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Administrativo

ADMINISTRATIVO

A Boa-Fé do Administrado e do Administrador como Fator Limitativo da Discricionariedade Administrativa

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

BOA-FÉ

COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA

DISCRICIONARIEDADE

DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

DISCRICIONARIEDADE DE AGIR

PODER FISCALIZATÓRIO

SISTEMAS ADMINISTRATIVOS

Thiago Marrara

Thiago Marrara

07/03/2018

Resumo

O presente ensaio apresenta o conceito de discricionariedade, bem como suas formas específicas, os principais vícios em seu exercício e as causas de seu desaparecimento. A partir desses aspectos gerais, trata dos efeitos da boa-fé tanto do administrado quanto do administrador como fator limitativo da discricionariedade. Destaca, igualmente, a relevância da boa-fé como fator de flexibilização da legalidade tendo como base o direito administrativo brasileiro.

A discricionariedade administrativa passa por uma estranha e contraditória renovação: certas forças a alargam; outras a fazem encolher.

As forças de extensão são geradas, em primeiro lugar, pela ampliação  do uso de normas programáticas e finalidades públicas tanto pela Constituição, quanto pelas leis que regem o comportamento da administração pública, principalmente ao lhe imporem planos e programas contendo objetivos de concretização gradual. Como bem observa Fritz Ossenbühl,[1] essas normas que, nos últimos anos, multiplicaram-se no Brasil[2] de modo a fortalecer o Estado planejador – ultrapassam o padrão das normas de execução (pauta- das por uma lógica “quando isso, então aquilo”) e, ao determinar a busca de resultados não imediatos, deixam margem mais ampla para a administração pública decidir como atingi-los.

Em segundo lugar, a discricionariedade ganha espaço por força do movimento de agencificação que se fortalece em meados da década de 1990, acompanhado de forte tendência de deslegalização e tecnicização. Nesse movimento, a administração indireta torna-se mais robusta e, para exercer as competências de regulação de bens públicos, serviços públicos privatizados e atividades privadas de interesse público, beneficia-se de uma ampla margem de ação que será utilizada para a edição de atos normativos disciplinadores dos segmentos sociais e econômicos sob sua vigilância, bem como de atos administrativos e materiais dos mais variados. Essa ampliação das formas de ação estatal no contexto do Estado regulador guarda relação com a flexibilidade de que as autoridades públicas necessitam para lidar com microrrealidades muito específicas e altamente dinâmicas.[3]

De outra parte, sem prejuízo dos fatores antecedentes, vislumbram-se, simultaneamente, forças restritivas ou limitadoras da discricionariedade administrativa. Essas forças são representadas, em primeiro lugar, pela crescente conscientização de que a proteção de direitos fundamentais constitui um interesse público que deve ser ponderado com outros na busca da melhor ação administrativa. No atual cenário, segundo a boa síntese de Moreira Neto, “o atendimento das necessidades concretas” da sociedade transforma-se “na razão de ser da atividade administrativa”. Assim, para decidir, não basta que a autoridade estatal considere os interesses públicos primários tradicional- mente reconhecidos pela Constituição. Para além disso, compete-lhe observar os direitos fundamentais em seu conjunto. Por isso, de sua margem de discricionariedade estão necessariamente excluídas as decisões que não sejam capazes de promover interesses públicos sem concretizar — ou, ao menos, proteger — direitos fundamentais.

Em segundo lugar, pressões limitadoras da discricionariedade administrativa também resultam da revitalização da Constituição e da constitucionalização de princípios e regras gerais de direito administrativo. Com efeito, o movimento de revitalização dos princípios jurídicos como inquestionáveis normas vinculantes — a despeito da celeuma sobre seu conteúdo — impacta fortemente o poder de escolha que o ordenamento jurídico concede explícita ou implicitamente a entidades, órgãos e agentes públicos quer para editar uma norma administrativa regulamentando uma norma parlamentar, quer para praticar atos de administração (ou seja, atos administrativos em sentido estrito e atos materiais).

Se o poder de escolha da administração pública, até bem pouco tempo, era apresentado pela doutrina especializada como um poder dependente de um mero juízo a ser feito pela autoridade pública quanto à conveniência e à oportunidade do ato (mérito administrativo), hoje, tal concepção não pode prevalecer.[4] No direito administrativo hodierno, “conveniência e oportunidade” deixa de constituir uma mera expressão indeterminada para se consagrar como um método objetivo de escolha, pelo qual a autoridade pública está obrigada a ponderar princípios constitucionais, direitos fundamentais, razoabilidade de ação e interesses secundários da entidade administrativa. Nesse contexto, tamanhas são as restrições normativas e valorativas ao poder de es- colha do agente público que a diferença entre discricionariedade e vinculação tende a esvaecer quase por completo em incontáveis situações.

É dentro dessa corrente de restrição da discricionariedade administrativa que o tema da boa-fé ganha relevo. Ao lado dos direitos fundamentais, da razoabi- lidade e de outros princípios, a boa-fé irá limitar as escolhas públicas possíveis, direcionando os procedimentos decisionais das autoridades públicas.

Partindo dessa afirmação, o presente ensaio buscará esclarecer: a) se a boa-fé do administrado (aqui como boa-fé subjetiva) restringe a ação pública e como isso ocorre e b) se e de que modo a boa-fé imposta à administração pública (aqui como boa-fé objetiva) limita sua própria ação. Para se atingir tais objetivos, a uma, será reapresentado o instituto da discricionariedade administrativa, destacando-se sua relatividade atual e suas formas principais (“discricionariedade de ação”, “discricionariedade na ação” e “discricionariedade na forma de ação”). A duas, serão examinados os vícios típicos no exercício da discricionariedade administrativa. Com base nesses aspectos gerais, serão então examinadas as implicações específicas da boa-fé (tanto da administração pública quanto do administrado) sobre a discricionariedade administrativa.

De modo geral, discricionariedade é expressão que designa poder de es- colha. Em sua raiz, a palavra provém de discricionário, ou seja, aquilo que é deixado à escolha de alguém, que é ilimitado ou livre de condições.

No direito público, discricionariedade significa poder de escolha do Es- tado que é exercido pelos agentes públicos e subsidiariamente privados res- ponsáveis por funções públicas. Vale lembrar que não se trata de um conceito restrito ao direito administrativo. O poder de escolha existe para a autoridade legislativa (senadores, deputados, vereadores etc.), para a autoridade judicial (juízes, desembargadores etc.), bem como para autoridades no exercício da função administrativa a despeito do poder a que se vinculam.

Ainda que presente nos mais variados ramos de direito público, o poder estatal de escolha é de fundamental relevância para o direito administrativo, ou seja, para a disciplina jurídica da função administrativa. Nesse campo, é preciso garantir ao administrador público uma margem de criatividade para elaborar e aplicar as medidas mais razoáveis e eficientes na solução de um problema ou questão ou na formulação de um plano ou programa necessário à concretização de políticas públicas.

As razões para essa margem necessária de escolha são simples. De um lado, o Legislativo não está em condições de prever todos os fenômenos que estão sujeitos a ação, intervenção ou controle estatal. Mesmo que estivesse, dificilmente conseguiria definir, de antemão, as medidas administrativas mais adequadas para cada caso concreto. De outro lado, ainda que detalhasse ao máximo a legislação no intuito de evitar a atitude criativa da autoridade pública, o legislador correria o sério risco de ser antidemocrático e injusto, pois nem sempre uma única solução, prevista de modo geral e abstrato em leis, é a mais adequada para lidar com uma realidade dinâmica, multifacetada e complexa, dentro de uma sociedade plural e de um território continental como o brasileiro. Em outras palavras, a discricionariedade resulta tanto de um imperativo de ordem lógica e prática, como também constitui uma expressão  do princípio da igualdade, uma vez que a garantia de margens de escolha permite à autoridade pública observar diferenças entre indivíduos, grupos, instituições, localidades e contextos ao construir suas decisões.

Ocorre que o poder de escolha, integralmente necessário a um Estado ágil, razoável e justo, jamais poderia restar ilimitado. Tal como explica Sérgio Guerra, a discricionariedade não representa um espaço de liberdade da ad- ministração perante o legislador.[5] O estado de direito coloca a administração pública sob o império do ordenamento jurídico e, por conseguinte, das regras e valores, escritos e não escritos, que o compõem. A discricionariedade somente é válida se exercida em respeito a tais valores e regras (princípio da juridicidade ou legalidade em sentido amplo).[6]

Cumpre esclarecer, ademais, que a margem de escolha chamada de discricionariedade administrativa constitui não exatamente um poder, mas sim uma característica de poderes reservados aos agentes públicos. Assim, em sentido mais técnico, não é o ato praticado pela autoridade que se diz discricionário. A escolha marca o exercício do poder. Daí ser mais correto falar de poderes caracterizados por maior discricionariedade em contraposição aos poderes marcados por predominante vinculação a soluções predefinidas pelo legislador. A expressão “ato discricionário” deve ser lida, assim, como um ato produzido com base em uma competência estatal marcada por significativa margem de escolha, para o agente estatal, em relação ao ato em si ou a algum de seus elementos clássicos.

Na linha dessa última afirmação, ao se falar de discricionariedade dois mal-entendidos precisam ser desfeitos: o primeiro, presente na ideia de que discricionariedade e vinculação seriam conceitos contrapostos e que se repeliriam e o segundo, de que a discricionariedade existiria em relação ao ato globalmente considerado, razão pela qual não faria sentido pensar em tipos de discricionariedade.

As duas asserções expostas, frequentemente repetidas no quotidiano da administração pública e inclusive em textos técnicos, são falsas por uma única explicação: o poder de escolha que o ordenamento jurídico concede à auto- ridade pública pode recair sobre diferentes elementos do ato executado pela administração pública, com pequenas exceções no tocante aos motivos e às finalidades que o dirigem.

Os motivos representam fatos e normas que sustentam o agir da administração pública. Os fatos constituem os motivos fáticos e, naturalmente, a autoridade está autorizada a escolher, entre os fatos reais existentes e relevantes para uma mesma situação, aqueles que fundamentam logicamente a tomada de uma decisão administrativa. Em outras palavras, na presença de vários fatos relevantes qualquer um deles poderá justificar a decisão administrativa, desde que o escolhido guarde relação com o conteúdo do ato praticado e com a finalidade pública que o dirige. É preciso haver extrema coerência entre motivo, conteúdo e finalidade.

Diferentemente dos motivos fáticos, os motivos jurídicos não se sujeitam a escolhas. Melhor dizendo: o bloco de legalidade que sustenta uma ação é dado pelo ordenamento jurídico pátrio ao qual se submete a autoridade pública. A autoridade não tem como dele se desviar, afinal a apresentação das normas é indispensável para o controle do ato praticado pela administração e, principalmente, para que o particular eventualmente atingido pelos efeitos jurídicos do ato dele possa se defender a partir da informação acerca dos motivos emprega- dos. Os motivos jurídicos, portanto, são dados e não permitem escolhas.

Do mesmo modo, a finalidade pública primária que rege a ação administrativa não se sujeita às preferências da autoridade pública responsável pela decisão. Os atos da administração, incluindo os atos administrativos, são sempre praticados no intuito de se promover um ou alguns dos interesses públicos primários já previstos constitucionalmente ou, ao menos, implícitos no texto constitucional (p. ex., promoção da saúde, defesa do consumidor, proteção da concorrência etc.). O interesse público primário é sempre escolhi- do pelo legislador, em nome do povo, de modo direto ou indireto. A administração pública detém tão somente a possibilidade de determinar a finalidade imediata do ato discricionário por ela praticado, ou melhor, definir o interesse público secundário considerado apto a atingir, em um segundo momento, os objetivos maiores escolhidos pelo povo e inseridos na Carta Constitucional.

Em vista dessas razões e considerações, excetuando-se os elementos “motivo jurídico” e “finalidade primária”, há três campos básicos de incidência do poder de escolha da administração pública, abaixo designados como “discricionariedade de agir” (incidente sobre o elemento “competência”); “discricionariedade no agir” (incidente sobre o elemento “objeto/conteúdo”) e “discricionariedade quanto à forma para agir” (incidente sobre o elemento “forma”).

a.  Discricionariedade quanto à ação ou o exercício da competência administrativa (ou “discricionariedade de agir”)

Na discricionariedade “de” agir, o poder de escolha reservado à autoridade pública diz respeito à atuação da administração pública, ou seja, a autoridade decide se o poder público efetivamente atuará ou não no caso concreto.

Isso ocorre, muito frequentemente, em matéria de poder de polícia, do qual  é exemplo o poder fiscalizatório. Em vista de uma denúncia de infração de normas administrativas ou de uma solicitação para apuração de infrações do gênero, em regra, existe dever de fiscalizar, mesmo porque ao Estado é vedada a renúncia imotivada e não autorizada de competência. Entretanto, nas situações em que não há um foco de ação específico cumpre à administração pública deliberar o que irá fiscalizar levando em consideração sua capacidade e seus limites fáticos de atuação. Isso se verifica, por ilustração, nas atividades de controle de tráfego, de controle de infrações à ordem econômica e financeira, de controle de infrações ambientais etc. Nessas áreas, o campo de atuação das autoridades públicas é tão extenso que, em realidade, elas são obrigadas a concentrar seus esforços em alguns casos ou tipos de caso para, no dia a dia, exercer suas competências de modo minimamente eficiente e eficaz.

Além disso, mesmo nas situações em que há indícios de infração administrativa conhecidos pela administração pública, muitas vezes sobra-lhe margem para decidir se sua atuação se impõe ou não, por exemplo, em razão da relevância do caso concreto para a defesa de direitos e a concretização de interesses públicos (afastando a ação em casos de bagatela), dos custos financeiros que a ação pública gerará para os cofres públicos e da proporcionalidade da ação pública. Nessas hipóteses, aplica-se uma lógica de eficiência e de razoabilidade à ação estatal justificada por princípios constitucionais reconhecidos. Por força desses princípios e considerando-se a escassez de recursos financeiros e humanos do Estado, a administração pública, em algumas situações, atuará de acordo com prioridades eleitas lícita e legitimamente. Por mais que tal argumento pareça perigoso, o que se quer dizer é que a ação pública é apenas potencialmente universal, pois, na realidade, depende de ponderações de princípios, interesses e direitos que, não raro, poderão apontar a omissão estatal como uma decisão válida no exercício de poderes discricionários.

Outra situação imaginável de escolha a respeito da ação surge no funcionamento dos chamados “sistemas administrativos”. Como se sabe, em de- terminadas áreas, uma mesma tarefa administrativa pode ser exercida por diversas entidades públicas, tal como se verifica no Sistema Nacional de Meio Ambiente ou no Sistema Nacional de Direito do Consumidor. Para solucionar uma infração em matéria consumerista, por exemplo, é possível que a SDE, um Procon estadual ou mesmo o Ministério Público atuem. Para que esse sistema funcione racional e eficientemente, e para que a segurança jurídica do cidadão seja minimamente protegida, não é aceitável que tais entidades ajam de maneira sobreposta, desorganizada ou repetida. Tampouco é aceitável que todas as entidades restem inertes, dando causa a um conflito negativo. Nesse cenário, portanto, é fundamental que se garanta uma discricionariedade  de ação para as entidades que compõem o sistema. Elas deverão examinar a utilidade e a necessidade de sua atuação em vista dos movimentos realizados por outras entidades.

Em todas as hipóteses acima exemplificadas, a administração pública pode ou não exercitar uma competência que lhe foi atribuída, surgindo, pois, um tipo de discricionariedade de ação. Essa discricionariedade, porém, jamais deverá ser empregada como justificativa para omissões indevidas ou para a ineficiência dos órgãos e entidades que compõem a administração pública. O exercício da discricionariedade de ação, sobretudo quando resultar na “escolha pela omissão” do poder público diante de um caso concreto, deverá ser lícito, legítimo e motivado. Omissões que não observem esses requisitos configurarão, certamente, uma “renúncia de competência”, atitude a princípio vedada pela legislação administrativa.

b.  Discricionariedade quanto ao conteúdo da ação administrativa (ou “discricionariedade no agir”)

Há situações em que certa entidade pública é obrigada a praticar um ato (uma sanção, uma medida acautelatória, um ato normativo), porém detém margem de escolha quanto ao conteúdo desse ato. Em outras palavras, ainda que a prática do ato seja obrigatória (não havendo discricionariedade “de” ação), existe margem para escolha do conteúdo da ação. Esse tipo de margem de escolha quanto ao conteúdo frequentemente surge nas atividades administrativas de punição ou de controle prévio da atividade privada.

Em matéria de controle prévio, verifica-se discricionariedade “na” ação em relação a licenças e autorizações. Exemplo disso se vislumbra nos procedimentos administrativos de licenciamento ambiental. Nessa seara, no intuito de proteger interesses públicos primários, as autoridades ambientais responsáveis pela expedição de licenças, de acordo com um juízo de oportunidade e conveniência, estão autorizadas a indeferir a licença, deferi-la  sem condicionantes ou deferi-la mediante cumprimento futuro de condicionantes pelo empreendedor privado para compatibilizar os interesses particulares com a necessidade de redução de impactos para o ambiente natural, artificial ou cultural.

De modo semelhante, no campo do direito da concorrência, encontra-se discricionariedade “no” agir em matéria de controle de concentrações. Ao controlar as operações societárias que se enquadram nas hipóteses de controle obrigatório pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, as autoridades concorrenciais estão autorizadas a aprová-las sem condicionamentos, reprová-las ou aprová-las com condicionamentos sempre no intuito de harmonizar os interesses dos agentes envolvidos na operação de mercado com os interesses públicos de proteção da concorrência, do consumidor, do trabalho e outros interesses primários tutelados pelo direito antitruste.

Em síntese, a discricionariedade administrativa “no” agir diz respeito à margem de escolha da autoridade pública na elaboração do conteúdo do  ato administrativo, do ato material ou de um ato normativo que está sob sua competência. Essa discricionariedade quanto ao conteúdo da ação pode ou não somar-se a uma margem de escolha quanto à ação em si, isto é, com a discricionariedade de ação. Isso significa que discricionariedade “de” agir não se confunde com discricionariedade “no” agir, na medida em que cada uma designa margens de escolha diversas e que, em cada setor de atuação da ad- ministração pública, existem de modo isolado ou combinado.

c.  Discricionariedade quanto às formalidades da ação (ou “discricionariedade quanto à forma para agir”)

Diferentemente das duas modalidades anteriores, a terceira modalidade de discricionariedade administrativa incide sobre as formalidades de criação, de instrumentalização ou de divulgação de um ato administrativo, material, opinativo ou normativo da administração pública. Trata-se, pois, de uma margem de escolha ou discricionariedade quanto à forma de agir.

Em inúmeras situações, o ordenamento jurídico, por motivos variados, determina requisitos formais para que a autoridade pública pratique certa conduta ou expeça algum ato. Esses requisitos formais são de três ordens:

1) requisitos quanto ao procedimento preparatório do ato ou da conduta; 2) requisitos quanto à expedição do ato em si ou à manifestação da conduta; 3) requisitos quanto à divulgação ou à publicização do ato praticado.

Exemplos desses tipos de imposição legal de ordem formal verificam-se na imposição de uso de instrumentos de participação popular previamente à expedição de um ato administrativo ou normativo (requisitos de procedimento), na obrigatoriedade do uso de alvará como forma de expedição de algumas licenças e autorizações ou na determinação do uso do decreto para publicação de regulamentos (requisitos de manifestação), bem como na previsão da publicação de informações ao público mediante edital, nota em diários oficiais ou anúncio na internet (requisitos de divulgação). Nessas e noutras situações, o direito administrativo positivo prevê requisitos que restringem a ação da autoridade pública não quanto ao conteúdo do ato em si, mas sim quanto às formas e às formalidades que o circundam.

Em determinadas situações, porém, as formas de elaboração (ou requisitos procedimentais), de expedição e de divulgação de um ato da administração não estão previstas na legislação. Em outros cenários, a despeito da previsão legal acerca das formas, a autoridade pública detém a possibilidade de escolher entre uma ou outra formalidade para a mesma finalidade. Tanto em uma hipótese quanto em outra, existirá clara discricionariedade quanto à forma de agir da administração pública.

Casos do gênero encontram-se, por ilustração: a) no tocante ao uso da audiência e da consulta pública em processos administrativos (arts. 31 e 32 da LPA federal), revelando margem de escolha quanto a requisitos procedi- mentais de natureza instrutória e, portanto, prévios à elaboração de um ato da administração pública; b) na possibilidade de uso de divulgação de informações públicas na internet para além da divulgação tradicional e impressa, consagrando margem de escolha quanto ao uso de instrumentos de publicidade do ato da administração; e c) na possibilidade de se expedir um ato via resolução, via portaria ou via deliberação,[7] revelando margem de escolha na forma de expedição do ato da administração.

Tais exemplos demonstram que a discricionariedade administrativa quanto à forma de agir é funcionalmente diversa da discricionariedade “de” agir e da discricionariedade “no” agir. E novamente aqui vale a advertência: a discricionariedade de forma pode ou não vir acompanhada da discricionariedade de competência e da discricionariedade quanto ao conteúdo da ação pública. Isso revela, em última instância, que os tipos de discricionariedades, além de múltiplos, são independentes, aparecendo, nos inúmeros campos de exercício da função administrativa, de modo isolado ou cumulativo. Com isso, resta claro que a compreensão da discricionariedade como marca de um ato globalmente considerado (contrapondo-se ato discricionário a ato vinculado) ou mesmo como um verdadeiro poder (o chamado “poder discricionário”) configura um mal-entendido — que, aliás, surge de modo frequente em certos textos científicos nacionais.

Considerando as conclusões anteriores, o segundo mal-entendido que deve ser desfeito refere-se às relações entre discricionariedade e vinculação. Partindo-se do pressuposto de que a discricionariedade constitui uma margem de escolha relativamente a um ou mais elementos que compõem os atos da administração pública, é possível sustentar que discricionariedade e vinculação não são características excludentes, mas, sim, características que necessariamente convivem no exercício de certo poder administrativo. Em relação a um mesmo ato da administração, há sempre elementos vinculados  e elementos discricionários. Essa afirmação, portanto, supera a ideia de que discricionariedade e vinculação são características do poder que somente poderiam existir de modo isolado em face de um mesmo ato da administração. Em outras palavras, contradiz o entendimento, muitas vezes repetido, de que um ato é ou vinculado ou discricionário.

Como se sabe, o poder será exercido de modo vinculado se a escolha quanto a algum aspecto do ato da administração já constar expressamente do direito positivo. Na vinculação, a vontade do Legislador substitui a vontade da autoridade pública, predeterminando o que é considerado conveniente para atender o interesse público. Nessa situação, explica Gordillo, o administrador não tem outro caminho, senão obedecer a lei e prescindir de sua apreciação pessoal sobre o mérito do ato. Sua conduta, em consequência, está predeterminada por uma regra de direito; não tem liberdade de escolher entre mais de uma decisão: sua atitude só pode ser uma, ainda que esta seja uma realidade inconveniente.[8]

Ocorre que a vontade do legislador, em maior ou menor grau, sempre estará presente em qualquer ato praticado pelo poder público. Ainda que nem sempre haja vinculação em relação à competência, à forma e ao conteúdo de certo ato; ela existirá inevitavelmente no tocante às finalidades públicas primárias perseguidas pela autoridade pública e aos pressupostos jurídicos (motivos) que são empregados pela autoridade para fundamentar seu ato. Disso se conclui que, a depender da situação, a margem de escolha da autoridade pública será maior ou menor. Contudo, em todas as situações, diante do princípio da juridicidade, sempre haverá elementos vinculados, restando impossível pensar em um ato completamente discricionário. Um mínimo de vinculação é característica inerente a toda ação estatal em um estado de direito.

A conclusão inversa é igualmente verdadeira: não é possível imaginar ato totalmente vinculado. A discricionariedade é característica inafastável do poder administrativo pelo simples fato de que o Legislador jamais será capaz de pre- ver todos os detalhes da ação administrativa. O melhor exemplo a provar essa asserção diz respeito ao “momento” da prática do ato — problema já debatido por muitos doutrinadores. Ainda que haja prazos (específicos ou gerais) que imponham limites temporais de ação para a administração pública, o legislador é incapaz de fixar, dentro desses prazos, o momento exato da ação da autoridade administrativa. Em outras palavras, mesmo nas situações de mais alta vinculação, um pouco de discricionariedade necessariamente sobrará.

Pelo exposto, resta claro que, em cada situação concreta, a autoridade pública extrairá o grau de discricionariedade e vinculação dos valores e regras previstos no ordenamento jurídico. A discricionariedade ou margem de escolha se estenderá ou se contrairá, portanto, conforme o nível de detalhamento da disciplina jurídica da ação pública. Nas situações em que as escolhas de ação forem realizadas diretamente pelo legislador, as escolhas do administrador restarão mais restritas. Em suma: quanto mais ativo for o legislador, menos criativo será o administrador. No entanto, mesmo diante de um ordenamento extremamente detalhado, um mínimo de escolha sempre subsistirá. Advirta-se, apenas, que a margem de escolha entendida como discricionariedade não deve ser confundida com a margem de análise inerente à interpretação jurídica. O exame do significado do texto normativo (interpretação) precede o momento de escolha das medidas (discricionariedade) previstas na norma obtida mediante processo interpretativo.

Em realidade, toda autoridade pública (desde agentes públicos até juízes e agentes políticos) está obrigada a interpretar o direito no intuito de agir. Em algumas situações, a interpretação dará margem a soluções diferenciadas, ou seja, comandos normativos diversos, mas oriundos do mesmo texto legal e igualmente válidos perante o ordenamento jurídico. Isso ocorre, principalmente, na presença, dentro do texto normativo, de conceitos jurídicos indeterminados, isto é, fórmulas linguísticas marcadas pela vagueza (ausência de significado claro), plurissignificação (presença de dois ou mais significados no momento de interpretação) ou por uma capacidade de transmutação de significado ao longo da história (presença de um significado diverso para cada momento de interpretação).[9]

No entanto, a margem de liberdade do sujeito na atividade de interpretação do texto normativo — sempre respeitados os métodos comumente aceitos pela ciência jurídica —, bem como as diferentes interpretações que sejam geradas a partir do texto, por exemplo, em virtude de conceitos indeterminados, não significarão que a norma extraída do texto necessariamente garantirá uma margem de escolha no tocante aos elementos de certo ato da administração — margem de escolha quanto ao exercício da competência, ao conteúdo do ato ou à sua forma. Justamente por isso, interpretação e discricionariedade não se confundem. A interpretação envolve tão somente uma margem de es- colha quanto aos significados do texto normativo, não se podendo extrair dessa margem de escolha, necessariamente, discricionariedade administrativa.

Em síntese: as discricionariedades administrativas constituem margens de escolha da autoridade pública que se referem ora ao exercício de competência, ora ao conteúdo ou à forma do ato da administração (ato administrativo, ato material, ato normativo). Essas margens de escolha do administrador sempre convivem com escolhas predeterminadas pelo próprio legislador, razão pela qual se sustenta que discricionariedade e vinculação variam de acordo com cada caso, daí não constituírem características do poder que se excluem integralmente. Ademais, cumpre frisar que as margens de escolha do administrador não se confundem com as margens de análise e escolha do intérprete. A interpretação é atividade de extração da norma contida no texto. Através dela se obtém norma jurídica e esta, em um segundo momento, concede ou não margens de escolha à autoridade pública.

Uma vez desfeitos alguns mal-entendidos acerca da ideia geral de discricionariedade e sua relação com outros conceitos, cumpre examinar aspectos centrais do funcionamento do poder de escolha da administração pública, destacando-se, inicialmente, os vícios de discricionariedade.

A exposição desses vícios, no contexto do presente ensaio, assenta-se em duas razões principais. Em primeiro lugar, ainda que, naturalmente, o cidadão não tenha direito de escolher a decisão administrativa de sua preferência entre as decisões sujeitas à discricionariedade da autoridade pública,[10] o princípio da legalidade garante ao cidadão o direito de exigir que a administração pública selecione uma entre as decisões possíveis em face da discricionariedade existente em cada caso. Em outras palavras: o cidadão detém o direito a uma decisão que respeite os limites de discricionariedade e vinculação decorrentes do ordenamento jurídico. Em segundo lugar, se a boa-fé configura um fator limitativo das escolhas administrativas, então é preciso conhecer os tipos de vício de discricionariedade que são gerados, na prática, pelo desrespeito à boa-fé em cada caso concreto.

Em vista dessas razões, é fundamental diferenciar e esclarecer três vícios principais, a saber: a) o vício de desconhecimento da discricionariedade; b) o vício de excesso de discricionariedade e c) o vício de mau uso da discricionariedade.

a.  Primeiro vício: desconhecimento da discricionariedade

O primeiro vício da discricionariedade decorre da ignorância quanto  ao poder de escolha. Há situações em que a autoridade pública acredita não haver margem de escolha quer quanto à obrigatoriedade da prática do ato (“discricionariedade de agir”), quer quanto ao seu conteúdo ou formalidades (“discricionariedade no agir” e “discricionariedade quanto à forma para agir”). Assim, pautando-se pela impressão de vinculação de sua conduta, o agente público deixa de realizar uma escolha possível (Ermessensnichtge- brauch), agindo de acordo com aquilo que acredita ter sido determinado pelo legislador sem qualquer margem de opção. A autoridade ignora a possibilidade de escolher outros rumos por desconhecer a margem de discricionariedade prevista pela legislação in casu.

Nessa hipótese, os motivos pelos quais a autoridade pública não emprega a discricionariedade são inúmeros, podendo decorrer, por exemplo: a) de um erro de interpretação do texto normativo, do qual redundaria a crença de que a norma extraída do texto não geraria margem de escolha ou b) de um erro no exame do caso concreto pelo qual a autoridade subsumiria os fatos corretos a uma norma incorreta ou vice-versa. Em todas as situações, o que caracteriza o vício ora apontado é o não uso da discricionariedade pela crença de que ela não existe. Esse vício será de extrema relevância prática na medida em que a decisão escolhida pela autoridade (que desconhece a discricionariedade) for diversa da decisão que essa mesma autoridade teria escolhido caso estivesse ciente de suas margens de escolha.

b.  Segundo vício: excesso de discricionariedade

O segundo vício da discricionariedade ocorre em situação inversa à anteriormente descrita, isto é, a autoridade vale-se de uma margem de escolha maior que aquela efetivamente concedida pelo ordenamento jurídico. Imagine se que a lei permita à autoridade pública a escolha entre duas formas   de divulgação de um ato administrativo e a autoridade utilize uma terceira forma não prevista. Nesse caso, verifica-se claramente um vício de excesso de discricionariedade, na medida em que a margem de escolha é indevidamente alargada pelo administrador público diante daquilo que é estabelecido pelo legislador. Daí falar-se de um vício de extrapolação da discricionariedade (Er- messensüberschreitung).

c.  Terceiro vício: mau uso da discricionariedade

O terceiro vício, diferentemente dos dois já mencionados, consiste no uso incorreto da discricionariedade (Ermessensfehlgebrauch).

Tal vício manifesta-se, basicamente, em duas situações. Na primeira, a decisão escolhida pela autoridade pública entre aquelas permitidas pela norma jurídica, em vez de promover finalidades públicas, é tomada por motivos pessoais, geralmente no intuito de perseguir o administrado. O uso da discricionariedade é realizado, portanto, quer com um vício de motivo, quer com um vício de finalidade. Ademais, é possível que, nessa primeira situação, o vício seja também de razoabilidade: a autoridade escolhe uma medida que se mostra indevida pela violação da regra da adequação, da necessidade ou da proporcionalidade em sentido estrito.

Na segunda situação, a decisão administrativa é tomada com base em uma realidade fática incorreta ou propositalmente distorcida. A autoridade pública, portanto, altera os fatos ou seu sentido para, com isso, criar um pressuposto fático que lhe permita realizar uma escolha, a princípio, impossível. O vício, aqui, ataca principalmente o pressuposto fático do ato da administração, podendo levar, por conseguinte, à declaração de sua nulidade.

Tanto na primeira situação quanto na segunda, o controle do exercício  da discricionariedade exige muito mais do que uma verificação e interpretação da legislação e das margens de escolha por ela criadas. No “mau uso da discricionariedade”, os limites da legislação são cumpridos, mas, na prática, o exercício do poder discricionário mostra-se viciado pela atitude imoral ou irrazoável da autoridade pública. Nesse contexto, portanto, fundamental se mostra um controle contextual da prática do ato, abrangendo a situação, os aspectos volitivos do agente público competente e suas relações com o destinatário do ato. Necessário se afigura, ainda, uma investigação detalhada dos motivos do ato em confronto com seu objetivo e suas finalidades secundárias e primárias. Somente assim será possível verificar a distorção na descrição dos fatos ou o desvio de finalidade.

Outro aspecto de extremo relevo para a teoria da discricionariedade refere- se às hipóteses de seu “desaparecimento”. Por mais que a legislação tenha explicitamente garantido à administração pública, em um ou outro caso, margem de escolha para agir, no agir ou quanto à forma de agir, essa margem eventual- mente se esvai por força de peculiaridades do cenário fático analisadas à luz de princípios e valores jurídicos, bem como de direitos fundamentais.

De modo geral, a doutrina divide essas possibilidades em dois grupos: o da redução integral da discricionariedade e o da autovinculação (teoria dos fatos próprios). Essas duas hipóteses de aniquilamento da discricionariedade são de fundamental reconhecimento no âmbito desse ensaio, uma vez que, como se verá mais adiante, a boa-fé muitas vezes atuará como um fator de restrição da discricionariedade, ocasionando, inclusive, seu desaparecimento a despeito da norma jurídica que a prevê. Para se compreender esse fenômeno, cumpre, preliminarmente, apresentar em mais detalhes as situações de desaparecimento da discricionariedade supramencionadas.

a.  Redução integral da discricionariedade

Na primeira situação, chamada pelos alemães de “Ermessensreduzierung auf Null” ou redução integral da discricionariedade, a perda da margem de escolha que o administrador público detinha a princípio decorre de uma especial situação do caso fático. De acordo com Ossenbühl, é possível que se opere uma transformação tão significativa da situação fática, que a ponde- ração dos fatos e normas no exercício da discricionariedade conduz o agente público a uma única saída possível, ou seja, a uma única decisão administrativa juridicamente correta.[11] Nessa situação, a discricionariedade garantida no plano abstrato por uma regra jurídica específica transforma-se em vinculação administrativa, mas não por uma decisão direta do legislador, e sim por uma consequência da interpretação sistemática do ordenamento jurídico em face do caso concreto. A razão para que isso ocorra não é de difícil compreensão: a discricionariedade, como bem registra Maurer, não consiste em liberdade, mas sim em margem de escolha pautada pelo direito[12] e concedida ao agente público para que se atinjam certos interesses públicos primários. Nesse sentido, a margem de escolha é um instrumento voltado aos objetivos do Estado e, mais especificamente, do direito administrativo. Desse modo, a discricionariedade não se rege apenas pela regra que a cria explicitamente, mas sim pelo ordenamento jurídico globalmente considerado, de sorte que os valores do ordenamento em vista de peculiaridades práticas podem perfeitamente apontar um única via decisória na busca das finalidades públicas.

Gordillo lança uma hipótese de redução da discricionariedade que não redunda, porém, dos interesses públicos primários, mas sim dos direitos fundamentais. Para explicar essa hipótese, o administrativista argentino se vale do que chama de regulação indireta da atividade administrativa. A respeito, esclarece que, em algumas situações, não é o direito administrativo ou seus princípios que restringem o poder discricionário, mas sim os direitos dos cidadãos, muitas vezes reconhecidos em outros campos do direito (direito civil, trabalhista, comercial etc.). Nesse cenário, ainda que a lei administrativa possa prever uma discricionariedade inicial, a margem de escolha deixa de existir no momento em que o poder público se encontra obrigado a respeitar direitos fundamentais consagrados em outros subsistemas jurídico-normativos para além do direito administrativo. Nessa situação de regulação indireta ou inversa da atividade administrativa, englobam-se “todos os casos em que a lei regulamenta não o direito subjetivo de a administração atuar sobre os particulares, mas sim o direito subjetivo dos particulares a que ninguém inter- fira em suas atividades”.[13]Em síntese, os direitos de proteção dos particulares surgem aí como outro fator a reduzir a discricionariedade administrativa sob certas circunstâncias.

Essa hipótese, apontada por Gordillo, é de importância crescente em ordenamentos que constitucionalizaram direitos fundamentais. Segundo Ehlers, a vinculação do direito administrativo ao direito constitucional não significa, apenas, que “a administração não pode infringir a Constituição. Muito mais isso: a Administração deve trabalhar ativamente para a concretização dos conteúdos constitucionais para que eles obtenham sua máxima eficácia”.[14] Ora, na medida em que o direito administrativo subordina-se ao direito constitucional e que a Constituição protege direitos fundamentais de modo explícito, o direito administrativo não está autorizado a sacrificar completa e desarrazoadamente direitos fundamentais constitucionalizados. Nesse contexto, novamente de acordo com Ehlers, “se a norma de direito administrativo autoriza mais de uma possibilidade interpretativa, ela deve ser interpretada de maneira conforme a Constituição”.[15] E ser interpretada de acordo com a Constituição significa ser interpretada simultaneamente conforme as tarefas e finalidades públicas, os princípios constitucionais da administração pública e, por óbvio, os direitos fundamentais. Por tudo isso, é plenamente possível que a redução integral da discricionariedade a zero decorra não exatamente de um valor público, mas sim da obrigatoriedade de o poder público respeitar um ou mais direitos fundamentais, sobrando-lhe, por conta dessa tarefa constitucional, apenas uma escolha possível no caso concreto — a despeito da margem de escolha garantida originariamente pela legislação.

b.  Teoria dos fatos próprios (autovinculação)

Em situação diversa, é possível que a discricionariedade da autoridade administrativa igualmente desapareça por força da autovinculação administrativa. Entra-se aqui na seara da teoria dos fatos próprios, também conhecida como princípio da vedação do venire contra factum proprium.

De acordo com essa formulação teórico-normativa, se a administração pública tratou uma situação anterior de uma forma, é natural que mantenha  o mesmo padrão de tratamento para casos futuros, a não ser que haja uma justificativa legítima e válida para a alteração do padrão decisório.

De modo geral, há dois casos diferenciados da aplicação da teoria em questão. Na primeira situação, a exigência da manutenção do padrão decisório opera-se em relação a um mesmo indivíduo no tocante a um mesmo assunto. Aqui, a teoria dos fatos próprios impõe à administração pública o respeito a uma decisão anterior definitiva,[16] vedando a afronta à coisa julgada administrativa em detrimento da segurança jurídica do administrado. Nessa situação, a segurança jurídica soma-se ao princípio da moralidade para de- mandar uma conduta coerente, não contraditória ou maliciosa da administração pública, impedindo que altere decisões injustificadamente em prejuízo de um cenário jurídico já estabilizado.

Funcionalmente, emprega-se essa espécie de autovinculação baseada na segurança jurídica e na moralidade administrativa tanto para proteger a coisa julgada administrativa, como para fazer valer promessas do Estado apresentadas mediante ato de declaração unilateral de vontade. Em outras palavras, mesmo fora de um processo administrativo formal, a administração pública deve agir de modo coerente e honesto, respeitando suas próprias promessas. Se o poder público se comprometeu de modo explícito, plausível e inequívoco a um determinado tipo de conduta e se adotou medidas que indicassem ao administrado sua orientação, dando-lhe estímulo para criação de fortes expectativas e para a tomada de decisões (sobretudo com efeitos pecuniários), então deve cumprir o quanto prometido, salvo na presença de justificativa válida e legítima para o descumprimento. A promessa unilateral é exigível na medida em que, além de verossímil e inequívoca, mostre-se legal, moral e condizente com os princípios regentes da administração pública. Afinal, a teoria da autovinculação, em nenhuma hipótese, concede ao particular um direito a atos ilícitos da administração. Como bem ensina Menezes Cordeiro, ainda que se referindo ao direito civil, a vedação do comportamento contraditório diz respeito a dois comportamentos lícitos, diversos e diferidos no tempo.[17]

A segunda hipótese de aplicação do venire contra factum proprium em desfavor da discricionariedade administrativa surge de uma combinação do princípio da segurança jurídica com o princípio da isonomia. Nessa situação, a autovinculação da administração pública resulta de decisões administrativas anteriores e esparsas. Trata-se, portanto, de vinculação do poder público à jurisprudência administrativa e não à coisa julgada administrativa ou à promessa administrativa (tal como se viu na hipótese anterior). Nesse caso, o administra- do que espera uma decisão da administração pública tem o direito de ver seu pedido ou interesse julgado em consonância com a jurisprudência anterior.

Esse mandamento decorre da segurança jurídica, pois o particular dirige suas ações, muitas vezes, em razão da jurisprudência administrativa (que detém função sinalizadora dos comportamentos privados). Assim, se o particular definiu seus comportamentos considerando um padrão decisório válido e constante, a alteração desse padrão, na medida em que se mostre desvantajoso ao particular, deverá ser excepcional e sempre justificada. De outra parte, esse direito de respeito à jurisprudência administrativa ainda se sustenta no princípio da isonomia. Se situações idênticas vividas por outros particulares foram julgadas pela administração pública de certa maneira, esse padrão de- cisório deverá ser mantido em relação a todos os outros cidadãos, já que todos são iguais perante a legislação e o Estado. Essa regra se extrai diretamente dos princípios da impessoalidade e da isonomia. Nesse sentido, o tratamento poderá divergir apenas caso haja motivo válido, legítimo e explícito para tanto[18] ou quando se constatar que o caso presente se diferencia dos precedentes contidos na jurisprudência administrativa.

Assim como ocorre na autovinculação à coisa julgada ou à promessa inequívoca, a autovinculação à jurisprudência administrativa estará necessariamente excluída caso se constate que as decisões anteriores tenham sido proferidas em desacordo com a lei e o direito. O princípio da legalidade/juridicidade administrativa se sobrepõe ao princípio da autovinculação, salvo raríssimas exceções previstas no ordenamento jurídico.[19] Como frisa Ossenbühl, isso significa que o indivíduo não detém direito à manutenção ou à repetição de decisões incorretas. Dessa feita, o erro passado cometido pela administração pública não impede a correção desse erro para o futuro. Nesse caso, nem a isonomia, nem a segurança jurídica são capazes de reduzir a discricionariedade.

Para além dessa ressalva, vale registrar que a teoria da autovinculação não constitui apenas uma ferramenta de proteção da segurança jurídica, da isonomia e da moralidade administrativa. Em realidade, a autovinculação traz igualmente uma série de efeitos positivos para a própria administração pública. Na ótima reflexão de Paulo Modesto, a autovinculação se releva administrativamente útil pelo fato de: 1) evitar “disparidade de resposta dos órgãos da estrutura administrativa a demandas equivalentes”, concretizando o princípio da isonomia de modo mais abrangente; 2) reduzir “o risco de litígios acerca da aplicação da lei, em face de suspeita de decisão caprichosa ou discriminatória”, na medida em que restringe a margem de escolha do agente público em cada caso; 3) acelerar a “capacidade de resposta da máquina pública a demandas repetitivas”, já que a decisão atual aproveita ponderações   e reflexões realizadas em casos anteriores, reduzindo, em muitas situações, os períodos de instrução e preparação da decisão; e 4) antecipar “decisões futuras em matérias de alta incerteza, facilitando a mobilização de capitais privados em tempo útil para a oferta de bens e serviços para a própria Administração ou a adesão de terceiros a políticas públicas”.[20]

A partir das características gerais da teoria da discricionariedade administrativa na atualidade, torna-se mais simples compreender como os princípios e direitos fundamentais surgem como fontes de pressão da margem de escolha que o ordenamento jurídico garante ao agente público no exercício de suas tarefas. A discricionariedade administrativa, em um período histórico marcado pelo primado dos princípios e pela constitucionalização do direito administrativo e dos direitos fundamentais, será naturalmente mitigada em muitas ocasiões e, outras vezes, será ampliada. É nesse cenário de mudanças e novas reflexões sobre o grau de flexibilidade que o ordenamento deve conceder aos órgãos e agentes públicos que a boa-fé desponta como um assunto de relevante interesse.

Ao se falar de boa-fé e suas implicações para a teoria da discricionariedade é preciso, porém, tomar dois cuidados. Em primeiro lugar, deve-se apre- sentar, ainda que de modo breve e simplificado, o significado da boa-fé para o direito. Em segundo lugar, deve-se diferenciar a boa-fé do administrado da boa-fé do administrador público ao longo do exame das implicações desse instituto para o direito administrativo.

Do ponto de vista conceitual, a boa-fé constitui um conceito geral do direito. No direito civil, que trata do instituto há razoável tempo e com grande profundidade, a boa-fé dos particulares costuma ser entendida de duas maneiras. Como boa-fé subjetiva significa a crença de alguém em um deter- minado comportamento de outrem. Diferentemente, como boa-fé objetiva, o conceito designa uma cláusula geral ou um standard jurídico composto por condutas que, em um determinado período histórico-jurídico, são considera- das adequadas sob o ponto de vista da moralidade e da honestidade para as relações intersubjetivas.[21]

Não raramente, boa-fé é instituto que vem vinculado ao princípio da segurança jurídica. Porém, como diz Almiro do Couto Silva, ainda que tais conceitos pertençam à mesma “constelação de valores”, não podem ser tomados como sinônimos.[22] Em realidade, nem sempre há uma sobreposição dos dois conceitos. Ainda que a segurança jurídica guarde uma pluralidade de significações — bem mapeadas em estudo de Judith Martins-Costa —,[23] na boa síntese de Paulo Modesto, é possível resumi-la a três tipos: segurança do direito, segurança no direito e segurança pelo direito. A segurança do direito demanda “objetividade, determinabilidade e previsibilidade do status jurídico das condutas”, ou seja, “precisão normativa, densidade normativa mínima e cognoscibilidade das prescrições jurídicas”,[24] podendo ser representada pela expressão “certeza do direito”.[25] Por sua vez, a segurança no direito exige “precisão sobre o modo de modificação das normas jurídicas    e a equação de equilíbrio entre as normas de alteração do sistema e de preservação de situações jurídicas subjetivas existentes, inclusive a proteção da confiança legítima”. Trata-se aqui de proteção de direitos adquiridos, coisa julgada, ato jurídico perfeito, jurisprudência etc.[26] Por fim, a segurança pelo direito demanda “efetiva proteção contra toda e qualquer agressão ou ameaça de agressão contra os direitos reconhecidos no ordenamento jurídico. Neste aspecto, cuida-se da efetividade e cobertura dos instrumentos processuais e substantivos de tutela dos direitos individuais e coletivos contra atentados  do Poder Público ou de terceiros”.[27]

De modo geral, tanto a boa-fé do particular diante da administração pública, que, para alguns, configura a “confiança legítima”,28 quanto a boa-fé  da administração pública em direção ao cidadão se relacionam fundamentalmente com a segunda e a terceira concepções da segurança jurídica, ou seja, segurança no direito (referente à proteção do cidadão em face de mudanças no direito ou modificações de padrões decisórios) e a segurança pelo direito (referente às formas de proteção do cidadão contra ações estatais em geral). As implicações da boa-fé para a discricionariedade administrativa variarão, porém, conforme a perspectiva de análise adotada. Assim, é preciso que se examinem destacadamente os efeitos irradiados pela boa-fé do cidadão sobre a margem de escolha da administração pública, bem como os efeitos da boa- fé do próprio Estado — resultante do princípio da moralidade administrativa — sobre o exercício de seu poder de escolha e a despeito da boa-fé do cidadão. Essa análise dúplice pretende revelar, de modo mais abrangente, a pluralidade de efeitos oriundos da boa-fé e, sobretudo, que tais efeitos não são apenas restritivos, mas também criadores de novos caminhos de ação pública.

No direito administrativo contemporâneo, a boa-fé do administrado cidadão exerce papel central. A boa-fé que se mostra relevante nesse cenário  é, porém, a boa-fé subjetiva, ou seja, a crença do indivíduo na atuação legal, legítima, isonômica e moral da administração pública. Com efeito, se o Estado democrático se sustenta logicamente como ferramenta imprescindível   à proteção da paz, da ordem e dos direitos fundamentais, nenhum sentido faria que pudesse atuar de maneira surpreendente, ignorando as expectativas legitimamente detidas pela sociedade ante as entidades que exercem função pública. Nos dias atuais, tal como explica Paulo Modesto, “a boa-fé é exigência a ser considerada com destaque pelo administrador nos casos de alteração de situações jurídicas subjetivas”. As condutas estatais devem ser realizadas de modo a “resguardar posições jurídicas de sujeitos de boa-fé e, além disso, reclamar lealdade da Administração e fidelidade à palavra empenhada”.[29]

Em regra, a necessidade de se impor o respeito à boa-fé do particular encontra fundamento maior na segurança jurídica e na consagração dos direitos fundamentais. De um lado, a segurança jurídica exige certeza, segurança e clareza na atuação estatal. De outro lado, os direitos fundamentais sugerem, entre outras coisas, que as restrições da vida particular estejam democraticamente legitimadas por escolhas do povo e que não infrinjam, entre outras coisas, o princípio da isonomia. Sendo assim, qualquer restrição considerável da vida privada deverá encontrar fundamento em uma decisão tomada, ao menos, pelos representantes eleitos do povo. Ademais, uma restrição à vida privada deverá ocorrer de modo impessoal e isonômico, de sorte que, se o Estado agiu de certa maneira diante de determinado cidadão, deverá repetir tal padrão de conduta para todos os outros indivíduos que estejam na mesma situação, salvo por motivo de legalidade.

A proteção da confiança ou da crença do cidadão, do que resulta a obrigatoriedade de uma atuação coerente e previsível do Estado, não encontra uma única implicação no ordenamento jurídico. A ideia de que a boa-fé do particular, entendido isoladamente ou em grupo, reduz a margem de escolha dos órgãos e agentes públicos se manifesta de modo esparso no ordenamento jurídico. Melhor dizendo: há uma série de dispositivos legais a evidenciar os efeitos jurídicos que a boa-fé irradia, influenciando as formas de atuação estatal.

Do ponto de vista restritivo, comprovando as afirmações anteriores, merecem destaque três efeitos primordiais da boa-fé do administrado de notório caráter restritivo da discricionariedade da administração pública,[30] a saber: a) a necessidade de respeito à jurisprudência administrativa (limitando a discricionariedade decisional); b) a vedação da aplicação retroativa de nova interpretação administrativa (ou vinculação à coisa julgada administrativa) e c) a revisão de sanções administrativas. Nas duas primeiras situações, a discricionariedade sofre restrição por força do impedimento do venire contra factum proprium, ainda que em diferentes contextos. Já na terceira situação, o fundamento para a redução da discricionariedade encontra apoio nos princípios da isonomia e da justiça das decisões punitivas.

a.  Vinculação à jurisprudência administrativa

A necessidade de respeito à jurisprudência administrativa representa, para o poder público, uma obrigação primária (i.e., não absoluta) de observância de decisões administrativas anteriores a despeito de não se vincularem ao mesmo caso concreto. As entidades administrativas, no exercício de seu poder decisório de efeito externo (ou seja, relativo a decisões que afetam particulares ou servidores públicos sob poder disciplinar administrativo), deverão sempre levar em conta as decisões passadas em casos semelhantes. Essa implicação da boa-fé é de grande relevo para entidades públicas com função decisional (tal como as agências reguladoras ou comissões administrativas permanentes).

Esse mandamento oriundo da boa-fé representa uma hipótese específica da aplicação da teoria dos fatos próprios ou da vedação do venire contra factum proprium. A administração pública se vincula a seus próprios posicionamentos passados no sentido de gerar um padrão decisório para o futuro que não deve ser alterado injustificadamente. Essa aplicação da teoria dos fatos próprios encontra raiz no princípio da isonomia que, como sabido, impõe o tratamento idêntico de situações idênticas e o tratamento diferenciado de situações diversas. Nessa linha, decisões diferentes para dois ou mais casos semelhantes somente serão aceitáveis por uma expressa diferenciação prevista em lei ou ato normativo, ou mesmo por força de um interesse público claro, específico e adequado ou, ainda, caso as situações insiram-se em cenários fáticos significativamente distintos (tornando inaplicáveis os precedentes).

Reiterando: se as situações submetidas à decisão estatal são idênticas, o tratamento diferenciado de um caso mais novo em relação ao caso anterior poderá ocorrer apenas se:

  1. O caso anterior foi julgado com base em outro direito ou, quando o direito seja o mesmo, com base em uma interpretação incorreta ou não mais aceita (por exemplo, porque a decisão ou jurisprudência judicial a vedou). Naturalmente que, se a interpretação anterior era ou se tornou ilegal, sua aplicação não pode ser exigida no presente por força do princípio da legalidade administrativa. Daí ser possível afirmar que não existe direito subjetivo do cidadão a um padrão decisório estatal considerado ilegal;
  2. O caso anterior foi julgado com base no mesmo direito, mas em vista de um cenário fático totalmente diverso do atual (por exemplo, caso anterior julgado em tempo de paz e caso recente em tempo de guerra). Nessa última situação, é o interesse público analisado no contexto fático que impõe o tratamento [31]

Em todas as situações, o relevante é que a alteração do posicionamento jurisprudencial da administração pública venha sempre acompanhada dos motivos fáticos e/ou jurídicos para tanto. Tal exigência é feita, de modo ex- presso, pelo art. 50, inciso VII da Lei no 9.784/1999.

b.  Vinculação à coisa julgada administrativa

Outra implicação da boa-fé em detrimento da discricionariedade administrativa se vislumbra na vedação da retroação de novas interpretações limitativas de direito ou interesse particular. Essa vedação decorre da vinculação da ad- ministração pública à coisa julgada administrativa. Trata-se, pois, de outra hipótese de aplicação da teoria do fato próprio ou da vedação do venire contra factum proprium. Aqui, via de regra, o administrado, cujo interesse ou direito já foi objeto de julgamento, não pode ver sua situação inexplicavelmente modificada em virtude de uma nova e diversa decisão. Ao particular de boa-fé se assegura a manutenção das decisões administrativas que lhe beneficiaram,32 salvo na presença de um vício insanável que imponha a anulação (impedindo convalidação) ou de um interesse público explícito e contextualmente válido, que exija a revogação do ato.

Como a autovinculação à decisão anterior está baseada na boa-fé do administrado, certamente a decisão administrativa poderá ser alterada pelo poder público em virtude da retroação de uma interpretação posterior se o particular beneficiado tiver agido de má-fé, por exemplo, por ter induzido o órgão decisório a erro ou por ter empregado meios indevidos no intuito de obter vantagens a que não faria jus (caso de corrupção, por exemplo).

A vedação da retroação das novas interpretações — em favor da proteção da coisa julgada administrativa — está prevista explicitamente no art. 2o, parágrafo único, inciso XIII da LPA federal. Essa norma, por seu conteúdo principiológico, deve ser aplicada não apenas no nível da União, mas também no nível dos estados e municípios, inclusive dos que já disponham de lei de processo administrativo específica, salvo se houver preceito específico em contrário.

Ainda que o dispositivo da LPA federal não seja explícito quanto às exceções da regra por ele criada, convém reiterar que a nova interpretação administrativa poderá validamente retroagir se: a) a retroação for benéfica e logicamente recomendada por força do princípio da isonomia; b) a decisão favorável anterior tiver sido obtida por erro da autoridade decisória estimulado pelo administrado ou c) a decisão favorável tiver sido obtida por meios ilegais empregados pelo administrado.

Não bastasse isso, a vedação da retroação da aplicação em proteção da coisa julgada não afasta os institutos da revogação[33] e da anulação. Isso significa que um ato administrativo benéfico ao particular poderá ser parcial ou totalmente afastado ou substituído por motivo de interesse público (claro, específico e adequado ao caso concreto), bem como por identificação de vício grave de legalidade que impeça sua manutenção, por exemplo, através  de ato de convalidação. Convém lembrar, porém, que os atos de anulação e revogação (substitutiva ou extintiva) exigirão o respeito ao direito de ampla defesa do administrado que sofre o risco de afastamento ou substituição do ato administrativo anterior.[34] Ademais, deverão conter os pressupostos fáticos e jurídicos que os sustentam, afinal todo ato da administração (não só os atos administrativos) que restrinja direitos e interesses dos cidadãos deve ser motivado, ainda que posteriormente[35] (por exemplo, em virtude de situações de emergência). A depender da situação, a revogação ou a anulação em detrimento da boa-fé do administrado ainda darão margem à reparação de danos ou ressarcimento pecuniário.[36]

c.  Redução da discricionariedade sancionatória

Para além da redução da discricionariedade por força da teoria da autovinculação em relação à coisa julgada administrativa ou à jurisprudência administrativa, a boa-fé do cidadão perante o direito e a administração pública é capaz de lhe gerar benefícios igualmente em matéria sancionatória. Em outras palavras, o particular que comete infração do direito administrativo (por exemplo, infração administrativa sanitária, ambiental, concorrencial etc.) poderá se beneficiar de uma redução da sanção caso tenha agido de boa-fé, ou seja, caso a violação por ele operada tenha ocorrido sem o intuito de cometer a infração no caso concreto. Note-se, contudo, que essa hipótese não representa um caso de redução integral da discricionariedade administrativa, senão mera redução parcial.

Em realidade, a possibilidade de obter redução da sanção administrativa por prática administrativamente punível, porém cometida de boa-fé, não encontra uma previsão geral no direito administrativo brasileiro. Como se sabe, a LPA federal é extremamente sucinta ao tratar das sanções administrativas, omitindo-se, indevidamente, quanto a uma série de questões relevantes do direito administrativo sancionatório.[37] Uma das graves omissões da lei diz respeito exatamente aos efeitos da boa-fé do administrado ante o poder de sanção que a administração pública detém. Apesar de tal assunto não constar da lei, a consideração da boa-fé como fator limitativo da dosimetria da sanção administrativa (ato geralmente discricionário) encontra fundamento específico em inúmeros diplomas legislativos nacionais.[38] Daí se poder afirmar que, mesmo na ausência de uma norma explícita na LPA, tem-se aqui um verdadeiro princípio geral do direito administrativo.[39] Por essa razão, sempre que houver margem de escolha para dosar a sanção administrativa, a boa-fé do particular deverá servir como parâmetro da discricionariedade no agir (ou discricionariedade de conteúdo) do agente público competente.

Para além dos três exemplos mencionados, em que se evidencia como a boa-fé é capaz de restringir, integral ou parcialmente, a discricionariedade do poder público, há situações em que a boa-fé do administrado, em vez de gerar efeitos restritivos, abre novos caminhos de atuação administrativa. No lugar de restringir as opções de ação, a boa-fé do administrado, levada em conta pelo legislador, faz nascer alternativas decisionais que, não raro, mitigam a força do princípio da legalidade administrativa. Reconhecendo essa hipótese, Martins-Costa já observava que, por vezes, a segurança jurídica recobre a proteção da confiança ou boa-fé, porém, em outros momentos, a relação conjuntural entre esses dois princípios “poderá significar o dever de afastar ou relativizar, no caso concreto, o princípio da estrita legalidade para fazer atuar outros princípios do ordenamento jurídico”.[40]

Dois exemplos do direito administrativo pátrio comprovam indisputavelmente essa afirmação, a saber: a possibilidade de revisão da sanção administrativa por força de fato novo ou circunstância relevante e a possibilidade de manutenção de atos ampliativos viciados e não convalidáveis, excepcionando a via clássica da anulação. Vejamos.

a.  Revisão da sanção administrativa

Ancorado no art. 65 da LPA federal, o instituto da revisão implica, na prática, a redução ou afastamento integral da sanção administrativa anterior- mente aplicada quer pela constatação de um fato novo quer pela verificação de circunstância relevante. Em poucas palavras, o fato novo constitui evento, dado ou informação que surge no processo somente após a decisão, ou seja, não existia no momento da tomada da decisão sancionatória ou, mesmo que existisse, era ignorado pela autoridade pública responsável pela instrução e sancionamento. Já a circunstância relevante representa um fato externo ao processo — que não diz respeito à matéria infrativa em si —, mas que, por suas características, permite à administração pública rever a sanção administrativa antes aplicada em benefício de um interesse público primário. Aqui,  a sanção se torna inadequada em razão da proteção de um interesse público (por exemplo, proteção da saúde coletiva, defesa do ambiente, defesa da concorrência, defesa do consumidor, promoção da educação etc.).

Nessa sistemática, a LPA federal deu margem à mitigação ou extinção completa de uma sanção anterior, aplicada por força de uma condenação por infração administrativa, que ora se pauta por uma informação nova de natureza endoprocessual ou de interesse para o assunto debatido no processo sancionatório (“fato novo”), ou por uma circunstância extraprocessual, ainda que não necessariamente nova (“circunstância relevante”). Enquanto a circunstância relevante que permite a revisão da sanção fundamenta-se na proteção do interesse público, o fato novo utilizado para a revisão, a qualquer tempo, diz respeito à proteção do administrado. E é exatamente aqui que a boa-fé do administrado entra em jogo.

O fato novo que permite, a qualquer tempo, por iniciativa do administrado ou da administração pública, a redução ou extinção da sanção administrativa aplicada em processo já encerrado tem o objetivo de proteger  exatamente a boa-fé do administrado condenado. Ao abrir a possibilidade de revisão da sanção administrativa, tornando mais maleável a coisa julgada do processo administrativo sancionatório, a legislação flexibiliza a “legalidade formalista” em benefício da justiça no caso concreto. O legislador optou por privilegiar a boa-fé do administrado em vez de resguardar a estabilidade da coisa julgada administrativa. Assim, se há dados, evidências ou informações que não existiam ou não foram justificadamente conhecidos no curso do processo administrativo acusatório, esses dados, evidências ou informações, mesmo que surjam após o término do processo, devem ser considerados para adequar a sanção à medida da correta carga infrativa da ação imputada ao cidadão condenado.

Não há dúvidas, pois, que o instituto da revisão da sanção, sobretudo por fato novo, constitui uma forma claríssima de privilegiar a boa-fé do administrado-cidadão e a justiça da decisão administrativa. Ao dar margem para a redução ou a eliminação da sanção, a legislação garante a crença do cidadão na existência de um Estado justo, legítimo e razoável; um Estado que somente pune na medida em que há ilícito e, quando pune, busca a dosagem correta da sanção. Em última instância, a proteção da crença do infrator na aplicação de uma sanção administrativa justa constitui a base para o respeito ao sistema punitivo estatal e o estímulo maior para o cumprimento da sanção aplicada. É nesse cenário de influências cíclicas entre Estado e sociedade que a proteção da boa-fé do acusado se torna relevante.

b.  Manutenção do ato ilegal ampliativo

Há, ainda, outra situação em que a proteção da boa-fé do administrado levou o legislador a mitigar a legalidade formal. Trata-se da decadência do poder de anulação de ato administrativo viciado que beneficia o particular. Tal efeito, que se opera após cinco anos da prática do ato (art. 54, caput da LPA federal), tem como requisito fundamental a boa-fé do administrado em relação ao órgão público que praticou o ato ampliativo. Em outras palavras: a legislação federal impõe a decadência, desde que não se comprove a má-fé do administrado.[41] A má-fé da administração pública, vale dizer, não exerce nenhuma importância jurídica aqui, com bem lembra Couto e Silva.[42]

Em vista desse requisito legal, resta evidente que a decadência prevista na situação narrada desponta como um instrumento de proteção da crença do administrado na prática de atos lícitos pela administração pública.[43] Tal crença está baseada na ideia de estado de direito, no princípio da legalidade e na própria presunção de legalidade dos atos da administração pública. Todos esses princípios e regras gerais levam o cidadão médio a crer que os atos praticados em seu favor sejam válidos e, por essa razão, aceita seus efeitos. Há uma válida expectativa do cidadão de que o benefício gerado por certo ato administrativo de que é destinatário será mantido, na medida em que, supostamente, a administração pública sempre age em observância da lei e do direito.

Nesse cenário, o cidadão que recebe, por força de um ato administrativo, uma licença para construir, uma autorização para abrir uma empresa ou exercer uma atividade comercial, não poderá ver sua situação repentinamente alterada e o ato anulado após período razoável. Essa hipótese vale, inclusive, para atos de cunho patrimonial, tal como a oferta de bolsas de estudo, auxílios estatais de pesquisa, financiamentos públicos etc.[44] De mais difícil análise serão, porém, os casos com efeitos simultâneos de ordem ampliativa e restritiva, hipótese bem analisada por Couto e Silva.[45] Nessa situação, grosso modo, não nos parece adequado manter apenas o efeito ampliativo, restando a opção, para o particular, de se beneficiar do ato em sua totalidade ou dele abrir mão.

A despeito do tipo de ato ampliativo ou prestativo, em havendo vício que macula a validade do ato (vício de forma, conteúdo, motivo, finalidade ou competência), o poder público deverá mantê-lo se o poder de anulação não for exercido em cinco anos pela administração pública e se os outros requisitos legais forem cumpridos. Segundo Valim, a manutenção ou estabilização do ato ampliativo expurgará a invalidade do ato administrativo com efeitos ex tunc. O reconhecimento dessa retroação benéfica é fundamental, segundo o autor, para resguardar o direito adquirido que o ato a princípio inválido gera para o particular.[46]

Ressalvem-se da regra ora tratada, contudo, os vícios gravíssimos que tenham impedido a própria existência do ato. Se o ato é inexistente, jamais tendo surgido (por exemplo, porque é praticado por órgão público desconhecido ou em benefício de destinatário indefinido), naturalmente que a decadência não se operará. Nessas situações, o vício é tão grave que o ato mal nasce, tornando-se impossível falar da geração e da manutenção de efeitos jurídicos benéficos ao cidadão.[47]

Quando se pensa em boa-fé no direito administrativo, há que se recordar de seu duplo sentido, ultrapassando as questões jurídicas relativas à boa-fé do administrado. Segundo Martins-Costa, além de resguardar as “situações de confiança traduzidas na boa-fé (crença) dos cidadãos na legitimidade dos atos administrativos ou na regularidade de certa conduta”, o poder público “deve também agir segundo impõe a boa-fé, considerada como norma de conduta, produtora de comportamentos ativos e positivos de proteção”.48 Em outras palavras, o que importa ao direito administrativo é tanto a proteção   da boa-fé subjetiva do cidadão perante o poder público quanto a boa-fé objetiva do administrador público. Por isso, como adiantado anteriormente, ao se examinarem os efeitos da boa-fé sobre as margens de escolha reservadas, pela lei, ao poder público, é preciso refletir acerca da boa-fé do cidadão perante a administração pública e igualmente sobre a boa-fé como regra de conduta do próprio agente público. Nesse último caso, os efeitos restritivos da boa-fé para a discricionariedade independerão da boa ou má-fé do administrado.

Não é preciso muito para justificar, juridicamente, a boa-fé como um parâmetro de conduta do agente público em geral. Tal como acentua Bandeira de Mello, a boa-fé é própria da “essência do Direito e, sobretudo no Estado Democrático de Direito, sua vigência é irrefragável”.49 Por isso, a boa-fé é invocável perante quaisquer condutas estatais, sejam elas de natureza legislativa, administrativa ou jurisdicional.50 De modo mais específico, a boa-fé do administrador deriva automaticamente da consagração da moralidade administrativa como um princípio constitucional explícito (art. 37, caput da Carta Magna) e, ainda, do reconhecimento da boa-fé nos textos gerais de direito administrativo, de que é exemplo a LPA federal (art. 2o, parágrafo único, inciso IV).

Nesse cenário, como já sustentamos,51 a boa-fé imposta pelo direito como um padrão de conduta pública obrigará todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que ajam no exercício da função administrativa a atuar de modo probo, razoável e cooperativo. E para conciliar probidade, razoabilidade e cooperação, exige-se que o agente público, necessariamente, exclua incontáveis escolhas administrativas que, a princípio, poderiam parecer-lhe viáveis. Não por outra razão, Di Pietro bem sustentou que “a discricionariedade administrativa, da mesma forma que é limitada pelo Direito, também o é pela Moral”.52

De modo bastante sucinto, atuar de maneira proba significa agir em prol da concretização dos princípios que regem a administração pública brasileira. O agente público não é um aparelho cumpridor de microregras. Ao agir, cumpre-lhe refletir sobre a função de sua conduta para a consecução das tarefas maiores reservadas ao Estado. Nesse sentido, suas condutas jamais deverão ser escolhidas no intuito de lhe gerar vantagens indevidas, causar prejuízos ao erário ou negar os princípios da administração pública. Isso significa, em outras palavras, que o agente público se verá constrangido a restringir suas escolhas de agir, no agir e quanto à forma de agir aos caminhos que se mostrem aptos a compatibilizar, de modo minimamente aceitável, todos os valores, explícitos e implícitos, que permeiam a atuação estatal em determinado período histórico.

Idêntico efeito restritivo sobre a discricionariedade pode ainda decorrer do dever, imposto ao agente público, de agir de modo razoável e cooperativo. Agir razoavelmente é agir de modo adequado, necessário e proporcional. O conteúdo moral da razoabilidade surge mais intensamente nas regras da necessidade e da proporcionalidade. O agir necessário se concretizará me- diante a escolha da medida restritiva mais branda contra o cidadão. O Estado que age sem necessidade restringe imotivadamente os direitos e interesses dos cidadãos, perdendo sua razão de existir em um contexto democrático. Já o agir proporcional se concretizará pela compensação dos efeitos nocivos por ele gerados ao cidadão pelos benefícios públicos simultaneamente deflagra- dos. Por isso, o Estado que atua desproporcionalmente torna-se “maquiavélico”, colocando qualquer finalidade estatal — por mais irrelevante que seja— sempre acima dos direitos e interesses privados. A supremacia do interesse público, fenômeno inafastável do direito administrativo democrático, não significa, porém, a supremacia de qualquer interesse secundário e menor da administração pública, senão a supremacia de interesses públicos primários específicos e adequados, sempre em consonância com a promoção dos direitos fundamentais.

Enfim, caso o agente público detenha uma margem de escolha, a decisão tomada deverá ser selecionada também de acordo com a regra moral da cooperação. Se cooperar significa trabalhar em conjunto, o poder público democrático deve ser entendido naturalmente como um complexo de entidades estatais que cooperam umas com as outras em favor da execução das funções públicas e, de outra parte, cooperam com o cidadão no exercício de seus direi- tos e no cumprimento de seus deveres. A ação cooperativa é parte do standard moral de conduta imposto ao agente público. Nesse sentido, diante das suas margens de discricionariedade, não deverá tomar decisões que se mostrem, injustificadamente, egoísticas e prejudiciais a outros órgãos e entidades públicas ou aos cidadãos.

Na prática, a força vinculante desses três parâmetros de conformação da boa-fé do administrador público atual certamente restringirá as decisões aceitáveis a um número razoavelmente pequeno. Não é de se descartar, inclusive, que reste ao administrador somente uma única saída ou conduta válida in casu. Nessa última hipótese, ocorrerá o já explicado fenômeno da redução integral da discricionariedade a zero, ou seja, aquilo que era discricionário no nível legal tornar-se-á vinculado na prática. Em virtude dessa consequência, jamais se deverá esquecer que a limitação da discricionariedade, hoje, não resulta apenas da boa-fé (subjetiva) do cidadão em face da administração pública. A boa-fé (objetiva ou como standard de conduta) do administrador público constitui, inegavelmente, uma força restritiva que se soma à boa-fé do cidadão como fatores de quase esmagamento das margens de escolhas públicas.[53] E desrespeitar os padrões de boa-fé no exercício da função administrativa significará não apenas agir de modo imoral, mas também de modo claramente ilegal — dando-se margem para a anulação do ato jurídico praticado e outras implicações jurídicas graves.[54]

No intuito de compreender as relações entre boa-fé e discricionariedade administrativa, o presente ensaio objetivou resgatar aspectos da teoria geral da discricionariedade e então examinar se e em que extensão tais aspectos   se deixam influenciar pela crença do cidadão-administrado nas ações da ad- ministração pública (boa-fé subjetiva do cidadão diante do Estado) e pelos padrões morais de conduta impostos à autoridade pública pelo ordenamento jurídico (boa-fé objetiva da administração pública).

Ao longo dessa análise, diversas conclusões foram obtidas, a saber:

  1. Discricionariedade não designa um tipo de ato nem um tipo de poder, mas sim uma característica inerente aos poderes conferidos ao Estado e que, a depender do caso, existe em maior ou menor grau.
  2. No âmbito da administração pública, a discricionariedade existe em três modalidades: a) discricionariedade de agir ou discricionariedade em relação ao exercício de uma competência administrativa; b) discricionariedade no agir ou discricionariedade quanto ao conteúdo de uma decisão e c) discricionariedade quanto à forma do agir ou discricionariedade quanto aos requisitos procedimentais, de expedição ou de divulgação de um ato da administração pública. Esses três tipos surgem ora de modo conjunto ora isoladamente.
  3. Como não há uma discricionariedade globalmente considerada, senão tipos de discricionariedade, os conceitos de discricionariedade e vinculação não se excluem. Em um estado de direito, todos os atos são minimamente vinculados e, por diversas razões, minimamente discricionários. O que varia, verdadeiramente, é a predominância da discricionariedade e da vinculação dos atos em espécie.
  4. Discricionariedade não se confunde tampouco com margem de escolha interpretativa dos textos normativos que compõem o ordenamento jurídico em geral. Da obtenção da norma jurídica mediante atividade interpretativa pode ou não derivar algum tipo de discricionariedade.
  5. No exercício do poder de escolha, é possível identificar três tipos básicos de vícios. O primeiro ocorre pelo desconhecimento da discricionariedade, situação em que a autoridade escolhe determinada decisão pelo fato de não saber que dispõe de poder de O segundo se dá pelo excesso de discricionariedade, ou seja, pelo fato de a autoridade eleger um caminho decisório não abarcado pela norma que lhe concede margem de escolha. O terceiro, por sua vez, surge como abuso de discricionariedade, isto é, a autoridade emprega seu poder de escolha de modo imoral ou irrazoável, desviando-se das finalidades públicas.
  6. Em virtude dos princípios de direito administrativo, dos interesses públicos primários e dos direitos fundamentais — temas fortemente constitucionalizados no Brasil atual —, a discricionariedade da administração pública muitas vezes será reduzida a Isso significa que, a despeito de se garantir uma margem de escolha na lei, a situação concreta e seu contexto reduzirão a escolha a uma única decisão juridicamente aceitável.
  7. Ademais, é possível que a discricionariedade desapareça em razão da teoria dos fatos próprios (teoria da autovinculação) ou da vedação do venire contra factum proprium. Isso ocorrerá basicamente quando a administração se vincular a uma decisão anterior legal para o mesmo caso (proteção da coisa julgada administrativa), a decisões esparsas precedentes (proteção da jurisprudência administrativa) ou a uma promessa válida anteriormente feita (proteção de declarações unilaterais).
  8. O reconhecimento das teorias de redução da discricionariedade permite que a boa-fé, tanto do cidadão quanto da administração pública, exerça considerável pressão sobre a discricionariedade admistrativa.
  9. São exemplos de restrição da discricionariedade administrativa operada pela boa-fé do cidadão a vinculação da autoridade pública à coisa julgada administrativa (por força do princípio da segurança jurídica); a vinculação da autoridade pública à jurisprudência administrativa (por força do princípio da isonomia) e a restrição do poder de dosimetria de sanções administrativas.
  10. Além disso, há situações em que a boa-fé do administrado, considerada pelo legislador, gera novos caminhos decisórios, flexibilizando, inclusive, o princípio da legalidade São exemplos de mitigação do princípio da legalidade em virtude da boa-fé do cidadão a decadência do poder de anular atos administrativos ampliativos e a possibilidade de revisão de sanções administrativas que se mostrem inadequadas em virtude de fato novo.
  11. Enfim, a boa-fé da administração pública, sobretudo como boa-fé objetiva, também opera restrições ao poder de escolha da autoridade pública no caso concreto. A boa-fé imposta ao poder público como norma de conduta derivada, em última instância, da moralidade administrativa demanda decisões probas, razoáveis e cooperativas, e não meramente legais. Por isso, a necessidade de observância simultânea desses atributos restringirá inevitavelmente o poder de escolha inicialmente conferido por uma regra jurídica ao agente público, ocasionando, não raro, o aniquilamento da discricionariedade administrativa.

Referências

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[1] OSSENBÜHL, Fritz. Rechtsquellen und Rechtsbindungen der Verwaltung. In: ERICHSEN, Hans-Uwe; EHLERS, Dirk (Org.). Allgemeines Verwaltungsrecht. 12. ed. Berlim: De Gruyter, 2003. p. 206.
[2] Cf., por exemplo, as normas brasileiras sobre planejamento cultural, planejamento urbano, pla- nejamento agrário, planejamento econômico, planejamento de infraestruturas, planejamento am- biental, planejamento dos recursos hídricos, planejamento da saúde, planejamento da gestão de resíduos sólidos, planejamento do saneamento básico etc.
[3] No contexto do Estado regulador, explica Sérgio Guerra que “a escolha regulatória fundamenta- se na atuação do Estado sobre decisões e atuações empresariais de forma adequada, necessária   e proporcional, com fundamentos técnicos e científicos, que visem atender ao interesse público substantivo, sem, contudo, deixar de sopesar os efeitos dessas decisões no subsistema regulado com os interesses de segmentos da sociedade e, até mesmo, com o interesse individual no caso concreto”. Cf. GUERRA, Sérgio. Discricionariedade administrativa: críticas e propostas. Revista Eletrônica de Direito do Estado — Rede, n. 21, p. 34-35, 2010.
[4] Criticamente sobre o conceito de mérito do ato administrativo e sobre a expressão “conveniên- cia e oportunidade”, cf. Ibid., p. 9 e ss. Para o autor, “conveniência e oportunidade” é expressão que, no cenário atual, deve ceder espaço à ideia de reflexividade administrativa. Nessa linha, “o regulador deve, por meio de uma ‘cláusula autorreferencial’ do subsistema, permitir que brote, de forma cíclica, a produção de encaminhamentos decorrentes das próprias condições originárias de produção do subsistema. O regulador deveria deixar de fazer suas escolhas com base exclu- sivamente em sua ótica, naquilo que reputa ser ‘conveniente’ e ‘oportuno’, de difícil — se não impossível — compreensão e sindicabilidade por terceiros, para encarar o caso concreto de forma sistemática e transparente, sob uma interpretação analítica e empírica”. Ibid., p. 39.
[5] Guerra, Discricionariedade administrativa…, op. cit., p. 13.
[6] Acerca da relação entre discricionariedade e legalidade, cf., entre outros, DI PIETRO, Maria5 Guerra, Discricionariedade administrativa…, op. cit., p. 13.
Sylvia. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 52.
[7] Entenda-se o termo “deliberação” como termo técnico designante da forma de certos atos nor- mativos expedidos por órgãos colegiados da administração pública, conforme prevê, por exem- plo, a Lei de Processo Administrativo paulista.
[8] GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. T. 1, 3 X-10 (tradução nossa).
[9] Exemplos desses conceitos se encontram nas expressões “perigo público”, “moralidade”, “repu- tação ilibada”, “ordem pública”, “bem-estar” etc.
[10] Ossenbühl, Rechtsquellen und Rechtsbindungen der Verwaltung, op. cit., p. 214.
[11] Ossenbühl, Rechtsquellen und Rechtsbindungen der Verwaltung, op. cit., p. 214. Essa teoria também foi absorvida por alguns sistemas latinos, tal como se nota nas considerações de Gor- dillo, Tratado de derecho administrativo, op. cit., p. X-11.
[12] Nas palavras do autor, “das Ermessen vermittelt keine Freiheit oder gar Beliebigkeit der Verwaltung.   Es gibt kein ‘freies Ermessen’ (auch wenn diese irreführende Formulierung heute noch gelegentlich ers- cheint), sondern nur ein ‘pflichtgemäßes Ermessen’ oder besser: ein rechtlich gebundenes Ermessen”. MAURER, Hartmut. Allgemeines Verwaltungsrecht. 13. ed. Munique: Beck, 2000. p. 128.
[13] Gordillo, Tratado de derecho administrativo, op. cit., p. X-13 (tradução nossa).[14] EHLERS, Dirk. Verwaltung und Verwaltungsrecht im demokratischen und sozialen Rechtstaat.
In: Erichsen e Ehlers, Allgemeines Verwaltungsrecht, op. cit., p. 120-121.
[15] Ibid., p. 121.
[16] O adjetivo “definitiva”, nessa situação, refere-se a uma decisão administrativa que não esteja pendente de discussão por força de um pedido de reconsideração, recurso administrativo próprio ou impróprio, ou de revisão. Se há reconsideração, recurso ou revisão em curso, naturalmente a alteração da decisão anteriormente dada não representa qualquer problema do ponto de vista da teoria da autovinculação. Nesses casos, por óbvio, não se aplica a vedação do venire contra factum proprium.
[17] MENEZES CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Alme- dina, 2001. p. 745.
[18] A motivação no caso de alteração de interpretação em divergência com jurisprudência adminis-
trativa é obrigatória por força do art. 50, inciso VII da LPA federal.
[19] Uma dessas exceções é o da manutenção da decisão administrativa consistente em ato adminis- trativo ampliativo ou vantajoso ao cidadão por força da decadência quinquenal prevista em favor do administrado de boa-fé no art. 54 da LPA federal — hipótese que será comentada a seguir.
[20] MODESTO, Paulo. Legalidade e autovinculação da administração pública: pressupostos con- ceituais do contrato de autonomia no anteprojeto da nova lei de organização administrativa. In: _
 (Coord.). Nova organização administrativa brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 136-137.
[21] Sobre a distinção das figuras e as especificações da boa-fé subjetiva, cf. PENTEADO, Luciano de Camargo. Figuras parcelares da boa-fé objetiva e venire contra factum proprium. Revista de Direito Privado, v. 27, 2006, p. 4 e seguintes da edição digital.
[22] COUTO E SILVA, Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrati- vos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei 9.784/1999). Revista Eletrônica de Direito do Estado — Rede, n. 2, p. 2, 2005.
[23] MARTINS-COSTA, Judith. A re-significação do princípio da segurança jurídica na relação entre o Estado e os cidadãos: a segurança como crédito de confiança. Revista CEJ, n. 27, p. 113, 2004. A partir de um exame do ementário do STF realizado em 2003, a autora identificou 11 significações/ utilizações da segurança jurídica.
 [24] Modesto, Legalidade e autovinculação da administração pública, op. cit., p. 128.
[25] No direito brasileiro, é de ressaltar a importância da Lei Complementar no 95/2008 para a garan-
tia da certeza do direito. Tal diploma trata da redação, alteração e consolidação das leis.
[26] Modesto, Legalidade e autovinculação da administração pública, op. cit., p. 128.
[27] Modesto, Legalidade e autovinculação da administração pública, op. cit., p. 129.
[28] Para Couto e Silva, a segurança jurídica é objetiva ou subjetiva. Na modalidade objetiva, apre- senta-se como conjunto de deveres de conduta honesta. Na subjetiva, como confiança legítima. Cf. Couto e Silva, O princípio da segurança jurídica…, op. cit., p. 3.
[29] Modesto, Legalidade e autovinculação da administração pública, op. cit., p. 129.
[30] Há outros efeitos da boa-fé dignos de nota, tal como o dever de adoção de disposições transi- tórias para mudanças radicais de regime jurídico, bem como a responsabilidade estatal por ato ilícito ou por invalidação da norma, ambos citados por VALIM, Rafael. O princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 125 e ss.
[31] Nesse sentido, explica Paulo Modesto que, por força do “princípio da igualdade, da boa-fé e da segurança jurídica, a reiteração de um mesmo modo de decidir em casos concretos impõe que o mesmo padrão seja adotado nas demandas futuras de mesma natureza, salvo motivação especial, fundada em alteração das circunstâncias e na necessidade de reformar o entendimento anterior em face do interesse público”. Cf. Modesto, Legalidade e autovinculação da administração pú- blica, op. cit., p. 131.
[32] Nessa linha, sustenta Bandeira de Mello que, “de par com o princípio da presunção de legalida- de, o princípio da boa-fé é, conjuntamente com ele, outro cânone que concorre para a consagração da ideia segundo a qual a mudança de entendimento administrativo só produz efeitos para casos futuros e depois de pública notícia desta alteração de entendimento”. Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Grandes temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 175.
[33] Em sentido contrário, defendendo a coisa julgada como barreira à revogação de ato administra- tivo, bem como ao questionamento do ato administrativo pela administração pública em juízo, cf. Valim, O princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro, op. cit., p. 130.
[34] Nesse sentido, Bandeira de Mello, Grandes temas de direito administrativo, op. cit., p. 105.
[35] Importante explicar: o motivo é sempre preexistente. Diferentemente, a motivação (ou explici- tação dos motivos) pode ser prévia ou posterior. Essa última hipótese é comum em situações de emergência em que atos da administração (sobretudo atos materiais) são praticados em contextos emergenciais.
[36] Pode-se vislumbrar essa hipótese na revogação de uma permissão de uso econômico de bem público por particular que tenha sido expedida com prazo predeterminado. Nessa situação, ain- da que a permissão de uso seja geralmente precária, o particular cria expectativa de utilizar o bem público pelo prazo previsto no ato administrativo e, por isso, despende recursos financeiros para organizar sua exploração econômica. Nada mais natural, portanto, do que indenizar o particular de boa-fé pelos danos financeiros que sofreu diante da revogação da permissão.
 [37] A respeito dos problemas da LPA no tratamento das sanções administrativas, cf. nossas críticas   em NOHARA, Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo federal. Lei 9.784/1999 comentada. São Paulo: Atlas, 2009. Comentários ao art. 68.
[38] Entre outros diplomas que consideram a boa-fé do cidadão-infrator como elemento de redução da discricionariedade administrativa na dosagem da sanção, mencione-se a Lei no 6.437/1977 (Lei das Infrações Sanitárias, no art. 7o, incisos II e III) e o Decreto-Lei no 6.514/2008 (sobre infrações ambientais, no art. 4o, inciso I).
[39] Sobre princípios gerais do direito administrativo, cf. Di Pietro, Discricionariedade administrativa
na Constituição de 1988, op. cit., p. 168 e ss.
 [40] Martins-Costa, A re-significação do princípio da segurança jurídica…, op. cit., p. 113. A partir de um exame do ementário do STF realizado em 2003, a autora identificou 11 significações/utili- zações da segurança jurídica.
[41] De modo diverso, sustenta Valim que os atos ampliativos em que haja má-fé do administrado não poderiam se sujeitar à competência de anulação administrativa sem limites temporais. Por isso, propõe que seja “buscada uma solução analógica”, aplicando-se, em face do art. 205 do CC, o prazo decadencial de 10 anos para controle desses atos. Cf. Valim, O princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro, op. cit., p. 133.[42] Couto e Silva, O princípio da segurança jurídica…, op. cit., p. 37.
[43] Explica Couto e Silva, “o art. 54 revogou, em parte, o art. 114 da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Lei do Regime Jurídico Único), segundo o qual ‘a Administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade’. O exercício do poder-dever da Administração de anular seus atos administrativos viciados de ilegalidade ficou limitado pelo prazo decadencial de cinco anos”. Cf. Couto e Silva, O princípio da segurança jurídica…, op. cit., p. 22.
[44] Em relação aos atos administrativos ampliativos ou benefícios de cunho patrimonial continuado, o prazo quinquenal de decadência deve ser contado a partir do primeiro ato de pagamento (art. 54, § 1o da LPA federal).
[45] Couto e Silva, O princípio da segurança jurídica…, op. cit., p. 35 e ss.
[46] Valim, O princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro, op. cit., p.123.
[47] Alguns autores também defendem a inaplicabilidade do art. 54 aos atos gravemente viciados. É o caso de Couto e Silva, O princípio da segurança jurídica…, op. cit., p. 147.
[48] Martins-Costa, A re-significação do princípio da segurança jurídica…, op. cit., p. 113. A partir de um exame do ementário do STF realizado em 2003, a autora identificou 11 significações/utili- zações da segurança jurídica.
[49] Bandeira de Mello, Grandes temas de direito administrativo, op. cit., p. 179.
[50] Ibid. p. 177.
[51] Cf. MARRARA, Thiago. O conteúdo do princípio da moralidade: probidade, razoabilidade e cooperação. In: MARRARA, Thiago (Org.). Princípios de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2011. p. 159 e ss.
[52] Di Pietro, Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, op. cit., p. 162.
[53] Nessa linha, afirma Bandeira de Mello que “não se compreenderia que a própria ordenação normativa abonasse ou fosse complacente com a má-fé. Menos ainda se compreenderia que os administradores, exatamente quando a lei lhes outorgasse discrição, isto é, esfera de certa liber- dade para melhor atender ao ordenamento, pudessem expedir atos desleais ou que burlassem a boa-fé…”. Bandeira de Mello, Grandes temas de direito administrativo, op. cit., p. 77.
[54] Segundo Di Pietro, “o ato administrativo imoral é tão inválido quanto o ato administrativo ilegal; a segunda é uma consequência da primeira, ou seja, é a de que, sendo inválido, o ato administrativo imoral pode ser apreciado pelo Judiciário, para fins de decretação de sua invalidade”. Cf. Di Pietro, Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, op. cit., p. 161

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