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Paulo Lobo

Paulo Lobo

22/03/2018

A ética profissional é parte da ética geral, entendida como ciência da conduta. Nosso campo de atenção é o da objetivação da ética profissional, que se denomina deontologia jurídica, ou estudo dos deveres dos profissionais do direito, especialmente dos advogados, porque de todas as profissões jurídicas a advocacia é talvez a única que nasceu rigidamente presa a deveres éticos. A deontologia, termo criado por Jeremias Bentham (1748-1832), com sentido utilitarista, ao lado da diceologia (estudo dos direitos profissionais), integra o todo da ética. Para Jacques Hamelin e André Damien (1975, p. 1), o termo teria aparecido pela primeira vez em 1874, em artigo de Janet, ao menos na França. A etimologia da palavra esclarece seu sentido: deontos significa o dever de fazer; logos significa discurso sobre essa matéria.

A ética profissional não parte de valores absolutos ou atemporais, mas consagra aqueles que são extraídos do senso comum profissional, como modelares para a reta conduta do advogado. Diz Goffredo Telles Junior (1988, p. 236) que “uma ordem ética é sempre expressão de um processo histórico. Ela é, em verdade, uma construção do mundo da cultura. Em concreto, cada ordem ética é a atualização objetiva e a vivência daquilo que a comunidade, por convicção generalizada, resolveu qualificar de ético e de normal”.

São tópicos ou topoi na expressão aristotélica, ou seja, lugares-comuns que se captam objetivamente nas condutas qualificadas como corretas, adequadas ou exemplares; não se confundem com juízos subjetivos de valor.

Quando a ética profissional passa a ser objeto de regulamentação legal, os topoi convertem-se em normas jurídicas definidas, obrigando a todos os profissionais. No caso da advocacia brasileira, a ética profissional foi objeto de detalhada normatização, destinada aos deveres dos advogados, no Estatuto anterior e no Código de Ética Profissional, este datado de 25 de junho de 1934. O Estatuto da Advocacia e da OAB de 1994 (Lei n. 8.906/1994) preferiu concentrar toda a matéria no Código de Ética e Disciplina, editado pelo CFOAB em 1995 e revisto em 2015.

No capítulo da Ética do Advogado, o Estatuto da Advocacia e da OAB enuncia princípios gerais, balizando a regulamentação contida no Código de Ética e Disciplina.

A ética profissional impõe-se ao advogado em todas as circunstâncias e vicissitudes de sua vida profissional e pessoal que possam repercutir no conceito público e na dignidade da advocacia. Os deveres éticos consignados no Código não são recomendações de bom comportamento, mas sim normas jurídicas dotadas de obrigatoriedade que devem ser cumpridas com rigor, sob pena de cometimento de infração disciplinar punível com a sanção de censura (art. 36 do Estatuto da Advocacia e da OAB) se outra mais grave não for aplicável. Portanto, as regras deontológicas são regras providas de força normativa; a lei (o Estatuto da Advocacia e da OAB), o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina e os provimentos são suas fontes positivas, às quais se agregam, como fontes secundárias, a tradição, a interpretação jurisprudencial e administrativa, a doutrina, os costumes profissionais. A aplicação da deontologia profissional deve levar em conta a superação da exclusividade da oposição cliente-adversário por uma nova lógica que inclua o papel crescente do advogado em atuação preventiva e extrajudicial, como conselheiro, assessor e formulador de atos, projetos e programas de natureza jurídica. Ao advogado que elabora um ato jurídico ou orienta empresa ou consumidor em relação de consumo, por exemplo, não se aplicam as regras deontológicas tradicionais de duelo pretoriano, sendo muito mais adequados os deveres de rigorosa lealdade, de sigilo, de qualidade do trabalho, de ética da responsabilidade, de independência técnica.

O primeiro comando do Estatuto da Advocacia e da OAB dirige-se à conduta pessoal do advogado. Onde quer que resida e se relacione, deve proceder de forma a merecer o respeito de todos, porque seu comportamento contribui para o prestígio ou desprestígio da classe. Não é demais lembrar as virtudes éticas que Aristóteles sintetizou na Ética a Nicômaco, a saber, a coragem, a temperança, a liberalidade, a magnanimidade, a mansidão, a franqueza, enfim, a justiça, que é a maior de todas. Ou então os famosos preceitos de Ulpiano: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere.

Mas, certamente, a que mais fortalece o prestígio da profissão é a intransigente probidade, ou honestidade (honeste vivere), como bastião indômito às tentações que passam todos os dias e todas as horas em frente ao advogado, como advertiu Eduardo Couture (1990, p. 17). A honestidade é o valor magno da ética da advocacia; sem ela, a conduta profissional resta profundamente comprometida. O advogado lida frequentemente, em razão de seu ofício, com interesses econômicos de seus clientes, que nele depositam sua confiança, e, por seus conhecimentos técnicos, acha-se em condição de superioridade em relação à pessoa que solicita seus serviços.

Na advocacia, o resultado perseguido, em cada causa, não pode justificar a adoção de quaisquer meios, pois ela não é balcão de negócios ou arena de tráfico de influência ou corrupção, incorrendo em violação do dever de honestidade todo aquele que assim procede. Invertendo-se antigo aforismo, o advogado não apenas deve parecer honesto, mas ser honesto, como imperativo interior de conduta. No dizer de Manuel Santaella López, “um profissional, destinado ao serviço dos demais, há de ser, antes de tudo, uma pessoa honesta. A probidade vem a constituir, desta forma, um compêndio das principais virtudes morais. Supõe uma consciência moral bem formada e informada dos princípios éticos e da normativa especificamente deontológica” (1995, p. 19). Nessa mesma linha de grandeza ética, Adolfo Parry adverte que “o talento sem a probidade é o mais funesto presente da natureza e a probidade sem o talento não basta porque, mesmo com a melhor intenção, cometem-se frequentemente males irreparáveis” (Langaro, 1992, p. 42).

O Código de Responsabilidade Profissional da ordem dos advogados dos Estados Unidos (American Bar Association Model Code of Professional Responsability) enuncia em seu preâmbulo que todo advogado deve descobrir em sua consciência os standards mínimos de conduta, mas, em última análise, é o desejo pelo respeito e confiança dos membros de sua profissão e da sociedade a que ele serve que deve provê-lo do incentivo para o máximo grau possível de conduta ética.

Os deveres de decoro, urbanidade e polidez são obrigatórios para o advogado, inclusive nas referências processuais à parte adversa; competitividade não é sinônimo de agressão. Viola o dever de urbanidade o advogado que imputa à parte contrária conduta criminosa, não sendo admissível a exceção da verdade. Porém, não viola o dever de urbanidade o advogado que faz críticas pessoais a colega, em mensagem eletrônica, durante disputa eleitoral na OAB, pois o requisito indispensável é a relação com o exercício da profissão (CFOAB, Rec. 2010.08.02389-05/SCA – TTU).

Por fim, o dever de permanente qualificação, para bem cumprir seu compromisso social. A incompetência, infelizmente, pode causar tantos prejuízos sociais e individuais quanto a própria desonestidade, sendo alguns irrecuperáveis.

O advogado não dispõe do poder do juiz e dos meios de coação da polícia. Sua força deve residir na palavra e na autoridade moral que ostente, nunca no poder econômico seu ou de seu cliente ou na alimentação da venalidade humana.

A independência é um dos mais caros pressupostos da advocacia. Sem ela não há rigorosamente advocacia. Qualquer pessoa apenas confiará na justiça se contar com a assistência de um defensor independente. A independência do advogado não se limita a sua atividade judicial; é também essencial à atividade extrajudicial de consultoria e assessoria, assim como importante fator de preservação do Estado de Direito, do governo submetido a leis, da contenção do abuso da autoridade e da limitação do poder econômico, porque foi instituída no interesse de todos os cidadãos, da sociedade e do próprio Estado. Uma antiga decisão da Suprema Corte norte-americana, que afastou a equiparação do advogado a funcionário público, proclamou: “O público tem quase tanto interesse na independência dos advogados quanto na dos juízes” (Cheatham, 1965, p. 66).

A independência do advogado está estreitamente ligada à independência da Ordem, que não se vincula nem se subordina a qualquer poder estatal, econômico ou político. É grande e permanente a luta dos advogados, em todo o mundo, para preservar sua independência diante das arremetidas autoritárias frequentes dos donos do poder. O XXV Congresso da União Internacional dos Advogados, reunido em Madrid, em 1973, foi dedicado à independência do advogado, e suas conclusões continuam presentes quando afirmam “que não existe Justiça digna desse nome sem o concurso de advogados independentes; que a independência do advogado condiciona sua liberdade imprescritível, e que o dever fundamental dos povos é mantê-la em sua plenitude”. O art. 3º do Código Internacional de Deontologia Forense da International Bar Association estabelece que o advogado “deverá conservar sua independência no cumprimento de seu dever profissional”, evitando qualquer negócio ou ocupação que possam afetar sua independência.

Por tais razões, é uma decorrência natural que os advogados tenham estado sempre na linha de frente das lutas emancipatórias e libertárias da humanidade e do Estado Democrático de Direito. Não é por acaso que os advogados sempre sofreram a intolerância dos déspotas de todos os matizes. É simbólica a reação irada de Napoleão Bonaparte, referida por Rui Barbosa (s.d., p. 63), quando lhe apresentaram o decreto de constituição da Ordem dos Advogados (que terminou por assinar em 1811) anos após as perseguições sofridas pelos profissionais com o golpe que o entronizou no poder: “Os advogados são facciosos, artífices de crimes e traições. Enquanto eu tiver uma espada à cinta, não firmarei nunca tal decreto. Quero que se possa cortar a língua ao advogado, se dela usar contra o Governo”.

Na defesa dos interesses sob seu patrocínio, o advogado nunca deve fazer concessões que afetem sua independência, inclusive em face do próprio cliente. Na escolha dos meios jurídicos e na condução de seu trabalho profissional, o advogado nunca deve permitir que haja tutela direta ou indireta do cliente, de terceiro ou do magistrado. É sua, inteira e indelegável, a responsabilidade pela direção técnica da causa ou da questão.

Além da independência técnica, o advogado deve preservar sua independência política e de consciência, jamais permitindo que os interesses do cliente confundam-se com os seus. O advogado não é e nunca pode ser o substituto da parte; é o patrono. Por outro lado, em momento algum deve ele deixar-se levar pelas emoções, sentimentos e impulsos do cliente, que deverão ser retidos à porta de seu escritório.

A ética do advogado é a ética da parcialidade, ao contrário da ética do juiz, que é a da isenção. Contudo, não pode o advogado cobrir com o manto ético qualquer interesse do cliente, cabendo-lhe recusar o patrocínio que viole sua independência ou a ética profissional. Não há justificativa ética, salvo no campo da defesa criminal, para a cegueira dos valores diante da defesa de interesses sabidamente aéticos ou de origem ilícita. A recusa, nesses casos, é um imperativo que engrandece o advogado.

Disse Couture (1990, p. 37) que o dia de prova para o advogado é aquele em que se lhe propõe um caso injusto, economicamente vantajoso, e que bastará a promoção para alarmar o demandado e resultar em lucrativa transação. Nenhum advogado é plenamente tal se não souber rechaçar esse caso, sem aparato ou alardes.

O Código de Ética e Disciplina estabelece que o advogado deve abster-se de patrocinar causa contrária à validade de ato jurídico em que tenha colaborado ou intervindo de qualquer maneira e, ainda, quando tenha sido convidado pela parte contrária que lhe revelou segredos.

Quanto à defesa criminal, a tradição da advocacia é de nunca recusá-la. O Código de Ética e Disciplina determina de forma incisiva que é direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado.

Disse Rui Barbosa (1994, p. 25), em famoso trecho de sua carta-resposta a Evaristo de Morais: “Tratando-se de um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluto indigna de defesa. Ainda quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova: e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta, não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas. Cada uma delas constitui uma garantia, maior ou menor, da liquidação da verdade, cujo interesse em todas deve acatar rigorosamente”.

Guarda idêntica etiologia a regra estatutária que determina ao advogado que não prejudique o exercício da profissão, por receio de desagradar magistrado ou qualquer autoridade ou de incorrer em impopularidade. O magistrado não é seu superior. Amesquinha a profissão, infringindo a ética, o advogado que se comporta com temor reverencial perante magistrado ou outra autoridade, porque não representa interesses próprios, mas sim do cliente. Também não se admite que aja com petulância, impertinência ou prepotência. No patrocínio da causa deve portar-se com altivez e dignidade, matizada pela serenidade, equilíbrio e urbanidade.

A opinião pública nem sempre está do lado da verdade; comumente deixa-se levar por impulsos irrefletidos e pelas comoções do momento ou pela manipulação das informações. A impopularidade pode ser o preço a pagar pelo advogado na defesa do cliente, quando está convencido de que é merecedor de justiça. A história da advocacia está cheia desses exemplos grandiosos, como a do advogado francês Labori, que perdeu quase toda sua clientela ao promover a defesa de Dreyfus (militar acusado de traição contra a França), previamente condenado pelo povo e cuja inocência mais adiante se provou. Durante o julgamento do ditador iraquiano Saddam Hussein, em 2005, assim respondeu Khamees Hamid Al-Ubaidi, um dos advogados que o defenderam, após o assassinato de outro colega, que integrava a equipe de defesa, sobre se deixaria o caso, ante o risco de ser também morto: “Eu o deixo na mão de Deus. Meu trabalho exige que eu defenda qualquer acusado, razão por que não posso recuar” (Time, 7 nov. 2005, p. 17).

Além da responsabilidade disciplinar, o advogado responde civilmente pelos danos que causar ao cliente, em virtude de dolo ou culpa. As Ordenações Filipinas, Livro 1, Título XLVIII, 10, já determinavam que “se as partes por negligência, culpa, ou ignorância de seus Procuradores receberem em seus feitos alguma perda, lhes seja satisfeito pelos bens deles”. Lembra Yves Avril (1981, p. 213) que a responsabilidade é a contrapartida da liberdade e da independência do advogado.

No direito positivo brasileiro são as seguintes as normas gerais de regência da responsabilidade civil do advogado:

  1. a) Art. 133 da Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações no exercício da profissão. É norma de exoneração de responsabilidade, não podendo os danos daí decorrentes ser indenizados, salvo no caso de calúnia ou desacato. Essa peculiar imunidade é imprescindível ao exercício da profissão, que lida com a contradição de interesses e os conflitos humanos.
  2. b) Art. 186 do Código Civil, regra básica da responsabilidade civil subjetiva, aplicável aos profissionais liberais.
  3. c) Art. 32 da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia), que responsabiliza o advogado pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
  4. d) Art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, que abre importante exceção ao sistema de responsabilidade objetiva, ao determinar a verificação da culpa, no caso dos profissionais liberais. Forte corrente, na doutrina e na jurisprudência dos tribunais, entende inaplicável ao advogado a legislação de proteção ao consumidor; nesse sentido, a Súmula 02/2011 do CFOAB, segundo a qual a “Lei n. 8.906/94 esgota toda a matéria, descabendo a aplicação subsidiária do CDC”.

Tendo em vista o desenvolvimento da teoria da responsabilidade civil nos últimos anos, a responsabilidade civil do advogado assenta-se nos seguintes elementos:

  1. a) o ato (ou omissão) de atividade profissional;
  2. b) o dano material ou moral;
  3. c) o nexo de causalidade entre o ato e o dano;
  4. d) a culpa ou dolo do advogado;
  5. e) a imputação da responsabilidade civil ao advogado.

O advogado exerce atividade, entendida como complexo de atos teleologicamente ordenados, com caráter de permanência. A atividade obriga e qualifica como culposa a responsabilidade pelo dano decorrente de qualquer de seus atos de exercício.

A imputação da responsabilidade é direta ao advogado que praticou o ato de sua atividade causador do dano, não podendo ser estendida à sociedade de advogados de que participe.

Cabe ao advogado provar, além das hipóteses comuns de exclusão de responsabilidade, que não agiu com culpa (em sentido amplo, inclui o dolo). Se o profissional liberal provar que não se houve com imprudência, negligência, imperícia ou dolo, a responsabilidade não lhe poderá ser imputada.

O advogado tem obrigação de prudência (obligation de prudence). Incorre em responsabilidade civil o advogado que, imprudentemente, não segue as recomendações do seu cliente nem lhe pede instruções para segui-las. Na hipótese de consulta jurídica, de acordo com Moitinho de Almeida, o conselho insuficiente deve ser equiparado à ausência de conselho, sendo também imputável ao advogado a responsabilidade civil (1985, p. 18). É exceção à regra de não cabimento de responsabilidade civil em razão de exercício de consultoria jurídica, consagrada no STF: “O parecer meramente consultivo não possui caráter vinculante e não justifica, portanto, a responsabilização do advogado que o assina” (MS 30.892).

Sobre opinião jurídica emitida em processo de licitação, o CFOAB editou a Súmula n. 05/2012/COP, enunciando que não pode ser responsabilizado, civil ou criminalmente, o advogado que, no regular exercício do seu mister, emite parecer técnico opinando sobre dispensa ou inexigibilidade de licitação para contratação pelo Poder Público. Também deliberou o CFOAB (Ementa n. 032/2014/COP) em autorizar sua Diretoria para que intervenha como assistente de todo advogado que venha a responder processo administrativo ou judicial por força de sua atuação como parecerista, de modo a evitar a criminalização da atividade de advocacia pública.

A perda da ação, por decisão judicial, não implica responsabilidade civil do advogado, salvo se a ele possa ser imputado dolo ou culpa. Mas a perda negligente de prazo gera responsabilidade civil por danos morais e materiais, em virtude da teoria da perda de chance (STJ, REsp 1.079.185).

Tem-se decidido que o advogado que age com comprovada imperícia, impedindo que seu cliente consiga uma posição mais vantajosa no processo, pode ser responsabilizado com base na teoria da perda de uma chance. O TJRS condenou um advogado a pagar danos morais por ter prejudicado seu cliente. O erro da estratégia jurídica levou à prescrição do direito que estava sendo buscado, deixando o reclamante sem receber verbas rescisórias (Ap. 0447341-64.2011.8.21.7000).

Não caracteriza responsabilidade do advogado, defensor dativo, o fato de não haver apresentado embargos divergentes no tribunal, se atuou eficientemente em todos os atos do processo criminal, inclusive por ocasião do julgamento da apelação, conforme decidiu o STF (RT, 719:536).

Considera-se nula a cláusula de irresponsabilidade no contrato de prestação de serviços de advocacia. Não se pode excluir responsabilidade por atos próprios.

Ocorre a lide temerária quando o advogado coligar-se com o cliente para lesar a parte contrária, sendo solidariamente responsável pelos danos que causar. A lide temerária funciona como meio indevido de pressão e intimidação, estando destituída de qualquer fundamentação legal, consistindo em instrumentalização abusiva do acesso à justiça, para fins impróprios ou ilícitos.

A lide temerária, no entanto, não se presume, nem pode a condenação decorrente ser decretada pelo juiz na mesma ação. Tampouco basta a prova da temeridade, que pode ser resultado da inexperiência ou da simples culpa do advogado. Para responsabilizar o advogado é imprescindível a prova do dolo. Caracterizando-se a lide temerária, pode a parte prejudicada ingressar em juízo com ação própria de responsabilidade civil contra o advogado que, coligado com o cliente, causou-lhe danos materiais ou morais, ante a evidência do dolo. A competência para a ação própria de responsabilidade civil é da justiça comum, ainda que a lide temerária tenha outra origem, como a Justiça do Trabalho.

O dolo, entendido como intenção maliciosa de causar prejuízo a outrem, é espécie do gênero culpa, no campo da responsabilidade civil. Aproxima-se da culpa grave. O dolo é qualificado em caso de lide temerária. É gravíssima infração à ética profissional. Ao contrário da culpa, onde o dano terá de ser indenizado na dimensão exata do prejuízo causado pelo advogado, o dolo em lide temerária acarreta um plus ao advogado, porque é obrigado solidário juntamente com o cliente, inclusive naquilo que apenas a este aproveitou indevidamente.

A necessidade em se regulamentar a ética profissional, mediante códigos de conduta rigorosos, vem de longa data. Como toda atividade humana, a advocacia conheceu e conhece seus momentos de indignidade cometidos pelos maus profissionais. A lei Cíntia (de 204 a.C.), em Roma, puniu os advogados com impedimento para receber remuneração em virtude do procedimento reprovável de muitos práticos. Ordenanças dos reis espanhóis, em 1495, foram editadas para “evitar a malícia e tirania dos advogados que usam mal de seus ofícios”.

A Lei n. 8.906/1994 evitou a duplicidade de tratamento legal dos deveres éticos, remetendo-os inteiramente ao Código de Ética e Disciplina, editado pelo CFOAB. A duplicidade de tratamento dos deveres éticos, havida entre o anterior Estatuto da Advocacia e da OAB e o Código, foi a principal razão para o quase desconhecimento do antigo Código de Ética Profissional no seio dos advogados, com parca aplicação pela própria OAB.

As regras deontológicas do Código de Ética e Disciplina dizem respeito à retidão de conduta pessoal e profissional, às relações com o cliente, com o colega, com os agentes políticos, as autoridades, os servidores públicos e os terceiros; ao sigilo profissional; à publicidade; aos honorários profissionais; ao dever de urbanidade; à advocacia pro bono; ao exercício de cargos e funções na OAB e na representação da classe. Outras matérias são pertinentes, notadamente quanto ao sigilo profissional, à independência, aos honorários, à divulgação de atividade de advocacia, à renúncia ao mandato judicial, à imunidade profissional, aos símbolos privativos, à idoneidade moral, à atividade de estagiário, ao domicílio profissional, às sociedades de advogados, ao advogado empregado.

Cada caso é um caso, na modulação razoável dos deveres de conduta profissional, como se pode depreender das seguintes decisões do CFOAB, aplicando o Código de Ética: a) Não fere a ética o advogado que, “depondo perante a Seccional, refere acusação feita por seu cliente a outro advogado, mormente quando este, por força do aludido fato, vem a ser réu em ação penal” (Proc. 1.252/93/SC); b) “Não deve o advogado aceitar procuração de quem já tenha advogado constituído, e tampouco procuração para revogação do mandato, sem anuência do anterior procurador ou sem a sua inequívoca notificação a este dos motivos apresentados como justos a tanto pelo constituinte” (Proc. 1.521/94/SC); c) Não fere o dever de urbanidade o advogado que, na defesa dos direitos de seu constituinte, “lança em petição palavras e expressões firmes que refletem o comportamento da parte contrária” (Proc. 1.461/94/SC); d) Fere o dever de urbanidade a cobrança efetuada pelo advogado em correspondência redigida com termos intimidativos e ameaçadores (Proc. 1.523/94/SC).

As regras de deontologia devem estar internalizadas no cotidiano profissional dos advogados. Por essa razão, exige-se seu estudo na formação prática do estudante de direito, especialmente no estágio, e para o conteúdo do Exame de Ordem. Em última instância, ao profissional inspirado nos princípios éticos, especialmente os da probidade, da dignidade e do decoro, o Código de Ética resulta desnecessário; mas é grande sua importância na orientação da conduta a ser seguida.

De maneira geral, os códigos de deontologia profissional apelam à consciência dos profissionais para fazerem de seus enunciados as diretrizes voluntárias de suas condutas. Não é catálogo de más condutas. É orientação de boas condutas ou boas práticas profissionais. Tem natureza de autorregulamentação, confiada pelo legislador à prudência da categoria profissional. Assim é, por exemplo, o Código Internacional de Deontologia Forense da International Bar Association. O Código de Ética e Disciplina brasileiro não apenas cumpre esse papel tradicional como assume a natureza de autênticas normas jurídicas, cuja infração acarreta a aplicação da sanção disciplinar de censura (art. 36, II, da Lei n. 8.906/94).

É regra geral deontológica a vedação de oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela. Impõe-se ao advogado o emprego de linguagem escorreita e polida, sendo-lhe vedado o uso de expressões intimidatórias que possam constranger e ameaçar o destinatário, especialmente em serviço de cobrança.

O Código tem funções abrangentes, porque, além de absorver o conjunto dos deveres éticos, cuida dos procedimentos disciplinares necessários para sua plena efetividade. As normas gerais sobre o processo disciplinar, em virtude de serem entendidas como de reserva legal, foram previstas no Estatuto. Os ritos e procedimentos, no entanto, foram destinados ao Código de Ética e Disciplina para permitir sua adaptação às mudanças que se façam necessárias.

Seu guardião é o Tribunal de Ética e Disciplina, instalado em todos os Conselhos Seccionais, com atribuições ampliadas. Cabiam-lhe, pelo anterior Estatuto, objetivos mais modestos de promoção da ética profissional e de órgão de consulta, nesta matéria, do Conselho Seccional. Na vigência da Lei n. 8.906/94 é órgão indispensável do Conselho, porque atribuído de competência para julgar todos os processos disciplinares contra os inscritos na OAB.

O Código de Ética e Disciplina alcança o advogado no foro, na rua, em seu escritório, enfim, em todos os espaços públicos onde seu comportamento possa repercutir no prestígio ou desprestígio da advocacia.

O Código de Ética e Disciplina também alcança a conduta do advogado como membro de órgão da OAB ou como representante da classe em órgãos colegiados, como o CNJ e o CNMP. Considera-se utilização de influência indevida, vedada pelo Código, a atuação de diretores e conselheiros da OAB, de dirigentes da Caixa de Assistência e de membros do TED, perante órgãos da OAB, na defesa de partes interessadas em processos ou no oferecimento de pareceres em seu favor, exceto se for em causa própria.

Na aplicação do Código devem ser observados os limites estabelecidos pelas garantias constitucionais dos direitos da personalidade, especialmente a intimidade e a vida privada, para que não se converta em instrumento abusivo de conduta.

O Código de Ética e Disciplina define os limites da publicidade, que deve primar pela discrição e sobriedade, com finalidade exclusivamente informativa, estando vedada a utilização de meios promocionais típicos de atividade mercantil.

É vedada a veiculação por rádio e televisão ou espaços públicos, podendo ser utilizados os demais meios de imprensa, como revistas, ou aqueles cujo acesso depende do próprio interessado, como ocorre com a Internet, inclusive mediante sítio eletrônico próprio, em qualquer hipótese observados os limites de conteúdo, que deve ser exclusivamente informativo. Na publicidade profissional, nos cartões e material de escritório podem estar contidos o nome do advogado ou o da sociedade de advogados, seu número de inscrição, seus títulos acadêmicos regularmente obtidos em instituições de ensino superior (mestre, doutor, por exemplo), seus títulos honoríficos, suas especialidades desenvolvidas na área jurídica, sua condição de membro de entidades científicas e culturais, seus endereços profissionais e horários de expediente, seus números de telefone e demais meios de comunicação, como e-mail, página eletrônica, além dos idiomas em que o cliente pode ser atendido. Todavia é vedada a menção a cargos, empregos ou funções ocupados pelo advogado ou que tenha ocupado.

O Código avança no sentido de admitir a publicidade como direito do advogado, o que interessa especialmente aos mais novos. Porém a publicidade tem o escopo de ilustrar, educar e informar, não podendo ser usada para a autopromoção. A publicidade há de ser ostensiva, veraz e clara, não se admitindo a utilização de expedientes que configurem formas subliminares de merchandising, como a publicação de artigos jurídicos sem finalidade científica e com intuito não assumido de promoção profissional, ou a inserção de referências ao advogado ou a seu escritório em reportagens, notas sociais ou mensagens nos meios de comunicação.

A publicidade não pode adotar a ética empresarial. Nos Estados Unidos, o conflito é patente entre os mandamentos deontológicos da American Bar Association e a Suprema Corte, que, em decisão de 1977, entendeu que a publicidade dos profissionais está constitucionalmente protegida pela Primeira Emenda. Para os deontólogos americanos a publicidade é vista como a manifestação de mercantilismo, estranha à quieta dignidade da profissão. Mas, para os advogados que promovem assistência judiciária (legal-aid lawyers), a publicidade é essencial para viabilizar economicamente suas atividades (Seron, 1993, p. 403).

No Brasil, assume contornos próprios mais adequados a uma profissão que deseja preservar-se em dignidade e respeito popular. O serviço profissional não é uma mercadoria que se ofereça à aquisição dos consumidores. No Brasil, a advocacia é serviço público, ainda quando exercido de modo privado, por força da Constituição e da Lei n. 8.906/94.

É vedado ao advogado utilizar-se dos meios comuns de publicidade empresarial e a regra de ouro é discrição e moderação, divulgando apenas as informações necessárias de sua identificação, podendo fazer referência a títulos acadêmicos conferidos por instituições universitárias, a associações culturais e científicas, aos ramos do direito em que atua, aos horários de atendimento e aos meios de comunicação. Estes são os dados que pode conter a publicidade, conforme enuncia o Código de Ética e Disciplina. O Código Internacional de Ética do Advogado, da International Bar Association, estabelece regra muito rigorosa a respeito (regra 8): “É contrário à dignidade do advogado recorrer a anúncio”. O anúncio não pode conter fotografias, ilustrações, cores, figuras ou desenhos incompatíveis com a sobriedade da advocacia. Proíbem-se igualmente referências a valores de serviços, tabelas, formas de pagamentos e estrutura da sede profissional, ou o uso do brasão da República, ou do nome e símbolos da OAB.

A divulgação não pode ser feita em rádio, televisão ou em propaganda de rua, tais como cartazes ou outdoors. “Quando o advogado faz publicidade jornalística com o fito de captar e adquirir clientela, infringe o Art. 7º, do Código de Ética e Disciplina profissional, eis que o simples anúncio com tal finalidade já configura prática vedada, não sendo necessário efetivamente ter angariado clientes e interpostas ações em nome destes” (CFOAB, Ementa 008/2007/2ª T – SCA).

O anúncio do escritório ou da sociedade de advogados poderá ser veiculado em jornais, revistas, catálogos telefônicos, folders de eventos jurídicos ou outras publicações do gênero, bem como em sítios da internet, sendo vedado fazê-lo por meio de mensagens dirigidas a telefones celulares, publicidade na televisão ou no cinema, nem podendo ser a mensagem publicitária transmitida por outro veículo próprio da publicidade empresarial.

Formas indiretas, tais como programas de consulta em rádios e televisão, artigos pagos na imprensa, veiculação frequente de sua imagem e nome nos meios de comunicação social, marketing ou merchandising são atitudes que ferem a ética profissional. É proibida a publicidade sob forma de opinião sobre matérias jurídicas, salvo quando afirmada de modo geral ou em tese ou como trabalho doutrinário, e em nenhuma hipótese quando esteja patrocinando interesse concreto a respeito. A participação do advogado na imprensa, para que não incida em sanção disciplinar, deve ater-se exclusivamente a objetivos instrutivos, educacionais e doutrinários, sem qualquer intuito de promoção pessoal.

A influência dos meios de comunicação social passou a ser uma tentação aos advogados que buscam promover-se profissionalmente sob a aparência de esclarecimentos e reportagens desinteressadas. O Código de Ética e Disciplina, ao lado dos códigos deontológicos de outros países, procurou encontrar o ponto de equilíbrio entre a participação episódica do advogado nos meios de comunicação em matérias de cunho jurídico, sem intuito promocional e visando ao interesse geral, e aquela habitual, em que se presume a promoção indevida, vedando a habitualidade de respostas a consultas, o debate sobre causas sob o patrocínio de outro colega, o comprometimento da dignidade da profissão, a divulgação da lista de clientes e de demandas, a insinuação para reportagens e declarações públicas sobre questões jurídicas, neste caso com intuito de captação de clientela, o debate sensacionalista.

Como consequência, o advogado que se manifestar sobre determinado tema jurídico nos meios de comunicação fica impedido eticamente de patrocinar novas causas a ele relacionadas. Nas causas sob seu patrocínio deve limitar-se a se referir em tese a aspectos que não violem o sigilo profissional.

Questão controvertida é a que se refere à mala direta. Ou se admite ou se proíbe ou se limita. Depois de longos debates havidos no CFOAB, optou-se pela terceira alternativa, ou seja, a mala direta é admissível apenas para comunicar a clientes e colegas a instalação do escritório ou mudança de endereço. O Código de Ética e Disciplina de 2015 foi mais longe, ao admitir que a publicidade pela internet ou outros meios eletrônicos e pela telefonia pode ser utilizada para envio de mensagens, desde que para destinatários certos e que não impliquem oferecimento de serviços ou importem captação de clientela, direta ou indireta.

A Internet, a web e outros meios eletrônicos de comunicação favorecem violações das regras deontológicas sobre publicidade da advocacia, nas quais se enquadram as seguintes condutas: a) envio habitual de boletins informativos, que encobrem o intuito de divulgação do escritório ou sociedade de advogados; b) oferta de patrocínio ou assessoria jurídica em página da Internet; c) estampa de relações de clientes; d) utilização de e-mail ou página da Internet para envio de mensagem eletrônica voltada à captação de clientela; e) divulgação de páginas da Internet com artigos jurídicos e opiniões virtuais, com intuito de captação de clientela, salvo em revistas jurídicas eletrônicas; f) prestação de consultas a clientes eventuais, mediante pagamento, inclusive com cartão de crédito.


Referências bibliográficas:

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