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Receitas Variáveis e Despesas Correntes: Uma Equação Furada

DESPESAS CORRENTES

LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

RECEITAS VARIÁVEIS

Marcus Abraham

Marcus Abraham

12/04/2018

Um dos motivos da crise é o aumento desgovernado de gastos correntes, sobretudo com despesas de pessoal

O bom senso nos diz que, para financiar gastos constantes, ou seja, as chamadas despesas públicas correntes, o gestor deverá utilizar apenas as receitas públicas igualmente constantes, não sendo adequado recorrer a receitas variáveis, inconstantes ou eventuais; do contrário, em algum momento, a conta poderá não “fechar”.

Esta lógica cartesiana encontra-se prevista, de maneira transversa, na Constituição Federal, no inciso III do artigo 167, ao dispor ser vedada “a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital“, ou seja, o uso do crédito público (espécie de ingresso temporário e variável de recursos financeiros) deverá destinar-se aos investimentos apenas, evitando o endividamento para cobrir despesas correntes, como, por exemplo, a remuneração de servidores públicos. Igual vedação encontra-se no inciso I do parágrafo 1º do artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Apesar destas vedações se destinarem a outros tipos de ingressos e despesas públicas, por analogia e razoabilidade, o seu espírito pode ser interpretado e aplicado também para o caso de receitas variáveis que financiam despesas correntes.

O noticiário tem chamado esta vedação de “regra de ouro fiscal”, sendo uma das três “âncoras” do equilíbrio fiscal, ao lado do teto de gastos e da meta de resultado primário.

Pois bem, é possível identificar como um dos motivos da grave crise financeira vivida nos últimos anos, por exemplo, pelo Estado do Rio de Janeiro, o aumento desgovernado de gastos correntes, sobretudo com despesas de pessoal, a partir da bonança financeira advinda da elevada arrecadação de royalties do petróleo, em período em que o preço do barril ultrapassava os 100 dólares entre os anos de 2011 e 2014.

Ocorre que, nos anos seguintes, com a queda do preço dessa commodity, cujo barril chegou a estar valendo menos de 30 dólares no final de 2015 e início de 2016, as receitas passaram a ser deficitárias em relação aos gastos assumidos, frustrando, assim, o equilíbrio da equação entre receitas e despesas.

Como sabemos, as receitas públicas podem ser classificadas como sendo ordinárias ou extraordinárias, conforme a periodicidade do seu ingresso. Se houver regularidade e constância, estaremos falando de receitas públicas ordinárias, como é o caso dos tributos pertencentes ao sistema tributário nacional, cuja arrecadação será sempre previsível diante da frequência de sua entrada nos cofres públicos. Por outro lado, se o ingresso for eventual e circunstancial, estaremos diante das receitas públicas extraordinárias, como no caso dos empréstimos compulsórios, dos impostos extraordinários ou das doações, que ocorrem em momentos ocasionais, sem serem dotados de perenidade no sistema financeiro estatal. Por sua vez, podemos considerar como receitas públicas variáveis aquelas que, ainda que arrecadadas com certa constância, apresentam valores alternáveis, sofrendo mutação conforme os ciclos, como é o caso de royalties e participações especiais pela exploração de petróleo.

Já pelo lado da despesa pública, temos as despesas correntes, que se caracterizam por serem contínuas, rotineiras ou periódicas. São dotações destinadas, por exemplo, ao pagamento do funcionamento ou manutenção da estrutura estatal (máquina administrativa), à remuneração de inativos, ao pagamento de juros etc. Essas despesas podem ser subdivididas, por sua vez, em despesas de custeio e transferências correntes. Já as despesas de capital caracterizam-se por serem eventuais, ou seja, desprovidas de periodicidade, podendo ser de três espécies: investimentos, inversões financeiras ou transferências de capital.

A importância da distinção entre as espécies de receitas e despesas ganha relevo na elaboração do orçamento público, pois, para que o Estado possa elaborar o seu orçamento e determinar os investimentos a serem realizados, as despesas públicas e os demais gastos em um determinado período, é necessário dispor de mecanismos de previsibilidade das receitas. Assim, para buscar atender à regra do equilíbrio fiscal, nem sempre será possível levar em consideração as receitas extraordinárias e variáveis no cálculo orçamentário, diante da sua eventualidade e imprevisibilidade. Exemplo disso é a inadequada utilização de receitas originárias do recebimento de royalties de petróleo (receita variável) para o pagamento de despesas de natureza continuada, como as de pessoal ativo e inativo (despesa fixa).

Essa previsibilidade financeira que decorre das receitas ordinárias está expressamente disposta na Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que encontramos no seu texto a seguinte determinação: “Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação” (art. 11).

Ao mesmo tempo que não se podem vincular despesas constantes a receitas eventuais ou variáveis, sob pena de gerar um desequilíbrio nas contas públicas e o consequente déficit fiscal orçamentário, não é recomendável que se tenha um excedente de receitas públicas sem a respectiva despesa, implicando um acúmulo de recursos financeiros sem uma efetiva aplicação nas necessidades coletivas. Trata-se de um equilíbrio complexo e necessário no Estado Fiscal contemporâneo que o administrador público deve constantemente buscar.

Agora assistimos à recuperação do preço do barril de petróleo, que chega à casa dos 70 dólares, aliada ao aumento da produção da Petrobras na área do pré-sal, o que gera, segundo dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura, uma estimativa de arrecadação de 13,8 bilhões de reais para o Estado do Rio de Janeiro e seus municípios para o corrente ano de 2018, valor 25% maior do que no ano passado (R$ 11 bilhões em 2017) e mais do que o dobro do arrecadado em 2016 (R$ 6 bilhões).

E, como ressaltamos, apesar da inadequação da utilização destes recursos variáveis para despesas correntes, a Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro noticia destinar, neste ano de 2018, o percentual de 75% das receitas de royalties e participações especiais para o fundo que custeia as aposentadorias e pensões dos servidores públicos estaduais (Rioprevidência).

Não obstante a prática, espera-se que a amarga lição do passado sirva para o futuro, não apenas para o Estado do Rio de Janeiro, mas para todas as demais unidades da federação. E que o gestor público consiga – assim como no sonho bíblico do faraó do Egito narrado no capítulo 41 do livro de Gênesis a respeito das 7 vacas gordas e 7 vacas magras, simbolizando 7 anos de fartura seguidos de 7 anos de penúria – sanear as contas públicas, não cometendo mais o pecado de utilizar receitas variáveis para fazer frente às despesas correntes, sob pena desta equação “furar” novamente.


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