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Marcílio Toscano Franca Filho

Marcílio Toscano Franca Filho

08/01/2019

Artigo escrito em coautoria com Inês Virgínia Prado Soares*

Dias depois da notícia de que o quadro “Menina com Balão”, do misterioso Banksy, havia se autodestruído logo após ser arrematado por um milhão de libras em leilão na Sotheby’s de Londres, foi divulgada a informação de que persistia o interesse da compradora anônima pela obra detonada, por entender que teria consigo “um pedaço da história da arte”.

Ao programar a autodestruição do quadro, Banksy acabou por criar ao vivo outra obra, o “Love is in the Bin” (“O Amor está no Lixo”), que continuou a ter o mesmo valor monetário do original somado agora ao valor cultural. Essa inusitada criação foi um marco de 2018 e um dos indicativos instigantes de que o tempo do Direito ainda não consegue acompanhar o tempo da Arte. Até há pouco, a questão a ser debatida pelos profissionais do Direito no mercado de arte em um acontecimento como o provocado por Banksy envolveria pouco mais que vícios redibitórios, direitos do consumidor e responsabilidade civil.

Apesar do inevitável descompasso, o Direito da Arte tenta, sempre, estar o mais próximo possível das provocações artísticas. Essa proximidade exige um constante ajuste do olhar jurídico às Artes, com respostas que por vezes inventam novas formas de uso dos mecanismos tradicionais ou já testados em outras áreas, e outras vezes contam com a adesão espontânea de atores públicos ou privados ligados às Artes mas distantes do Direito, que acabam fornecendo subsídios para criação de novos procedimentos com impacto no sistema de justiça.

Em 2018, o manejo criativo dos instrumentos já existentes aconteceu no plano internacional, com a criação, em Haia, Holanda, da Corte de Arbitragem para a Arte (CAfA, na sigla em inglês), com a finalidade de resolver conflitos sobre obras de arte pela mediação e arbitragem. Essa iniciativa tem muito para ser replicada em outros países, inclusive no Brasil. O sistema de justiça brasileiro adota os Meios Alternativos de Solução de Conflitos (MASC) e a justificativa primordial para uso desses instrumentos alternativos é a necessidade de obter uma solução mais célere, desafogando o judiciário. Mas, no caso particular da Arte, o que se destaca em primeiro lugar é a especificidade da matéria, cujas peculiaridades técnicas e comerciais exige uma singular expertise.

É possível que essa nova corte internacional de arbitragem, além de enfrentar questões contratuais, de autoria, falsidade e procedência de obras, atue ainda em casos envolvendo bens de acervos culturais brasileiros furtados ou extraviados o exterior. A notícia é particularmente alvissareira pois, também neste ano, o Ministério da Cultura tornou pública sua intenção lançar a Política Nacional de Combate ao Tráfico Ilícito de Bens Culturais.

Por sua vez, o lançamento comercial do documentário “Cartas para um Ladrão de Livros”, no início do ano, trouxe à tona a importância dos atores privados para a mudança de paradigmas jurídicos no campo das Artes. O protagonista do filme, Laéssio Rodrigues de Oliveira, aproveitou a divulgação do documentário para enviar à Folha de São Paulo, em março de 2018, uma carta manuscrita na qual revelava que oito gravuras da importante coleção Brasiliana do Itaú Cultural haviam sido furtadas, há 14 anos, por ele da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A confissão do ladrão expôs a dificuldade de rastreabilidade das obras e a falta de investimento em segurança das instituições públicas brasileiras. Com a confirmação da versão de Laéssio, o Itaú Cultural devolveu as obras à Biblioteca Nacional, atuando de forma rápida e  transparente.

Rapidez e transparência era o que não havia na gestão do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Exatamente no seu bicentenário, o emblemático espaço sofreu um incêndio devastador no segundo semestre de 2018. Quase todo seu acervo virou cinzas, revelando  o descaso e a falta de investimento na cultura pela Administração Pública brasileira. A resposta do governo federal foi criar, em setembro, a Medida Provisória 850/2018 para criação da Agência Brasileira de Museus (ABRAM), um serviço social autônomo, na forma de pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos. A MP também prevê a extinção do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura. A MP, cuja vigência vai até fevereiro de 2019, ainda não foi votada, mas o voto da relatora na Comissão Mista que a analisa foi pela manutenção do IBRAM e pela criação de uma fundação privada, com a finalidade de arrecadação, gestão e aplicação de fundos e recursos relativos aos museus brasileiros.

A trajetória das obras de Banksy, que migraram dos muros suburbanos para galerias de arte e casas de leilões, não fez escola no Brasil. Janeiro começou com a eliminação do painel “Genial é andar de Bike”, de Eduardo Kobra, na fachada de uma loja da Oscar Freire, São Paulo. O apagamento do grafite causou comoção nas redes sociais (e só!), embora o direito à integridade das obras de arte em espaços públicos seja reconhecido há tempos pela legislação nacional. Perdemos a oportunidade de aprofundar os debates sobre os compromissos dos proprietários com a arte pública ou ainda acerca da importância da manutenção de expressões artísticas para que sejam acessíveis pela comunidade. Enquanto São Paulo apagou um Eduardo Kobra, os irmãos grafiteiros Gustavo e Otávio Pandolfo, conhecidos como OSGEMEOS, ganharam uma megamostra no prestigioso Pirelli Hangar Bicocca, de Milão, que vai até fevereiro de 2019.

Em 2018, o tema do direito cultural e humano de ter acesso às obras de arte e outras manifestações revelou, mais uma vez, a fragilidade do arcabouço jurídico na definição dos deveres e responsabilidades dos atores privados na promoção e garantia desses direitos. Um bom exemplo de tal fragilidade pode ser observado a partir da iniciativa do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de vender a tela “Número 16” (1950), de Jackson Pollock, para garantir a sustentabilidade do museu pelos próximos 30 anos, que levantou um debate instigante sobre a captação de recursos e investimentos em museus públicos e privados.

A venda não ocorreu na sua primeira tentativa, num concorrido leilão realizado pela casa Phillips, em Nova York. O Pollock não chegou a atingir o lance mínimo de 18 milhões de dólares, o que foi noticiado pela imprensa brasileira sem grandes frustrações, e até com certo alívio. A decisão de comercialização de obra valiosa do acervo para formação de um fundo que contribuiria para manutenção do Museu tem sido alvo de críticas por diversos segmentos da sociedade, especialmente do mundo das artes. Mas paira a pergunta de como garantir a sustentabilidade dos museus e se fundos e investimentos privados não seriam um caminho a se consolidar no cenário brasileiro.

O insucesso no leilão do Pollock, porém, não reflete um recrudescimento no mercado internacional em 2018. Basta lembrar que David Hockney ultrapassou Jeff Koons e Damien Hirst e se tornou este ano o artista vivo mais caro da história. O recorde anterior já durava cinco anos. Depois de um eletrizante duelo de dez minutos de lances ao telefone, uma tela de Hockney, pintada em 1972, foi arrematada na Christie’s de Nova York por US$ 90,3 milhões. O ano de 2018 também viu a pintora britânica Jenny Saville, naquele mesmo leilão londrino do Banksy, tornar-se a artista feminina mais cara da história, quando o seu “Propped” (1992) foi vendido por US$ 12.4 milhões na Sotheby’s.

Ainda no tema do dever dos atores privados em promover o acesso às artes, uma notícia positiva deste ano veio do Rio de Janeiro, onde um decreto do Prefeito Marcelo Crivella, de novembro, tombou provisoriamente oito grandes painéis a óleo dos artistas Lino Bravo e Nilton Bravo que estão pendurados nas paredes de tradicionais botequins da cidade. Outro fato positivo foi o resultado favorável da questão da cobrança da taxa de armazenagem nos aeroportos para obras de arte trazidas ao Brasil para exposições, um problema que se arrastava há meses.

Uma inovação normativa bastante aplaudida de 2018 foi a criação, no Brasil, dos fundos patrimoniais culturais, os chamados “endowments”, pela Medida Provisória 851/2018. De longa tradição no exterior, esses fundos patrimoniais constituem um conjunto de ativos de natureza privada instituído, gerido e administrado por uma organização gestora com o intuito de constituir fonte de recursos de longo prazo, a partir da preservação do principal e da aplicação de seus rendimentos. Nos Estados Unidos, os “endowments” são uma das principais formas de financiamento de grandes museus, como o Metropolitan (fundo de US$ 2,7 bilhões), em Nova York, e o Getty (fundo de US$  6 bilhões), em Los Angeles.

Em 2018, museus em geral enfrentaram grandes questionamentos éticos sobre suas decisões curatoriais, sobre os artistas que exibiram ou adquiriram. O Comitê do Nobel de Literatura foi alvo de críticas semelhantes. Na direção oposta,  MASP terá um 2019 fortemente dedicado à reflexão sobre gênero e arte. Tarsila do Amaral, Lina Bo Bardi, Anna Bella Geiger e Djanira da Motta e Silva são algumas das protagonistas da programação do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand em 2019, seguindo uma tendência que a Pinacoteca já havia abraçado com a sua exposição “Mulheres Radicais: Arte Latino-Americana 1960-1985”, entre agosto e novembro deste ano.

O ano de 2018, batizado pela União Europeia de “Ano Europeu do Patrimônio Cultural”,  foi marcado, por fim, pela realização da I Conferência Brasileira de Direito & Arte, evento que reuniu em João Pessoa, Paraíba, pela primeira vez no país, autoridades do setor público, do setor privado, acadêmicos, diplomatas, organizações internacionais e grandes experts estrangeiros para discutir as questões jurídicas de interesse de artistas, curadores, colecionadores, museus, galerias, feiras de arte, seguradoras, institutos culturais etc. O evento reuniu, em maio, cerca de 300 estudiosos e trouxe ao Brasil conferencistas dos Estados Unidos, Portugal, Itália, Suíça, Reino Unido, e Paraguai.

Feito esse breve balanço do Direito da Arte em 2018, resta saber: quais serão as perspectivas para 2019? O que podemos esperar do ano em que serão assinalados os 350 anos da morte de Rembrandt?

O novo ano começará, no Brasil, sem um Ministério da Cultura e cujas atribuições (e desafios) serão assimilados pelo Ministério da Cidadania. Ali, a cultura terá companhia das áreas de desenvolvimento social, direitos humanos, esportes e política antidrogas. O financiamento do setor cultural, em um governo de perfil liberal e com restrições orçamentárias, continuará a instigar a criatividade e a competência dos gestores públicos e privados. O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia permanece no horizonte comercial nacional e poderá intensificar o diálogo cultural transatlântico. Num panorama financeiro ainda de contenção, o Brasil tende a amplificar as suas ações de soft power cultural como forma de garantir influência e visibilidade internacionais.

Ainda no plano internacional, a busca de maior transparência, confiabilidade, rastreabilidade e segurança jurídica no mercado de arte continuará a demandar esforços criativos crescentes dos setores públicos e privados, sobretudo em razão do agravamento do problema da lavagem de dinheiro com obras de arte e do financiamento do terrorismo internacional. ONU, Interpol, Polícia Federal, casas de leilão e feiras de arte aperfeiçoarão seus mecanismos de investigação, accountability compliance.

“Salvator Mundi”, atribuído a DaVinci em 2017 com estardalhaço, certamente será alvo de novas polêmicas em 2019. A França, sede da UNESCO, sinaliza a devolução de objetos culturais africanos, o que seria um grande marco internacional. As políticas de internacionalização dos museus tendem a se intensificar, com novas filiais a serem na Ásia e no Oriente Médio, sede do dinheiro. Por fim, a “International Association of Corporate Collections of Contemporary Art” certamente vai ganhar novos sócios de peso já que, para as grandes empresas, investir em arte tem-se mostrado elemento de prestígio e segurança, tanto assim que grupos econômicos como o italiano Intesa Sanpaolo já incluem as suas coleções de arte corporativa nos respectivos balanços.

Por fim, este balanço não poderia terminar sem um sinal de esperança para o ano que começa. Se as cinzas do Museu Nacional inundaram o pulmão da nossa cidadania cultural, a declaração do reggae jamaicano como patrimônio da humanidade e a inclusão da decisão do STF sobre união homoafetiva no programa Memória do Mundo da UNESCO embalam o nosso sonho de relações mais justas e tolerantes em 2019, afinal nunca é demais relembrar Mário Quintana:

Se as coisas são inatingíveis… ora!

Não é motivo para não querê-las…

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!

*Inês Virgínia Prado Soares é Desembargadora Federal no TRF da 3ª. Região (SP), Doutora em Direito pela PUC-SP, com pós-doutorado no Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e autora do livro “Direito ao(do) Patrimônio Cultural Brasileiro” (Ed. Forum)


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