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A Condução Coercitiva* Judicial na Investigação foi Extinta após o Supremo Tribunal Federal Decidir pela sua (não) Recepção pela CF/1988 para Fins de Interrogatórios?

CONDUÇÃO COERCITIVA JUDICIAL

INTERROGATÓRIO

INVESTIGAÇÃO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Joaquim Leitão Júnior

Joaquim Leitão Júnior

06/09/2018

A condução coercitiva ainda persiste em nosso ordenamento para outros fins

Apesar de duramente criticada por parcela dos estudiosos do Direito, a condução coercitiva que estávamos acompanhando na prática era menos gravosa do que a decretação de medidas cautelares de prisão preventiva ou temporária – também criticadas quando se prendia alguém de grande notoriedade.

Em tempos de outrora de conduções coercitivas e prisões, era difícil agradar um lado ou outro. O mais importante era ter em mente que a condução coercitiva não obrigava o investigado a falar sobre o assunto objeto, uma vez que estamos sob a égide da Constituição Federal. Poder-se-ia até questionar sua utilidade, sob esse prisma, posto que o conduzido poderia simplesmente fazer uso do direito constitucional ao silêncio e não falar absolutamente nada, mas a condução coercitiva, apesar dessas nuances, não raras vezes surtia efeitos para as investigações.

De qualquer modo, no que diz respeito ao mandado de condução coercitiva, num primeiro momento, cabe expor que a liberdade de locomoção, sem dúvida, figura entre os direitos fundamentais mais sagrados do indivíduo, dada a sua estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, epicentro axiológico das constituições modernas.

Nesse passo, entre as formas de restrição à liberdade de locomoção previstas no arcabouço jurídico pátrio figura a condução coercitiva, que nada mais é do que um meio conferido à autoridade para fazer comparecer aquele que injustificadamente desatendeu a sua intimação, cuja presença é essencial e indispensável para a elucidação das investigações complexas no curso da persecução penal.

A condução coercitiva, apesar de não listada no rol das medidas cautelares diversas da prisão dos arts. 319 e 320 do Código de Processo Penal, também se apresentava como medida cautelar de coação pessoal – de forma extranumerária (extra rol).

art. 260 do Código de Processo Penal, julgado não recepcionado pelo Supremo Tribunal Federal, prescrevia o seguinte: “Se o acusado não atender a intimação para o interrogatório […] a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”. Repita-se: “Se o acusado não atender a intimação”.

Pela açodada leitura do art. 260 do CPP, a condução coercitiva só poderia ocorrer nas situações expressamente descritas no citado dispositivo legal.

Em que pese o teor do art. 260 do CPP, assim como a própria Constituição Federal, estes não deveriam ser interpretados em “tiras” ou fragmentos convenientes, mas de forma sistemática. A respeitável juíza goiana Placidina Pires discorre sobre a condução coercitiva arvorando-se nas seguintes abordagens preciosas ao tema:

“A Condução Coercitiva – Mecanismo de persecução penal menos invasivo ao direito de liberdade do cidadão, condução coercitiva como medida cautelar autônoma é uma excelente ferramenta para as investigações, principalmente para as mais vultosas, referentes a associações e organizações criminosas, em relação às quais a obtenção de provas geralmente é mais trabalhosa, devido às suas ramificações e o modo de agir dos criminosos, que, invariavelmente, contam com a colaboração de vários agentes, estrutura, organização e logística previamente pensadas para dificultar, senão anular as chances de êxito de qualquer trabalho investigativo. Em virtude de sempre ser decretada no bojo de procedimento investigatório sigiloso, de breve duração, suprarreferida medida cautelar nunca despertou muita atenção. No entanto, após a exibição na imprensa da condução coercitiva do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, investigado na Operação Lava Jato, referido instrumento coercitivo passou a ser alvo de discussões, tanto que figurou como crime no Projeto de Lei n.º 280/2016 – que trata do abuso de autoridade, que tramitou no Senado Federal e foi aprovado dia 26 de abril, e agora segue para a Câmara dos Deputados. Não satisfeito, o Partido dos Trabalhadores ajuizou no Supremo Tribunal Federal Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 395/DF, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do artigo 260 do Código de Processo Penal. Nesse prisma, destaco que a condução coercitiva, por consubstanciar medida cautelar menos agressiva ao direito de liberdade do cidadão, e não desrespeitar os direitos constitucionais do indivíduo de permanecer em silêncio (nemo tenetur se detegere) e de não produzir prova contra si mesmo, não pode ser considerada medida inconstitucional, inconvencional ou abusiva, como querem fazer crer os que criticam, porque não caracteriza medida de privação de liberdade. Além de atender satisfatoriamente aos objetivos da investigação, mormente quando deferida em conjunto com outras medidas cautelares, como a busca e apreensão, a quebra de sigilo, e a interceptação telefônica, a condução coercitiva revela-se extremamente vantajosa para o conduzido, vez que menos gravosa para o seu direito de locomoção que qualquer outra medida cautelar de natureza pessoal prevista na legislação vigente. Nessa ótica, com o escopo de possibilitar a oitiva conjunta dos investigados e evitar a prévia combinação “falsa” de versões, e, ainda, a ocultação e destruição de provas ou, até mesmo, a fuga do agente, pode o juiz, valendo-se do seu poder geral de cautela (CPC, art. 798; CPP, art. 3º), autorizar a condução coercitiva, como medida cautelar menos invasiva que a prisão. Trata-se de medida cautelar de natureza pessoal autônoma menos gravosa que a prisão temporária ou preventiva, que exige idênticos pressupostos para sua decretação, mas que, diferentemente destas, restringe a liberdade do conduzido tão somente pelo tempo necessário e indispensável à sua oitiva. Nesse sentido, não vejo como avanço, mas sim como um grande retrocesso, nocivo, inclusive, ao direito de liberdade do cidadão, a previsão estampada no artigo 10 do substitutivo do PL n.º 280/2016 do Senado Federal [1], que visa proibir e, consequentemente, criminalizar a condução coercitiva. Por certo, não se está defendendo uma nova modalidade de prisão cautelar e muito menos a utilização da condução coercitiva como medida de autoincriminação. O direito ao silêncio é assegurado constitucionalmente. Defende-se a condução coercitiva como instrumento de auxílio à investigação (meio de prova), para a salvaguarda de elementos probatórios imprescindíveis para a elucidação de crimes complexos, e à efetivação de outras medidas acautelatórias do processo penal, que restringe apenas momentaneamente a liberdade individual do conduzido, diferentemente das prisões provisórias, que privam o indivíduo de sua liberdade” (PIRES, 2017, p. 15).

É importante considerar que a condução coercitiva, no âmbito policial, deve ser entendida como a compulsoriedade de apresentação de uma pessoa para realizar determinado ato instrutório legal na esfera policial. O mencionado ato de condução coercitiva tinha vez e era admitido, em regra, nas hipóteses de não comparecimento injustificado da parte após regular notificação. O delegado de polícia Rafael Francisco Marcondes de Moraes ensina sobre condução coercitiva que:

Mesmo o investigado ou preso, conquanto possa se quedar silente (CF, art. 5º, LXIII), pode ser conduzido coercitivamente para que seja, pelo menos, identificado e qualificado. O averiguado ou indiciado não pode invocar o direito ao silêncio, tampouco o direito de não se autoincriminar para se recusar a informar dados sobre a própria identidade ou qualificação ou mesmo para mentir sobre tais informações pessoais, porque estas não se referem aos fatos apurados e, assim, não implicam em assumir responsabilidade penal. […]

É evidente que a condução coercitiva, além de se justificar somente quando escorada na recusa do intimado ou na urgência plausível da diligência, deve ser executada com reta observância das garantias do indivíduo, mormente a assistência de advogado que seja solicitada, assim como o emprego moderado e progressivo de força e de algemas” (MORAES, 2014).

O Supremo Tribunal Federal já havia assentado numa ocasião anterior às ADPFs a possibilidade de condução do investigado à Autoridade Policial nos seguintes termos:

Habeas corpus. Constitucional e processual penal. Condução do investigado à autoridade policial para esclarecimentos. Possibilidade. Inteligência do art. 144§ 4º, da Constituição Federal e do art.  do CPP. Desnecessidade de mandado de prisão ou de estado de flagrância. Desnecessidade de invocação da teoria ou doutrina dos poderes implícitos. Prisão cautelar decretada por decisão judicial, após a confissão informal e o interrogatório do indiciado. Legitimidade. Observância da cláusula constitucional da reserva de jurisdição. Uso de algemas devidamente justificado. Condenação baseada em provas idôneas e suficientes. Nulidades processuais não verificadas. Legitimidade dos fundamentos da prisão preventiva. Garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal. Ordem denegada.

I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais.
II – O art. 
 do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostasnos incisos II a VI.

III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art.  do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos.

IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes implícitos, construída pela Suprema Corte norte-americana e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que há previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal, que dá poderes à polícia civil para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer as funções de polícia judiciária.
[…]” (STF, 1ª Turma, HC 107644, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, maioria, j. 06.09.2011, DJe-200, 18.10.2011).

Havia também os entendimentos dos Tribunais já assentados de que a condução coercitiva não necessitava de flagrante, nem mesmo de mandado judicial (STJ, 5ª Turma, RHC 25.475/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 16.09.2010). Nessa direção, apresenta-se o mencionado julgado do colendo Superior Tribunal de Justiça:

“1. De acordo com os relatos e informações constantes dos autos, percebe-se claramente que não houve qualquer ilegalidadena condução do recorrente à delegacia de polícia para prestar esclarecimentos,ainda que não estivesse em flagrante delito e inexistisse mandado judicial.

2.Isso porque, como visto, o recorrente em momento algum foi detido ou preso, tendo sido apenas encaminhado ao distrito policial para que, tanto ele quanto os demais presentes, pudessem depor e elucidar os fatos em apuração.

3.Consoante o artigo 144, § 4º, da Constituição Federal, “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”, sendo que o artigo 6º do Código de Processo Penal estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito.

4.A teoria dos poderes implícitos explica que a Constituição Federal, ao outorgar atribuições a determinado órgão, lhe confere, implicitamente, os poderes necessários para a sua execução.

5.Desse modo, não faria o menor sentido incumbir à polícia a apuração de infrações penais e, ao mesmo tempo vedar-lhe, por exemplo, a condução de suspeitos ou testemunhas à delegacia para esclarecimentos” (STJ, 5ª Turma, RHC 25.475/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 16.09.2010).

Convém consignar que, após tecidas essas considerações, enfrentaremos a condução coercitiva/independente/autônoma (sem necessidade de recalcitrância), aqui mirada e estudada, em que se centraria e justificaria a urgência plausível da diligência. Não raras vezes, judicializava-se o tema por conta das divergências, principalmente no campo doutrinário e jurisprudencial.

Dando sequência aos brados retóricos, o art. 411, § 7º, do Código de Processo Penal disciplina a condução coercitiva, conferindo a conotação mais clara de que esta teria vez em atos urgentes e nada falando sobre a necessidade de intimação prévia ou de recalcitrar. Para nós, a opção legislativa foi de clareza solar em reservar a condução coercitiva não apenas em caso de intimação prévia e recalcitrância (art. 260 do CPP), mas também para atos urgentes (condução coercitiva autônoma/independente: independentemente de intimação prévia e recalcitrância da pessoa-alvo da medida). Nesse ponto, cita-se a redação do art. 411, § 7º, do Código de Processo Penal:

“Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008.)

[…]

§ 7º Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.”

O legislador não especificou em momento algum no art. 411, § 7º, do Código de Processo Penal se essa condução coercitiva seria dirigida apenas à testemunha, ao perito ou ao investigado (acusado) ou a outra pessoa diversa que fosse previamente intimada e deixasse de comparecer ao ato, não cabendo ao intérprete distinguir. Obviamente, para qualquer ato existe uma prévia comunicação (mas sem exigir aqui a recalcitrância ou nova intimação) para condução coercitiva, em que o ponto de vista em tela se torna defensável.

Mas o art. 411, § 7º, do Código de Processo Penal não estaria numa posição topograficamente aplicada ao rito do Tribunal do Júri? A resposta será dada mais adiante.

Prosseguindo, o art. 535 do Código de Processo Penal reforça o entendimento de que a condução coercitiva (condução coercitiva autônoma/independente) teria cabimento em atos urgentes (não se cingindo apenas e tão somente a necessidade de intimação prévia e de recalcitrar da pessoa-alvo da medida). Mais uma vez, a nosso ver, a opção do legislador foi clara em reservar a condução coercitiva não apenas em caso de intimação prévia e recalcitrância, mas para atos urgentes (independentemente de intimação prévia e recalcitrância da pessoa-alvo da medida). O art. 535 do Código de Processo Penal reza que:

Art. 535. Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.”

Igualmente, em momento algum o legislador no art. 535 do Código de Processo Penal distinguiu se essa condução coercitiva seria dirigida apenas à testemunha, ao perito ou ao investigado (acusado) ou a outra pessoa diversa, não cabendo ao intérprete fazê-lo – reputando-se a abrangência do dispositivo a tal ponto para alcançar o investigado (acusado) também. Da mesma forma, a redação do art. 535 do Código de Processo Penal permite sustentar esse viés.

A inquietação persiste com a seguinte indagação: o art. 535 do CPP não estaria numa posição topograficamente aplicada ao processo penal judicial? A resposta também será dada mais adiante.

A autorização da condução coercitiva revelar-se-ia nitidamente como medida cautelar menos invasiva que a prisão (seja ela temporária ou preventiva) e é importantíssima para as investigações policiais (em sincronia até para evitar combinações de versões e farsas), além de estar elencada – sem prejuízo dos dispositivos legais citados – no próprio poder geral de cautela do juiz.

É possível transportar esses dispositivos legais para aplicá-los na seara investigativa?

Não estamos recorrendo à interpretação analógica do art. 3º do Código de Processo Penal – que é subsidiária –, a despeito do teor do art. 260 do Código de Processo Penal, antes que algum leitor desavisado sedento por críticas atire a primeira pedra. Como dito em ocasião pretérita, o CPP não deve ser interpretado em “tiras” ou fragmentos convenientes, mas de forma sistemática e conjunta para evitar corrosão e enfraquecimento dos institutos jurídicos.

Como respostas às indagações anteriores, defendemos a possibilidade de aplicação dos dispositivos cotejados no seio das investigações policiais num critério interpretativo sistemático e conjunto, sem alijar a mens legislatoris e a mens legis.

A condução coercitivaautônoma/independente é ferramenta fundamental para elucidação de fatos, máxime diante da escassez de tempo para encerramento das investigações e do déficit de servidores policiais, revelando-se extremamente positiva, sob todos os ângulos. A condução coercitiva é benéfica para o direito fundamental à segurança pública.

Com a condução coercitiva autônoma/independente, o Delegado de Polícia terá, em tese, preservado as diligências urgentes, criando um ambiente que dificulte combinações de versões etc. (no caso da testemunha ou de outras pessoas resolverem falar); seria positiva para o investigado, que deixaria de ser preso preventiva ou temporariamente; e seria produtiva para o Poder Judiciário e o Ministério Público, que evitariam desnecessariamente mais um feito com prazo urgente para priorizar; é ótima para o Estado (que terá ao mesmo tempo prestigiado o Estado-investigação e os direitos constitucionais, ainda que não absolutos) e até mesmo para a vítima (que almeja ver os fatos do seu interesse esclarecidos) e outros personagens, em busca do utópico princípio da verdade real.

O devido procedimento de investigação policial impõe uma preocupação maior por parte de todos os órgãos estatais encarregados da persecução penal, porquanto uma investigação ineficiente, além de trazer efeitos deletérios da impunidade, acaba por refletir em possíveis sanções impostas pelas Cortes Internacionais ao Brasil, que é signatário de pactos internacionais nesse sentido.

Nesse cenário, a condução coercitiva autônoma/independente na esfera policial por meio de ordem judicial (sem desprezar a condução coercitiva eminentemente policial e da condução coercitiva com recalcitrância e notificação prévia, que serão objetos de discussão em outra oportunidade), como medida (cautelar) autônoma, seria menos prejudicial ao status libertatis dos suspeitos ainda presumivelmente inocentes. Assim, ao contrário do propalado e da tensão entre o instrumento analisado e os direitos fundamentais de ir e vir, a condução coercitiva autônoma/independente estaria, sim, prestigiando de forma cristalina e densa os valores constitucionais, inclusive evitando o cárcere indevido com desproporcionalidade e violação da condição de inocência.

Tanto é verdade que a Autoridade Policial deve e deveria se nortear por toda a cautela necessária para não representar com generalidade e de forma indiscriminada pela prisão temporária ou preventiva de investigados, com o objetivo de não generalizar e retirar a força hercúlea desse importante instrumento acautelatório, reservando a condução coercitiva judicial para desempenhar o papel indispensável de imprimir celeridade na conclusão das investigações, com deflagração de diligências em plena sincronia e concomitância para auxiliar o descortinamento dos fatos sob apuração, evitando frustrar tais desideratos investigativos.

Em arremate, defendíamos que, dependendo das circunstâncias do caso concreto sob investigação, seria exigido um esforço concentrado para concluir diligências investigativas com celeridade e em sincronia para evitar prejuízos substanciais, sendo necessária a promoção da condução coercitiva autônoma/independente de investigados na esfera policial com o aval do Poder Judiciário, com aplicação dos dispositivos legais mencionados na seara investigativa, sem prejuízos de representações paralelas por prisões cautelares (temporárias ou preventivas).

Contudo, apesar de todos os esforços argumentativos, foram julgadas as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 395 e nº 444 apresentadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), oportunidade em que, em decisão recente, o STF, no mérito, entendeu definitivamente proibir a realização de conduções coercitivas de investigados e réus para os atos de interrogatórios, pois, segundo a Corte Máxima do nosso país, a condução coercitiva para interrogatório representaria uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer, o que seria incompatível com a Constituição Federal.[1]

Atrevemo-nos a dizer que as conduções coercitivas não foram fulminadas com essa decisão do STF, pois ainda são possíveis conduções coercitivas para testemunhas, peritos, assistentes técnicos, informantes e ofendido (vítima), entre outros atores que não sejam investigados e réus. Ademais, a condução coercitiva de investigados e réus à presença da Autoridade Policial ou da Autoridade Judicial para atos diversos do interrogatório (como o reconhecimento de pessoas ou coisas) não foi enfrentada como restou assentado na decisão da Suprema Corte – que apontou a incompatibilidade apenas com a vedação da condução coercitiva de investigado e réu para fins de interrogatório, não impedindo a condução coercitiva para fins de reconhecimento de pessoas ou coisas. Logo, a condução coercitiva de investigados e réus à presença da Autoridade Policial ou da Autoridade Judicial para atos diversos do interrogatório (como o reconhecimento de pessoas ou coisas) parece hígida e possível em nosso ordenamento.

Enfim, essas espécies de conduções coercitivas aparentemente continuariam com permissão dentro do nosso ordenamento jurídico para serem livremente apreciadas no caso concreto, mediante representação da Autoridade Policial ou requerimento do Ministério Público – sem ingressar na possibilidade ou não dessa medida de ofício pelo Juízo Criminal.


Referências

PIRES, Placidina. Contrarrazões: condução coercitiva – mecanismo de persecução penal menos invasivo ao direito de liberdade do cidadão. Revista ASMEGO – Associação dos Magistrados do Estado de Goiás, ano 9, jul. 2017. Disponível em: <https://asmego.org.br/wp-content/uploads/2017/08/REVISTA-ASMEGO-03.pdf>. Acesso em: 9 set. 2017.
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Condução coercitiva e polícia judiciária. Jus.com.br,  dez. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/34866/conducao-coercitiva-e-policia-judiciaria>. Acesso em: 27 ago. 2017.

[1] Parece, data maxima venia, não haver a compreensão necessária sobre o tema, pois a condução coercitiva de pessoa com status de investigada não significa que ela será obrigada a falar e se autoincriminar.
Até onde se sabe, isso jamais foi ignorado pelos aplicadores da lei. Ao contrário do que se diz, na condução coercitiva não se viola o direito convencional de se autoincriminar.
Uma coisa é conduzir à força e sob vara e outra é não ter o conduzido obrigação de falar no seu interrogatório. Sustentar que a condução coercitiva serve para violar direitos constitucionais e convencionais parece constituir mais uma falácia, porque não teria a lei infralegal o condão de preponderar sobre o direito ao silêncio elevado à envergadura constitucional. Outrossim, não existiriam direitos absolutos em nosso ordenamento, com exceção de alguns pontos de vista nessa direção.
Aliás, vai-se mais longe nesse argumento, porquanto há quem advogue a ideia de que a condução coercitiva, diante do direito ao silêncio e do direito convencional de não se autoincriminar, não se prestaria a nenhum efeito prático nem teria efeito útil para os atos na investigação, posição da qual ousamos discordar, pois a condução coercitiva simultânea pode impedir combinações de versões de diligências sincrônicas (de outras pessoas) na investigação e auxiliar sobremaneira no desmantelamento de esquemas criminosos.
*A condução coercitiva não se limita a forcejar alguém ser levado à força para interrogatório numa Delegacia ou sem sede de um Fórum.
Notadamente, a condução coercitiva pode se prestar para qualificação de um indivíduo, ato no qual a pessoa é obrigada a repassar à Autoridade, sob pena de incidir no art. 69 da Lei de Contravenções Penais.
A condução coercitiva também serve para identificação criminal e reconhecimento (não estando protegido pelo direito à não autoincriminação), assim como para conduzir pessoas como testemunhas, vítimas, informantes, peritos, entre outras pessoas, à força, com o objetivo de praticar atos de investigações.
Portanto, ao contrário do propalado, que se revela mais como uma falácia para querer diminuir a importância desse instrumento no seio da investigação policial, o espectro da condução coercitiva não se limita a compelir o investigado a se dirigir até a uma Delegacia ou ao Fórum para prestar interrogatório forçosamente, dado que tem o direito constitucional ao silêncio e ao direito convencional de não se autoincriminar.

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