istituendo cioè con chi è disposto a convenirlo un libero rapporto contrattuale.” (BARCELLONA, Pietro. Diritto privato e Società Moderna. Napoli: Jovene Editore, 1996. p. 320) Em tradução livre: “Propriedade privada e autonomia privada, então, são os dois princípios cardinais em torno dos quais o direito moderno organiza as relações jurídicas individuais, dando a elas a forma típica das relações de mercado: o direito de apropriar-se de forma exclusiva de uma parte da riqueza social deve comportar também o direito de realizar a contrapartida mediante um ato livre de escambo, estabelecendo, com quem estiver disposto a celebrá-la, uma livre relação contratual.”
[76] “O evidente artificialismo da noção clássica faz alargar a distância entre o que a lei civil estabelece como sendo pessoa e o indivíduo homem, este a merecer proteção não pelo que tem, mas pelo que é. Por certo, não deve a proteção patrimonial suplantar a proteção dos seres humanos”. (MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura patrimonial. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 92-93)
[77] MORAES, Maria Celina Bodin de. Na Medida da Pessoa Humana: estudos sobre direito civil. Op. cit., p. 20.
[78] FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil. Direito das Coisas. (art. 1277 a 1368). Antonio Junqueira de Azevedo (coord.). São Paulo: Saraiva, 2003. p. 374.

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