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Equilíbrio Contratual e Dever de Renegociar

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Anderson Schreiber

Anderson Schreiber

13/03/2018

Há quase dez anos publiquei nesta mesma Carta Forense um artigo sobre a revisão judicial dos contratos. Aquele texto tinha um caráter predominantemente informativo, mostrando algumas controvérsias suscitadas pela disciplina da revisão contratual trazida pelo Código Civil de 2002. Passada quase uma década, voltei ao tema na minha tese de titularidade, lançada ao público neste mês de dezembro sob o título Equilíbrio Contratual e Dever de Renegociar. No livro, revisito os fundamentos do direito contratual brasileiro, examinando em perspectiva crítica os chamados princípios contratuais. Analiso, em seguida, os pressupostos e as consequências do desequilíbrio contratual no direito brasileiro, em comparação com outros sistemas jurídicos, oferecendo algumas propostas interpretativas que acredito possam contribuir para uma aplicação mais efetiva dos institutos da lesão e do estado de perigo, bem como da resolução contratual e da revisão judicial do contrato por onerosidade excessiva superveniente. Proponho, por fim, o reconhecimento entre nós de um dever de renegociar contratos em desequilíbrio,  delineando seus contornos e indicando as consequências da sua violação.

É uma tese ambiciosa, como toda tese de titularidade deve ser. Se alcancei, no todo ou em parte, meus objetivos não sou eu quem dirá, mas o leitor que me dê a honra da sua leitura. O que acho importante destacar neste espaço é a importância do equilíbrio contratual na reconstrução do direito dos contratos na ordem jurídica brasileira. Há, atualmente, enorme confusão em torno do equilíbrio contratual, que começa já pela sua nomenclatura. Alude-se, nesse sentido, a princípio do equilíbrio das prestações, princípio da equivalência material dos contratos, princípio do equilíbrio econômico do contrato, princípio do equilíbrio econômico-financeiro, princípio da igualdade material contratual, princípio da justiça contratual, entre outras designações. Todavia, a esse grande mosaico terminológico corresponde uma produção doutrinária e uma aplicação jurisprudencial absolutamente tímidas, quando se observa o tema sob a ótica de um autêntico princípio.

Com efeito, a menção dos tribunais a um princípio do equilíbrio contratual (ou nomes assemelhados) parece limitada a exercer uma função decorativa nos julgados, sendo empregada quase sempre para “introduzir” a aplicação dos institutos específicos da lesão, do estado de perigo e da resolução ou revisão por onerosidade excessiva, institutos que são expressamente disciplinados pelo Código Civil (arts. 156, 157, 317 e 478 a 480) e que, ainda que tragam não poucos desafios ao intérprete, dispensariam, a rigor, uma fundamentação principiológica no âmbito interno da própria codificação civil. Em uma pesquisa jurisprudencial ampla, não será possível encontrar em nossos tribunais uma decisão sequer em que o princípio do equilíbrio contratual tenha desempenhado alguma papel útil, que não aquele de simplesmente “confirmar” a aplicação de normas mais específicas já estabelecidas pelo legislador. Na doutrina, a situação é semelhante: com raras exceções, os autores festejam o princípio do equilíbrio contratual, mas passam, logo em seguida, a tratar do funcionamento dos institutos específicos (lesão, estado de perigo etc.). O princípio fica, então, “esquecido”, não se lhe atribuindo qualquer utilidade autônoma, como se servisse unicamente como uma espécie de apresentação de temas mais específicos, de aplicação pontual.

Tal cenário explica-se, em larga medida, pelo teor do Código Civil de 2002: ao contrário do que fez com a função social do contrato e com a boa-fé objetiva, noções enunciadas de modo aberto já na inauguração do capítulo dedicado aos contratos em geral (arts. 421 e 422), a codificação civil não aludiu nominalmente ao equilíbrio contratual, ao equilíbrio das prestações ou a qualquer outra expressão semelhante. Tal princípio tem origem na doutrina, ora por dedução dos princípios constitucionais, ora por indução das normas regulamentares (regras) constantes da legislação, em particular daquelas que tratam, na parte geral do Código Civil, da lesão e do estado de perigo (arts. 156 e 157), e daquelas que contemplam, no livro dedicado ao Direito das Obrigações, a resolução e a revisão contratual por onerosidade excessiva (arts. 317 e 478 a 480).

Nesses seis dispositivos legais, o Código Civil brasileiro reprimiu, em alguma medida, o desequilíbrio exagerado do contrato, fornecendo bases normativas específicas para que a doutrina civilista identificasse uma orientação geral da codificação em prol de relações contratuais equilibradas ou, ao menos, não exageradamente desequilibradas. É nessa acepção que os autores brasileiros aludem normalmente a um “princípio” do equilíbrio contratual – não um princípio que o Código Civil de 2002 tenha estampado às claras, como fez com a função social do contrato e a boa-fé objetiva, mas sim um princípio “implícito” extraído do conjunto de dispositivos específicos que reprimem o desequilíbrio originário ou superveniente das prestações. Vê-se que, ao contrário do que ocorre com a boa-fé objetiva e a função social do contrato, o termo princípio é usualmente atribuído pela nossa doutrina ao equilíbrio contratual à moda dos tradicionais princípios gerais de direito, vistos como fonte de integração de lacunas, e não como diretriz autônoma a incidir mesmo na ausência de uma omissão normativa. Talvez por essa razão, o princípio do equilíbrio contratual acabe surgindo no âmbito civil de modo muito contido, sempre circunscrito aos estreitos limites dessas seis normas regulamentares.

Tal diferença de tratamento normativo entre os três novos princípios contratuais pode ser explicada por razões históricas e ideológicas: a boa-fé objetiva nasce, em certa medida, como uma “concessão” interna ao liberalismo jurídico e econômico, voltada à preservação substancial dos negócios no ambiente comercial; também a função social do contrato, embora destinada à concretização de interesses socialmente relevantes diversos dos interesses individuais dos contratantes, exprime, em sua roupagem jurídica contemporânea, uma espécie de “fórmula intermediária” – noutro contexto já criticada como fruto de “profunda hipocrisia”, como dizia Orlando Gomes  – que legitima a liberdade de contratar por meio do reconhecimento de sua utilidade social (supraindividual). Por outro lado, um princípio do equilíbrio contratual, em “estado puro”, poderia ser visto como uma oposição mais frontal ao pensamento liberal, na medida em que não incidiria sobre os comportamentos adotados pelas partes no cumprimento do contrato, nem diria respeito a repercussões externas da avença, mas atuaria sobre o próprio objeto do contrato.

Uma efetiva concretização dos valores constitucionais no campo do Direito dos Contratos depende, contudo, dessa intervenção sobre o objeto contratual. O reconhecimento do equilíbrio contratual como princípio em sentido genuíno pode ser a mola propulsora de uma real transformação do nosso Direito dos Contratos, que não se limite a um papel puramente formal, mas que efetivamente contribua para o estabelecimento de relações contratuais equilibradas e para a preservação deste equilíbrio em todas as fases do itinerário contratual.


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