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José Osmir Fiorelli

José Osmir Fiorelli

28/11/2017

O psiquismo atua para reduzir tensões capazes de provocar desequilíbrios emocionais que levem a estados de ansiedade. Vale-se de diversos mecanismo; entre eles, esse mecanismos psicológicos, inconscientes, que objetivam a preservação do Ego.

Deve-se a Sigmund Freud (Áustria, 1856 – Inglaterra, 1939), médico, escritor, criador da psicanálise, o conceito da existência do inconsciente, cujas manifestações estudou extensamente.

A partir dessa constatação, Freud abriu instigante, vasto e até então praticamente inexplorado campo para a compreensão dos mecanismos psíquicos. Neste ensaio, destaca-se o conceito de “mecanismos psicológicos de defesa”, segundo ele, empregados pelo psiquismo para diminuir a angústia de conflitos interiores e, com isso, preservar o Ego – a instância do psiquismo responsável pelas relações com o ambiente.

O conceituado Compêndio de Psiquiatria de KAPLAN & SADOCK elenca (p. 161-162) extensa relação desses mecanismos de defesa, presentes em todas as faixas etárias, aos quais atribuem-se diversas funções, tais como:

– evitar, negar ou distorcer a realidade;

– facilitar os relacionamentos sociais;

– aliviar afetos ou emoções perturbadores;

– facilitar a adaptação social e outras.

O psiquismo os emprega em inúmeras situações e, em particular, mostram-se úteis ao indivíduo para lidar com os conflitos – como aquelas que levam as partes ou mediandos à busca de soluções através da Justiça convencional ou por meio de métodos alternativos, como a mediação, a conciliação, a arbitragem, a negociação.

O fato de o psiquismo empregar tais mecanismos de defesa não significa que seus efeitos sejam sempre favoráveis à pessoa que os emprega. Em vez disso, podem prestar-se para a camuflagem de conflitos, o prolongamento e ou o agravamento destes, dependendo de circunstâncias de cada caso.

Conhecer o funcionamento deste mecanismo psíquico interessa, pois, aos operadores do Direito e aos especialistas na gestão de conflitos.

A seguir indicam-se os mecanismos de defesa mais comuns, com exemplos indicativos de como eles influenciam os comportamentos e as decisões dos indivíduos.

Os relacionados a seguir foram selecionados por Fiorelli e Mangini para o texto Psicologia Jurídica, citado nas referências:

Deslocamento: a pessoa desvia “sentimentos emocionais de sua fonte original a um alvo substituto” (Weiten, 2002, p. 351). Este pode ser o filho, o cônjuge, o(a) progenitor(a) etc., comportamento evidente em inúmeros litígios.

Distração: a atenção migra para outro objeto; o indivíduo perde a concentração porque a situação lhe é emocionalmente desagradável ou insuportável.

Fantasia: a pessoa “troca o mundo que tem por aquele com o qual sonha” (VERGARA, 1999, p. 49); contra todas as evidências, acredita que o cônjuge apresentará outros comportamentos “a partir de agora”, aceitando acordo claramente inseguro e ou insatisfatório.

Identificação: o indivíduo comporta-se de maneira a reproduzir o comportamento de alguém ou de um grupo;  chega a colocar-se em situação difícil para manter-se fiel àquele ou àqueles com quem se identifica ou para demonstrar que consegue copiar-lhe o comportamento. Isso não significa que o objeto da identificação tem conhecimento do que acontece.

Negação da realidade: o indivíduo recusa-se a reconhecer fatos reais, exaustivamente comprovados na sessão ou suas preliminares, e os substitui por imaginários. Na combinação da negação da realidade com a fantasia, esta constitui argumento para aquela. O indivíduo nega-se a aceitar as evidências de comportamentos inadequados de outra pessoa – um cônjuge, um  filho etc. Aceitá-las representaria dano emocional intolerável, o reconhecimento de que “falhou” em algo, a destruição de uma idealização.

Racionalização: criação de desculpas falsas (ainda que plausíveis) para justificar um comportamento inaceitável (WEITEN, 2002, p. 351). O pai ou a mãe deslocam a culpa pela drogadição para os colegas, a escola ou a sociedade em geral. O marido traiu conduzido à tentação por falsos amigos ou pelo comportamento inadequada da outra, que atraiu-o para uma “cilada”. Racionalização e deslocamento combinam-se para negar a realidade, muitas vezes amparando-se em fantasias (“estamos fazendo uma ‘corrente positiva’ para que ele mude”).

Regressão: o indivíduo assume comportamento típico de  idade anterior. Recusa-se a assumir uma culpa (“a gravidez foi causada por ela”), bebe e dirige (“não há como não beber em uma festa”), atribui os infortúnios à Sociedade (“que não dá oportunidades”) etc. Torna-se um desafio fazê-lo assumir um compromisso e, posteriormente, cumpri-lo.

Projeção: a pessoa atribui a outra ou outros algo dela mesma. Briga com os vizinhos pelo barulho das crianças (que não teve); apresenta queixa contra a falta de pudor porque fracassou em obter relacionamento sexual satisfatório; considera-se perseguido no emprego porque o chefe “não vai com a cara dele” (embora ele não tolere qualquer chefe).

Idealização: a pessoa enxerga na outra (no cônjuge, no filho, no colega de trabalho) somente aquilo que ela gostaria que a outra fosse. Com isso, prejudica a compreensão real da situação. A mulher apaixonada vê no companheiro a melhor pessoa do mundo e não consegue compreender que ele pretenda o divórcio. Idealização, obviamente, combina com fantasia e negação da realidade.

Na referência citada (KAPLAN & SADOCK) encontram-se muitos outros mecanismos de defesa identificáveis nos comportamentos das pessoas em conflito.

Os anteriormente comentados, pela experiência do autor, frequentam com assiduidade os palcos dos Tribunais, as mesas das Câmaras de Mediação, Conciliação e de Arbitragem; possuem presença assegurada nos escritórios de advocacia e outros locais onde ocorram narrativas – desde delegacias de polícia até reuniões com os amigos.

Pois nas narrativas manifestam-se, através da fala das pessoas envolvidas nos conflitos.

Saber de suas existências e estar atento a elas propicia aos Operadores do Direito e aos Mediadores e Conciliadores:

– melhor interpretar as narrativas;

– explorar as falas para identificar as influências desses mecanismos sobre as percepções dos narradores;

– elaborar estratégias para lidar com as situações.

– Um argumento pode não conduzir a resultados satisfatórios porque a pessoa encontra-se prisioneira de uma fantasia (“Ele me ama e ainda voltará para mim.”) Enquanto esta não for desfeita, dando lugar à realidade, o argumento não terá valor.

– Inconsistências entre narrativas podem ser apenas o resultado da negação da realidade por um dos depoentes (ou por ambos). Cada pessoa “vê” os acontecimentos sob a influência de suas percepções. Os mesmos fatos levam a diferentes interpretações e, portanto, a variados relatos.

Quanto maior a dominância de mecanismos de defesa no processo psíquico do indivíduo, mais complexo será o estabelecimento de um acordo que leve à solução satisfatória do conflito ou, pior será a qualidade de algum acordo eventualmente celebrado por esforço do próprio Mediador.

Um acordo celebrado sob a influência de um ou mais mecanismos de defesa terá efeito duvidoso porque novos fatos ocorrerão. Quando isso ocorrer, novos mecanismos serão acionados; os termos do acordo perderão o sentido e o conflito renascerá – provavelmente, de forma ainda mais intensa e com consequências mais notáveis.

LEITURA COMPLEMENTAR para o item 6.1.3 – A emoção e o comportamento, em Mediação e Solução de Conflitos – teoria e prática, de Fiorelli, Fiorelli & Malhadas.


Referências
FIORELLI, J. O., MANGINI, R. C. R. Psicologia Jurídica. 8ª ed. São Paulo: Gen/Atlas, 2017.
KAPLAN & SADOCK, Compêndio de Psiquiatria, 11ª ed. Porto Alegre: ArtMed, 2017.
VERGARA, S. G. Gestão de pessoas. São Paulo: Atlas, 1999.
WEITEN, W. Introdução à psicologia: temas e variações. 4ª ed. São Paulo: Pioneira, 2002.

Veja também:

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