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De Delações, de Premiações e outras Perplexidades

COLABORAÇÃO PREMIADA

DELAÇÃO PREMIADA

LEI 12.850/13

OPERAÇÃO LAVA JATO

PERENE ILEGALIDADE

PET 7074

PODERES DISCRICIONÁRIOS

PROMOTOR NATURAL

QUESTÃO DE ORDEM

VEDAÇÃO DE IMPUGNAÇÃO

Eugenio Pacelli

Eugenio Pacelli

07/06/2018

O tema é “da hora”,e parece que ainda assim permanecerá por mais algum tempo, a despeito do julgamento de Questão de Ordem na Pet 7074, pelo Plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal.Após intensos debates, que duraram quatro sessões, prevaleceu o voto do Ministro Edson Fachin, no que toca ao papel e a extensão da competência do Relator para a homologação de colaborações premiadas.

 Afirmou a Corte, então, com a relevante dissidência de alguns Ministros em relação aoutras tantas questões, que caberá aoRelator a homologação de acordos dedelação, resolvendo-se, então, e desde logo,a matéria atinente àregularidade, à espontaneidade e à legalidadedo ajuste. Naturalmente, ressalvou-se ofato encoberto,ou mais apropriadamente, o fato ou fatos descobertos depois da homologação, sejam elessupervenientes, sejamcontemporâneos à decisão, desde que,nesse último caso,estivessematé então desconhecidos. É dizer, a análise quanto àvalidadedo ajuste poderá ser revista pelo Colegiado, limitada, porém, às hipóteses de exame – e não de reexame – de fatos ou circunstâncias desconhecidas.

Convém explicitar o quemais eefetivamente restou decidido, ainda que com variações argumentativas e divergências de premissas e de soluções. Houve votos vencidos, repita-se, merecendo destaque, ao menos aqui, a tese no sentido de que caberia, sim,ao Colegiado rever até mesmo aspectos ligados àvalidadeou àlegalidadedo acordo de colaboração,tese essa, que, como visto,não foi acolhida pela maioria.

Decidiu o Plenário, então, que:

  • cabe ao Relator examinar os aspectos de legalidade estrita do ajuste, no âmbito de suaregularidade –elemento perfeitamente dispensável, já que exigido o pronunciamento sobre a sualegalidade –e daespontaneidadedo ato do colaborador;

  • fatos desconhecidos ao tempo da homologação,velhos ou novos,estarão ao alcance da apreciação do Colegiado;

  • assim, o Colegiado do Tribunal nãoparticipada fase de homologação do acordo, a menos que assim o prefira o Relator, conforme previsão regimental, e, por fim,

  • que na fase de julgamento caberá ao Colegiado apreciar apenas aeficáciado acordo, isto é, se foram cumpridas efetivamente as promessas e os deveres do colaborador, e se o adimplemento de suas obrigações teria operado em benefício do processo.

Nada é simples nesse terreno. São ponderabilíssimas as preocupações reveladas na tese que prevaleceu, no sentido de se expandir a proteção ao instituto da colaboração,ao ponto até de tornarpreclusaa matéria atinente à homologação. Reforçou-se a ideia e o âmbito de normatividade do princípio daconfiança,de modo a evitar que ocolaboradorse visseludibriadopelo Estado, apóscumprir suas obrigações,comaentrega de provas e tomada de depoimentos e confissões. É certo que esse específico debate somente teria lugarem ações penais originárias, em que o Relator se antecipa ao Colegiado em várias questões na fase de investigação. Nos juízos singulares o problema não se poria ao mesmo nível, já quesereúnem em uma sópessoaos papéis dehomologaçãodo acordo e dejulgamentoda ação penal.

Ocorre, porém, que o que poderá resultar daí, ao menos ao nível da argumentaçãodesenvolvida por alguns Ministros, seria avedação de impugnaçãodo ato homologatório. É dizer: homologado o ajuste, pelo Relator nos Tribunais ou pelo juizem primeiro grau, ninguém mais poderá discutir a questão atinente à suailegalidade.Em última instância, significa que, ainda quandomanifestamente ilegal o prêmio oferecido,dele não se poderá recuar quandoregularmentehomologado. Seria aúnicadecisão em processo penal da qual não se poderia recorrer ou impugnar, ainda quando em pauta eventuais debates acerca de garantias individuais constitucionais.

Veja-se, já por aí, a complexidade de questões que poderão incidir em tais situações. A Constituição da República, por exemplo,garanteao acusadoojuiz natural e o devido processo legal.São conquistas históricas doprocesso civilizatório. O que fazer quando a homologação do acordo de delação se originar dejuiz constitucionalmente incompetente?Ainda assim deverá prevalecer o acordo? Isso na hipótese de se conhecer de impugnação feita precisamente sobre a questão da incompetência, poisda homologaçãonão caberia recurso e tampoucohabeas corpus,nem mesmo para discutir tão relevante matéria,alçada ao nível constitucional, repita-se.

Obviamente que ao colaborador pouco importam os equívocos praticados pelos agentes do Estado. Sefederalouestaduala jurisdição, pouco selhe dá! Homologadoque sejao acordo, estarágarantidoo prêmio, submetido apenas ao cumprimento de suas obrigações.

E sobre taisobrigaçõestambém poderá haver questionamentos,não ao nível dalegalidade,mas, em princípio, apenas daeficáciado acordo. Como se sabe, o juiz não poderá condenar o acusado com base unicamente no depoimento do delator. Aliás, a Suprema Corte já se manifestou em diversas oportunidades a esse respeito: a confissão e o depoimento do delatornão constituem prova,masmeio de sua obtenção.Eisumaprimeiradúvida: e se o acordo de colaboração contarapenas com o depoimentodo colaborador,sem que ele tenha apresentado prova alguma? Estaríamos diante de um problema de(i)legalidade intrínsecado ato ou de sua(in)eficácia?

À primeira vista, a resposta nem seria tão importante, pois o relevo concedido aoprincípio da confiançaestá a indicar que melhor seria resolver logo na fase de homologação, a fim de se evitar o prejuízo ao colaborador.

Mas nem isso é tão simples, pois também ele, o colaborador, devidamente representado por advogado, saberia (e sabem), de antemão, que seu depoimento, desprovido de elementos de prova,não seria (e não é) suficiente paracondenare talvez, por isso mesmo, incapaz também de revelar aeficácia desejadapela Lei. Ou seja, nesse caso, poderia não ser aplicável o princípio daconfiança,pois o próprio colaborador estaria ciente do risco.Idemo Ministério Público. Mas não o juiz. Esse não deve se imiscuir em questões de prova nessa fase.Quid iuris?

São muitos os problemas e não há soluções ótimas para todos eles. O instituto da colaboração deve mesmo ser preservado. Trata-se deimportantíssimo instrumento de combate à criminalidade organizada. Mas não se pode ir alémdele mesmo.A Lei deve ser o limite!

Não se pode esquecer que há gente do outro lado. E gente titular de direitos e garantias constitucionais. Por isso sempre vimos com reserva ou, quando nada, comreticências,aprivatizaçãodo acordo de colaboração, como se se cuidasse unicamente de umnegócio jurídico.Aliás, de um negóciosui generis,pois abriga, como verdadeiroelemento essencial,o cumprimento de deverescontra terceiros,que não são partes no ajuste e que, por isso mesmo, sequer podem impugnar os seus termos, segundo entendimento que prevalece até agora. Em processo penal, contudo, a estrita observância aodevido processo legalconstituigarantia constitucional,de modo quetoda e qualquer ilegalidade praticadana investigação ou no processopode e deve por ele ser combatida. 

No acordo apreciado pelo Supremona citadaQuestão de Ordem,o colaborador foi agraciado com o maior dos prêmios previstos na Lei, a saber: o não ajuizamento de ações penais contra ele, diante da relevância de sua colaboração e por entender o Ministério Público que ele não seria olíderdaquela organização criminosa, além de ser o primeiro a delatar, com o que estariam preenchidas as exigências legais.

Novos problemas: 1) se a investigação em curso, apesar de atingir a figura do Presidente da República, se originara ou de algum modo estava (ou está) vinculada àOperação Lava Jato,em que circunstâncias se poderia afirmar ser o colaborador o primeiro a delatar? 2) acaso comprovado no processo ser ele um dos líderes da organização, caberia o rompimento do acordo?

Note-se que na última hipótese, parece inegável a responsabilidade e a má fé do colaborador, comprovadamente, então, líder da organização, fato de seu inteiro conhecimento. Em hipóteses dessa natureza, então, o juiz ou o Tribunal (nas ações originárias) poderão anular o acordo, evidentemente.

No entanto, como o Judiciário não poderá compelir o Ministério Público apropora ação penal depois da anulação do acordo, os efeitos de tal decisão poderão ser demasiado limitados, a depender da postura doparquet,que,nesse ponto,aliás, poderia discordar da conclusão a esse respeito. Eis uma razão mais que suficiente para que se tenha extremada cautela no oferecimento dessa modalidade debarganha.A comprovaçãoa respeito da identificação daliderança da organização é evidentemente complexa e demandarámaiorescuidados na investigação.Observe-se que a eventual ruptura assim fundamentada – no papel de liderança do colaborador – nada tem que ver com aeficáciado acordo e sim com a suailegalidade,que, assim, terá sido reconhecidaapós a homologaçãodo acordo, pela presença de fatos até então desconhecidos do Poder Judiciário.

Uma primeira questão a ser enfrentada na solução dos inúmeros problemas que podem incidir em ajustes dessa natureza diz respeito aos limites da Lei. Não estamos nos EUA! O nosso Ministério Público, que não éhierarquizadocomo o de lá, não tem os poderes discricionários assegurados naquele país à persecução penal.Habemus legem.

Que, por exemplo:

  • Não admite a barganhaquanto à dosimetria da pena.Temos visto acordos de colaboração em que oparquetreúne diversos delitos do colaborador em um únicopacoteejá no acordo limita o máximo de condenação;

  • Não admite também que o acordo abranjafatos e crimes que não tenham sido praticados por aquela organização,que vem a ser, precisamente, aratio essendida colaboração;

  • Não admite, ainda, o estabelecimento de regime penitenciário prévio, como, por exemplo, aprisão domiciliardo colaborador, alternativa não contemplada no ordenamento.

A redução de pena prevista na Lei, de um a dois terços, se refere à pena resultantedo processo,a ser aplicada pelo Poder Judiciário e não àquelaidealizada antecipadamentepelo Ministério Público, segundo os interesses da investigação, por mais nobres sejam eles (e em geral são).

Parece-nos evidentemente ilegal acordo de colaboração em que se preveja percentual de redução da penaacima desses limites.Não se pode ajustar a diminuição da pena emnove décimos (9/10)por exemplo. A esse propósito, o conhecido argumento – que é de lógica pura, nem sempre jurídica – no sentido de quequem pode o mais, pode o menos,não tem cabimento. E por uma razão simples: as premissas para a redução da pena, para o perdão judicial e para o não ajuizamento de ação contra o colaboradorsão evidentemente distintas.

O perdão judicial, por exemplo, seguindo a nossa tradição penal, somente é cabível em consideraçãoàs condições pessoais do agentee dasconsequências do crime para ele mesmo,estando associado à ideia de arrependimento justificado pelas circunstâncias presentes entre o autor, a vítima e o crime, como se tem no perdão concedido em caso de homicídio culposo, em que as consequências do crime para o seu autorsejammaisgraves que a pena pública (art. 121, §5º, CP).

Não parece seresseo caso de pessoasenvolvidas em diversas operações investigativase que tenham se beneficiado, patrimonial e financeiramente, em patamares acima do que se tem, usualmente, porriqueza.

Assim, não é porque o Ministério Público podeo mais – o perdão judicial – que podeo menos, em matéria de colaboração premiada. As premissas de aplicação de uma e de outra modalidade de barganha são distintas, do mesmo modo que distintas devem ser as consequências para ambas.

Outro equívoco frequente em acordos de delação tem sido a extensão da criminalidade atingida. Toda a carreira de crimes do colaborador vem sendo objeto de inclusão emum único acordo,tenham sido ou não praticadosnaquela organizaçãoou mesmo pormeiodealguma organização criminosa. Tais ajustes sãopatentemente ilegais.Dentre outros e tantos motivos porviolarem o princípio do juiz natural e do próprio promotor natural,que teriam sua jurisdição e atribuições constitucionais subtraídas por outros órgãos. Mas, essencialmente, por violarem a própria Lei 12.850/13,edefio a pavio.

Compreende-se a dificuldade ou as dificuldades a serem enfrentadas pelo Ministério Público e pelo Judiciário no tratamento de instituto processual recente e cujas repercussões ainda não estão bem esclarecidas. Mas algo parece já bem delineado: todo o cuidado será pouco naafirmação de teses definitivas sobre a matéria. Não nos parece de boa medida, por exemplo,vedar-se aimpugnação da homologação do acordo,no que toca, especificamente, aos aspectos formais de sualegalidade.Propor a redução de pena em9/10 (nove décimos)contraria o texto literal da Lei, por exemplo. A homologação da ilegalidade não pode ter efeitos tão drásticos.

Em tais situações, mesmo que se venha a afirmar anecessidadede se reconhecer odireito subjetivodo colaborador, que nada tem que ver com os erros apontados, ainda assim o Judiciáriodeve declarar nulo o acordo,até porque, sabemos todos, mesmos osatos nulos podem gerar efeitos jurídicos. A nulidade deve ser declarada para a correção de rumos futuros. Para que o acordo de colaboração, tão importante para a persecução penal, não se transforme eminstrumento de perene ilegalidade,como se o Poder Judiciário tivesse optado, definitivamente, pela proeminência dos resultados do processo penal, em detrimento do devido processo legal.Em tempos de Século XXI pareciachover no molhadoa máxima de oposição a Maquiavel, de queos fins não justificam os meios.Parecia apenas. Hoje se tornou necessidade diária.


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