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‘Lava-Jato” e a 2ª Instância

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Prova, Evidência e Domínio do Fato – a ‘Lava-Jato” e a 2ª Instância

2ª INSTÂNCIA

DOMÍNIO DO FATO

EVIDÊNCIA

LAVA JATO

PROVA

José Manuel de Sacadura Rocha

José Manuel de Sacadura Rocha

02/04/2018

Em breve o STF retornará ao julgamento da prisão pós 2ª instância, mais tarde ou mais cedo, decidindo se os réus têm ou não direito de ficarem em liberdade até o fim do ‘trânsito em julgado’, e só após todos os recursos previstos na legislação. Essa ‘cobrança incriminatória’ das decisões dos tribunais colegiados focado na 2ª instância é inconstitucional, ilógica e demonstra apenas a confusão mental de pessoas que aprenderam a ver o Direito como a casa da vingança humana e a oportunidade de destilar suas frustrações psíquicas. Se um réu for preso e depois em recursos às instâncias superiores for considerado inocente, qual a dívida a ser paga pelo Judiciário e pela sociedade?

Nisso, quiça, estamos de acordo: o Direito não é instituição de salvaguarda e emenda das maldades humanas e pretenso remédio vingativo das mesmas. Aliás, há cem anos Lon Fuller já trabalhava tal paradigma em seu sempre atual “O Caso dos Exploradores de Cavernas”. Ali tem um ministro que se abstém de dar um parecer conclusivo, o ministro Tatting. Normalmente os alunos que iniciam suas pegadas no Direito o condenam, quando são a favor da absolvição dos réus. Seria melhor cometer uma injustiça em um voto precipitado e suspeito?

Na base desta confusão e incriminação vingativa (um ato de expiação sacrificial, nos diz René Girard!) está o fato de não se tornar público – quer dizer, dos cidadãos não entenderem e da mídia não o elucidar adequadamente – que o Direito não tem por cogito o imediatismo e a superficialidade apreensível dos fenômenos e fatos sociais, mas a investigação que arremata o maior número de elementos – materiais e circunstanciais – capazes de formar um conjunto de elementos chamado de fato típico, antijurídico e culpável. Neste sentido, a conclusão mais evidente é que as evidências para o Direito precisam ser comprovadas, quer dizer, transformadas em provas. Muitos outras atividades humanas, contudo, podem, talvez, prescindir deste aprofundamento provativo, dando-se ao luxo de se comunicarem com o corpo social de forma apenas informativa, mas não formativa. Possivelmente um texto jornalístico pode contentar-se apenas com a informação a partir de evidências e pecar no trabalho investigativo-probativo. Aliás, vamos também lembrar que ‘probativo’ vem da palavra ‘probo’, quer dizer, íntegro, honesto, ético.

No Direito, evidências precisam ser provadas de forma proba, isto é, as provas precisam ser formadas eticamente, coerentemente, logicamente e consistentemente, sejam elas materiais ou imateriais, empíricas ou cognitivas. Daí que o Direito não pode ser imediatista e mediático; ele é por sua natureza principiológica reflexivo e compenetrado. Ainda aqui nada de novo: desde Sócrates que se sabe que o sofisma pode parecer real mas não é necessariamente verdadeiro; os discursos sofistas carecem de profundidade para que possamos lhes creditar crença absoluta. Neste sentido, Karl Marx dizia que se a natureza e a natureza das coisas fosse evidente, não precisariam os homens de ciência. A influência das instituições e sistemas organizativos que constituem o corpo social foi desenvolvido por autores após a Segunda Grande Guerra, como Theodor Viehweg e Chaim Perelman, que preconizaram, em sua Lógica Jurídica Argumentativa, a ideia de ‘auditório universal’. Igualmente esta escola foi questionada por filósofos do Direito como o professor Robert Alexy.

Consequentemente, é ‘quase’ inegável que evidências podem ser suficientes para muitas coisas, mas absolutamente insuficientes para o Direito: para este o que importa seriam as provas. Entretanto temos muitos problemas semânticos, hermenêuticos, linguísticos, deontológicos e filosóficos para esse ‘quase’ ser absoluto no Direito. Por exemplo, diferenças do tipo Democracia Formal e Democracia Real, Verdade e Interpretação, Direito Para Quem?, Direito operacionalizado Por Quem?, Qual Estética dos indivíduos envolvidos?, Qual Estética para o Direito?, Legalidade e Legitimidade, os Poderes

Constitucionais e o respeito às massas, e outros desse tipo. Não me parece que sejam respostas fáceis, por isso duvido que se possa dar conta da complexidade humana individual e coletiva, menos do ponto de vista jurídico, apenas remetendo o equacionamento dessas diferenças ao estabelecimento de ‘limites’ ou ‘graduações’. E, se vamos pensar em criticar o sistema capitalista de produção, como tentar colocar bom-senso e limites ou graduações, mesmo constitucionais, que evitem algo como a exploração do trabalho assalariado ou o livre mercado que pseudopressupõe os indivíduos iguais em posses, conforme ideário liberal burguês? O pensamento dogmático só pode ser trocado por outro pensamento dogmático; politicamente chama-se a isso ‘reformismo’. Vivemos em um mundo que tudo se justifica pelo ‘momento de transição’! Só não muda para os miseráveis puxadores de carrocinhas de lixo nas nossas metrópoles… Para estes a lei, para alguns o favor!

Portanto, no Direito, mais propriamente na ‘evidência’, em muitos casos, no processo de persecução probatória, não se realiza de forma material e absoluta em prova, mas apenas em ‘prova possível’. O que interessa ao Direito não é esta ou aquela prova, mas um ‘conjunto probatório’ que alimente o devido processo legal. Logo, provas não são condição per se para distinguir o Direito como uma atividade, ou um conhecimento, distinto fenomenologicamente, superior ou mais importante que outros conhecimentos e atividades humanas. Também não se pode, assim sendo, inocentá-lo por completo de seu papel e da responsabilidade de seus ativistas quanto ao mitigar das necessidades e exigências das massas, mais não seja porque, como toda a instituição social, é um espelho de ‘expectativas’ de justiça social em um sistema, [claro, no nosso caso por si só excludente].

Jusfilosoficamente pode-se colocar o tema em relação à tese que se conhece desde a década de 30 do século passado por ‘domínio do fato’, elaborada pelo professor e jurista Hans Wezel em 1939, a poder autorizar moral e juridicamente o julgamento de crimes contra a humanidade, como o caso dos nazistas, ou outros mais contemporâneos denunciados ao Tribunal Penal Internacional. Se ficar-se apenas no estrito sentido da lei e de um Direito afastado da realidade humana – dogmático, absoluto, superior, distante e inacessível, portanto desconectado das massas e da fenomenologia existencial -, cometer-se-á a improbidade e injustiça de, em nome da precursão probatória, ou melhor, na sua impossibilidade de obter melhores provas, e todas as provas, não julgar ou absolver por falta de ‘provas’ o genocídio, o racismo, a eugenia, por exemplo, o arianismo ou branqueamento racial, ou, talvez justificássemos tais arbítrios e desumanidades em nome do controle da superpopulação mundial, ou os experimentos e avanços antiéticos da biomedicina e biogenética em nome do aumento de expectativa de vida, etc.

A teoria do ‘domínio do fato’ salvaguarda o direito humano como ação mesma do Direito, quer dizer, a dignidade humana e os direitos inatos dessa condição quando intervém em favor de avaliação jurídica dos fatos e fenômenos sociais mesmo e quando a persecução probatória não consegue de forma explícita e formal transformar todas as evidências em provas materiais. O Direito não pode ser visto apenas como área positivada pela lei e processualística, ou pacificado pela doutrina e jurisprudência, mas como uma jurisprudência que toma para si a responsabilidade de se aproximar das expectativas dos cidadãos, mais não seja exatamente porque sabe que o sistema social, político e econômico é adverso a essa transparência e ação prepositiva. Ficar apenas jogando a culpa em um sistema injusto e desigual por sua natureza, como o capitalismo, ou os capitalismos de Estado, e não se apresentar apenas porque as ‘melhores evidências’ não bastam ao Direito, pode ser exatamente aquilo que esses sistemas de intolerância e dominação/exploração humana querem. Seria fazer injustiça, como Kant afirmou: “O Direito mais estrito é a maior injustiça”; ou, como David Thoreau dizia: “O que devemos fazer, de qualquer maneira, é verificar se não nos estamos prestando ao mal que condenamos”.

Desde o ‘mensalão’, e na ‘Lava-Jato’, o ‘domínio do fato’ se impôs no primeiro julgamento como forma de dizer que mesmo que não houvesse como provar a totalidade dos tipos penais na legislação Penal, como a formação de quadrilha, não havia como negar as evidências que a magnitude dos atos comprovados dos réus e seu conluio, o esquema desenvolvido de propinas, envolvendo lavagem de dinheiro e evasão de divisas a partir de corrupção e favorecimento financeiro de empresas privadas envolvendo dinheiro público. Estas eram por si só evidências suficientes para tipificar o crime de formação de quadrilha. Daí, neste caso, o Direito não precisar de todas as provas materiais para o devido enquadramento no tipo penal, mas apenas as possíveis (autoria e materialidade), suficientes para que as demais evidências sejam logicamente incriminatórias em um conjunto probatório mais amplo.

Só se condena por homicídio na presença do corpo da vítima e da arma do crime? Claro que precisamos de outras provas, mas as evidências não fazem a diferença? Devemos esperar a mulher ser espancada para termos a prova de seus maus-tratos? Apenas o exame de corpo delito? Sabemos que, no caso brasileiro, o processo penal só inicia com a denúncia aceita pelo juiz, e este se vale das ‘provas’ para instaurar o ‘devido processo legal’. Mas quer isto dizer que precisa ele de todas as evidências transformadas em provas, ou vale igualmente o livre convencimento do juiz? O que devemos valorizar primeiro, o ‘processo’ ou o ‘mérito’? Uma pessoa ou várias podem ser sacrificadas por causa do processo, quando o juiz não tem a sensibilidade devida para prevenir o pior!

Evidências não são importantes? Em tempo: evidências não são simples indícios: indícios podem nunca passar de evidências; importante é que sejam capazes de formar um conjunto lógico-jurídico probatório que convença o juiz.
Gostaria de afirmar, finalmente, duas coisas: sempre defendi e continuo a defender que o Direito tem necessidade de seu devido tempo jurídico e que deve se afastar do imediatismo, do mundo mediático e da espetaculização (Guy Debord) pós-moderna da vida social, sobretudo os arroubos populares do tipo ‘justiça pelas próprias mãos’ e sua interferência acintosa no Judiciário. E sempre defendi o devido processo legal e inclusive o direito da recorribilidade do cidadão até o último grau de jurisdição.

Contudo, devemos reconhecer que nem sempre a Justiça poderá ter em suas mãos todas as provas materiais e os mais elaborados instrumentos comprobatórios de forma cabal e empírica, e que, portanto, evidências são muitas vezes a ‘pedra de toque’ ou ‘o diferencial’ de culpabilidade ou absolvição que o juiz tem para atender às expectativas de igualdade e justiça. Expectativas não são necessariamente textos mediáticos distorcidos e manipulados, podem ser legítimas!
Mas também é óbvio que o réu tem SIM! o direito da ‘presunção de inocência’ e recorrer em liberdade até o final do ‘devido processo legal’. Um Direito humano precisa assumir sim a responsabilidade de poder ‘errar’ querendo fazer o ‘certo’. Só os deuses não erram, só os deuses podem exercer um Direito absoluto, só os deuses podem chamar para si o direito de uma justiça vingativa, como aprendemos com Ésquilo em sua “Oresteia” – ali o gênio humana criou o ‘voto de minerva’ para se absolver o réu na condição de ‘In dubio pro reo’, mesmo sendo réu confesso. Precisamos acabar com os sentimentos de vingança no Direito e dessa ansiedade punitiva e prisional, porque de contrário até os meros indícios pelo ‘domínio do fato’ viram armas de destruição da vida humana nas mãos dos ‘justiceiros’ e dos ‘intocáveis’: a Justiça é uma ciência e uma arte, não uma arma de ódio e morte!


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