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Direito administrativo e novas tecnologias

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Thiago Marrara

Thiago Marrara

19/12/2017

Os impactos das novas tecnologias sobre o direito administrativo são incontáveis. Este breve ensaio pretende, de modo geral, apontar alguns desses impactos no intuito de fomentar mais amplas discussões sobre o assunto no cenário jurídico brasileiro, tendo em vista que a ciência do direito administrativo pátrio, ao contrário do que vem ocorrendo em outros ramos, ainda não se dedicou aprofundadamente à temática. Nesse intuito, são tecidos esclarecimentos introdutórios acerca do conceito de “tecnologia” e “nova tecnologia”, exemplificando-as breve e panoramicamente nos setores de saúde, produção, transporte, comunicação e informação. Em seguida, retomam-se as relações jurídicas típicas do direito administrativo para, então, examinar os desafios e alguns efeitos positivos e negativos que o emprego de novas tecnologias lança para cada um desses tipos de relações. Mediante tais reflexões, pretende-se, ao final, evidenciar os motivos pelos quais a temática exige maior atenção do legislador e dos estudiosos do direito administrativo nacional.1

O conceito tradicional de tecnologia2 é insuficiente para englobar suas significações usuais. À ideia originária de tecnologia como lógica ou  ciência da técnica3 foram somadas ao menos duas novas significações desde o século XVIII. Em primeiro lugar, reduzindo o conceito tradicional, passou-se a empregar tecnologia como técnica. Em segundo lugar, em sentido ampliado, o termo vem sendo comumente empregado como o grau de desenvolvimento científico ou tecnológico.

Diante da pluralidade de significados do termo “tecnologia”, as “novas tecnologias” podem ser compreendidas de duas maneiras: 1) como conjunto de novas técnicas de transformação da realidade, aproximando-se do conceito mais restrito de tecnologia ou 2) como o conjunto de ciências de desenvolvi- mento de novas técnicas.

Feitos esses esclarecimentos introdutórios, resta indagar quais são essas novas técnicas e essas novas ciências técnicas. Uma enumeração exaustiva de todas elas seria impertinente a este estudo, senão verdadeiramente impossível. Ainda assim, é possível categorizá-las e exemplificá-las.

As categorizações sujeitam-se, na prática, a uma série de critérios. Para o estudo aqui desenvolvido mostra-se conveniente examinar as novas tecnologias apenas conforme os diferentes aspectos da realidade que elas abrangem. Nesse sentido, são dignas de menção: a) as novas tecnologias de saúde; b) as novas tecnologias de produção; c) as novas tecnologias de transporte e d) as novas tecnologias de comunicação.

Entre as mais relevantes tecnologias existentes ou estudadas, encontram-se as tecnologias de saúde. Elas designam técnicas e métodos de manipulação do corpo humano no intuito de manter a saúde e promovê-la. Na medida em que a sociedade atual busca meios para ampliar a autonomia sobre o corpo e seus processos naturais de evolução, essas tecnologias, assim como os benefícios e problemas delas decorrentes, ganham extrema relevância no mundo atual.

Segundo Giddens, as novas tecnologias de saúde representam um fenômeno de “socialização da natureza”. Nesse processo, eventos biológicos, que anteriormente eram naturais, passam a depender de modo crescente das de- cisões humanas, tal como visto na área de reprodução humana.4 Exemplos  de tecnologias da saúde são os métodos contraceptivos, os de controle de envelhecimento, de reprodução humana, de prevenção e controle de doenças, de prolongamento da vida e de aceleração da morte, de manutenção ou alteração do próprio corpo por questões de saúde ou de estética, de programação genética5   etc.

Diferentemente das tecnologias da saúde, as tecnologias de produção são desenvolvidas e empregadas no intuito de diversificar as formas de utilização de matérias-primas e de controlar, com crescente segurança e produtividade, as leis da natureza. Esses objetivos iniciais têm uma utilidade maior, a saber: a elaboração de novos e melhores produtos (como veículos, medicamentos, alimentos, eletrônicos etc.). Entre as variadas tecnologias de produção em voga, hoje, ganham relevo os métodos de transformação física, química e/ou biológica de matérias-primas, métodos de geração, aproveitamento e reutilização de energias tradicionais e inovadoras (energia das águas, energia solar etc.) e métodos de criação de maquinário, ferramentas e objetos mais adequados a padrões atuais de cultura (tal como a nanotecnologia).

As tecnologias de transporte, por sua vez, referem-se a técnicas de movi- mentação de pessoas e mercadorias por via terrestre, aérea e marítima. O avanço do setor de transportes, entre outras coisas, mostra relação direta com os interesses desenvolvimentistas de inúmeros segmentos de produtos e serviços. De um lado, tecnologias de transporte são fundamentais para a circulação, cada vez mais rápida, segura e barata, de mercadorias produzidas nos mais longínquos pontos do globo. Sem essa possibilidade de fácil circulação de produtos por vastos territórios, muitas tecnologias de produção perde- riam sentido ou atratividade econômica. De outro lado, as novas técnicas de transporte promovem o tráfego de pessoas. Com isso, dada a facilitação da interação humana, elas acarretam consideráveis impactos sociais e, ainda, in- contáveis benefícios para diversos segmentos econômicos de mercadorias  e serviços (sobretudo o de serviços turísticos).

Essas implicações propositais que resultam do avanço das técnicas de transporte de mercadorias e pessoas inserem-se em uma sociedade  marcada por aquilo que Milton Santos chamou de “imperativo de fluidez”.6 Na sociedade atual, a proliferação das técnicas e, principalmente, de sistemas de trans- porte está claramente vinculada à necessidade de se fazer circular objetos e serviços. Para ser bem-sucedido, o sistema econômico busca a fluidez e, nessa busca, intenta derrubar qualquer barreira à circulação.7

Ocorre que o imperativo da fluidez, para ser bem-sucedido, não depende somente da presença das mais diversas infraestruturas e tecnologias. Ele exige, ainda, um ambiente padronizado, organizado e racional. Por essas razões, as tecnologias de informação e comunicação exercem um fortíssimo papel no aumento da fluidez ao lado das tecnologias de transporte e circulação. Na medida em que são ampliados e padronizados os meios de comunicação, bem como sua velocidade e qualidade operacional, as trocas de informações e as inter-relações das mais diversas naturezas são automaticamente facilitadas.

Essa facilitação das trocas de informação, por sua vez, é crescentemente estimulada em virtude da consolidação de uma sociedade informacional. Nos dias atuais, “a geração, o processamento e a transmissão de informações tornam-se fontes fundamentais de produtividade e poder”.8 Isso significa que o intercâmbio gratuito ou oneroso de informações torna-se essencial não apenas por moti- vos de intercâmbio social, mas também para fins de dominação ou ampliação do poder em sentido econômico, político, religioso, ideológico ou militar.

A relação entre informação e poder ganha ainda maior sentido quando se compreende a ideia de sociedade em rede, elaborada por Manuel Castells.9 A sociedade reticular, de modo geral, expressa uma forte tendência de conexão instrumental de pessoas e objetos situados nas mais diferentes partes do globo. Essa conexão de pessoas e objetos é atualmente valorizada, pois permite a consecução de objetivos de produção de mercadorias (através de redes industriais), oferta de serviços (através de redes de comércio), integração social (através de redes sociais) e, inclusive, a prática de atos ilegais/imorais (mediante redes criminosas).

Para que essa macroconexão ocorra nas mais diversas áreas da ação hu- mana são essenciais as novas tecnologias de comunicação e informação, so- madas às tecnologias de transporte e produção.

As tecnologias de comunicação, propriamente ditas, dão a base informacional para que os nódulos de cada uma das redes funcionem adequada- mente a despeito de suas distâncias territoriais. Isso permite que eles respondam satisfatoriamente às demandas ou aos estímulos dos outros pontos do sistema reticular. Em outras palavras: uma rede criminosa ou uma rede de produção de mercadorias somente poderá funcionar adequadamente e, portanto, exercer seu poder em sentido global se ideias, ordens, deliberações e informações estratégicas dessa rede fluírem de modo fácil, rápido e barato de um ponto a outro. Sem a fluidez das informações, as redes globais perdem funcionalidade, seus pontos deixam de funcionar adequadamente    e de modo ágil, razão pela qual elas facilmente se desestruturariam ou, no mínimo, perderiam força.

Nesse brevíssimo panorama, resta evidente que as novas tecnologias de saúde, produção, transporte e comunicações estão umbilicalmente vinculadas a transformações sociais profundas. Estas modificações são compreendidas, por exemplo, através dos movimentos de “socialização e domínio da natureza”, criação de “espaços de fluidez” e consolidação de uma “sociedade informacional e reticular”.

É preciso indagar, contudo, se e como essas tecnologias impactam o direito administrativo atual. Essa pergunta se justifica, sobretudo, pelo fato de que este ramo do direito foi criado e consolidado no século XIX sob o intuito primordial de proteger o cidadão contra ingerências indevidas do Estado.10 Ainda que este objetivo perdure, há dois complicadores. Primeiro, o cenário sociocultural foi alterado, pois, no momento de criação do direito administrativo, não se falava de engenharia genética; mecanismos de comunicação simultânea; formas de produção descentralizada; redes etc. Segundo, o direito administrativo se ampliou ao longo do tempo, passando a abranger não apenas as relações entre Estado e cidadão, mas também inúmeras relações envolvendo exclusivamente órgãos e entidades estatais.

Nos últimos anos, ora como causa, ora como consequência dos diversos movimentos sociais e econômicos antes exemplificados, as novas tecnologias passaram a transformar significativamente a realidade. Não por outra razão, nas palavras de Javier Bustamante, “o fenômeno humano não pode ser entendido fora de seu diálogo com a tecnologia. Nada está transformando tanto a realidade humana como a tecnologia em todas as suas facetas”.11 Nesse movimento de consolidação de uma sociedade tecnológica, alteraram-se, principalmente, as relações humanas intersubjetivas (entre dois sujeitos), bem como as relações coletivas (entre grupos determinados) e difusas (entre grupos indeterminados).

Ao impactarem essas diversas relações humanas regradas pelo ordena- mento jurídico, tais tecnologias passaram a suscitar o interesse daqueles que se ocupam das ciências jurídicas. Em muitos casos, elas mesmas transformaram-se em objeto de normas jurídicas, originando novos temas de pesquisa jurídica e, inclusive, inovadores ramos científicos: uns deles direcionados para as tecnologias humanas ou de saúde (bioética, por exemplo) e outros, para as tecnologias operacionais, exemplificadas pelos novos métodos de produção, transporte e comunicação (direito das infraestruturas e.g.).

No direito administrativo, contudo, pouco tem sido dito a respeito desse assunto no Brasil — ao contrário do que se vê em alguns países. Essa lacuna deve ser, porém, sanada. Para se compreender a necessidade de exame mais aprofundado desse tema, basta que se verifiquem os impactos dessas tecnologias para a relação entre Estado e cidadão e para as relações internas da organização administrativa. Antes disso, contudo, é preciso resgatar o significa- do das relações jurídicas abordadas no campo do direito administrativo. Em outras palavras, urge responder quais são as relações jurídicas que compõem este ramo do direito e, por conseguinte, que estão sujeitas à influência positiva ou negativa das novas tecnologias.

A despeito de divergências doutrinárias, há, no mínimo, três grupos de relações jurídicas básicas no campo do direito administrativo.

O primeiro grupo envolve as relações que se desenrolam entre o Estado como administração pública e os indivíduos — seja como cidadãos, seja como pessoas jurídicas. Nesse particular, é conveniente recordar que o papel pre- dominante do Executivo no exercício de funções administrativas não exclui o exercício desta mesma função pelo legislativo e pelo Judiciário. Na prática, esses três poderes realizam em maior ou menor grau medidas de administração prestacional (“Leistungsverwaltung”: e.g., serviço público ou fomento)  e de administração restritiva12 (“Eingriffsverwaltung”: e.g., poder de polícia e intervenção na economia).13

O segundo grupo, por sua vez, abrange as relações jurídicas inter administrativas, ou seja, relações entre entidades da administração pública.14 Essas relações estavam originariamente ligadas aos poderes de fiscalização hierárquica ou supervisão de um ente administrativo de hierarquia superior sobre um inferior.15 Mais recentemente e de maneira crescente, as relações inter administrativas passaram a abordar a estipulação de obrigações colaborativas entre duas ou mais entidades estatais — especialmente mediante instrumento de convênio16 — e de normas de planejamento de gestão — por exemplo, através de contratos de gestão.17

O terceiro grupo, por fim, abarca as relações intra-administrativas que são ora interorgânicas (ou seja, entre diferentes órgãos da administração pública) e ora intraorgânicas (entre uma ou mais subdivisões de órgãos públicos). Nesse particular, o direito administrativo lida basicamente com relações jurídicas de natureza funcional, organizacional e processual. Tais relações dizem res- peito à prática de atos materiais, atos consultivos e atos normativos que, em grande parte dos casos, produzem efeitos meramente internos. Melhor dizendo: os atos internos à organização administrativa são de menor impacto direto aos cidadãos, pois, na maioria das vezes, não influenciam a esfera de direitos, obrigações e faculdades individuais.

Na medida em que se identificam determinados padrões de relações jurídicas, é preciso examinar como as diferentes novas tecnologias os influenciam em específico. Por essa razão, a reflexão dos impactos das tecnologias sobre  o direito administrativo é mais bem analisada ao se diferenciar, de um lado, as relações entre poder público e cidadão e, de outro, as relações jurídicas de organização administrativa. A despeito dessa divisão, restará claro que os impactos dessas novas técnicas e campos de conhecimento são inegáveis.

No âmbito das relações entre Estado e cidadão, desenvolvem-se as mais significantes atividades da administração pública. Noções fulcrais do direito administrativo foram justamente elaboradas no intuito de permitir a com- preensão de muitas dessas relações e discipliná-las. É o caso do conceito de serviço público, que diz respeito a atividades estatais de produção (geração de energia, e.g.) e serviços (telefonia fixa, distribuição de gás, esgotamento sanitário, e.g.) inseridas em um regime jurídico próprio marcado por regras de continuidade e universalidade no intuito de assegurar o atendimento de necessidades básicas da vida moderna ao maior número de indivíduos.

Na mesma situação encontra-se o conceito de poder de polícia, empregado, ainda que sob severas críticas, para designar o conjunto de relações   jurídicas em que o Estado atua de modo a restringir a propriedade e a liberdade privada com o escopo de promover interesses públicos primários. Esse poder de restrição da esfera particular envolve um conjunto de medidas preventivas e repressivas. Assim, o poder de polícia abarca desde atos fiscalizatórios, licenciatórios, autorizativos, limitativos até atos sancionatórios praticados sem- pre de acordo com procedimentos administrativos específicos.

Serviço público e poder de polícia, ao lado de outras atividades estatais semelhantes (como regulação, fomento, intervenção na economia), sofrem direta influência das novas tecnologias. Na medida em que essas atividades administrativas (prestativas ou restritivas do ponto de vista do cidadão) são dependentes de atos, contratos, procedimentos e planos, todas as formas de inclusão de novas tecnologias que atinjam esses institutos jurídicos automaticamente geram consequências para as atividades administrativas clássicas que se desenvolvem entre administração pública e cidadão. A adoção crescente, pelo poder público, de atos automatizados e digitais, contratos eletrônicos, realização de procedimentos via internet (por exemplo, em licitações), processos digitais e tantos outros fenômenos evidencia esta afirmação.

Tal como ocorre no direito privado, essa ampla inserção de novas tecnologias na produção de atos jurídicos, na condução de procedimentos e na elaboração de contratos vem naturalmente acompanhada de uma série de problemas e questões práticas ainda dependentes de maior reflexão no campo do direito administrativo.

O emprego, pelo Estado, de novas tecnologias de produção e comunica- ção tem, por exemplo, colaborado diretamente para o aumento dos chamados atos automáticos de administração. Diferentemente do que ocorre em relação aos atos tradicionais, praticados conforme o exercício direto da vontade do agente público em conexão com a vontade presumida do Estado, nos atos automáticos, são máquinas e aparelhos que praticam a ação ou a determinam, ora produzindo efeitos meramente internos ao Estado, ora causando impactos na esfera de direitos dos cidadãos.

Exemplos de atos de administração automáticos encontram-se, desde muito tempo, no campo do gerenciamento de transporte e tráfego, tal como os semáforos ou outros sinais de controle de movimentação viária, aérea e marítima. Hoje, porém, os atos automáticos ganham amplíssimo espaço na maioria dos serviços prestados pela administração pública. Isso se verifica, a título ilustrativo, em sistemas de agendamento automático de atendimento ao cidadão (e.g., sistema de agendamento de passaportes da Polícia Federal ou do INSS), em sistemas de controle de solicitações administrativas (e.g.,  sistema eletrônico de solicitação de bolsas de estudos da Fapesp), em sistema de controle, organização e publicação de dados de interesse público (e.g. plataforma Lattes do CNPq).

Em muitos desses novos sistemas eletrônicos, a automatização não se reduz apenas à prática de um ou outro ato de administração. Ela se amplia para abranger todo o procedimento administrativo. Nota-se, assim, a crescente utilização dessas novas tecnologias em procedimentos administrativos de consulta, de apreciação de solicitações (e.g., pedidos de licença e autorizações) e, inclusive, em procedimentos de controle e de sancionamento pautados ou no poder de polícia (por exemplo, de agências reguladoras) ou no poder disciplinar (das entidades administrativas em geral).

Nos procedimentos sancionatórios em particular, ainda que o uso de novas tecnologias de comunicação e informação seja parcialmente questionável, é notável a crescente aceitação desses métodos para tarefas específicas, principalmente as realizadas na fase de instrução. A razão para essa transformação dos procedimentos é simples.

As novas tecnologias de informação e comunicação permitem novas formas de coleta de provas, facilitando, entre outras coisas, a oitiva de testemunhas e ampliando o rol das provas documentais (hoje a incluir e-mails, páginas virtuais etc.). Ademais, algumas formas de instrução do processo administrativo, tais como a consulta e a audiência pública,18 dependentes da participação popular, seriam praticamente inviáveis sem as novas tecnologias de comunicação e informação. O avanço tecnológico representa para esses dois mecanismos de democratização do processo administrativo uma condição imprescindível à efetiva participação dos cidadãos e demais interessados, sobretudo em um país tão extenso territorialmente quanto o Brasil.

Em última instância, além de colaborar para a condução da fase instrutória, as novas tecnologias permitem um aumento inquestionável da acessibilidade dos processos administrativos em geral, pois os meios digitais derrubam, sem piedade, o monopólio do acesso presencial e os custos que lhe são inerentes. Essa acessibilidade mais ampla torna mais simples, barato e rápido o controle popular sobre atos de gestão da coisa pública, repercutindo de modo igualmente favorável sobre o princípio republicano. Nesse particular, a acessibilidade se torna uma aliada do que Bresser-Pereira deno- minou de direitos republicanos, ou seja, os direitos à gestão do patrimônio público em favor da sociedade, e não de meros interesses patrimonialistas  ou corporativistas.19

O papel das tecnologias de produção e de transporte para o desenvolvi- mento das atividades estatais prestativas (serviço público) e restritivas (poder de polícia) é igualmente expressivo no desenvolvimento das relações entre Estado e cidadão.

As tecnologias de produção e transporte, quando bem utilizadas, permitem a melhoria dos serviços prestados à população, sua ampliação e, em alguns casos, seu barateamento. Ao viabilizar a prestação de serviços mais atuais por preços mais módicos, as novas tecnologias de produção colaboram para um dos princípios tradicionais do serviço público, a saber: o da universalização.

Tal como explica Dinorá Grotti, esse princípio básico dos serviços públicos guarda íntima relação com o princípio maior da igualdade, uma vez que busca promover a fruição de serviços públicos por todos e independente- mente das condições econômicas de cada um.20 Por isso, novas tecnologias de produção e transporte são capazes de impedir o que Grotti denomina de “elitização do serviço público” e a manutenção de “graus de cidadania”21 num país extremamente desigual como o Brasil. A elitização dos serviços públicos e a criação de uma escala de cidadania são claramente incompatíveis com a ideia de estado social de direito consagrada na Constituição da República.22 Em vista das considerações acima expostas, resta evidente que as novas tecnologias são capazes de estimular a concretização do direito administrativo quando manejadas de maneira adequada. Ocorre, porém, que os  efeitos benéficos gerados pelo emprego de novas técnicas pela administração pública eventualmente são acompanhados de problemas e desafios. Para se compre- ender essa tensão, justifica-se um breve exame de alguns princípios constitucionais do direito administrativo ante o fenômeno técnico-social aqui deba- tido. Esse exame será pautado por três princípios jurídicos constitucionais, a saber: a impessoalidade, a publicidade e a eficiência — todos consagrados na Carta Magna (art. 37, caput).

A impessoalidade, como princípio constitucional de direito administrativo, impõe que o Estado desempenhe suas ações e trate os indivíduos de modo imparcial, neutro e isonômico. A imparcialidade exige a condução da função administrativa a despeito de sentimentos de amizade, inimizade, vingança, perseguição etc. Para concretizá-la, o direito dispõe de regras de impedimento e suspeição, hoje concretizadas na lPA federal. A neutralidade, por sua vez, impõe que a administração pública aja de acordo com a lei e não conforme  os interesses religiosos ou partidários do administrador público. Ideologia, religião e outras crenças pessoais não constituem motivos ou finalidades administrativamente válidas. Por sua vez, a isonomia exige que o Estado trate igualmente os iguais e desigualmente os desiguais de acordo com os valores contidos na Constituição e os objetivos gerais do Estado brasileiro.

Se, portanto, a impessoalidade exige imparcialidade, neutralidade e isonomia, a adoção de novos sistemas de automação da máquina estatal e das atividades praticadas pelo poder público é capaz de concretizar este princípio na medida em que restringe o grau de influência dos humores, sentimentos e ideologias dos agentes públicos em relação aos cidadãos. A existência de siste- mas previamente programados e naturalmente impessoais impede, em mui- tas situações, a substituição ilegal da vontade do Estado pela vontade pessoal do agente público. Assim, evitam-se formas de preconceito e privilégio, afastam-se conflitos de interesses e coíbem-se perseguições de cidadãos por servi- dores mal-intencionados. Em última instância, ao afastar o elemento humano, seus desejos, humores e sentimentos da prática dos atos de administração,    a automação aproxima a administração pública do ideal de impessoalidade, imparcialidade e neutralidade.

Isso não obstante, as novas tecnologias aplicadas para fins de automação de atos e procedimentos administrativos podem acarretar sérios problemas para o bom funcionamento da administração pública. A racionalização  e padronização dos sistemas técnicos de gestão pública, ao exacerbarem a impessoalidade, muitas vezes redundam em uma perda de flexibilidade da função administrativa. Essa rigidez gerencial decorre da natural limitação

da programação mecânica e antecipada das funções estatais para atender  os mais diversos tipos de casos fáticos e exceções com as quais o Estado  se depara no exercício de suas atividades. Essa incapacidade de programar soluções humanamente adequadas para todos os casos, sobretudo os excepcionais, muitas vezes transforma a impessoalidade em injustiça. Além disso, a rigidez de sistemas tecnológicos previamente programados corre      o risco de comprometer a rapidez que se espera do Estado na resolução de casos excepcionais e, por conseguinte, ocasionalmente afetará o princípio da eficiência de modo negativo.

Diversos exemplos de complicações geradas por novas tecnologias em- pregadas pelo poder público no exercício de funções administrativas foram vistos, recentemente, no Brasil. O sistema de agendamentos de atendimento ao cidadão adotado por diversas instituições públicas, tal como o INSS ou a Polícia Federal para requisição de passaportes, é prova disso. Sistemas desse gênero são programados, de modo geral, para tratar as solicitações de todos os cidadãos da mesma forma, o que, naturalmente, tem por efeito o trata- mento idêntico de situações que, na prática, exigiriam tratamento diferencia- do. Além disso, falhas de programação nesses sistemas são capazes de obstar significativamente a prestação dos serviços, ocasionando, nessas hipóteses, mais transtornos que benefícios à população.23 Nessas situações excepcionais, a capacidade humana de criar novas soluções justas e adequadas mostra-se insubstituível.

Em relação ao princípio da publicidade — e da transparência e democratização da atividade estatal —, as tensões também estão presentes. Esse princípio é claramente beneficiado e desafiado pelo uso de novas tecnologias no âmbito da administração pública.

Os ganhos gerados pelo emprego de novas tecnologias se afiguram significativos quando se fala de publicidade e democratização. A título de exemplo, os novos sistemas de informação, comunicação e transporte permitem que informações (públicas), pessoas (em exercício de funções estatais), mercadorias e serviços públicos cheguem a locais antes inatingíveis. Cidadãos antes aprisionados a localidades de difícil acesso entram em contato com o Estado, seus serviços e atividades de controle. A publicidade, portanto, ganha força pelo fato de o Estado, através de novas tecnologias, aproximar-se da sociedade e vice-versa.24

A facilitação de transferências de informações e serviços entre Estado e cidadão relaciona-se, por sua vez, com dois outros relevantes assuntos do direi- to administrativo. Primeiro, os ganhos de publicidade e de acesso a serviços públicos ampliam os graus de cidadania mediante a concretização, em favor de inúmeros indivíduos, de direitos fundamentais antes obstados por barreiras geográficas ou sociais. Segundo, o maior acesso a informações e serviços públicos estimula a ampliação do controle popular das ações desenvolvidas pelo poder público.

Por essas e outras razões, notam-se fortes movimentos que buscam radicalizar a publicidade e a transparência governamental a favor da plena divulgação de dados públicos. Em estudo sobre o tema, Daniela Silva relata que os ativistas do movimento do open government data pautam-se por uma série de princípios, a saber: 1) os dados públicos devem ser integralmente divulgados; 2) devem ser detalhados; 3) atualizados o mais rápido possível; 4) acessíveis; 5) legíveis por máquinas; 6) independentemente de registro dos interessados; 7) disponibilizados em formato aberto e sem controle exclusivo por qualquer entidade e 8) livres de licenças ou óbices decorrentes de propriedade intelectual.25

Essa ampliação da ideia de transparência eletrônica merece, porém, algumas críticas. Em primeiro lugar, não se pode tolerá-la sem respeito a direitos fundamentais e interesses públicos primários, como a defesa da   intimidade e da vida privada, bem como a proteção da segurança social. Em segundo lugar, ainda que o uso de novas tecnologias colabore com a publicidade, a transparência e a democratização, essas novas técnicas não são capazes de garantir isoladamente esses valores em níveis adequados. Dizendo de outro modo: a mesma tecnologia que é capaz de incluir pode até mesmo excluir. Um exemplo ilustra essa afirmação. Novos sistemas de governo eletrônico — geralmente defendidos como armas de democratização — têm suscitado inúmeras dúvidas quando empregados sem a devida consideração de aspectos sociais, culturais e econômicos de uma nação.

Mesmo que as tecnologias de comunicação e transmissão de dados, sobretudo via internet, sejam capazes de concretizar o princípio da publicidade, o que se nota, em algumas situações práticas, é a mera substituição de meios tradicionais de publicização de atos e atividades administrativas por meios digitais. Ocorre que, em países em desenvolvimento como o Brasil, o mode- lo de governo eletrônico não deve abrir mão de mecanismos tradicionais de publicização por um simples motivo: o baixo grau de inclusão digital da população brasileira.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD 2008), elaborado pelo IBGE, apenas 23,8% dos domicílios brasileiros estavam conectados à internet em 2008.26 Isso significa que toda tentativa de substituir atos e procedimentos físicos por atos e procedimentos digitais pode ter como consequência não a inclusão, mas sim a exclusão de grande parcela da popu- lação em relação aos serviços estatais. Desse modo, para que ocorra a efetiva democratização da administração pública brasileira, é preciso que as novas tecnologias de informações sejam somadas aos mecanismos tradicionais de publicização, de sorte a efetivamente promover uma ampliação do acesso dos cidadãos a dados e informações de natureza e relevância públicas.

No tocante ao princípio da eficiência, tensões do gênero também são identificáveis. De um lado, o emprego de novas tecnologias na execução de atividades de administração pública é capaz de imprimir força à concretização desse vetor constitucional inserido no art. 37, caput da Constituição pela Emenda Constitucional no 19/1998. De outro, o uso indevido de novas tecnologias pode destruir a eficiência que se espera dos órgãos e entidades públicas.

Para se compreender essa tensão, é relevante recordar que o princípio constitucional da eficiência — já presente no direito administrativo brasileiro desde a década de 196027 — tem uma relação direta com o estado social. Como bem ex- plica Paulo Modesto, um estado social não está autorizado a “descuidar de agir com eficiência, justificando os recursos que extrai da sociedade com resultados socialmente relevantes”.28 O princípio da eficiência demanda do Estado, entre outras coisas, “celeridade e simplicidade, efetividade e eficiência na obtenção de utilidades para o cidadão, na regulação da conduta pública e privada, na vigilância ao abuso de mercado, no manejo dos recursos públicos”.29

Estendendo-se esse raciocínio, é possível afirmar que a eficiência exigida da administração pública ainda se conecta diretamente com o princípio constitucional da moralidade administrativa. Um estado social administrado de modo moral somente existe caso os custos financeiros da ação estatal, arcados pela população, sejam compensados por benefícios públicos fruíveis pelos cidadãos de modo direto e individualizado ou de modo indireto e difuso.

Nesse contexto, as novas tecnologias novamente ganham destaque pelos efeitos benéficos que podem acarretar à sociedade quando empregadas pelo Estado. Novas tecnologias são capazes de possibilitar o aprimoramento das formas de prestação de serviços públicos e de outras atividades estatais, tornando-os mais céleres, mais eficazes (ou racionais), mais efetivos (ou úteis para a sociedade) e, eventualmente, mais baratos. Ainda que não seja fácil constatar a relação geral entre novas tecnologias, de um lado, e redução de custos de funcionamento do Estado ou aumento da qualidade de serviços estatais, de outro, não há dúvidas de que novas técnicas sejam inegavelmente capazes de contribuir para a concretização do princípio da eficiência.

Apesar disso, não há dúvidas de que o uso inadequado de novas tecnologias também pode minar a eficiência administrativa imposta pela Constituição. Se a eficiência, em sentido constitucional, envolve celeridade na  ação

pública, economicidade no funcionamento da máquina administrativa, eficácia na consecução de fins públicos e assim por diante, é possível que, em casos concretos, esses vetores entrem em choque. Há vários exemplos que evidenciam essa afirmação.

Em primeiro lugar, o emprego de novas tecnologias para a execução de atividades administrativas pode gerar, como já apontado, um nível de impessoalidade extrema que acaba por enrijecer a ação de órgãos públicos e, em última instância, prejudicar a eficácia social dos serviços prestados aos cidadãos. Um serviço público incapaz de lidar com casos excepcionais — não programados — é claramente um serviço ineficiente.

Em segundo lugar, o uso de novas tecnologias voltadas à democratização de informações e serviços públicos sem a devida observância de aspectos sociais, culturais e econômicos corre o risco, já apontado, de restringir a cidadania e não ampliá-la. Diante dessa possibilidade e do ideal de estado social, a título de exemplo, será claramente ineficiente e inconstitucional o emprego de técnicas de governo eletrônico que impeçam ou reduzam o grau de publicidade e democratização das ações administrativas.

Em terceiro lugar, em sociedades extremamente desiguais, como a brasileira, e diante de estados incapazes de oferecer condições mínimas de sobrevivência digna à população em geral, é de se questionar em que medida os gastos estatais para utilização de novas tecnologias no exercício da função pública devem ser privilegiados em detrimento de gastos necessários à redução da desigualdade e da pobreza. Em última instância, isso releva que     o argumento da economicidade que compõe o princípio da eficiência exige que os gastos públicos com novas tecnologias na administração pública sejam necessariamente compensados por benefícios a toda a população sob pena de ser inconstitucional.

O exame do princípio da eficiência, da publicidade e da impessoalidade adiante da inserção de novas tecnologias no exercício de funções que competem à administração pública brasileira revela, em síntese, que existem inúmeras tensões pendentes de aprofundamento pela ciência do direito administrativo. Ao mesmo tempo que novas tecnologias estimulam a concretização de um modelo ideal de administração pública (caracterizada por elevada impessoalidade, transparência, moralidade etc.), também inserem novos desafios para a gestão pública. Esses desafios não se resumem, porém, às relações jurídico-administrativas restritivas e prestativas que envolvem o Estado, de um lado, e cidadãos, de outro. A organização administrativa e as funções internas de órgãos e instituições públicas são também atingidas pelo modelo tecnológico que se impõe no mundo atual.

Além de gerar benefícios, suscitar problemas e criar desafios para a ad- ministração pública em suas relações jurídicas com os cidadãos, as novas tecnologias afetam as relações ocorridas no âmbito da organização administrativa. Os efeitos que decorrem do novo contexto tecnológico no tocante a essas relações não podem ser ignorados, pois condicionam o bom funcionamento do conjunto de pessoas, órgãos e instituições que se ocupam da execução das tarefas administrativas públicas.30

Para se tratar dos efeitos das novas tecnologias sobre a organização administrativa, há que se recordar os dois conjuntos de relações jurídicas básicas. O primeiro contém as relações jurídicas de caráter interadministrativo, ou seja, as que envolvem duas ou mais entidades da administração direta ou indireta. O segundo inclui as relações intra-administrativas, isto é, as relações entre dois ou mais órgãos de cada uma dessas entidades públicas. As novas tecnologias, em suas mais diversas facetas, influenciam positiva e negativamente esses dois conjuntos de relações.

Entre os impactos mais significativos para a organização administrativa, chamam atenção as novas possibilidades de cooperação que as tecnologias de informação, produção e comunicação originam. A padronização de normas de trabalho e a adoção de novas técnicas de armazenamento, processamento e transmissão de dados dão margem a tarefas antes impensáveis.

Em 1969, luhmann já indicava algumas dessas possibilidades e seus problemas respectivos,31 destacando o papel do processamento de dados e sua relevância na execução de atividades estatais. Hoje, as técnicas de pro- cessamento e cruzamento de dados ainda continuam a suscitar grandes questões. Essas técnicas permitem que instituições públicas acessem com crescente  facilidade  e  celeridade  informações  armazenadas  em  bancos de dados de outros órgãos ou entidades públicas para que possam, de modo mais efetivo, cumprir suas  tarefas.

Do ponto de vista organizacional, as novas possibilidades de acesso e manuseio de dados e informações digitais ou digitalizadas colaboram com    a facilitação de serviços administrativos e com o aumento de seus graus de produtividade. Isso se vislumbra, por exemplo, no campo do exercício do poder de polícia. Através de novas tecnologias, órgãos administrativos federais (tais como as agências reguladoras) acessam dados necessários para exercerem suas atividades de controle e gestão dos setores regulados e, inclusive, para abrir procedimentos acusatórios e aplicar sanções administrativas. Isso revela que as novas tecnologias potencializam a cooperação administrativa dos diversos órgãos e entidades estatais a níveis nunca vistos, superando gradativamente muitas das dificuldades que o tempo, a distância geográfica e, inclusive, a estrutura federativa do Estado brasileiro impunham à administração pública.

De outro lado, a multiplicação das novas tecnologias confere força ao sistema de controle da administração pública. Esse tipo de atividade administrativa ocorre em modalidades internas (autocontrole), em modalidades de supervisão (exercido pela administração direta sobre a indireta) ou em modalidades de controle externo (via legislativo ou Judiciário).

Não há muito tempo, essas atividades de controle interno ou externo eram extremamente dificultadas por uma série de fatores, a saber: a) a distância territorial entre o órgão de controle e o ente, órgão ou agente público controlado; b) a dificuldade de se buscar informações e dados específicos em arquivos e documentos físicos; c) a dificuldade de se transmitir dados e informações da entidade controlada para a entidade de controle; d) os altos custos financeiros do exercício da atividade de controle, o que muitas vezes a tornava economicamente irracional.

O papel das novas tecnologias para a superação dessas dificuldades é impressionante. De um lado, as tecnologias de comunicação, telecomunicação, rádio, internet etc. colaboraram com a facilitação do acesso a dados, quer pela criação de formas simples, rápidas e baratas de criação de documentos digitais, digitalização de documentos físicos e transferência de arquivos, quer pelo aprimoramento de ferramentas de busca de dados e informações em documentos digitais ou digitalizados de acordo com o interesse específico do órgão controlador.

Esses  novos  instrumentos  tecnológicos  inegavelmente  reduziram   os custos e as dificuldades que a existência de arquivos físicos de documentos, as distâncias geográficas e outros fatores criavam, desfavorecendo a atividade de controle administrativo e, por conseguinte, dando margem a infrações frequentes à legalidade administrativa. Hoje, com o uso de novas tecnologias, o mapeamento de indícios de irregularidade e ilegalidade no exercício da atividade administrativa e a tomada das respectivas medidas corretivas podem ocorrer de modo muito mais rápido, célere e barato, sem- pre de acordo com os interesses do órgão controlador e a despeito de sua atuação presencial.

A esses benefícios somam-se diversos outros oriundos das tecnologias de transportes. Enquanto as tecnologias de comunicação e informação facilitaram claramente as atividades não presenciais de controle administrativo, a revolução dos meios de transportes e da infraestrutura respectiva ampliou as possibilidades de controle presencial dos gastos públicos.

As facilidades de locomoção atualmente existentes são fundamentais para a execução de controles administrativos mais complexos e que, geral- mente, demandam mais que a simples verificação de documentos. É o que ocorre em matéria de controle de gastos públicos em programas sociais ou obras de infraestrutura. Nessas situações, não basta o controle de documentos ou “controle de escritório”. É fundamental que os órgãos controladores verifiquem presencialmente se obras e programas estão sendo executados adequadamente, nos tempos exigidos e de acordo com a qualidade desejada pelo Estado. No passado, esse tipo de controle era, porém, significativamente mais dificultoso, quer pelo seu custo mais elevado, quer pelas dimensões territoriais e características geográficas e estruturais brasileiras — problemas que foram relativizados pela adoção de novas tecnologias.

Em síntese, ao ampliar as formas de controle da administração pública   e facilitá-las, as mais variadas novas tecnologias colaboram com a concretização do princípio da legalidade administrativa e da eficiência. Elas viabilizam um combate mais intenso a desvios de verbas, contratações ilegais, corrupção e outros ilícitos, de modo a reduzir a sensação de impunidade e estimular o respeito ao ordenamento jurídico-administrativo. Ao mesmo tempo, esse estímulo à legalidade é realizado a custos significativamente menores que outrora.

As relações entre novas tecnologias e organização administrativa não es- tão, contudo, isentas de tensões. Os benefícios aqui exemplificados não excluem problemas e desafios que o emprego dessas tecnologias no exercício das funções internas da administração pública origina.

Entre tantos desafios, cumpre mencionar a tensão existente entre, de um lado, o uso de informações contidas em arquivos públicos32 e os benefícios daí resultantes e, de outro, a proteção de direitos fundamentais dos cidadãos e agentes públicos.

Ainda que a Constituição da República garanta a inviolabilidade da honra, da intimidade e da vida privada, e ainda que a lei no 8.159/1991 tenha disciplinado o acesso a dados particulares previstos em arquivos estatais e, ademais, garantido direito à indenização por dano material e moral decorrente da violação do sigilo, pairam dúvidas sobre os limites de transferência e intercâmbio de informações e dados pessoais que estão em mãos de entidades públicas. Essas dúvidas ficaram patentes em diversas discussões recentemente havidas no Brasil. Exemplo disso se viu no debate acerca da publicação de dados salariais de servidores públicos pela Prefeitura do Município de São Paulo no “portal da transparência” — medida administrativa que foi forte- mente combatida perante a Justiça estadual.33

Esse caso ilustra as deficiências do direito na disciplina da regulação    de dados privados detidos pela administração pública. A partir dele, várias questões referentes ao uso de tecnologias pelo Estado são imagináveis, a saber: 1) Dados pessoais contidos em arquivos estatais digitais ou digitalizados podem ser trocados entre entidades públicas?; 2) Quais os requisitos para tanto?; 3) Sob quais condições os dados presentes em determinados arquivos e procedimentos estatais podem ser divulgados pela internet ou outros veículos de comunicação de massa?; 4) Em quais situações entidades da administração indireta, incluindo entidades de classe como a OAB e empresas estatais, podem ter acesso a arquivos estatais digitais contendo dados de particulares?; 5) Em quais situações concessionárias de serviços públicos (como prestadoras de serviço de transporte aéreo de passageiros  ou concessionários de serviços de telefonia) estão autorizadas a dispor de dados e informações pessoais que obtenham ou mantenham em sua posse em virtude do uso de novas  tecnologias?

Na sociedade das “novas tecnologias”, a manipulação dos dados particulares recolhidos pelo Estado ou por entidades que atuam em seu nome (concessionárias e permissionárias) ou sob sua regulação constitui uma problemática ainda distante de solução.

Em alguns outros países, a importância dessas questões deu origem, há algumas décadas, a ramos aprofundados do direito, tal como mostram as disciplinas da Datenschutz na Alemanha34  ou da data privacy no direito  inglês — ambas voltadas para a proteção da segurança de dados pessoais e a vedação de sua manipulação ou uso irregular. Esse mesmo assunto ocasionou a edição das Guidelines on the protection of privacy and transborder data flows pela Ocde e da Convention for the protection of individuals with regard to automatic processing of personal data de 1981. Esta foi concretizada mais tarde no direi- to comunitário europeu pela Diretiva no 46 de 1995 e pela Diretiva no 58 de 2002, que tratou especificamente da regulamentação da proteção de dados em comunicações eletrônicas (como e-mails, telefonia etc.). Em 2006, editou- se finalmente no nível europeu a Diretiva no 24, a qual disciplinou os prazos mínimos de armazenamento de dados pessoais em serviços de comunicação eletrônica no intuito de encontrar, sobretudo, indícios para persecução de atos criminosos mais graves.

Essa clara movimentação legislativa no nível europeu demonstra a complexidade da questão e a necessidade de grande atenção jurídica em seu tratamento, sobretudo em uma sociedade marcada pelo surgimento diário de novas tecnologias e a necessidade de conciliar essas tecnologias simultaneamente com interesses públicos primários e direitos fundamentais. No Brasil, porém, ainda há muito que ser feito, a começar pelo debate sobre uma legislação mais ampla e mais moderna a tratar de dados pessoais contidos em arquivos estatais ou arquivos de prestadores de serviços públicos. E isso representa apenas um pequeno passo! Afinal, como advertido, o problema da manipulação de dados no âmbito da administração pública constitui apenas um exemplo das implicações que o emprego crescente de novas tecnologias na administração pública acarreta.

Já dizia Medauar que, “se a disciplina jurídica da Administração pública centraliza-se no direito administrativo e se a Administração integra a organização estatal, evidente que o modo de ser e atuar do Estado e seus valores repercutem na configuração dos conceitos e institutos desse ramo do direi- to”.35 Se o direito administrativo varia, portanto, de acordo com a modificação das formas de existência e de ação do Estado, então as implicações das novas tecnologias empregadas crescentemente pelo poder público necessariamente impactam o direito administrativo positivo e sua ciência.

A partir desse pressuposto lógico e assentado principalmente nas noções de novas tecnologias de produção, transporte, comunicação e informação que afloram na sociedade fluida, informacional e reticular do século XXI, o pre- sente ensaio buscou trazer reflexões acerca de vantagens, problemas e desa- fios trazidos pelas novas tecnologias empregadas pela administração pública. Para se proceder a essa análise, mostrou-se oportuno diferenciar as relações jurídicas envolvendo a administração pública e o administrado e as relações jurídicas internas, ou seja, as que se desenvolvem entre órgãos, entidades e agentes públicos a despeito da participação do cidadão.

No tocante às relações entre Estado e cidadão, buscou-se evidenciar que as novas tecnologias revelam-se capazes de ampliar os níveis de transparência, democratização, impessoalidade e eficiência da administração pública. No entanto, essas mesmas tecnologias, quando indevidamente empregadas, são capazes de violar os princípios que regem a administração pública brasileira. A maximização do grau de impessoalidade em algumas situações fáticas como decorrência do uso de sistemas automatizados, por exemplo, pode violar o princípio da igualdade e da eficiência ao tornar a administração pública demasiadamente rígida e incapaz de lidar com casos excepcionais. De outra parte, em um país com graus ainda tímidos de inclusão digital, o uso abusivo e irrefletido de novas tecnologias ou técnicas de governo eletrônico é capaz de acarretar incontáveis problemas. Daí a sugestão de que, na prática, as tecnologias empregadas com a função de ampliar a publicidade de ações estatais e a democratização da administração pública não substituam integralmente as técnicas tradicionais de gestão.

Tensão semelhante surge no campo da organização administrativa. De um lado, as novas tecnologias empregadas no âmbito das relações interadmi- nistrativas ou intra-administrativas geram benefícios, sobretudo por: 1) esti- mular e facilitar a cooperação administrativa e 2) reforçar o sistema de contro- le de legalidade das ações realizadas pelo poder público. Ao mesmo tempo, porém, essas tecnologias podem dar margem a novas violações à moralidade e à legalidade administrativas. Isso se vislumbra, por exemplo, na possibilida- de de uso indevido de dados e informações colhidas e mantidas pelos órgãos e entidades estatais.

Em face dessas vantagens, problemas e desafios, o estudo dos impactos das novas tecnologias sobre a administração pública e o direito administrati- vo deve ocupar lugar de destaque na ciência do direito administrativo atual. A omissão científica em relação a essa temática poderá ter como resultado um grave comprometimento das funções mais básicas desse ramo do direito, quais sejam: a garantia da fruição de serviços públicos essenciais adequados; a repressão do abuso de autoridade pública e prevenção do uso da máquina pública de modo ineficiente e contrário aos direitos fundamentais e interesses públicos primários.


Referências

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1 Uma versão inicial das considerações aqui expostas foi apresentada no 1o Congresso Interna- cional: “Os desafios do Direito face às Novas Tecnologias”, realizado no ano de 2010 na Nova Faculdade de Direito da USP (FDRP). Registre-se a colaboração do mestrando da USP Thiago Stucchi de Oliveira na elaboração de observações críticas sobre o texto.
2 O termo “tecnologia” surge, efetivamente, no século XVIII. Reputa-se que tenha aparecido pela primeira vez na obra de Johann Beckmann, datada de 1796 (a saber: Anleitung zur Technologie oder zur Kenntniß der Handwerke, Fabriken und Manufacturen, vornehmlich derer, die mit der Landwirtschaft, Polizey und Cameralwissenschaft in nächster Verbindung stehen. Nebst Beyträgen zur Kunstgeschichte. Göttingen: Vandenhoeck und Ruprecht, 1796).
3 Tecnologia provém da palavra grega “techni”, que significa habilidade, técnica, arte ou indús- tria. Técnica, por sua vez, refere-se ao conjunto de métodos e habilidades empregados pelos seres humanos para a consecução de seus mais variados objetivos materiais (e.g., construções, comuni- cações, transportes e promoção da saúde). De outro lado, tecnologia provém do termo “logos”, cujo significado é razão, discussão ou argumento. Daí que tecnologia seria, a princípio, a ciência ou lógica da técnica.
4  GIDDENS, Anthony. Sociologia. 2. ed. lisboa: Calouste Gulbenkian, 2000. p. 155.
5 Através de métodos de programação genética, podem-se planejar características biológicas dos futuros seres humanos. Diante dessa possibilidade, colocam-se inúmeras questões morais, jurídi- cas e sociológicas. Giddens assim as exemplifica: “que escolhas farão os pais a partir do momento em que for possível desenhar os seus filhos? Que limites deverão ser impostos sobre essas esco- lhas? (…) Alguns sociólogos defenderam que uma diferenciação no acesso à engenharia genética poderá levar à emergência de uma ‘subclasse biológica’. Aqueles que não possuem as vantagens físicas que a engenharia genética pode fornecer podem vir a estar sujeitos ao preconceito e à discriminação por parte daqueles que as possuem, podendo vir a ter dificuldades em arranjar emprego ou em fazer seguros de vida ou de saúde”. Ibid., p. 157.
6 SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, 2002. p. 274.
7 MARRARA, Thiago. Bens públicos, domínio urbano, infraestruturas. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 250.
8 CASTEllS, Manuel. A sociedade em rede. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p. 65. Acerca da sociedade informacional na obra de Castells, cf. AlMEIDA, Rodrigo Fonseca. Castells: a era do informacionalismo. In: BRANCO, Cláudia Castelo; MATSUSAKI, luciano Yoshio (Org.). Olhares da rede. São Paulo: Momento Editorial, 2009. p. 51 e segs.
9 Para o sociólogo, na sociedade em rede, “a presença da rede ou a ausência dela e a dinâmica  de cada rede em relação às outras são fontes cruciais de dominação e transformação”. Cf. CAS- TEllS, A sociedade em rede, op. cit., p. 565.
10 Segundo Medauar, essa concepção garantista que marca o direito administrativo na sua fase inicial revela-se nitidamente em obras doutrinárias da época, como a obra de Veiga Cabral (Di- reito administrativo brasileiro, de 1859). Cf. MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 79.
11 BUSTAMANTE, Javier. Communicative power, digital ecosystems and digital citizenship. In: SIlVEIRA, Sérgio Amadeu da (Org.). Cidadania e redes digitais. São Paulo: Comitê Gestor da Inter- net no Brasil; Maracá — Educação e Tecnologias, 2010. p. 3.
12 A respeito desta diferenciação, bastante utilizada no direito alemão para definição dos regimes jurídico-administrativos, cf., entre outros, BUll, Hans Peter; MEHDE, Veith. Allgemeines Verwal- tungsrecht mit Verwaltungslehre. 8. ed. Heidelberg: C.F. Mueller, 2009. p. 15-16.
13 Há tipos de medidas estatais que demonstram natureza mista, ou seja, apresentam-se ora como prestacionais, ora como restritivas de direitos e liberdades dos cidadãos. O conceito de regulação nada mais é do que um conjunto de medidas prestacionais e restritivas elaboradas pelo legis- lador e empregadas pelo administrador público para a ordenação de determinados segmentos econômicos ou sociais. Trata-se, pois, de um supraconceito variável de acordo com cada setor regulado e capaz de abarcar as noções clássicas de poder de polícia, serviços públicos, fomento e intervenção na economia.
14 Entidade pública, nos termos da lei de Processo Administrativo, é a unidade de atuação es- tatal dotada de pessoa jurídica de direito público ou privado. A respeito do conceito, cf. entre outros NOHARA, Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo. Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009. p. 32.
15 Tais poderes, não obstante questionados em alguns tipos de relações interadministrativas (por exemplo, entre ministérios e agências reguladoras), estão claramente previstos em diversos dis- positivos constitucionais, tal como revela o art. 87 da Carta Magna. A respeito, cf. MARRARA, Thiago. A legalidade na relação entre ministérios e agências reguladoras. In: ARAGÃO, Alexan- dre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 509 e segs.
16 Sobre esses acordos, cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 230 e segs.; MARRARA, Thiago. Identificação de convênios admi- nistrativos no direito brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, v. 100, p. 551, 2005.
17   O contrato de gestão, inserido no art. 37, § 8o   da CF em virtude da EC no   19/1998, consiste    em “um instrumento originário da administração por objetivos, por meio do qual são amplia- das as autonomias gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da Administração Pública, com a estipulação de metas de desempenho e fixação negociada de resultados, os quais deverão ser atingidos a partir da execução de uma série programada de atos (programação derivada), cuja finalidade é conferir efetividade a planos, programas e políticas públicas (pro- gramação originária), promovendo assim a eficiência na gestão pública”. Cf. OlIVEIRA, Gustavo Justino de. Contrato de gestão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 185-186.
18 As consultas públicas e audiências públicas são instrumentos gerais de instrução de processos administrativos em que se discutem, respectivamente, “assuntos de interesse geral” e “questões relevantes”. Ambas foram previstas na lei de Processo Administrativo Federal (lei no 9.784/1999, art. 31 e 32). A respeito, cf. MARRARA e NOHARA, Processo administrativo, op. cit., p. 229 e segs.
19 Cf. BRESSER-PEREIRA, luiz Carlos. Cidadania e res publica: a emergência dos direitos republi- canos. Revista de Filosofia Política — Nova Série, v. 1, p. 119, 1997.
20 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua transformação. In: SUND- FElD, Carlos Ari (Org.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 55-56.
21 Complementa Grotti, dizendo que “a prestação de serviços públicos deve considerar as condições e diferenças sociais dos usuários e a determinação da expansão dos serviços voltada para a consecução do atendimento universal, de modo a possibilitar o acesso a tais serviços a todos, independentemente das forças do mercado”. Cf. Ibid., p. 56.
22 Segundo Di Pietro, as duas “principais tendências verificadas a partir da instauração do chama- do Estado Social foram a de socialização e a de fortalecimento do Poder Executivo. A ideia de socialização, que não se confunde com socialismo, designa a preocupação com o bem comum,   o interesse público, em substituição ao individualismo imperante, sob todos os aspectos, no período do Estado liberal”. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 29-30.
23 Segundo Régis de Oliveira, “se a programação foi errada e foram expedidos atos equivocados, não terão manifestação adequada e, pois, serão nulos”. Cf. OlIVEIRA, Regis Fernandes de. Ato administrativo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 69. Com o devido respeito, mais correto se afigura verificar, em cada caso concreto, qual elemento do ato administrativo foi vi- ciado em virtude de falhas de programação e daí extrair o grau de gravidade do vício e suas possibilidades de correção. O ato eletrônico não é automaticamente nulo pelo simples fato de ser eletrônico.
24 Esse tipo de aproximação, inclusive por via eletrônica, tem sido facilitado por uma série de diplomas legais. A título de exemplo, em 27 de maio de 2009, foi aprovada a lei Complementar no 131 (lei da Transparência), que alterou a lei de Responsabilidade Fiscal, incluindo o art. 48- A, o qual assim dispõe: “Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: I — quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decor- rer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço presta- do, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado; II — quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários”. O art. 48, parágrafo único, inciso II, afirma que a transparência será assegurada pela “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público” (grifos nossos).
25 Cf. SIlVA, Daniela. Transparência na esfera pública interconectada e dados governamentais abertos. In: SIlVEIRA, Sérgio Amadeu da (Org.). Cidadania e redes digitais. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil; Maracá — Educação e Tecnologias, 2010. p. 119.
26 Do total de domicílios conectados, segundo o PNAD 2008, 31,5% estariam no Sudeste; 28,6% no Sul; 23,5% no Centro-Oeste; 11,6% no Nordeste e 10,6% no Norte.
26 Do total de domicílios conectados, segundo o PNAD 2008, 31,5% estariam no Sudeste; 28,6% no Sul; 23,5% no Centro-Oeste; 11,6% no Nordeste e 10,6% no Norte.
27 O princípio da eficiência, ainda que não consagrado pelas Constituições de 1967 e 1969, está presente no Decreto-lei no 200/1967. Nos termos do art. 100 deste diploma, “instaurar-se-á proces- so administrativo para a demissão ou dispensa de servidor efetivo ou estável, comprovadamente ineficiente no desempenho dos encargos que lhe competem ou desidioso no cumprimento de seus deveres”. Além disso, nos termos do art. 116, competia ao Departamento Administrativo do Pessoal Civil (Dasp) — órgão extinto em 1986 e substituído em suas funções pela Secretaria de Administração Pública da Presidência da República (Sedap) — “cuidar dos assuntos referentes ao pessoal civil da União, adotando medidas visando ao seu aprimoramento e maior eficiência” (grifos nossos).
28 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio constitucional da eficiência. Revista Diálogo Jurídico, v. 1, n. 2, p. 2, maio 2001.
29 Ibid.
30 A ideia de organização administrativa como instrumento de execução das tarefas primordiais do Estado guarda relação com a própria etimologia do termo organização, derivado de “orga- non” ou “ferramenta”. Cf. BUll, Hans Peter; MEHDE, Veith. Allgemeines Verwaltungsrecht mit Verwaltungslehre. 8. ed. Heidelberg: C.F. Mueller, 2009. p. 161.
31 Naquele ano, Niklas luhmann publicou a primeira edição de seus estudos acerca das compli- cações e dos desafios impostos pelas novas máquinas utilizadas pela administração pública para processamento de dados. Entre as vantagens das novas tecnologias, àquela época, já destacava o ganho de velocidade no processamento em massa de dados, por exemplo, para fins de cálculo de vencimentos e proventos de aposentadoria, bem como para a realização de cálculos securitários. Cf. lUHMANN, Niklas. Recht und Automation in der öffentlichen Verwaltung. 2. ed. Berlim: Dunck- ler & Humblot, 1997. p. 19.
32 Nos termos do art. 7o, caput, da lei no 8.159/1991: “os arquivos públicos são os conjuntos de do- cumentos produzidos e recebidos, no exercício de suas atividades, por órgãos públicos de âmbito federal, estadual, do Distrito Federal e municipal em decorrência de suas funções administrati- vas, legislativas e judiciárias”. Além disso, nos termos do § 1o, “são também públicos os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por instituições de caráter público, por entidades priva- das encarregadas da gestão de serviços públicos no exercício de suas atividades”.
33 A 6a Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça paulista, em 2010, condenou a Prefeitura de São Paulo ao pagamento de indenizações a servidores públicos em razão da publicação aberta de seus salários no portal da transparência (conforme lei Municipal no 14.720, de 2008).
34 Na Alemanha, especificamente, a Bundesdatenschtuzgesetz (BDSG) foi editada em 1977, tendo sido alterada diversas vezes até 2009. Entre outras coisas, a lei disciplina o uso de dados particu- lares por instituições públicas e privadas e cria, em geral, a proibição de manipulação de dados, salvo situações especiais previstas no § 13.
35  MEDAUAR, O direito administrativo em evolução, op. cit., p. 77-78.

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