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Ancine na Berlinda? Prestação de Contas de Tributação de VOD, Prestação de Contas e Necessidade Urgente de Pessoal

AGÊNCIA NACIONAL DO CINEMA

ANCINE

INSTRUÇÃO NORMATIVA 109/2012

INSTRUÇÃO NORMATIVA 124/2015

MP 2.228-1/2001

NETFLIX

PRESTAÇÃO DE CONTAS

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE TRIBUTAÇÃO DE VOD

TC Nº 017.413/2017-6

TCU

Vinícius Alves Portela Martins

Vinícius Alves Portela Martins

21/06/2018

A Ancine é a Agência Nacional do Cinema, compondo o rol das dez agências reguladoras federais brasileiras. Hoje está em evidência por pelo menos duas questões que apontaremos a seguir. A primeira diz respeito ao recente relatório de fiscalização TC nº 017.413/2017-6 do Tribunal de Contas da União, que, entre outras coisas, questiona a metodologia de prestação de contas utilizada pela Agência. A segunda trata da tributação pela Ancine (Condecine) do setor de Video on demand, muito reclamada pelos usuários, que tem como um de seus agentes mais famosos a Netflix.

Trataremos desses dois temas e ao final faremos uma breve relação deles com a necessidade de reforma institucional liderada pelo aumento e pela qualificação dos servidores que atuam nessa entidade.

Institucionalmente, nos últimos dez anos, a Ancine apresentou vários avanços na sua atividade de fiscalização, demonstrando interesse e responsabilidade com o gasto público e obediência aos critérios legais de renúncia fiscal.

Destaca-se a inclusão dos mecanismos de renúncia fiscal para o exterior na Declaração de Benefícios Fiscais da Receita Federal do Brasil – RFB[1]. Há, ainda, a Instrução normativa 109/2012 da Ancine, que instrui e operacionaliza os processos administrativos, inclusive de aplicação de penalidades e denúncias; e, por fim, a edição da Instrução Normativa 124/2015, da prestação de contas em conjunto ao programa Ancine mais simples[2], tentando encontrar soluções para prestações de projetos audiovisuais que utilizem recursos públicos.

Quanto à prestação de contas, o Tribunal de Contas da União – TCU, no relatório de fiscalização TC nº 017.413/2017-6, fez críticas à forma como a prestação de contas vem sendo feita pela Ancine, focando nos aspectos estruturais-metodológicos e na execução de determinadas prestações.

Assim, por exemplo, críticas a partir das amostras auditadas pelo órgão que estão contidas no relatório mencionado – item III (achados de auditoria), tópicos III-4 (execução de itens orçamentários em valores substancialmente diferentes do orçamento aprovado sem justificação adequada), III-6 (uso de recursos público para pagamentos de tributos de natureza personalistas a serem pagos pelo contratado), III-7 (identificação de irregularidades de prestação de contas sem devida apuração), entre outros, apontam para falhas na prestação de contas.

Outro questionamento foi quanto à metodologia Ancine + Simples. O TCU critica, especificamente, a prestação de contas por amostragem, apontando, entre outras, coisas que esse método vale para auditoria, e não para prestação de contas; esta deve focar em todos os gastos, a princípio, sem exceção.

Parece-nos relevante o posicionamento do TCU. Mas é importante considerar as peculiaridades do setor audiovisual, seja a capacidade operacional da Agência de fazer uma prestação de contas ampla e como ocorre em outros setores, seja porque mesmo esta pode não representar um bom indicador de gasto público (qualidade do gasto).

Exemplificativamente, o fato de se provar o gasto efetivo de R$ 800.000 para o pagamento de um diretor (ou R$ 80.000) não necessariamente representará melhor forma desse gasto público. Este é um item orçamentário de grande flexibilidade. Imaginem um diretor renomado como James Cameron (Titanic e Avatar) dirigindo uma produção brasileira, provavelmente o valor citado ficaria barato dada a projeção desse diretor! O pior é pagar um alto valor em itens orçamentários que não correspondam à realidade, como, por exemplo, R$ 800.000 a mim! Ou seja, entre a prestação de contas do efetivamente gasto (mínimo) e a real melhora da qualidade do gasto público, há uma grande diferença num setor como o audiovisual. Por isso, o teto de gasto (limite de quanto o Estado pode pagar para determinados micro e macroitens) pode ser uma solução.

Enfim, muito há de se discutir sobre o tema. E precisamos de mais servidores para isso! Fato!

A tributação da Netflix pela Condecine remonta a uma questão de igualdade, em face de outros agentes de outros segmentos que, em regra, são tributados. O fato de os agentes econômicos o transformarem em um tributo indireto, o que implica repasse de custo para o consumidor, é ruim sob a ótica deste. Mas há coisas importantes, como não criar vantagem competitiva à empresa não tributada sem justificativa adequada, o que impacta a concorrência perante outras empresas, além das questões concorrenciais.

O Conselho Superior do Cinema – CSC propôs o modelo de tributação híbrida[3], ou seja, em que o agente econômico optará pela forma de tributação sobre o número de obras que compõem o catálogo da empresa no Brasil, a chamada Condecine Catálogo; ou na forma de uma “taxa” única por assinante/transação, chamada Condecine por Assinatura ou Condecine Transação[4].

Do ponto de vista econômico, parece a melhor solução para o setor. Em sentido semelhante, veja o trabalho da competentíssima servidora da Ancine e mestre em economia da regulação pela Universidade de Barcelona Camila Sanson[5].

Entretanto, do ponto de vista tributário, há alguns problemas. Há dúvidas quanto a uma possível violação ao art. 149, 2º, da CRFB/1988. Em nenhum dos casos sugeridos pelo modelo híbrido (assim como o modelo atual da Condecine Licença, art. 32, I) apresentado pelo CSC, usa-se a base de cálculo constitucionalmente prevista de acordo com artigo supracitado. Nesse sentido, o tributarista Erick Teixeira[6] entende que a CIDE que não esteja em consonância com referido artigo é inconstitucional. Além disso, ao se analisar os efeitos da tributação sugerida, tem-se uma provável violação à igualdade no tratamento, no âmbito do mesmo domínio econômico (tanto dentro do segmento de VOD quanto da comparação deste com outros segmentos, como vídeo doméstico, cinema, TV etc.). É o que defendo em artigo sobre o tema[7].

Breve conclusão

Tendo em vista os novos desafios (entre outros, como a regulamentação do art. 29 da MP 2.228-1/2001, que ampliaria significativamente o poder regulatório da Ancine na regulação da falha de mercado assimetria de informação), a Ancine precisa se preparar para delimitar melhor sua área de atuação; intensificar o diálogo com outros órgãos, especialmente os de controle e de avaliação de políticas públicas; e, principalmente, aumentar, urgentemente, seu contingente de servidores efetivos (o que engloba necessidade de ampliação da capacitação e processos seletivos adequados às reais necessidades de competência da agência). Esta última medida parece-nos trivial tendo em vista, também, o escopo nacional da referida Agência e seu papel no fomento do setor. Dessa forma, a Ancine poderá contribuir de forma efetiva para o crescimento do setor audiovisual brasileiro e outros associados, com zelo em relação às normas e aos recursos públicos.


[1] A Receita Federal em conjunto com a Ancine editou/atualizou a DBF, inserindo recursos provenientes de remessa para o exterior, o que permitiu melhor fiscalização dos benefícios fiscais provenientes de remessa para o exterior; parcerias com o mesmo órgão no campo operacional, como as que deram origem ao Ato Declaratório Executivo Codac nº 20/2009, que auxiliou na fiscalização de Imposto de Renda e Condecine incidente sobre operações para o exterior (inclusive quanto aos recursos destinados a paraísos fiscais). DBF. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=39240> e Ato Declaratório Executivo Codac nº 20, de 27 de março de 2009. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idato=3991>.
[2] Disponível em: <https://www.ancine.gov.br/sites/default/files/apresentacoes/ApresentacaoMR-ancinesimples.pdf>.
[3] Disponível em <https://www.ancine.gov.br/pt-br/sala-imprensa/noticias/conselho-superior-do-cinema-aprova-modelo-h-brido-de-cobran-de-condecine>.
[4] Disponível em: <https://www.ancine.gov.br/pt-br/sala-imprensa/noticias/conselho-superior-do-cinema-aprova-modelo-h-brido-de-cobran-de-condecine>.
[5] Obligación de financiación anticipada de las obras europeas en el segmento de vídeo bajo demanda – replicabilidad de la regulación europea en Brasil. Dissertação apresentada para obtenção do título de mestre em economia, regulação e concorrência dos serviços públicos pela Universidade de Barcelona.
[6] PINTO, Érico Teixeira Vinhosa. Contribuições especiais e base de cálculo: a Emenda Constitucional nº 33/2001 e as bases de cálculo passíveis de tributação por meio de contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico. Revista de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento, v. 5, n. 5, 2017. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfptd/article/view/23691>. Acesso em: 11.06.2018.
[7]Vide artigo de minha autoria denominado “Analisando a CIDE – Condecine Licença a partir das consequências de sua incidência no segmento de vídeo por demanda programado (VOD-Netflix), 2018 – publicado na Revista de Finanças Públicas – Tributação e Desenvolvimento. RFPTD, v. 6, n. 6, 2018. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfptd>.

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