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Parentalidade Socioafetividade e Multiparentalidade

DIREITO DE FAMILIA

MULTIPARENTALIDADE

PARENTALIDADE

SOCIOAFETIVIDADE

Paulo Lobo

Paulo Lobo

09/05/2018

A socioafetividade, como categoria jurídica, é de origem recente no direito brasileiro. Em grande medida resultou das investigações das transformações ocorridas no âmbito das relações de família, máxime das relações parentais, desde os anos 1970.

Entre os juristas, houve a instigação especial do impacto provocado pelo advento da Constituição de 1988, que revolucionou o tratamento fundamental dado aos integrantes das entidades familiares, superando o histórico quantum despótico que as caracterizava, afastando-se os últimos resíduos dos poderes domésticos, principalmente o poder marital e o pátrio poder. Os estudos jurídicos produzidos, desde então, passaram a salientar o papel determinante da socioafetividade na configuração do contemporâneo direito de família. Nossa primeira contribuição se deu com um trabalho intitulado Repersonalização das Relações Familiares[1], publicado em 1989, que contou com boa aprovação da doutrina especializada, seguida, anos depois, por trabalho dedicado especificamente ao princípio jurídico da afetividade[2].

A socioafetividade tem sido empregada no Brasil para significar as relações de parentesco não biológico, de parentalidade e filiação, notadamente quando em colisão com os vínculos de origem biológica. A evolução da família expressa a passagem do fato natural da consanguinidade para o fato cultural da afetividade, principalmente no mundo ocidental contemporâneo. Os termos “socioafetividade” e seus correlatos congregam o fato social (“socio”) e a incidência do princípio normativo (“afetividade”).

Não é o afeto, enquanto fato anímico ou social, que interessa ao direito. Interessam, como seu objeto próprio de conhecimento, as relações sociais de natureza afetiva que engendram condutas suscetíveis de merecer a incidência de normas jurídicas e, consequentemente, deveres jurídicos. O afeto, em si, não pode ser obrigado juridicamente, mas sim as condutas que o direito impõe tomando-o como referência. Uma pessoa não pode ser obrigada pelo direito a ter afeto real por outra, até mesmo entre pais e filhos. Mas, o direito pode instituir deveres jurídicos e impor comportamentos inspirados nas relações afetivas reais.

Qualquer relação parental/filial é socioafetiva, porque brota de sua raiz cultural adotada pelo direito. Nesse sentido, a parentalidade socioafetiva é gênero, da qual a parentalidade biológica e a parentalidade socioafetiva em sentido estrito são espécies. É neste sentido estrito que empregaremos a expressão doravante nesta exposição.

A parentalidade socioafetiva consolidou-se na legislação, na doutrina e na jurisprudência brasileiras orientada pelos seguintes eixos: 1. Reconhecimento jurídico da filiação de origem não biológica (socioafetiva); 2. Igualdade de direitos dos filhos biológicos e socioafetivos; 3. Não prevalência a priori ou abstrata de uma filiação sobre outra, dependendo da situação concreta; 4. Impossibilidade de impugnação da parentalidade socioafetiva em razão de posterior conhecimento de vínculo biológico; 5.  O conhecimento da origem biológica é direito da personalidade sem efeitos necessários de parentesco.

A socioafetividade não é elaboração cerebrina ou mera racionalização lógica. É fruto de longo desenvolvimento da consideração do afeto e da afetividade no desenvolvimento das sociedades modernas e contemporâneas e das pessoas humanas, enquanto integrantes dos grupos familiares.

Na filosofia, Espinoza e depois Kant demonstraram que os afetos ou sentimentos não poderiam ser inteiramente afastados do mundo da razão, como pretendeu Descartes. Para Espinosa há que se distinguir o afeto bruto sem controle da razão (paixão) do afeto atravessado pela razão, que ele denominou de “afecção” pois afetada pela ação ou potência de agir[3]. Kant, por sua vez, afirmou que o amor, enquanto inclinação, não pode ser ordenado, mas o bem-fazer por dever é amor prático e não patológico, que reside na vontade e não na sensibilidade[4].

Na antropologia e na etnologia, as pesquisas dos grupos humanos antigos ou atuais revelaram que as relações familiares são fundadas na cultura desenvolvida nesses grupos e não na natureza. Antes, os mitos e as forças mágicas, depois a tradição da autoridade de natureza religiosa, finalmente os costumes e a ética normativa.

A história revela a lenta erosão das funções tradicionais das famílias, cujo epílogo dar-se-á na segunda metade do Século XX. As funções religiosas, políticas, econômicas e até mesma as procracionais da família foram perdendo consistência ao longo da história. Assim, a erosão das antigas funções fez emergir a função de afetividade, da família como locus de interlocução afetiva e de realização da dignidade humana de seus integrantes.

A psicanálise confirmou o que a antropologia já tinha descoberto: a família é construção cultural e não ditada pela natureza. As limitações e repressões não têm fundamentação científica.

A demografia trouxe e traz informações contundentes sobre as mudanças na composição das famílias, no Brasil, principalmente nas últimas décadas. As análises dos dados demonstram que a família tomada paradigma para a legislação brasileira, ao longo do século XX, deixou de existir. Deixou de ser numerosa, caindo profundamente o número de crianças por mãe. Não gira mais sob dependência econômica exclusiva do pai. A emancipação feminina, inclusive econômica, a conversão dos filhos de objetos a sujeitos de direitos e a urbanização intensa implodiram seus fundamentos tradicionais. É a família nuclear, de dimensões pequenas, ao lado de famílias monoparentais e múltiplos arranjos familiares, além de considerável número de domicílios de pessoas que vivem sós. É o afeto e a solidariedade familiar e não outros interesses ou funções que unem seus integrantes.

Exemplificando-se com a família matrimonial, a grande transformação ocorrida foi a substituição dos casamentos arranjados, em razão de fins econômicos, sociais ou religiosos, pelos casamentos por amor.

Orientados pela necessidade de segurança jurídica, com a massa de dados e informações obtidos de investigações variadas, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais foram progressivamente construindo requisitos que conformassem essa categoria jurídica, nas relações parentais, notadamente de filiação. Esses requisitos são interligados e podem ser assim enunciados:

a) Comportamento social típico de pais e filhos. O comportamento que se tem entre pais e filhos deve ser aferível socialmente. É típico porque se repete de modo subjetivo e objetivo em todos os relacionamentos equivalentes, de modo a que qualquer pessoa possa identificá-los como os que ocorrem regularmente entre pais e filhos. No Brasil, a doutrina tradicionalmente desdobra esse requisito em três outros, segundo antiga lição: nome, quando um dos pais ou ambos atribuem seus sobrenomes ao perfilhado, mediante registro civil; b) trato, quando um ou ambos os pais tratam socialmente o perfilhado como seu filho; c) fama, quando a comunidade onde vivem os pretensos pais e filhos os reconhecem assim, segundo as circunstâncias. Porém, esses requisitos não são cumulativos e basta um deles ou outras circunstâncias distintas para gerar o convencimento judicial da existência de comportamento social típico entre pais e filhos.

b) Convivência familiar duradoura. O comportamento social típico de pais e filhos apenas se consolida quando ocorre convivência familiar, ou seja, quando essas pessoas integrem uma entidade familiar juridicamente reconhecida e convivam assim. Essa convivência há de ser duradoura e não episódica. O direito brasileiro não impõe um tempo determinado para que se caracterize a convivência familiar, mas há de ser suficiente para que se identifiquem laços familiares efetivos e não apenas relações genericamente afetivas.

c) Relação de afetividade familiar. As relações entre as pessoas devem ser de natureza afetiva e com escopo de constituição de família, para que se constitua estado de parentalidade e de filiação. Devem ser desconsideradas como tais as que tenham outro escopo ou interesse, ainda que haja convivência sob o mesmo teto. Assim, não há afetividade familiar no acolhimento doméstico que uma pessoa dá a uma criança desabrigada, ou na relação social entre padrinhos e madrinhas e seus afilhados, ou na prática de apadrinhamento de criança que viva em instituição de acolhimento.

No Código Civil, identificamos as seguintes referências da clara opção pelo paradigma da filiação socioafetiva:

a) art. 1.593, para o qual o parentesco é natural ou civil, “conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. A principal relação de parentesco é a que se configura na paternidade (ou maternidade) e na filiação. A norma é inclusiva, pois não atribui a primazia à origem biológica; a paternidade de qualquer origem é dotada de igual dignidade;

b) art. 1.596, que reproduz a regra constitucional de igualdade dos filhos, havidos ou não da relação de casamento (estes, os antigos legítimos), ou por adoção, com os mesmos direitos e qualificações. O § 6º do art. 227 da Constituição revolucionou o conceito de filiação e inaugurou o paradigma aberto e inclusivo;

c) art. 1.597, V, que admite a filiação mediante inseminação artificial heteróloga, ou seja, com utilização de sêmen de outro homem, desde que tenha havido prévia autorização do marido da mãe. A origem do filho, em relação aos pais, é parcialmente biológica, pois o pai é exclusivamente socioafetivo, jamais podendo ser contraditada por ulterior investigação de paternidade;

d) art. 1.605, consagrador da posse do estado de filiação, quando houver começo de prova proveniente dos pais, ou, “quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”. As possibilidades abertas com esta segunda hipótese são amplas. As presunções “veementes” são verificadas em cada caso, dispensando-se outras provas da situação de fato;

Portanto, as hipóteses legais de parentalidade socioafetiva são a adoção, a filiação derivada de técnica de inseminação artificial heteróloga e a posse de estado de filiação. A terceira é a que interessa aos propósitos deste estudo.

Em estudo específico sobre essa temática, expressamos nosso ponto de vista quanto à necessidade dessa distinção, tendo em vista se tratar de direitos subjetivos e deveres jurídicos que não se confundem[5].

O estado de filiação, que decorre da estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano de pai e filho, constitui fundamento essencial da atribuição de paternidade ou maternidade. Nada tem a ver com o direito de cada pessoa ao conhecimento de sua origem genética. São duas situações distintas, tendo a primeira natureza de direito de família e a segunda de direito da personalidade. As normas de regência e os efeitos jurídicos não se confundem nem se interpenetram.

Para garantir a tutela do direito da personalidade não há necessidade de investigar a paternidade. O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida. Não há necessidade de se atribuir a paternidade a alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os ascendentes biológicos paternos do que foi gerado por dador anônimo de sêmen, ou do que foi adotado, ou do que foi concebido por inseminação artificial heteróloga.

Em contrapartida, toda pessoa humana tem direito inalienável ao estado de filiação, quando não o tenha. Apenas nessa hipótese, a  origem biológica desempenha papel relevante no campo do direito de família, como fundamento do reconhecimento da paternidade ou da maternidade, cujos laços não se tenham constituído de outro modo (adoção, inseminação artificial heteróloga ou posse de estado). É inadmissível que sirva de base para vindicar novo estado de filiação, contrariando o já existente.

A evolução do direito conduz à distinção, que já se impõe, entre pai e genitor ou procriador. Pai é o que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto houve primazia da função biológica da família. Ao ser humano, concebido fora da comunhão familiar dos pais socioafetivos, e que já desfruta do estado de filiação, deve ser assegurado o conhecimento de sua origem genética, ou da própria ascendência, como direito geral da personalidade.

Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar sua origem biológica para que, identificando seus ascendentes genéticos, possa adotar medidas preventivas para preservação da saúde e, a fortiori, da vida. Esse direito é individual, personalíssimo, não dependendo de ser inserido em relação de família para ser tutelado ou protegido. A paternidade e a maternidade derivam do estado de filiação, independentemente da origem (biológica ou não). Na hipótese de inseminação artificial heteróloga, o filho pode vindicar os dados genéticos de dador anônimo de sêmen que constem dos arquivos da instituição que o armazenou, para fins de direito da personalidade, mas não poderá fazê-lo com escopo de atribuição de paternidade.

Os desenvolvimentos científicos, que tendem a um grau elevadíssimo de certeza da origem genética, pouco contribuem para clarear a relação entre pais e filho, pois a imputação da paternidade biológica não determina a paternidade jurídica. O biodireito depara-se com as consequências da dação anônima de sêmen humano ou de material genético feminino. Nenhuma legislação até agora editada, nenhuma conclusão da bioética, apontam para atribuir a paternidade aos que fazem dação anônima de sêmen aos chamados bancos de sêmen de instituições especializadas ou hospitalares. Em suma, a identidade genética não se confunde com a identidade da filiação, tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo.

O reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva fez ressaltar a solução para o eventual conflito de tutelas jurídicas desta e da origem biológica. A situação comum é a pretensão do filho socioafetivo ajuizar ação de investigação de paternidade, com intuito de ver judicialmente reconhecida a paternidade do genitor biológico e, consequentemente, o cancelamento do registro civil da primeira, principalmente para fins sucessórios, dado a que o direito brasileiro não admitia a dupla paternidade. O mesmo se aplica à maternidade socioafetiva em face da genitora biológica.

Algumas correntes se formaram na doutrina e na jurisprudência, mas prevaleceu a tese de que a parentalidade biológica não era dotada de supremacia sobre a parentalidade socioafetiva, pois esta desigualdade não é admitida pela Constituição. Assim, a pretensão do interessado deveria ater-se à garantia do direito fundamental ao conhecimento de sua origem genética, sem efeitos de parentesco.

Todavia, no STJ, algumas decisões mitigaram o alcance desse entendimento, ainda que fazendo ressaltar a igualdade jurídica das parentalidades biológicas e socioafetivas, em circunstâncias determinadas. Assim, entendeu-se que a parentalidade socioafetiva prevaleceria contra o pai ou a mãe que pretendesse desfazê-la. Mas não contra o filho, pois este poderia fazer prevalecer a parentalidade biológica, dado a que não teria manifestado sua vontade para aquela, em situações conhecidas como de “adoção à brasileira”, quando o declarante no registro público não é o genitor biológico. Contra esse entendimento, que contrariou decisões anteriores do mesmo Tribunal, levantaram-se várias argumentações doutrinárias, inclusive a nossa, pois também o registro da parentalidade biológica não pode ser contestado pelo filho, inclusive ao adquirir a capacidade civil plena, o que levou a tratamento jurídico desigual.

Há grande consenso na doutrina e na jurisprudência quanto a não se configurar a filiação socioafetiva, na hipótese de esta resultar de sequestro ou outro ato considerado criminoso. Porém, essa regra não é absoluta, pois não pode ser aplicada contra a vontade manifestada pelo filho de continuar na família que o criou, apesar de informado da circunstância criminosa. O filho não pode ser duplamente punido por fato, cuja existência não deu causa.

O art.1.604 do Código Civil estabelece que ninguém poderá vindicar estado civil distinto do que conste do registro civil, salvo provando erro ou falsidade. Portanto, a norma contém a regra da imutabilidade do registro civil e impedimento da pretensão para desfazê-lo. Também contém as exceções a essa regra (erro e falsidade).

O erro é o desvio não intencional da declaração do nascimento, concernente ao próprio ato de registro (erro material), imputável ao oficial de registro, ou da informação do declarante legitimado (art. 52 da Lei n. 6.015/1973), concernente à atribuição da paternidade ou maternidade da pessoa. O erro da declaração pode ter derivado de outro erro, como na hipótese de troca voluntária ou involuntária de recém-nascidos por parte do hospital onde ocorreu o parto, invalidando o estado de filiação tanto em face do pai quanto em face da mãe[6].

A falsidade, ao contrário do erro, é a declaração intencionalmente contrária à verdade do nascimento. É atribuir a si ou a outrem (declarantes outros que não os pais) a maternidade ou a paternidade do nascido, ou declarar nascimento inexistente.

O registro de nascimento é definitivo, pouco importando se a origem da filiação declarada é biológica ou socioafetiva. É declaração consciente de quem faz. Assim, não é livremente disponível pelo pai registral, máxime quando o casamento se extingue. Não há erro de pessoa, porque o declarante sabia exatamente que a criança não era seu filho biológico. Não há falsidade porque a lei não exige que o registro civil apenas contemple a origem biológica. Não pode o autor da declaração que pretende falsa vindicar a invalidade do registro do nascimento, conscientemente assumida, porque violaria o princípio assentado em nosso sistema jurídico de venire contra factum proprium.

O direito de família brasileiro sempre teve entre seus pilares o modelo binário de parentalidade em relação aos filhos. Segundo o padrão tradicional, o casal constituído de pai e mãe. Quando os pais não fossem casados e apenas um fosse o declarante do nascimento no registro civil, caberia a pretensão à investigação da paternidade ou maternidade em relação ao outro, se não tivesse havido o reconhecimento voluntário. Essa regra era aplicável tanto à parentalidade biológica quanto à socioafetiva.

Com a decisão do STF (ADI n. 4.277) em 2011, a união homoafetiva foi juridicamente reconhecida como entidade familiar, com igual tutela jurídica conferida às demais entidades familiares. Nessa entidade familiar, o modelo binário da parentalidade continuou, dado a que se encerra no casal de pessoas do mesmo sexo, excluídas terceira ou terceiras pessoas.

Todavia, paralelamente à construção da categoria da socioafetividade, peregrinou a tese da possível tutela da multiparentalidade, rompendo o modelo binário, tanto dos casais heterossexuais quanto dos casais de mesmo sexo. Pugna pela legalidade, no direito brasileiro, de múltiplos pais e mães.

É uma realidade da vida, cuja complexidade o direito não conseguiu lidar satisfatoriamente até agora, em nenhum país do mundo. Ela é agravada com os resultados fantásticos das manipulações genéticas (por exemplo, o uso de materiais genéticos de três pessoas, para reprodução assistida).

No início, a multiparentalidade pareceu ser o caminho adequado para abrigar a parentalidade dos casais de mesmo sexo, mas tornou-se dispensável desde quando o STF admitiu que esses casais podem constituir família. Permanece sua utilidade, no entanto, para as técnicas de reprodução assistida, quando mais de duas pessoas são nelas envolvidas, a exemplo de utilização de sêmen de amigo para inseminação de uma ou das duas integrantes de união homoafetiva. Essas hipóteses não estão suficientemente enfrentadas pelo direito brasileiro.

Igualmente, a multiparentalidade tem sido ressaltada em casos julgados por nossos tribunais, incluindo o STJ, que envolvem a admissibilidade de cumulação de paternidade ou maternidade, no registro civil, em situações em que há pai ou mãe registral e se pleiteia o acréscimo do sobrenome de pai ou mãe biológicos. Ou quando o registro de pai ou mãe biológicos é acrescentado do sobrenome de quem efetivamente criou a pessoa.

Na legislação, há previsão expressa do acréscimo do sobrenome do padrasto ou madrasta, por requerimento do enteado e assentimento daqueles (“Lei Clodovil”, nº 11.924/2009), cuja anotação simbólica reflete a história de vida da pessoa. A lei é omissa quanto aos demais efeitos jurídicos, para além do parentesco por afinidade. A averbação não significa substituição ou supressão do sobrenome anterior, mas acréscimo, de modo a não ensejar dúvida sobre a antiga identidade da pessoa, para fins de eventuais responsabilidades. O acréscimo do sobrenome não altera a relação de parentesco por afinidade com o padrasto ou madrasta, cujo vínculo assim permanece, sem repercussão patrimonial, uma vez que tem finalidade simbólica e existencial. Consequentemente, não são cabíveis pretensões a alimentos ou sucessão hereditária, em razão desse fato.

Entende-se que o namoro ou noivado não podem ensejar multiparentalidade. Assim é porque esses relacionamentos afetivos são pré-familiares, ou seja, têm o escopo de constituição de família, mas não são ainda famílias constituídas. É certo que, às vezes, ultrapassam a tênue zona limítrofe e se convertem em união estável, que é ato-fato jurídico – quando o direito desconsidera a vontade e atribui consequências ao resultado fático –  e não ato ou negócio jurídico, estes dependentes de manifestação de vontade negocial consciente; porém, quando isso ocorre, não se cogita mais de namoro ou noivado, mas sim de entidade familiar própria.

A relação entre padrasto ou madrasta e enteado configura vínculo de parentalidade singular, permitindo-se àqueles contribuir para o exercício do poder familiar do cônjuge ou companheiro sobre o filho/enteado, uma vez que a direção da família é conjunta dos cônjuges ou companheiros, em face das crianças e adolescentes que a integram. Dessa forma, há dois vínculos de parentalidade que se entrecruzam, em relação ao filho do cônjuge ou do companheiro: um, do genitor originário separado, assegurado o direito de contato ou de visita com o filho; outro, do padrasto ou madrasta, de convivência com o enteado.  Porém, por mais intensa e duradoura que seja a relação afetiva entre padrasto ou madrasta e seus enteados, dessa relação não nasce paternidade ou maternidade socioafetiva em desfavor do pai ou da mãe legais ou registrais, porque não se caracteriza a posse de estado de filiação, o que igualmente afasta a multiparentalidade, salvo se houver a perda do poder familiar dos pais, como decidiu o STJ (REsp 1106637)que reconheceu a legitimidade de padrasto para pedir a destituição do poder familiar, em face do pai biológico, como medida preparatória para a adoção unilateral da criança.

Assim se encontravam a doutrina e a jurisprudência brasileiras quando o STF reconheceu como repercussão geral a matéria da socioafetividade e consolidou seu entendimento, como Tema 622, em decisão plenária tomada no dia 22/09/2016, tendo como caso paradigma o RE 898.060,  com a seguinte tese geral:

A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.

O Tribunal fundou-se explicitamente no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que inclui a tutela da felicidade e da realização pessoal dos indivíduos, impondo-se o reconhecimento jurídico de modelos familiares diversos da concepção tradicional. Igualmente, no princípio constitucional da paternidade responsável, que não permite decidir entre a filiação socioafetiva e a biológica, devendo todos os pais assumir os encargos decorrentes do poder familiar e permitindo ao filho desfrutar dos direitos em relação a eles sem restrição.

Constata-se que o Tribunal confirmou o reconhecimento jurídico da socioafetividade. Como o julgamento em repercussão geral produz eficácia geral, de cumprimento obrigatório pelo sistema judiciário, a socioafetividade e, principalmente, a filiação socioafetiva não poderão ser mais questionadas em juízo.

Ainda que o Tribunal não tenha utilizado a expressão “parentalidade socioafetiva”, a alusão à “paternidade socioafetiva” deve ser entendida como abrangente da maternidade socioafetiva. A exclusão da maternidade socioafetiva importaria tratamento desigual para situações equivalentes do mundo da vida, o que contrariaria os pressupostos sobre os quais o Tribunal decidiu. Portanto, há seu reconhecimento implícito.

Outro ponto relevante é o reconhecimento de que a filiação socioafetiva não apenas se constata pela declaração ao registro público, mas também pela ocorrência no mundo da vida, notadamente pela posse do estado da filiação, cujos efeitos jurídicos independem do registro público, ao qual é atribuída função declaratória, do mesmo modo que à sentença judicial.

O que surpreendeu a doutrina especializada foi a amplitude que o STF conferiu ao tema, pois, além do reconhecimento da parentalidade socioafetiva, avançou no sentido de contemplar a multiparentalidade. É o que se extrai dos termos “reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica”. O vínculo de filiação “concomitante” leva à multiparentalidade. Ou seja, na hipótese explicitada de paternidade, de acordo com o caso concreto que serviu de paradigma, o registro civil deve contemplar dois pais, isto é, o pai socioafetivo e o pai biológico, além da mãe biológica; dois pais e uma mãe.

A decisão do STF provocou verdadeiro giro de Copérnico. Até então, no conflito entre parentalidade socioafetiva e origem genética, esta não podia prevalecer sobre aquela (notadamente nos casos de “adoção à brasileira”), máxime quando o móvel fosse patrimonial ou econômico, notadamente participar da sucessão de genitor biológico afortunado. A rejeição a essa pretensão já tinha sido objeto de antigo precedente do STF, em 1970, tendo sido relator o Min. Aliomar Baleeiro[7]. Doravante, as discussões sobre a origem biológica e a força desta para afastar a parentalidade socioafetiva perderam consistência.

Por ser tema de repercussão geral, não pode ficar adstrito ao caso concreto. Destarte, têm-se como abrangidas as hipóteses de mãe e pai socioafetivos registrados, aos quais se pode acrescentar a mãe biológica, ou o pai biológico ou ambos, o que resultará em três ou quatro pais, no total.

O que não ficou claro, na tese geral – nem no julgamento do caso concreto – é se alcança a hipótese de parentalidade inversa, quando registrados sejam os pais biológicos ou um dos pais biológicos. Deixando de lado a situação corrente dos pais casados, em que há a presunção legal de paternidade e maternidade, ainda que impugnável judicialmente por um ou por outro, cogita-se dos pais não casados, mas cujo filho foi registrado ou reconhecido por ambos. Se, em virtude de circunstâncias da vida, tais como econômicas ou de saúde, esse filho foi criado por outro casal, realizando-se os requisitos da posse de estado de filiação, pergunta-se: pode haver filiação concomitante, registrando-se, ao lado dos pais biológicos, os pais socioafetivos?

Essa pergunta não encontra resposta clara na tese do Tema 622. A interpretação restritiva conduz à negativa, sob o possível argumento de que a socioafetividade não pode desafiar a parentalidade biológica e registral, que é igualmente socioafetiva por presunção legal. Ainda: o Tribunal teria considerado apenas a tutela jurídica da filiação socioafetiva, que não poderia ser desfeita, mas teria de conviver com a filiação biológica. O inverso não seria verdadeiro.

Porém, a mesma pergunta pode ter resposta diversa, se se considerar o princípio imanente à decisão que é o da igualdade jurídica das filiações, sem primazia de uma sobre outra. A superveniência da filiação socioafetiva à filiação biológica é dado de realidade constante e não pode ser desconsiderado pelo direito. Cinge-se a questão à posse de estado de filiação, pois a adoção, por força de lei, extingue o vínculo de parentalidade de origem. Considera-se a posse de estado sem os limites que inspiraram o art. 1.605 do Código Civil, isto é, segundo o sistema de parentalidade binária, a ausência de registro civil, de um lado, ou o impedimento de modificação do registro civil para contemplar múltiplos pais e mães. Se não há mais a exclusividade do modelo binário e se é admissível a multiplicidade das parentalidades, o registro civil da parentalidade biológica deixou de ser obstáculo à concomitância do registro da parentalidade socioafetiva subsequente.

Pelas mesmas razões, não há impedimento para a concomitância de parentalidade socioafetivas. Cogite-se de filho com pais registrais, de sexos diferentes ou de mesmo sexo, que, por eles abandonado, passa a ser cuidado durante anos por outro casal, configurando-se a posse de estado da filiação. Essa é também hipótese abrangida pela decisão do STF, o que autoriza o duplo registro.

Ante a concisão das teses dos temas de repercussão geral, as expressões amplas utilizadas são exigentes de interpretação, de acordo com os princípios e pressupostos que os inspiraram. Tal se dá com a expressão “com os efeitos jurídicos próprios”.

A análise do julgamento do caso concreto paradigma pouco contribui, até porque a decisão que o Tribunal nele proferiu é exatamente contrária ao que estipula a tese geral, no que concerne à multiparentalidade. No caso concreto, a maioria do Tribunal, contraditoriamente, confirmou as decisões judiciais anteriores no sentido do cancelamento do registro da paternidade socioafetiva, para se fazer constar apenas a paternidade biológica.

Do núcleo da tese do Tema 622 resultam as seguintes conclusões, que nos permitem avançar nos efeitos jurídicos próprios:

1ª. O reconhecimento jurídico da parentalidade socioafetiva;

2ª. A inexistência de primazia entre as filiações biológicas e socioafetivas;

3ª. A admissão da multiparentalidade.

4ª. A parentalidade socioafetiva – para os fins da tese – restringe-se às hipóteses de posse de estado de filiação, excluindo-se a adoção e a filiação oriunda de inseminação artificial heteróloga. Também está excluída a filiação biológica que nunca foi antecedida por filiação socioafetiva.

Assim sendo, em relação aos efeitos da origem genética ou biológica:

a) quando configurada a prévia parentalidade socioafetiva, registrada ou não, a origem genética intitula o filho a investigar a parentalidade biológica com efeitos amplos de parentesco, além do registro civil. Igualmente, pode o genitor biológico reconhecer o filho biológico, com todos os efeitos decorrentes, inclusive o do registro civil concomitante;

b) permanece o direito ao conhecimento da origem genética, como direito da personalidade, sem efeitos de parentesco, na hipótese de adoção, conforme previsto expressamente no art.48 do ECA, com a redação dada pela Lei n. 12.010/2009: O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como a obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. Em caso de recusa ao acesso, pode ser ajuizada ação para tal finalidade, que não se confunde com investigação de paternidade ou maternidade. A decisão do STF não implica inconstitucionalidade da norma legal que estabelece a ruptura dos vínculos familiares de origem do adotado, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais. Vigora, no direito constitucional brasileiro, a presunção de constitucionalidade das normas legais, até que sejam declaradas inconstitucionais pelo STF;

c) o direito ao conhecimento da origem genética, também sem efeitos de parentesco, é assegurado ao que foi concebido com uso de sêmen de outro homem, que não o marido da mãe e com autorização deste, de acordo com o art. 1.597, V do Código Civil, desde que o dador tenha consentido nessa utilização, sem se valer da garantia de anonimato;

d) não há direito ao conhecimento da origem genética nem ao reconhecimento judicial da parentalidade, se a técnica de reprodução assistida utilizar materiais genéticos de dador anônimo, crioconservados em estabelecimentos especializados para inseminação artificial.

Os direitos e deveres jurídicos do filho com múltiplas parentalidades são iguais em face dos pais socioafetivos e biológicos, particularmente quanto:

a) a autoridade parental ou poder familiar, que é exercida de modo compartilhado, em princípio, pelos pais biológicos e socioafetivos, tal como ocorre com os pais separados. Em caso de conflito entre pais biológicos e socioafetivos, como não há primazia entre eles, o juiz deve se orientar pelo princípio do melhor interesse do filho, para a tomada de decisão.

b) a guarda compartilhada é obrigatória por lei, entre os pais, salvo se se ficar demonstrada em decisão judicial motivada que a guarda individual, ante as circunstâncias especiais, é a que mais recomendável por força do melhor interesse do filho. Esse regra é aplicável tanto para situação comum do casal de pais, quanto para a de multiparentalidade (mais de dois pais), até porque não há hierarquia entre eles. A guarda compartilhada é compatível com a preferência da moradia que o filho tem como referência para suas relações sociais e afetivas. No exemplo comum, de filho que sempre viveu com seus pais socioafetivos, a moradia deste é preferencial. O conflito deve ser arbitrado pelo juiz, de modo a que assegure o contato do filho com seus pais socioafetivos e biológicos, e com os parentes de cada linhagem, especialmente os avós.

c) os alimentos devem ser partilhados pelos pais socioafetivos e biológicos em igualdade de condições, em princípio. Em caso de conflito entre eles, o juiz deve considerar a partilha proporcional do valor de acordo com as possibilidades econômicas de cada um, segundo os critérios da justiça distributiva. Os alimentos devem ser fixados em valor único, para partilha entre os pais, pois o suprimento da necessidade do alimentando não depende da quantidade de devedores alimentantes, além da observância da vedação legal do enriquecimento sem causa (CC, art. 884). Os avós, tanto os biológicos quanto os socioafetivos apenas são obrigados aos alimentos em caráter complementar, distribuídos de acordo com as possibilidades econômicas de cada um. Como o dever de alimentos na linha reta de parentesco é ilimitado, o filho com múltiplos pais e avós pode se obrigar a todos eles. Na hipótese de a mãe estar separada tanto do pai biológico quanto do pai socioafetivo, o filho poderá reclamar alimentos tanto a um quanto a outro, de acordo com as possibilidades econômicas de cada um.

d) a sucessão hereditária legitima é assegurada ao filho de pais concomitantes biológicos e socioafetivos, em igualdade de condições. Aberta a sucessão de cada um deles é herdeiro legítimo de quota parte atribuída aos herdeiros de mesma classe (direta ou por representação), imediatamente, em virtude da saisine. A igualdade entre filhos de qualquer origem é princípio cardeal do direito brasileiro, a partir da Constituição, incluindo o direito à sucessão aberta. Os limites dizem respeito às legítimas dos herdeiros necessários de cada sucessão aberta e não ao número de pais autores das heranças. O filho será herdeiro necessário tanto do pai socioafetivo, quanto do pai biológico, em igualdade de direitos em relação aos demais herdeiros necessários de cada um; terá duplo direito à herança, levando-o a situação vantajosa em relação aos respectivos irmãos socioafetivos, de um lado, e irmãos biológicos, do outro, mas essa não é razão impediente da aquisição do direito. Após a edição da tese do Tema 622, o STJ (3ª Turma) teve oportunidade de afirmar no REsp 1618230, julgado em 2017, que o reconhecimento do vínculo filial biológico, ao lado do vínculo socioafetivo, gera os mesmos efeitos patrimoniais, como o direito à herança; no caso, o interessado, com aproximadamente 70 anos, obteve o direito de receber a herança do pai biológico, mesmo já tendo recebido a herança do pai socioafetivo.

Os efeitos da tese alcançarão os casos já julgados definitivamente, pois há largo entendimento sobre a relativização da coisa julgada nas relações de família e em matéria de estado civil, que operaria segundo a regra rebus sic stantibus.

Reconhece-se que a decisão do STF em termos tão gerais é positiva em seus inegáveis avanços, mas não se pode negar que também é fator de agravamento de litigiosidade, notadamente por motivações patrimoniais, apesar do sopesamento dos efeitos jurídicos próprios, como acima indicado, pois a variedade de circunstâncias é difícil de ser por ela inteiramente atingida.


[1] LOBO, Paulo Luiz Neto. Repersonalização das relações familiares. O direito de família na Constituição de 1988. Carlos Alberto Bittar (Coord.). São Paulo: Saraiva, p. 53-82, 1989.
[2] Princípio jurídico da afetividade na filiação, Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família (A família na travessia do milênio), Coord. Rodrigo da Cunha Pereira, IBDFAM/OAB-MG, Belo Horizonte, p. 245-54, 2000.
[3] ESPINOSA, Benedictus de. Ética. Trad. Joaquim Ferreira Gomes. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 176.
[4] KANT, Immanoel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Ed. 70, 1986, p. 77.
[5] Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Afeto, ética, família e o novo Código Civil Brasileiro. Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.). Belo Horizonte: Del Rey , p. 505-530, 2004.
[6] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 231.
[7]RTJ n. 53/131.

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