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Marcus Abraham

Marcus Abraham

03/05/2018

Despesas públicas são cada vez mais priorizadas e determinadas por comandos jurídicos

Sempre nos perguntamos em que são pautadas as escolhas feitas pelos governantes em relação aos gastos que serão realizados com o dinheiro público ao longo de sua gestão.

De fato, parte das suas prioridades acabam sendo antecipadas nas promessas de campanha eleitoral, em regra seguindo os ideais (político, econômico e social) de cada candidato. Uma vez eleitos e no exercício do cargo público – presidente, governador ou prefeito -, suas escolhas passam a ser pautadas também com base nas limitações orçamentárias e nos seus interesses políticos.

Não obstante, devemos nos indagar se a definição da despesa pública a ser prevista no orçamento público e posteriormente executada pelo governante é de natureza discricionária ou vinculada, e se atende aos anseios da sociedade e aos valores e direitos fixados na Constituição.

Recentemente, foi divulgada uma pesquisa de opinião pública1 acerca das prioridades mais urgentes sob o ponto de vista do cidadão brasileiro. Em primeiro lugar, 49,3% dos ouvidos declararam a sua preocupação em acabar com a corrupção; em segundo lugar, 45,4% disseram que a prioridade deveria ser melhorar a educação; em terceiro lugar, 42% afirmaram como urgente melhorar a saúde pública; em quarto lugar, 29,5% das opiniões preocuparam-se com a melhoria na segurança pública; na sequência, em percentuais menores, a atenção estava voltada para a geração de empregos, a redução dos impostos, o controle da inflação, o aperfeiçoamento da infraestrutura e outros.

Não nos espanta que o combate à corrupção esteja em primeiro lugar de preocupação, uma vez que a sociedade brasileira já compreende que o desvio ilegal de recursos públicos drena (para o bolso do corrupto) o dinheiro que deveria estar sendo empregado em todas as demais necessidades públicas, tais como educação, saúde e segurança, prioridades estas identificadas nesta pesquisa como majoritárias. A propósito do tema, já tive oportunidade, nesta Coluna Fiscal, de expor que, na perspectiva fiscal, a corrupção adquire natureza de despesa pública, sobretudo como custo adicional nos gastos públicos, pelo superfaturamento dos preços contratados (pois o empresário incorporará aos custos do contrato com a Administração Pública o valor a ser pago em corrupção).

Mas a manifestação popular exposta na referida pesquisa também está em linha com o texto constitucional, que cria direitos inúmeros para os cidadãos e, por decorrência, fixa deveres para o Estado, cuja efetivação dependerá de recursos financeiros que estejam previstos no orçamento público.

Podemos destacar alguns exemplos dessas previsões constitucionais. O texto do art.6º categoricamente afirma que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”; mais adiante, o art. 194 expressamente define que “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”; igualmente, o art. 196 prevê que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”; na mesma linha, o art. 204 estabelece que “as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social”; por sua vez, o art. 205 define que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”; o art. 208, ainda tratando da educação, prevê que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo“ e ressalva que “o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”; encontramos, no art. 215, a previsão no sentido de que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”; ainda, o art. 217 prevê ser “dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um (…)”; com a mesma ênfase, o art. 225 reconhece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Como sabemos, ao tempo da promulgação da Constituição de 1988, tais previsões funcionavam como meros parâmetros a serem seguidos e objetivos a serem atingidos pelo administrador público, indicando as prioridades na programação da realização das despesas públicas, fato que, por si só, já deveria conduzir as escolhas do governante.

Porém, atualmente, com o reconhecimento e solidificação da efetividade normativa dos preceitos constitucionais, e com a ampliação e o fortalecimento do exercício dos direitos de cidadania, já está consolidada no Direito contemporâneo brasileiro a possibilidade de o cidadão exigir do Estado – inclusive judicialmente – a realização dessas despesas públicas, especialmente quando se referirem a Direitos Sociais e Fundamentais.

Ademais, o próprio conceito de ‘discricionariedade’ dos atos administrativos passou nos últimos anos por uma forte revisão no seu conteúdo, perdendo a sua grande margem de subjetivismo e liberdade de escolha que até então lhe caracterizava, passando o seu mérito e motivação a estarem vinculados aos princípios e valores constitucionais no âmbito das decisões administrativas, condicionando as opções do governante através deste novel “poder-dever”.

Por isso, é legítimo afirmar ser possível entender que as despesas públicas são cada vez mais priorizadas e determinadas por comandos jurídicos, e cada vez menos consideradas deliberações de natureza política e discricionária. Ou seja, as despesas públicas não se originam, exclusivamente, de deliberações única e exclusivamente apoiadas nas convicções, ideologias e aspirações do governante, mas, sim, decorrem, em grande parte das vezes, das imposições existentes nas diversas prescrições normativas de nosso ordenamento jurídico, especialmente aquelas de índole constitucional. E ainda mais se estes dispositivos estiverem em sintonia com os anseios populares, fato refletido no resultado da aludida pesquisa de opinião.

Daí o porquê de se poder afirmar que emerge uma nova linha contemporânea ? à qual nos filiamos ? a entender que a natureza da despesa pública, tanto na sua escolha como na sua realização, é, em sua essência, de origem jurídico-constitucional.

Portanto, temos duas vozes – a da Constituição e a do cidadão – a clamar em total harmonia – como numa sinfonia de Beethoven – por uma priorização dos gastos públicos em saúde, educação e segurança pública, em detrimento de gastos supérfluos ou de secundária importância, como diuturnamente infelizmente vemos ocorrer.

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1 Fonte: Instituto Ideia Big Data.

Texto publicado originalmente no Jota


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