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Direito digital e ações contra réus indeterminados no novo CPC

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Direito digital e ações contra réus indeterminados no novo CPC

AÇÕES CONTRA RÉUS

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CPC 2015

DIREITO DIGITAL

NOVO CPC

RÉUS

Fernando Gajardoni
Fernando Gajardoni

03/09/2018

Sempre se considerou que, tanto quanto o remédio que é escolhido à luz da doença (e não contrário), é o processo civil que tem que se adequar às vicissitudes do direito material, competindo ao juiz, caso o legislador não tenha sido capaz de adequar o procedimento processual ao caso concreto, fazer a competente adaptação.1

A afirmação supra se torna ainda mais contundente nos processos relacionados ao direito digital, especialmente quando há ato ilícito praticado pela internet por pessoa incerta; escondida atrás do anonimato constitucionalmente vedado (art. 5º, IV, da CF).

Explico.

O Marco Civil da internet (arts. 19, 22 e 23 da Lei 12.965/2014) garante aos ofendidos o direito de obter judicialmente os registros de aplicação e de conexão para fins de fazer prova em processos civis e criminais, inclusive autorizando a propositura da ação ante aos Juizados Especiais (art. 19, § 3º). Mas não indica qual a via processual adequada para a postulação.

Em outros termos, nos casos de ilegalidade praticada por pessoa encoberta pelo signo da proteção de seus dados pessoais (uma das garantais do acesso à internet – art. 7º, I, da Lei 12.965/2014), a derrubada do conteúdo ilegal e obtenção dos dados do ofensor não é tarefa das mais fáceis.

À exceção dos casos de pornografia – onde a exclusão do conteúdo pode ser requerida extrajudicialmente diretamente ao provedor de aplicação (art. 21 da Lei 12.965/2014) –, o prejudicado deve sempre ajuizar ação judicial para: a) exclusão do conteúdo tido por ilícito; b) obtenção dos dados de IP do servidor de aplicação (Facebook, Instagram, Twitter, etc); c) obtenção dos dados cadastrais do servidor de conexão (Vivo, Claro, Oi, Net, etc.), com base no IP obtido com o servidor de aplicação; d) para só então (em sendo possível), chegar-se ao titular da conexão de onde foi praticada a ilegalidade, que eventualmente será acionado civil ou criminalmente por conta do ilícito praticado.

Não há procedimento, previsto na lei processual vigente (CPC/2015) que aparentemente suporte tantas providências distintas contra tantos responsáveis diferentes, o que torna um verdadeiro desafio para os processualistas e tribunais2 indicar quais seriam as vias adequadas – ou a mais adequada –, para a obtenção da tutela necessária nestes casos de direito digital.

De nossa parte3 já tivemos a oportunidade de apontar 05 soluções possíveis no âmbito cível para a questão (nestes casos em que o violador da lei está encoberto pelo anonimato). Em todas elas, uma boa pitada de flexibilização do procedimento processual pelo juiz é fundamental para a adaptação do instrumental existente às particularidades do direito digital:

1ª) Ação de obrigação de fazer (art. 497 do CPC/2015) contra o provedor de aplicação para obtenção dos registros (IP) e retirada liminar do conteúdo (art. 300 do CPC). Seguida de ação de obrigação de fazer (art. 497 do CPC/2015) contra o provedor de conexão para indicação dos registros de conexão de onde proveio a prática do ato ilegal. Seguida de ação de indenização contra o violador da lei para responsabilização. Seriam 03 (três) ações judiciais consecutivas, para solução de um único problema.

2ª) Tutela antecipada antecedente (art. 303 do CPC/2015) contra o provedor de aplicação para obtenção dos registros de IP de onde proveio a ofensa e remoção do conteúdo; com emenda (art. 303, § 1º, do CPC) contra o provedor de conexão para cumprimento da obrigação de fazer (art. 497 do CPC/2015) consistente na identificação dos dados cadastrais do titular da conexão de onde proveio a violação da lei. Seguida de ação de indenização contra o violador da lei para responsabilização.

Aqui já se tem uma ação a menos, porém, ainda com ao menos 02 (duas) ações judiciais consecutivas. A primeira delas, bastante discutível do ponto de vista processual (art. 303, § 1º, do CPC), vez que a propositura da tutela antecedente se dá contra uma parte (provedor de aplicação), mas a emenda será contra outra parte (provedor de conexão).

3ª) Ajuizamento de produção antecipada de provas (art. 381, III, do CPC/2015) contra os provedores de aplicação e conexão (litisconsórcio sucessivo) para identificar o violador da lei, seguida de ação de indenização contra ele em caso de sucesso na identificação (02 ações judiciais consecutivas).

4ª) Uma única ação de obrigação de fazer c.c. indenização por danos (art. 327 do CPC/2015)) contra o provedor de aplicação para obtenção dos registros (IP) e retirada liminar do conteúdo (art. 300 do CPC), em litisconsórcio facultativo alternativo4 contra os seguintes réus indeterminados (art. 319, § 1º e 2º, CPC/20155): a) provedor de conexão para indicação do violador da lei e; b) o violador da lei para responsabilização civil.

5ª) Uma única ação de indenização contra réu(s) indeterminado(s) violador(es) da lei para fins de responsabilização civil (art. 319, § 1º e 2º, do CPC), com descoberta da identidade por ofícios sucessivos ao provedor de aplicação (identificação do IP) – inclusive para fins de remoção liminar – e provedor de conexão (identificação do violador); seguida de emenda para consolidação do polo passivo da demanda no violador da lei identificado pelos ofícios.

Todas as medidas judiciais supra indicadas, como regra, seriam possíveis à luz do interesse (e disposição) da parte prejudicada pela ofensa.6

Entendemos, contudo, que a via mais vantajosa (para as partes e Judiciário) e adequada (do ponto de vista processual) é a 5ª (quinta).

Várias razões.

Primeiro, em uma interpretação pró-ativa do art. 319, §§ 1º e 2º do CPC/2015 (que não foi pensado para as situações ora cogitadas), bem se verá que compete à autoridade judiciária colaborar com o autor na identificação da parte requerida na demanda, e não, apenas, para a obtenção da sua qualificação completa. A admissão da ação para baixa liminar do conteúdo ilegal e indenização contra o ofensor incerto, seguida de ofícios para os provedores de aplicação e conexão (a fim de excluir o conteúdo e informar os dados do ofensor), cumpre adequadamente tal dever processual do Estado/Juiz, pois permite a identificação do ofensor em estrito cumprimento dos ditames da Lei 12.965/2014, além de manter a proteção dos dados dos usuários da internet (que não serão divulgados caso o Judiciário não constate a ocorrência do ilícito).

Segundo, pois a manutenção dos provedores como terceiros no processo parece ser a solução mais adequada do ponto de vista do direito material (Lei 12.965/2014), já que não são eles responsáveis, como regra, pelo conteúdo violador da lei (v.g. pela postagem ofensiva) ou pelos prejuízos causados pelo ofensor (arts. 18 e 19), de modo que as providências que lhe são requisitadas com base nos artigos 19, §§, e 22 e 23, todos da Lei 12.965/2014, devem se dar na forma do art. 403, parágrafo único, do CPC/2015 (exibição incidental contra terceiros), dispensando que figurem partes passivas no processo.

E terceiro, porque a solução preconizada ainda traz a reboco a vantagem de que, não resistindo à ordem de baixa do conteúdo tido por ilícito e prestando as informações, não há sucumbência a se arbitrar em desfavor dos provedores de aplicação e de conexão (que não são partes no processo), até porque não tinham autorização legal para baixar o conteúdo (salvo no caso do art. 21 do Marco Civil) ou prestar informações (dados do usuário) sem requisição judicial.

Por fim uma última nota.

A temática dos processos envolvendo violações da lei praticados pela via digital ainda é nova (o marco civil da internet é de 2014), embora tenda a se tornar cada vez mais comum com o passar dos anos. Demanda dos operadores do Direito um mínimo conhecimento de questões técnicas ligadas ao tema. Por isso, sempre é bom ter em mente que o Judiciário, à luz da cooperação (art. 6º do CPC/2015), dever orientar as partes sobre suas escolhas processuais e das vantagens/desvantagens da eleição de cada uma das opções processuais supra indicadas.


[1] Ver o que já consideramos, faz mais de uma década, no nosso Flexibilização do procedimento: um novo enfoque para estudo do procedimento em matéria processual: São Paulo: Atlas, 2007.

[2] Para uma ampla análise da jurisprudência do STJ a respeito de temas processuais ligados ao direito digital, conferir MARTINS, Ricardo Maffeis, As decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre Direito Digital (texto gentilmente cedido pelo autor, a quem muito se agradece pela colaboração na pesquisa e enfrentamento do tema).

[3] Sustentamos referido ponto de vista em importante Seminário sobre Direito Digital realizado na Escola Paulista da Magistratura entre agosto e outubro de 2018, em curso sob a competente coordenação do Desembargador Luis Soares de Mello Neto e do Juiz Fernando Antonio Tasso (http://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=52294).

[4] Sobre a temática, ver por todos: SANTOS, Silas Silva. Litisconsórcio eventual, alternativa e sucessivo. São Paulo: Atlas, 2013.

[5] Sobre o art. 319, §§ 1º e 2º do CPC, conferir os comentários de Andre Roque in GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos, e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC/2015. 2ª ed. São Paulo: Método, 2018.

[6] Salvo se o lesado preferir o ajuizamento da ação pelo sistema dos Juizados Especiais, como autoriza o art. 19, § 3º, da Lei 12.965/2014. Nestes casos, crê-se que somente as opões 01 e 03 seriam viáveis, pois o emprego dos artigos 303 (tutela antecipada antecedente) e 319, §§ 1º e 2º (identificação da parte passiva), do CPC/2015 – necessário par o uso das opções 2ª, 4ª e 5ª –, parece incompatível com o procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95.


VEJA AQUI OUTROS TEXTOS DA SÉRIE CPC 2015

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