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Rejeição do orçamento italiano e um alerta para o Brasil

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Marcus Abraham

Marcus Abraham

19/12/2018

Análise do impasse surgido entre a União Europeia e a Itália.

No dia 23 de outubro passado, assistimos a uma situação inédita no cenário fiscal da Zona do Euro: a rejeição pela Comissão Europeia da proposta de orçamento italiano para o ano de 2019.

A reprovação ocorreu porque, no projeto orçamentário italiano, consta uma previsão de deficit de 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB), além de incluir 37 bilhões de euros de despesas extras e a redução de impostos. Ou seja: aumento de gastos e redução na arrecadação, medidas que elevarão ainda mais a dívida pública italiana, que atualmente corresponde a 131% do PIB, tendo a Itália a segunda maior dívida pública do bloco, atrás apenas da Grécia, que recentemente passou por grave crise financeira.

Dentre as novas despesas previstas, o projeto de orçamento da Itália estabelece a denominada “renda de cidadania”, que se trata de um benefício mensal para desempregados ou cidadãos que recebam até 780 euros por mês, incluindo aposentados. Ainda está previsto o gasto de 6,7 bilhões de euros para reverter uma reforma previdenciária, introduzindo a chamada “cota 100”, que permitirá ao cidadão retirar-se do mercado de trabalho ao completar 100 anos na soma da idade com tempo de contribuição. Além disso, o governo criará um fundo de 1,5 bilhão de euros para ressarcir poupadores prejudicados pela quebra de bancos, reduzirá as alíquotas do imposto de renda sobre pequenas empresas e perdoará dívidas fiscais de até mil euros contraídas entre 2000 e 2010.

A crítica ao orçamento veio acompanhada de um pedido de revisão com prazo de três semanas, cabendo eventual aplicação de sanções pecuniárias de até 0,2% de seu PIB caso não atendidas as recomendações. Contudo, o vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini, manifestou discordância quanto ao entendimento da Comissão Europeia e afirmou que a Itália não pretende realizar qualquer reavaliação.

O fato não causou surpresa, já que, em maio passado, a União Europeia já havia solicitado ao governo italiano que reduzisse seu deficit estrutural para no máximo 0,6% do seu PIB; todavia, não houve acolhimento do pedido.

Mas não foi apenas a Itália a sofrer questionamentos de natureza orçamentária, uma vez que Portugal também teve pedido de esclarecimentos (mas ainda não chegou ao ponto de rejeição) por parte da União Europeia, que busca garantir a estabilidade financeira dos membros do bloco e evitar contaminação e risco para outras economias.

Tal preocupação está fundamentada no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), o qual requer que os Estados-Membros encarem as suas políticas econômicas como uma questão de interesse comum, ao estipular que as políticas orçamentárias sejam orientadas pela necessidade de finanças públicas sólidas e que as políticas econômicas não ponham em risco o bom funcionamento do bloco.

E é aqui que chegamos ao ponto em que podemos circunstanciar esta situação europeia com a nossa realidade, uma vez que, tal como na federação brasileira, que tem cada ente subnacional como parte de um todo, igualmente a União Europeia, dotada de diversas características típicas do federalismo, deve procurar mecanismos para agregar a diversidade de seus membros e coordenar suas políticas fiscais a fim de salvaguardar a solidez das finanças públicas dos países soberanos que a integram, tudo em um contexto em que se prestigie o crescimento sustentável, emprego e coesão social.

Este tipo de “controle fiscal externo” entre a União Europeia e as nações que a compõem decorre da própria ideia de bloco, ao considerar que as políticas econômicas e monetárias individuais de cada integrante são questões de interesse coletivo e não podem ser conduzidas de maneira isolada, sob pena de contagiar e prejudicar a todos os demais, sobretudo devido às diferenças individuais e particulares nas dimensões econômicas e capacidades financeiras dos seus componentes.

Grécia, Espanha, Portugal, Itália e Irlanda são exemplos de nações que passaram recentemente por graves crises econômicas, com dificuldades financeiras para garantir a sustentabilidade de suas dívidas públicas e a realização de superávits fiscais, enfrentando elevados índices de desemprego e sofrendo com baixa competitividade industrial e comercial, além de certa instabilidade social.

Diante daquele cenário, diversas providências comunitárias foram adotadas, como o Pacto de Estabilidade e Crescimento, o Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação, o Semestre Europeu, o “Six-pack” e o “Two-pack”, dentre outras medidas financeiras que impuseram uma nova realidade orçamental aos países da União Europeia nos últimos anos.

Assim, a rejeição do orçamento italiano pela União Europeia se fez no bojo deste contexto de controle das finanças dos países que a integram, e foi fundada no artigo 7º do Regulamento nº 473/2013, que estabelece disposições para melhorar o acompanhamento das políticas orçamentárias na área do euro, conforme o que prevê o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) ao estabelecer regras de prevenção e correção dos déficits excessivos das administrações públicas.

Embora legítima a preocupação da União Europeia com a necessidade de se garantir estabilidade financeira e orçamentária de todos os seus membros, surge a crítica a respeito de suposta violação à soberania desses países, ao argumento de se retirar do respectivo Poder Legislativo local a autonomia na condução de uma de suas mais importantes atividades: a orçamentária.

De fato, a questão não é simples, mas entendemos, em breve resumo, que não haveria uma real mitigação ao conceito de soberania individual, já que, ao decidir integrar-se ao bloco, cada nação o fez através de sua livre escolha, sendo esta chancelada por deliberação conjunta dos seus poderes executivo e legislativo, estes que são compostos por representantes eleitos do povo.

Ademais, há que se mencionar que não haveria uma transferência propriamente dita a qualquer instituição externa da tarefa própria de definir o orçamento e suas rubricas, mas apenas a obrigação de respeitar, na sua elaboração e execução, a aplicação de regras quanto a metas de deficit e de dívida pública, sem que haja qualquer restrição ao cumprimento das obrigações internas e ao atendimento das necessidades da sociedade.

E tais medidas impostas não são de natureza subjetiva ou circunstancial, mas, sim, baseadas em preceitos de boa governança fiscal, que visam detectar, prevenir e corrigir tendências econômicas indesejáveis como déficits orçamentários ou níveis de dívida pública excessivos, que podem prejudicar o crescimento e colocar em risco as economias.

De tudo que se viu, e apesar das razões de cada parte ou de críticas que eventualmente se coloquem, o importante é compreender que o impasse surgido entre a União Europeia e a Itália pode servir como alerta e exemplo para o Brasil, já que aquilo que se busca implementar é, tão somente, a observância de preceitos de governança e responsabilidade fiscal aplicados ao orçamento público.

Afinal, qualquer nação contemporânea que tenha como finalidade e objetivo únicos o atendimento das necessidades fundamentais do cidadão e preze pela utilização racional e responsável dos recursos financeiros arrecadados aos cofres públicos – de maneira a conferir-lhes uma destinação justa e criteriosamente definida a partir das prioridades sociais e constitucionais – deverá organizar as suas finanças e estabelecer políticas públicas a fim de que possam ser sustentáveis no longo prazo.

Fonte: Jota


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