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Estabilidade Jurisprudencial no Novo CPC: Algo Mudou na Prática?

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Estabilidade Jurisprudencial no Novo CPC: Algo Mudou na Prática?

CPC 2015

CRISE JURISDICIONAL BRASILEIRA

ESTABILIDADE JURISPRUDENCIAL

LIBERDADE JURISPRUDENCIAL

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SEGURANÇA JURÍDICA

Luiz Dellore

Luiz Dellore

17/09/2018

Escrevo esta coluna enquanto estou fazendo minhas pesquisas de pós-doutorado nos EUA1, de modo que irei enfrentar um tema sob a perspectiva comparativa. Uma das bases em que se funda o direito norte-americano é a observância dos precedentes, naquilo que pode ser denominado, de forma simplificada, de stare decisis2.

Assim, a decisão de um tribunal será necessariamente observada por um juízo inferior. E, sendo uma decisão da SCOTUS3, essa decisão será observada em todo o país.

E não haverá, nos EUA, juiz de 1º grau ou de tribunal intermediário dizendo que a decisão não é a mais adequada “no seu entendimento”, “conforme a sua visão de justiça” ou com base na “principiologia”, ou ainda que não respeita a decisão superior porque o “ministro que votou no caso foi escolhido de forma política”.

A modificação de um precedente antes fixado é algo que acontece de forma excepcional no modelo americano, apenas após uma mudança legislativa, social e/ou depois de um considerável lapso temporal.

Nesse sentido, vale mencionar o caso Hoffman v. Jones (280 So.2d 431. Fla. 1973). Nesse processo, envolvendo responsabilidade civil, a Suprema Corte da Flórida aplicou, pela primeira vez, o entendimento de que mesmo que o autor tenha minimamente contribuído para a ocorrência do dano, haverá o direito à indenização (ou seja, indenização mesmo havendo culpa concorrente). O entendimento anterior era no sentido de que, se houvesse qualquer culpa do autor em relação ao dano ocorrido, não haveria qualquer indenização. Em 1973 o Tribunal abandonou o entendimento pretérito, que durava quase 150 anos. Frise-se: o entendimento anterior havia sido fixado um século e meio antes.

Já no Brasil, no dia seguinte à edição de uma súmula vinculante ou decisão de repetitivo, aqueles que não concordam com a decisão já buscam sua modificação. E, não raro os Tribunais flutuam muito com a sua jurisprudência4.

Ciente da profusão de decisões divergentes a respeito da mesma discussão jurídica e da flutuação jurisprudencial, o NCPC buscou afastar toda essa instabilidade jurisprudencial.

O problema

A partir do exposto acima, chegamos a duas questões que bem expõem o problema que enfrentamos:

a) Pode um juiz decidir contra a pacífica jurisprudência dos tribunais?

b) Deve um juiz decidir contra a pacífica jurisprudência dos tribunais?

Temos, aqui, um embate que “supostamente” opõe a “justiça do caso concreto” à “segurança jurídica”.

Uso as aspas acima porque, em meu entender, não existe o embate: se há uma decisão superior, sua observância por órgãos inferiores é a que traz a justiça do caso concreto (considerando a isonomia) e, ao mesmo tempo, a segurança jurídica.

Mas muitos assim não pensam. E a análise dessa particularidade do sistema jurisdicional brasileiro é muito bem relatada por um autor português, com profundo conhecimento de nossa realidade. José de Oliveira Ascensão assim se manifesta5(grifei):

“Em Portugal e no Brasil o papel da jurisprudência é significativo. Muitas soluções tidas por assentes, nos últimos tempos de vigência do Código Civil português de 1867, eram de facto muito mais de filiar na jurisprudência que no Código, a que formalmente se referiam. E o mesmo diremos de muitas das soluções hoje obtidas no Brasil.

Em todo o caso, devemos dizer que a relevância prática da jurisprudência nunca terá sido tão grande como noutros países.

(…)  

Quanto ao Brasil, há uma excessiva desenvoltura da jurisprudência perante a lei, que por vezes leva a soluções claramente contra legem. Mas essa tendência não tem levado à proclamação teórica da independência do juiz perante a lei. E até podemos dizer que essa mesma liberdade jurisprudencial se torna um óbice à formação de correntes jurisprudenciais estáveis, pois cada juiz facilmente põe de novo tudo em questão, impressionado sobretudo pelas particularidades do caso concreto.”

Essa “liberdade” jurisprudencial acarreta, na minha visão, um círculo vicioso

(i) Juiz não segue Tribunal;

(ii) Advogado insiste no recurso mesmo sabendo que a tese está vencida;

(iii) Novo desembargador (ou ministro) muda a jurisprudência pacificada;

(iv) Assim, juiz fica estimulado a não seguir o Tribunal, advogado fica estimulado a recorrer mesmo quando a tese está aparentemente pacificada, desembargadores e ministros novamente são chamados a decidir o tema já antes pacificado, com a possibilidade de modificar o entendimento…

A tentativa de resposta do NCPC

Para tentar resolver o problema acima exposto, o Novo CPC busca dar mais força aos precedentes6, criando no sistema processual algumas decisões vinculantes – além de reforçar como vinculantes algumas decisões que por força da Constituição já eram vinculantes.

O principal caminho para se atingir esse objetivo está nos artigos 926 e 927.

O primeiro artigo tem a seguinte redação (grifei):

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Trata-se de artigo que busca, em síntese, mudar a visão cultural que embasa o problema exposto no item acima: o pouco respeito que o Judiciário tem para com a estabilidade jurisprudencial.

De forma mais pragmática, o artigo seguinte traz comando para os órgãos inferiores (grifei):

Art. 927. Os juízes e tribunais observarão:

I – as decisões e os precedentes do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os enunciados de súmula vinculante,

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Ou seja, o NCPC fez uma escolha: os precedentes do art. 927 devem ser observados, por quaisquer magistrados inferiores. Há críticas a essa escolha, por certo7. Mas foi a opção do legislador e consta de nosso Código vigente.

Isso deveria bastar para que não mais fossem proferidas decisões contra decisões proferidas no controle concentrado, súmulas vinculantes ou repetitivos.

Ainda é cedo para dizer se o NCPC é exitoso ou não nesse particular, mas alguns sinais recentes não são animadores8.

O fato é que a questão não é apenas legislativa, mas cultural. Em outros sistemas, como por exemplo o americano, simplesmente não se cogita da inobservância do precedente fixado, salvo situações excepcionais, como visto acima.

Vejamos se a previsão legislativa efetivamente irá modificar a conduta dos magistrados em relação à (in)observância dos precedentes. Ou se esses dois artigos – em meu entender, dois dos mais importantes artigos do Código – serão dispositivos do Código sem eficácia, logo considerados como letra morta…

Sem respeito e observância dos precedentes, não haverá solução para a crise jurisdicional brasileira.


[1] A experiência de estudar fora está sendo enfrentada em uma série de textos no JOTAhttps://www.jota.info/tudo-sobre/estudar-direito-fora.

[2] Para aprofundar o tema, conferir DELLORE, Luiz, Estudos de controle de constitucionalidade e coisa jugada. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 353.

[3] Sigla comumente utilizada para a Supreme Corte of the United States, ou seja, a Suprema Corte dos EUA.

[4] O que levou a um próprio Ministro do STJ apontar que a jurisprudência daquela Corte tinha por objetivo “derrubar o jurisdicionado”, tal qual as lanchas com banhistas em cima de uma boia, no célebre caso “banana-boat” (para ler um pouco mais deste caso e verificar outro problema de divergência recente, vale consultar o seguinte texto: https://www.migalhas.com.br/InsolvenciaemFoco/121,MI275669,61044-Constricao+de+bens+da+recuperanda+na+execucao+fiscal+como+evitar+um ).

[5] ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: introdução e teoria geral; uma perspectiva luso-brasileira. 10.ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 314.

[6] E este artigo não é o local adequado para que se avalie se o país está preparado ou não para compreender e trabalhar com precedentes; apenas se destaque que é praticamente inviável buscar a ratio decidendi em uma decisão do STF que tenha votos escritos de inúmeras laudas prolatados por diversos ministros.

[7] Para uma visão geral acerca desse dispositivo, vide GAJARDONI et alii. Comentário ao CPC/2015: execução e recursos. 2. ed. São Paulo: Método, 2018.

[8] Como exemplos recentes de decisões de tribunais não observadas por cortes inferiores podemos apontar (i) diversos temas decididos pelo STJ acerca de recuperação judicial não observados na origem – como exposto na nota 4 e (ii) sem entrar no mérito da questão, a discussão processual penal relativa à possibilidade ou não de prisão após a decisão de 2º grau.


VEJA AQUI OUTROS TEXTOS DA SÉRIE CPC 2015

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