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Recolhimento à prisão após julgamento em segundo grau

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PROCESSO PENAL

Recolhimento à prisão após julgamento em segundo grau

CELERIDADE PROCESSUAL

CUMPRIMENTO IMEDIATO DA PENA

DECISÃO CONDENATÓRIA

EFETIVAÇÃO DA JUSTIÇA

JULGAMENTO EM SEGUNDO GRAU

PRISÃO

TRÂNSITO EM JULGADO

Francisco Dirceu Barros

Francisco Dirceu Barros

18/01/2018

Durante anos a jurisprudência pátria entendeu haver compatibilidade entre o cumprimento imediato das penas, mesmo em situações nas quais os julgamentos de recursos não possuíam efeito suspensivo. Tal entendimento foi afastado por meio de nova concepção jurisprudencial ocorrida com o julgamento do HC nº 84.078 no Supremo Tribunal Federal.

A Excelsa Corte, ao julgar o mencionado writ em 2009, afirmou taxativamente a impossibilidade de cumprimento imediato da pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória. Ou seja, determinou-se que, à exceção das medidas cautelares de segregação do indivíduo (prisão preventiva e temporária), não seria possível o cumprimento imediato da pena quando pendente julgamento de recuso, com ou sem efeito suspensivo.

Dessa forma, o STF mudou posicionamento há muito consolidado trazendo uma nova regra, a de que não é possível o cumprimento da pena em decorrência de decisão condenatória antes da formação da coisa julgada material sobre o caso concreto.

Ocorre que tal entendimento foi mais uma vez alterado em razão do julgamento do HC nº 126.292, ocorrido em setembro de 2016. Nesse novo writ ocorreu outra significativa alteração na jurisprudência pátria, de modo a ser permitido, agora, o cumprimento imediato da decisão condenatória na pendência de recursos dotados de efeitos meramente devolutivos.

Esse novo entendimento do STF teve dois pontos basilares de fundamentação. O primeiro versou sobre o respeito à presunção de não culpabilidade e seu adequado âmbito de proteção; já o segundo tratou da garantia da ordem pública como elemento autorizante da prisão após o esgotamento das vias ordinárias.

Sobre o primeiro ponto, os ínclitos ministros de nossa Suprema Corte entenderam que o princípio da não-culpabilidade, assim como qualquer outro princípio constitucional, não é absoluto e comporta mitigações. Tais relativizações são possíveis em toda e qualquer norma principiológica abstrata, desde que respeitado seu núcleo essencial.

Desse modo, entenderam os membros daquela Corte que a Constituição Federal permitiu ao legislador brasileiro a regulamentação procedimental de determinados recursos, inclusive conferindo-lhes ou não efeito suspensivo, mesmo que isso afetasse de alguma forma o citado princípio constitucional.

Nesse tom, afirmou o Ministro Gilmar Mendes que:

Os recursos extraordinários têm sua fundamentação vinculada a questões federais (recurso especial) e constitucionais (recurso extraordinário) e, por força da lei (art. 637 do CPP), não têm efeito suspensivo. A análise das questões federais e constitucionais em recursos extraordinários, ainda que decorra da provocação da parte recorrente, serve preponderantemente não ao interesse do postulante, mas ao interesse coletivo no desenvolvimento e aperfeiçoamento da jurisprudência.

Esgotadas as instâncias ordinárias com a condenação à pena privativa de liberdade não substituída, tem-se uma declaração, com considerável força de que o réu é culpado e a sua prisão necessária.

Nesse estágio, é compatível com a presunção de não culpabilidade determinar o cumprimento das penas, ainda que pendentes recursos.[1]

Sendo assim, é compreensível que o princípio da não culpabilidade antecipada encontre limite em decisões condenatórias de segunda instância. É preciso explicitar, nesse ponto, que estamos falando de duas decisões condenatórias proferidas por magistrados na apreciação ampla do caso concreto. A redução no âmbito de proteção do princípio da não culpabilidade antecipada se mostra, portanto, compatível com a Constituição Federal.

O segundo argumento utilizado no julgamento do Habeas Corpus foi o da garantia da ordem pública e esgotamento das vias ordinárias.

De acordo com esse argumento, a garantia da ordem pública estaria relacionada à própria credibilidade das instituições, de modo que o sentimento geral de justiça pela sociedade ficaria abalada se alguém que cometesse crime grave não fosse responsabilizado pelos seus atos em tempo.

É preciso cautela para interpretar a garantia da ordem pública da forma como fora utilizada nesse processo. Não se está a tratar da garantia da ordem pública apenas como requisito para decretação da prisão preventiva, que é aquela na qual há risco de que o acusado, solto, torne a delinquir; mas sim em uma acepção mais ampla de interesse público na manutenção da justiça.

Nesse sentido, o eminente Ministro Gilmar Mendes afirmava que:

“Se foi imposta, após o julgamento colegiado, uma pena privativa de liberdade em regime inicial fechado, é porque houve um fato grave, atestado quando sua existência e autoria, pelas instâncias ordinárias. Demonstra-se, com isso, a necessidade da prisão, independentemente de considerações acerca da potencial reiteração criminosa”.[2]

O STF andava nas águas da efetivação e da celeridade da justiça, pois como afirma o jurista Luiz Flávio Gomes[3], “…facilitou (com maior facilidade para os ricos, obviamente) a chamada “indústria dos recursos” nesses tribunais, posto que impedem a execução imediata das sentenças judiciais (mesmo quando confirmadas em dois graus de jurisdição). Pimenta Neves ingressou com dezenas de recursos e demorou 11 anos para iniciar o cumprimento da prisão, em virtude de ter assassinado Sandra Gomide. A lentidão dos processos e a falta da certeza do castigo constituem duas marcas registradas do nosso deplorável subdesenvolvimento. Mas é preciso conciliar a certeza do castigo com a presunção de inocência. Sendo o Brasil “um covil de ladrões” (uma República de bandoleiros, disse o ministro Celso de Mello), é evidente que a Justiça não pode se mostrar leniente. Mas tudo deve ser feito dentro do Estado de Direito”.

Razão assiste ao ex Ministro do STF, Teori Zavascki, quando afirmava  “até a sentença penal, seja confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Pois, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito”. (Habeas Corpus (HC) 126292).

A ministra Ellen Gracie (hoje aposentada) profetizava que: “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”. (Julgamento do HC 85886).

No julgamento histórico em comento, Teori Zavascki e Edson Fachin faziam suas ilações sobre o princípio da não culpabilidade antecipada:

“Se de um lado a presunção da inocência e as demais garantias devem proporcionar meios para que o acusado possa exercer seu direito de defesa, de outro elas não podem esvaziar o sentido público de justiça. O processo penal deve ser minimamente capaz de garantir a sua finalidade última de pacificação social”. (Teori Zavascki, HC 126292).

“A presunção da inocência é ponderada e ponderável em outros valores, como a efetividade do sistema penal, instrumento que protege a vida das pessoas para que não sejam mortas, a integridade das pessoas para que não sejam agredidas, seu patrimônio para que não sejam roubadas”. (Edson Fachin. Habeas Corpus 126292).

Com o relator Teori Zavascki votaram os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.

A ministra Rosa Weber e os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, ficaram vencidos.

Enfim, com ampla maioria o STF firmou o entendimento que:

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de ser possível a execução provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos pendentes de julgamento não têm efeito suspensivo. Habeas corpus denegado. (STF, Primeira Turma, HC 91675 / PR – Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA;julgamento: 4 set 2007; DJe 6 dez 2007, public. 7 dez 2007)”.

Em sentido contrário, defendendo a impossibilidade de prisão antes da formação da coisa julgada material, Aury Lopes Júnior defende que

“Deve-se ter muito cuidado com o “efeito suspensivo”, ou melhor, sua ausência, no caso de recurso contra decisão condenatória. Muito mais do que a categoria processual de “efeito recursal”, o que está em jogo é a eficácia da garantia constitucional da presunção de inocência. E aqui reside nossa crítica, especialmente nos recursos Especial e Extraordinário”.[4]

Após o julgamento desse writ houve o ajuizamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44, sendo, respectivamente, uma pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e outra pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Tais ações, cumuladas com pedido de medida cautelar, buscaram afastar a aplicação imediata da prisão após condenação em segunda instância sob o argumento de intensa controvérsia jurisprudencial nos Tribunais inferiores após julgamento do HC nº 126.292.  Entretanto, tais ações tiveram as medidas liminares indeferidas.

No julgamento do  HC 136.720, o ministro Lewandowski teceu severas críticas à decisão do Supremo de autorizar a prisão após condenação em 2º grau.

Afirmou:

A partir da decisão do STF, a qual, por decisão majoritária, restringiu o princípio constitucional da presunção de inocência, prisões passaram a ser decretadas, após a prolação de decisões de segundo grau, de forma automática, na maior parte das vezes, sem qualquer fundamentação idônea. Esse retrocesso jurisprudencial, de resto, como se viu, mereceu o repúdio praticamente unânime dos especialistas em direito penal e processual penal, em particular daqueles que militam na área acadêmica.”

O Min. Celso de Mello, enfaticamente sustentou ao acompanhar Lewandowski:

A mim me parece que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu uma antecipação ficta, arbitrária e artificial do trânsito em julgado, com gravíssimas consequências.”

“(…) Vê-se, portanto, qualquer que seja o fundamento jurídico invocado (de caráter legal ou de índole constitucional), que nenhuma execução de condenação criminal em nosso País, mesmo se se tratar de simples pena de multa, pode ser implementada sem a existência do indispensável título judicial definitivo, resultante, como sabemos, do necessário trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Lamento, Senhores Ministros, registrar-se, em tema tão caro e sensível às liberdades fundamentais dos cidadãos daRepública, essa preocupante inflexão hermenêutica, de perfil nitidamente conservador e regressista, revelada em julgamento que perigosamente parece desconsiderar que a majestade da Constituição jamais poderá subordinar-se à potestade do Estado”.

Toffoli e Gilmar Mendes já sinalizaram que também vão alterar as suas posições.

Os Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber e Celso de Mello já tinham votado anteriormente contra o recolhimento à prisão após julgamento em segundo grau, portanto, com 06 votos formados a tendência do STF será a alteração do entendimento jurisprudencial anteriormente firmado.


[1]  MENDES, BRANCO; Gilmar Ferreira, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 487.
[2]  MENDES, BRANCO; Gilmar Ferreira, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 490.
[3] no artigo “Prisão do réu após a decisão de 2º grau (PEC 402/15)”, publicado no https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/233411641/prisao-do-reu-apos-a-decisao-de-2-grau-pec-402-15
[4]  JÚNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 841.

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