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Apelo tem que ser explícito? Dilemas sobre a propaganda eleitoral antecipada nas eleições 2018.

LEI N.º 9.504/1997

PROPAGANDA ELEITORAL

Raquel Cavalcanti Ramos Machado

Raquel Cavalcanti Ramos Machado

22/03/2018

Consideremos as seguintes situações:

  1. um homem olha para uma mulher, segura sua nuca, aproxima-se silenciosamente de seu rosto ofertando a boca, mas espera um gesto inicial da companheira, até que se beijam;
  2. outro homem, a certa distância de uma mulher de quem não gosta, olha-a e pede explicitamente, mas com ironia: me beija.

Diante desse cenário, podemos conjecturar: quem pediu melhor e mais explicitamente o beijo com a intenção de recebê-lo? Será que o homem do primeiro exemplo, porque não pronunciou as palavras “me beija” não pediu expressamente um beijo?

Os humanos têm habilidade comunicativa múltipla e, muitas vezes, dialogam explicitamente, ainda que com gestos. Não se trata de algo subliminar, mas apenas de outras formas de expressão, já que a prática ou a aplicação integra o discurso[1].

A essa altura, o leitor certamente deve estar se perguntando: como essas questões podem ter relação com a propaganda eleitoral?

Um dos grandes temas das eleições atuais envolve a análise do que é propaganda eleitoral antecipada e do que é pedido explícito de voto. Ou seja, compreender o que é um ato comunicacional (ou comunicativo) explícito está no centro da questão, motivo pelo qual os exemplos não jurídicos têm pertinência e foram ofertados propositadamente para deixar mais claro o excesso de formalismo jurídico do Poder Judiciário em algumas hipóteses.

A análise do que é propaganda eleitoral antecipada envolve captar: a) seu conceito; b) se há algum sentido em impor limites cronológicos à propaganda; e c) se é possível e vale a pena controlá-la.

As eleições são uma corrida e, como tal, demandam que seus participantes larguem no mesmo momento como forma de garantir a isonomia. Permitir que uns saiam antecipadamente é, talvez, dar-lhes vantagem descabida.

Partindo dessa ideia, a legislação eleitoral proíbe a chamada propaganda eleitoral antecipada. Só admite que ela seja realizada após o dia 15 de agosto do ano das eleições (art. 36 da Lei n.º 9.504/1997), momento que coincide com o prazo final para o pedido de registro de candidatura.

Contudo, de nada adianta saber que existe a vedação à propaganda eleitoral antecipada, sem a compreensão de seu conceito, que é dinâmico, formado por noções de Teoria Geral do Direito e calibrado, a cada momento histórico, pela legislação eleitoral, que costuma ser mutante.

No mesmo com passo em que foi reduzido o tempo de propaganda eleitoral, como decorrência da mudança da forma de financiamento das campanhas, da diminuição dos valores arrecadados e da fixação com gastos, a legislação flexibilizou o conceito de propaganda eleitoral antecipada.

A flexibilização ocorreu também para afastar expressamente posicionamento firme e rigoroso fixado pela jurisprudência do TSE quanto ao conceito de propaganda antecipada.

Nesse contexto, a Lei n.º 9.504/1997 foi alterada, passando a ter a seguinte redação:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;

III – a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias;

VII – campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4.º do art. 23 desta Lei.

O legislador, portanto, propositadamente, pretendeu admitir que os candidatos possam dialogar com os eleitores antes do período de 16 de agosto, desde que não peçam expressamente o voto. Ou seja, esse diálogo – que pode envolver a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, além dos outros atos referidos pelo art. 36-A, e que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via Internet – não é considerado propaganda eleitoral antecipada.

Como os candidatos, mesmo os mais iletrados, têm malícia política, eles não tendem, evidentemente, a pedir votos antes do dia 16 de agosto, mas realizam atos que desafiam a compreensão sobre seu correto enquadramento, sobretudo levando em consideração o que se afirmou inicialmente de que, nem sempre, para ser explícito, precisa ser verbalizado. A inteligência humana permite que o indivíduo formule pedidos expressos por gestos e comportamentos.

Com relação a alguns possíveis candidatos à presidência, como Bolsonaro, estão sendo espalhados por várias cidades do Brasil outdoors com alusão às suas qualidades políticas, sem que, como comentado, seja feito pedido expresso de voto.

No caso, a questão ganha um complicador. Muitos outdoors são financiados por apoiadores do possível candidato. Tratar-se-ia, portanto, de apoio político, e não de propaganda eleitoral. Apoio político é ato praticado por outrem em favor de um político; propaganda eleitoral é ato praticado pelo partido ou pelo próprio candidato para conquistar o voto do eleitor.

Apesar de ser bem clara a distinção, na prática, o fenômeno pode levar a fraudes e simulações em que a propaganda ganhe disfarce de apoio. Especificamente nesse caso, do possível candidato Bolsonaro, o TSE já proferiu decisão no sentido de que não se trata de propaganda eleitoral antecipada. Como fundamento, além da distinção entre apoio e propaganda, invocou-se o fato de não ter havido pedido de voto[2].

São muitos os casos em análise pela jurisprudência atual sobre propaganda eleitoral antecipada. De modo geral, ela tem sido complacente com campanhas em que não há o pedido expresso de voto.

É certo que a campanha antecipada pode trazer desgaste, em vez de vantagem, ao candidato que larga primeiro. É igualmente certo que, com a diminuição do tempo de campanha promovida pela reforma eleitoral de 2016, seja razoável que os candidatos dialoguem com os eleitores antes do prazo para registro de campanha. Da mesma forma, também não deve o Poder Judiciário ignorar a vontade do legislador de flexibilizar o conceito de propaganda eleitoral.

Todavia, parece haver um excesso na complacência com alguns discursos pré-eleições, o que transforma em letra morta a ideia de vedação à propaganda eleitoral antecipada e parece ignorar o amplo poder comunicacional/comunicativo humano, além de desconsiderar que só candidatos muito tolos na artimanha política pedirão voto usando essas palavras “votem em mim”.

Assim, se, por um lado, o controle da propaganda não pode nem precisa ser excessivo, por outro, manter esse rumo tão fluido certamente permitirá que candidatos larguem em posições desiguais (para o bem ou para o mal), e tornará, de certa forma, inútil o conceito de propaganda eleitoral antecipada, num cenário em que se conhecem minimamente as malícias da comunicação.

A exigência de “expresso” e “explícito” relativamente ao ato humano comunicativo requer a consideração das possíveis sutilezas do diálogo. É de esperar, portanto, uma análise mais crítica nos julgados, além da mera busca por palavras expressas.

Mesmo que o TSE permaneça complacente, o tempo certamente revelará que, mantido esse entendimento, a noção de propaganda eleitoral antecipada será desnecessária. A legislação poderá até chegar a esse ponto, mas, enquanto tivermos uma norma que pretende sancionar a propaganda eleitoral antecipada, ela deve ter algum resultado prático, considerando as complexidades da conduta humana.


[1] WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Tradução de José Carlos Bruni. São Paulo. Nova Cultural, 2000. p. 74.
[2] Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,vice-presidente-do-tse-fux-libera-outdoors-de-bolsonaro,70002167259>.

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