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José Jairo Gomes

José Jairo Gomes

01/02/2018

No Estado Democrático, constitui direito humano fundamental de toda pessoa participar direta ou indiretamente do poder político, do governo, da organização e funcionamento do Estado em relação ao qual é cidadã. Tal prerrogativa essencial sintetiza o conceito de direitos políticos ou cívicos.

Expoentes da primeira geração de direitos, em que, com cores fortes, sobressai a liberdade, figuram os direitos políticos desde as principais declarações de direitos humanos, sendo consagrados já nas iniciais. Deveras, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, assevera em seu art. 6º: “A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação”. Já o art. XXI da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, assenta: “1. Todo homem tem o direito de tomar posse no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos”. Também o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966 (ratificado pelo Brasil pelo Decreto-Legislativo nº 226/91 e promulgado pelo Decreto nº 592/92) proclama o direito de todo cidadão. “Art. 25 […] (b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores; (c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país”. Igual é o sentido da Convenção Interamericana de Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969 (promulgada no Brasil pelo Decreto nº 678/1992), cujo art. 23, I, alínea b, afirma peremptoriamente que todos os cidadãos devem gozar do direito e da oportunidade “de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores”.

Ao participar de certame político-eleitoral, a pessoa exercita sua cidadania passiva ou jus honorum. Essa refere-se ao direito do cidadão de receber votos e, pois, ser eleito ou escolhido para participar do governo e da gestão estatal.

Elegível é o cidadão que tem aptidão para validamente receber votos em escrutínio público, que pode ser escolhido para ocupar cargos político-eletivos. Exercer a capacidade eleitoral passiva significa candidatar-se a tais cargos. Para tanto, devem ser atendidas algumas condições previstas no art. 14, § 3º, da Constituição Federal, denominadas condições de elegibilidade. Mas não basta isso, porque também é preciso que não compareçam fatores negativos denominados causas de inelegibilidade, bem como que sejam atendidos outros requisitos, como o deferimento do pedido de registro da candidatura pela Justiça Eleitoral.

A causa de inelegibilidade pode ser definida como o impedimento ou obstáculo ao exercício da cidadania passiva, de maneira que o cidadão fica impossibilitado de ser escolhido para ocupar cargo político-eletivo. Em outros termos, trata-se de fator negativo cuja presença obstrui ou subtrai a capacidade eleitoral passiva do nacional, tornando-o inapto para receber votos e, pois, exercer mandato representativo. Tal impedimento é provocado pela ocorrência de determinados fatos previstos na Constituição ou em lei complementar. Resulta da inelegibilidade a negação do direito político fundamental de representar o povo no poder.

Longa é a tradição do instituto das inelegibilidades no ordenamento jurídico pátrio. Tanto assim que a Constituição Imperial de 1824 dele já se ocupava, como evidencia seu art. 94, incisos II e III, pelos quais não podia ser “eleitor” nem votar “os libertos” e “os criminosos pronunciados em querela, ou devassa”. De todas as Constituições brasileiras, somente a de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, não tratou da matéria em apreço, o que provavelmente se deveu à dissolução das Casas Legislativas de todas as esferas do poder estatal (art. 178) e à suspensão das eleições. Nas Constituições de 1934, 1946, 1967, EC nº 1/1969 e 1988 houve progressivo aumento do rol de inelegibilidades, o que contrasta a Constituição de 1891, de matiz mais liberal, que previu poucos casos de inelegibilidade (vide arts. 70, § 2º e 47, § 4º).

A vigente Constituição de 1988 contempla as inelegibilidades em seu art. 14, §§ 4º, 5º, 6º e 7º. Seguindo a mesma linha da Constituição de 1967 e da EC nº 1/1969, o § 9º do referido art. 14 da vigente Constituição determina à lei complementar o estabelecimento de “outros casos de inelegibilidade” – o que foi feito pela LC nº 64/1990. Esta norma foi alterada pela LC nº 135/2010, apelidada de Lei da Ficha Limpa, que lhe acrescentou diversas hipóteses de inelegibilidades, algumas das quais marcadamente moralistas e cerebrinas.

Daí a distinção que se faz entre inelegibilidade constitucional e infraconstitucional. Aquela emana diretamente da Constituição Federal, enquanto a infraconstitucional é veiculada em lei complementar. Lei ordinária que institua inelegibilidade é formalmente inconstitucional.

A inelegibilidade altera o status do cidadão, relacionando-se, pois, com sua adequação ao regime jurídico-eleitoral. Ao se perquirir seu fundamento ou causa percebe-se que algumas têm origem na prática de ilícito, localizando-se, pois, no âmbito eficacial da respectiva decisão sancionatória.  Nesse caso, tem-se a denominada inelegibilidade-sanção, cuja origem encontra-se na prática de ilícito, situando-se na linha de eficácia da decisão que o declara e sanciona.

Não obstante, para gerar efeito no processo de registro de candidatura, deve a inelegibilidade ser nele judicialmente declarada. Isso porque, na dicção do § 10 do art. 11 da Lei nº 9.504/1997: “as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura”. Nessa oportunidade, os fatos estruturantes da inelegibilidade devem ser arguidos e demonstrados perante o órgão judicial eleitoral, a fim de que este, conhecendo-os, possa declará-la e, consequentemente, indeferir o pedido de registro de candidatura. Tal exigência se funda na segurança jurídica que deve haver no processo de registro de candidatura e, de resto, em todo o processo eleitoral.

No que importa aos limites do presente texto, tem-se que o art. 1º, I, alínea e, da LC nº 64/1990 (com a redação da LC nº 135/2010) determina serem inelegíveis para qualquer cargo, verbis:

“Art. 1º, I, e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8. de redução à condição análoga à de escravo; 9. contra a vida e a dignidade sexual; e 10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;”

Não se pode dizer que a condenação criminal, como causa de inelegibilidade, constitui novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Conforme visto, a Constituição Imperial de 1824 já previa em seu art. 94, III, a inelegibilidade de “criminosos pronunciados em querela, ou devassa”. Ademais, o art. 1º, I, alínea n, da LC nº 5/1970 (com a redação da LC nº 42/1982) afirmava serem inelegíveis para quaisquer cargos, verbis: “os que tenham sido condenados” pelos crimes que especifica, dentro os quais figuram os delitos contra “a fé pública, a Administração Pública e o patrimônio”.

A propósito, vale registrar que o art. 23, 2, do Pacto de San José da Costa Rica faculta à lei regular o exercício dos direitos políticos, entre outros motivos, em razão de “condenação, por juiz competente, em processo penal”. De sorte que, para essa Convenção de Direitos Humanos, não há problema em a inelegibilidade surgir como efeito secundário de sentença penal condenatória, ainda que esta não tenha transitado em julgado.

A inelegibilidade em apreço não se aplica aos crimes não especificados na citada alínea e, tais como os de sequestro (CP, art. 148), tráfico de pessoas (CP, art. 149-A) etc. Também não incide: a) nos crimes culposos, b) de menor potencial ofensivo, e, c) de ação penal privada (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Para sua declaração, irrelevante é a natureza da pena concretamente aplicada, ou seja, se privativa de liberdade, restritiva de direito ou pecuniária (multa). Portanto, é também irrelevante que a pena privativa de liberdade inicialmente aplicada tenha sido convertida para restritiva de direitos.

No tocante ao regime da enfocada inelegibilidade, tem-se que, além de o agente ter suspensos seus direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação criminal transitada em julgado (CF, art. 15, III), permanecerá inelegível desde a condenação por órgão judicial colegiado até o prazo de oito anos, após a extinção da pena. Portanto, se para a suspensão de direitos políticos é necessário o trânsito em julgado da decisão condenatória, para a afirmação da inelegibilidade basta que haja condenação “por órgão judicial colegiado”.

Daí o marco inicial da causa de inelegibilidade ser fixado: 1. no trânsito em julgado da decisão penal condenatória de primeiro grau; 2. na publicação da sentença penal condenatória emanada do Tribunal do Júri (que é “órgão judicial colegiado”); 3. na publicação: 3.1) do acórdão penal condenatório, no âmbito da competência originária do tribunal; 3.2) do acórdão que reforma sentença penal absolutória, e condena o réu; 3.3) do acórdão que confirma (= confirmatório) sentença condenatória.

Tem-se entendido na jurisprudência que a inelegibilidade incide desde a publicação da decisão, de maneira que a oposição do recurso de embargos de declaração não afeta sua imediata incidência. Todavia, é preciso ponderar que, a depender dos fundamentos invocados e sobretudo no caso de omissão, a decisão nos embargos declaratórios pode alterar o conteúdo da decisão embargada, afetando, eventualmente, a própria condenação. Isso justificaria que o marco inicial da inelegibilidade seja fixado na publicação da decisão prolatada nos embargos.

A interposição de embargos infringentes e de nulidade contra decisão não unânime da turma julgadora e desfavorável ao réu (vide CPP, art. 609, § único) tem o condão de afastar a incidência da inelegibilidade enquanto não forem apreciados. É que a esse recurso atribui-se efeito suspensivo.

Por fim, cumpre assinalar que a inelegibilidade em apreço pode ser cautelarmente suspensa. Dois são os fundamentos que podem levar à suspensão. O primeiro é fulcrado no art. 26-C da LC nº 64/90 (incluído pela LC nº 135/2010), que atribui competência para essa decisão ao “órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas” a que se refere a já citada a alínea e, inciso I, art. 1º. Nesse caso, há mister que a parte evidencie a “plausibilidade da pretensão recursal” e também que “a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.”

Nesse caso, discute-se se a decisão suspensiva poderia ser proferida monocraticamente pelo relator do processo no tribunal ou se – como expressamente afirma o texto legal – seria sempre necessária decisão colegiada da turma a que o relator encontra-se vinculado. Apesar de o referido art. 26-C ser expresso e claro a esse respeito, o Tribunal Superior Eleitoral editou a súmula nº 44, segundo a qual “O disposto no art. 26-C da LC nº 64/90 não afasta o poder geral de cautela conferido ao magistrado pelo Código de Processo Civil”. Admite, portanto, que a decisão suspensiva seja prolatada singularmente pelo relator. Mas note-se que essa súmula só é aplicável no âmbito da Justiça Eleitoral. Por óbvio, não poderia vincular a Justiça Comum, tampouco o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

O segundo fundamento para a suspensão da inelegibilidade liga-se à concessão de efeito suspensivo ao recurso aviado pelo réu, caso ele não o tenha – tal como ocorre com os recursos excepcionais. Diferentemente da situação anterior, aqui há a paralisação de todos os efeitos da decisão condenatória, e não apenas da inelegibilidade.


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