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Alteração do Critério Jurídico na Cobrança do Tributo. Vedação do Efeito Retroativo

ALTERAÇÃO DO CRITÉRIO JURÍDICO

COBRANÇA DE TRIBUTO

CTN

ICMS

NORMAS TRIBUTÁRIAS

STF

Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

28/09/2018

Interpretar significa captar o verdadeiro alcance e conteúdo da lei, por meio de regras próprias. É sistematizar os princípios destinados à atuação da lei visando assegurar a todos os seus fins sociais, econômicos e jurídicos. Interpretar é função da doutrina e dos tribunais, estes em caráter de decisão definitiva.[1]

Mudança do critério de interpretação de normas tributárias só tem aplicação a fatos geradores ocorridos após a alteração de entendimento acerca de determinado tributo.

Não vamos neste artigo discorrer sobre os diversos métodos de interpretação por não interessar ao estudo do tema. Abordaremos apenas a questão da mudança de critério interpretativo pelo fisco e suas consequências.

É comum o fisco alterar o seu entendimento acerca de determinado dispositivo legal implicando encargo maior ou menor para o contribuinte. Quando a mudança de posicionamento do fisco favorece o contribuinte, não temos dúvida de que o novo critério interpretativo pode ser aplicado retroativamente em razão do princípio da retroatividade benéfica (art. 5º, XL, da CF).

É diferente quando se trata de retroação que agrava o encargo tributário do contribuinte, hipótese em que não poderá retroagir o critério interpretativo, quer em razão do já citado princípio da retroatividade benéfica que veda a retroação, quando maléfica, quer em função da vinculação da administração a seus próprios atos.

De fato, o fisco limita-se a aplicar a lei ao caso concreto. Logo, se a lei não pode retroagir, salvo se for a nova lei mais benigna, parece evidente que o critério jurídico de interpretação dessa lei também não possa retroagir, a menos que se trate de um novo critério mais favorável ao sujeito passivo da obrigação tributária.

Adotado um critério jurídico de interpretação pelo fisco ao longo do tempo para fiscalizar as atividades de determinado contribuinte, concluindo pela regularidade de sua situação fiscal, não pode o mesmo fisco rever as atividades do passado para exigir tributos e aplicar sanções a pretexto de que a administração alterou seu entendimento acerca da matéria.

Na prática, é comum o fisco promover o desenquadramento do regime do SIMPLES, ou do regime de tributação fixa do ISS, com efeito retroativo, alegando novo entendimento formado à luz da jurisprudência administrativa ou judicial.

Essa prática é ilegal e contraria o princípio da boa-fé do contribuinte, de um lado, e, de outro, representa insubmissão da administração a seus próprios atos, o que é inadmissível por implicar violação do princípio da segurança jurídica que decorre de leis estáveis que dão a previsibilidade do que o fisco pode ou não fazer.

O novo critério interpretativo só pode ser aplicado para o futuro, jamais para o passado. Regulando o assunto, dispõe o art. 146 do CTN:

“Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.”

Resta claro do texto supratranscrito que a alteração do critério jurídico de interpretação só pode ser aplicada em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente a essa alteração.

A norma objeto de exame demonstra também, ao contrário do sustentado por alguns estudiosos, que tanto as atividades administrativas quanto as atividades jurisdicionais podem implicar mudanças de critérios interpretativos à luz de novos estudos, até mesmo para corrigir os procedimentos ou entendimentos errôneos do passado, na aplicação da lei.

Na prática, a norma do art. 146 do CTN está a afirmar que a fiscalização de determinado contribuinte sob a égide de um critério interpretativo então vigente não possibilita ao fisco fiscalizar o mesmo período já examinado, a pretexto de que houve alteração no critério jurídico de interpretação que torna possível a lavratura do auto de infração.

Nesse sentido, é oportuna a transcrição das ementas dos acórdãos proferidos pelo TJRS e pelo TJSP:

“1. É vedado ao Fisco conferir eficácia retroativa à superveniente alteração de critério jurídico para a cobrança de ISS em detrimento do contribuinte. Art. 146 do Código Tributário Nacional. Hipótese em que o Fisco exige diferenças de ISS recolhido a menor amparado em parecer exarado pela autoridade competente em violação ao princípio da boa-fé objetiva, porquanto constitui venire contra factum proprium. Violação da legítima expectativa do contribuinte quanto à correção do pagamento realizado. 2. Em se tratando de causa em que restou vencida a Fazenda Pública, os honorários advocatícios são fixados de acordo com a apreciação equitativa do juiz. Hipótese em que os honorários fixados devem ser majorados. Recurso do réu desprovido. Recurso do autor provido” (TJRS, 22ª Câm. Cível, nº 70027516210, Rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, j. 18.12.2008).

“ISSQN. Revisão de ofício do lançamento em razão de novo entendimento jurídico adotado pelo Fisco. Impossibilidade. Somente é possível a revisão, de ofício, do lançamento regularmente notificado ao contribuinte, nas hipóteses taxativamente previstas no art. 149 do CTN, de forma que, em virtude do princípio da proteção à confiança do administrado, qualquer alteração no entendimento jurídico adotado pela autoridade administrativa para a realização da cobrança, em consequência de decisão judicial, ainda que proferida pelos tribunais superiores, somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução – art. 146 do CTN. Recurso e reexame necessário improvidos” (Apelação com Revisão nº 0011007-98.2011.8.26.0132, Rel. Des. Carlos Giarusso Santos, j. 31.01.2013).

Não discrepa desse entendimento a jurisprudência do Colendo STJ:

“Tributário. Mercadoria importada. ICMS. Momento do fato gerador. Artigo 155, § 2º, IX, ‘a’, da CF/88. Artigo 34, § 3º, do ADCT. Convênio 66/88. Entendimento do STF consolidado na Súmula nº 661. Incidência da Súmula nº 577/STF limitada aos fatos geradores anteriores à Constituição Federal de 1988. 1. O recolhimento prévio do ICMS como condição para desembaraço aduaneiro de mercadoria importada passou a ser exigido após a promulgação da Constituição Federal de 1988, nos termos na Súmula nº 661, do STF (‘Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro’), não mais se justificando, a partir de então, a incidência da Súmula nº 577/STF (‘Na importação de mercadoria do exterior, o fato gerador do imposto de circulação de mercadorias ocorre no momento de sua entrada no estabelecimento do importador’). 2. ‘A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução’ (artigo 146 do CTN). 3. Consoante doutrina abalizada, ‘o artigo 146 do CTN positiva, em nível infraconstitucional, a necessidade de proteção da confiança do contribuinte na Administração Tributária, abarcando, de um lado, a impossibilidade de retratação de atos administrativos concretos que implique prejuízo relativamente à situação consolidada à luz de critérios anteriormente adotados e, de outro, a irretroatividade de atos administrativos normativos quando o contribuinte confiou nas normas anteriores’ (Leandro Paulsen, in Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 8. ed., Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2006, p. 1.086). 4. In casu, cuida-se de importação efetivada na vigência da atual Carta Magna, do Decreto-lei nº 406/68, do Convênio Interestadual nº 66/88 e do Código Tributário Nacional (ação mandamental ajuizada em 13.07.1993). Portanto, no período questionado, havia legislação tributária (atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas competentes e convênio interestadual celebrado com base no § 8º do art. 34 do ADCT da Constituição Federal e na Lei Complementar nº 24/75) que legitimava a cobrança antecipada do ICMS no momento do desembaraço aduaneiro de mercadoria importada, malgrado as concepções doutrinárias e jurisprudenciais que divergiam sobre a validade da substituição tributária para frente instituída, excepcionalmente, por ato normativo infralegal. 5. O STF, em sessão plenária, pôs termo à controvérsia, reconhecendo a legitimidade da norma inserta no Convênio Interestadual nº 66/88, no julgamento do RE 192711/SP, julgado em 23.10.1996, publicado no DJ de 18.04.199, e do RE 193817/RJ, julgado em 23.10.1996, publicado no DJ de 10.08.2001, ambos da relatoria do Ministro Ilmar Galvão, sendo certo que referidos julgados deram origem ao verbete sumular 661, aprovado em sessão plenária de 09.10.2003, de seguinte teor: ‘Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro’. 6. Recurso especial desprovido” (REsp 826333/PE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 03.04.2008).

No mesmo sentido, a jurisprudência do STF:

“Lançamento tributário. iICM. Inalterabilidade do lançamento feito segundo critério estabelecido pelo fisco. Novos critérios adotados pela autoridade tributária somente podem ser aplicados, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente a sua introdução (art. 146 do CTN). Recurso conhecido e provido em parte” (RE 100481/SP, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ 02.05.1986).


[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 579.

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