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Marcus Abraham

Marcus Abraham

26/03/2018

Recentemente, assistimos à paralisação temporária dos serviços públicos considerados “não essenciais” de responsabilidade do governo federal norte-americano, devido ao impasse instaurado entre os partidos Republicano e Democrata em relação à aprovação do orçamento público da União no Congresso dos EUA. Mais precisamente, o Senado recusou a proposta de aprovação de uma dotação orçamentária suplementar enquanto o orçamento público definitivo não fosse aprovado, o que deveria ter ocorrido até o final do mês de setembro, uma vez que o ano fiscal norte-americano se inicia em 1º de outubro.

Esta foi a 19ª vez que tal fato ocorreu naquele país, sendo a primeira do governo de Donald Trump. A última vez havia sido em 2013, durante o governo de Barack Obama. O impasse desse ano entre ambos os partidos girou, pelo lado democrata, em torno da questão da regularização dos “dreamers“, jovens imigrantes que chegaram aos EUA ainda crianças e que continuam sem a documentação definitiva para permanência no país; ao passo que republicanos demandavam um aumento de gastos militares para o ano de 2018.

O mecanismo de shutdown americano faz com que atividades públicas tidas como não essenciais – como, por exemplo, parques nacionais, bibliotecas, museus e pontos turísticos – tenham o seu funcionamento suspenso e os respectivos funcionários públicos sejam impedidos de se apresentarem ao trabalho, entrando numa espécie de “licença temporária sem vencimentos”. Isso se dá porque, assim como no Brasil, nos EUA vige o princípio constitucional da legalidade orçamentária, previsto no art. 1º, Seção 9, Cláusula 7, da Constituição dos Estados Unidos da América, segundo o qual “dinheiro algum poderá ser retirado do Tesouro senão em consequência de dotação determinada em lei“.

As regras gerais orçamentárias dos EUA se encontram previstas nos §§ 1.101 ao 1.126 do “U.S. Code – Title 31” (codificação das leis federais), que incorporou a legislação orçamentária conhecida por “Budget and Accounting Act“. A aprovação do orçamento público federal nos EUA se dá pela apresentação, no início de cada ano, da proposta anual de orçamento pelo Presidente ao Congresso, o qual deverá analisá-la, votá-la e aprová-la, para, ao final, ser sancionada pelo Presidente, distribuindo, assim, as dotações orçamentárias nas leis denominadas de “Appropriation Bills“.

Pelo que se vê, o processo de elaboração e aprovação das leis orçamentárias americanas contempla a participação conjunta do Poder Executivo e do Legislativo, dentro do modelo de democracia fiscal orçamentária, tal como ocorre no Brasil. Entretanto, nós não possuímos o mecanismo de shutdown, embora tenhamos também o imperativo da legalidade orçamentária, segundo a qual não poderá haver nenhuma despesa sem a devida e regular previsão legal que a autorize. Nesse sentido, o inciso I do art. 167 da Constituição Federal de 1988 proíbe o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual. Igualmente, segundo o art. 6º da Lei nº 4.320/1964, todas as despesas devem constar da lei orçamentária.

No Brasil, também acontece de o exercício financeiro se iniciar sem que tenha sido aprovado o projeto de lei orçamentária. Essa situação de “anomia orçamentária” infelizmente não é rara, tendo se tornado comum, ano após ano, a aprovação das leis orçamentárias no âmbito federal nos meses de fevereiro ou março, quando tal fato deveria ocorrer necessariamente ao fim do mês de dezembro do ano anterior. Merece lembrança o que ocorreu em 1994, quando a lei orçamentária daquele ano (Lei nº 8.933, de 09 de novembro de 1994) veio a ser aprovada somente no mês de novembro, com um atraso de 11 meses.

Embora não haja qualquer previsão legal ou constitucional expressa para disciplinar esta situação, a solução para a situação de falta de lei orçamentária decorre da utilização temporária, na proporção mensal de 1/12 avos (duodécimos), da proposta de lei orçamentária ou da prorrogação da lei orçamentária do ano anterior, a partir da interpretação por analogia do art. 32 da Lei nº 4.320/1964, que trata da hipótese de não envio da lei orçamentária pelo Chefe do Executivo no prazo estipulado e que, neste caso, permite a utilização da lei orçamentária então vigente, desde que a lei de diretrizes orçamentárias assim o autorize.

A relevância de que o orçamento seja efetivamente votado e aprovado pelo Poder Legislativo – devendo-se evitar os expedientes provisórios como aquele dos duodécimos – conecta-se às origens do orçamento público como documento democrático e representativo da vontade do povo na alocação de recursos. Já a Magna Carta inglesa de 1215 o aponta, podendo-se nela ver os primeiros vestígios do processo de transmutação para o Estado de Direito, em que as receitas do governante passam a ser definidas por um conselho de notáveis do reino, embrião do Parlamento inglês. Historicamente, o controle do Parlamento sobre as finanças do governante se deu primeiramente na sua face arrecadatória (tributação) e, só posteriormente, foi estendido para a orçamentária (despesa).

Somente com o desenvolvimento do constitucionalismo, com o controle do Poder Legislativo sobre o Executivo e com o advento das instituições de governo representativo é que se inicia o desenvolvimento do sistema orçamentário no Velho Mundo, modelo que se espraia para a grande maioria das nações.

A mencionada democracia fiscal orçamentária se revela no processo de elaboração e execução do orçamento público que, ao longo dos séculos, transformou-se em um mecanismo de relacionamento político e democrático entre o governante e o Parlamento. Chega-se, nos Estados de Direito contemporâneos, à formulação de que a estrutura organizatório-funcional dos poderes financeiros passa a conceber – além da mera autorização arrecadatória – a proposição orçamentária da despesa pública em mãos do governante, mas submetida sua aprovação aos membros do Parlamento como representantes dos cidadãos, de modo que haja autorização para execução dos gastos por meio de uma lei.

Não obstante os encômios à democracia fiscal orçamentária, em um país como o Brasil, em que prevalece a mecânica do presidencialismo de coalizão, a legítima participação dos representantes parlamentares durante o processo de elaboração e aprovação das leis orçamentárias traz reflexos e complexidade na sua conclusão, muitas vezes em decorrência de pressões pela inclusão de dotações orçamentárias destinadas a atender às suas bases eleitorais por meio das emendas parlamentares. Essa situação, além de envolver longo processo de negociação e, por vezes, atrasos na edição das leis orçamentárias, acarreta um aumento de gastos e desequilíbrio fiscal.

Assim, no processo orçamentário, tanto aqui no Brasil como nos EUA, revela-se uma grande tensão entre os interesses individuais, regionais ou partidários e a necessidade de sua submissão ao interesse nacional e coletivo, sob pena de invertermos os valores e objetivos constitucionalmente previstos e deturparmos a finalidade precípua do orçamento público – a realização do gasto público de forma racional e eficiente-, tendo como maior prejudicado o cidadão que ficará sem os serviços públicos a que faz jus.

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