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Luiz Regis Prado

Luiz Regis Prado

21/02/2019

Nos textos “Prisão preventiva, prisão-pena e antecipação da pena: caso Lula” e “Prisão em 2ª Instância e Tribunal do Júri”, o debate se centra na análise do Estado Constitucional e nas formas de aprisionamento no curso do processo.

Enquanto, na primeira publicação, constata-se a mácula ao trânsito em julgado com a criação da chamada execução “provisória” da pena; na segunda, verifica-se a fragilidade dos argumentos usados para gestar tal construção pretoriana. É forma de prisão inventada por tribunal, e não por lei ordinária, ao arrepio da sistemática do Código de Processo Penal e da Lei de Execuções Penais.

O autointitulado “Pacote Anticrime” proposto pelo recém-empossado Ministro da Justiça – ex-juiz Sergio Moro – não resolve plenamente a questão aqui versada, ou seja, da execução da pena a partir da condenação em 2ª Instância.

De início, o referido proponente defendeu ardentemente a via judicial como apta para a imposição da citada modalidade de execução da pena, agora, como ministro, propõe texto legal ordinário no sentido de o tribunal estabelecer a execução da pena após condenação em 2º grau. Isso por meio de inserção própria no Código de Processo Penal, o art. 617-A.

Sem dúvida, diante da desastrada opção primeira – por meio da jurisprudência –, haja vista o vaivém do STF sobre a matéria, com flagrante violação da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, adota-se, agora, a via legal, desde sempre defendida por estes autores.

Todavia, não se pode negar que a sugestão da via legislativa representa um avanço em relação à anterior e primeira opção.

Porém, pergunta-se, é bastante a lei ordinária para conseguir tal desiderato, em sintonia com o Texto Constitucional de 1988? Eis a questão!

A matéria (art. 5º, LVII, da CF) pertence a determinado processo legislativo, que pode ou não existir: (a) por se tratar a presunção de inocência de cláusula pétrea (visão defendida por parte da doutrina brasileira), ou (b) por ser dependente de Emenda Constitucional (concepção acolhida por outra parte do pensamento jurídico), para eventual alteração.

A Constituição Federal contém no art. 5º, LVII, o seguinte texto – ipsis litteris: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Pode alguém ser considerado culpado em 1º grau após a apelação. Mas há norma processual penal constitucional da qual depende esse reconhecimento pelo poder estatal: a do trânsito em julgado, ainda que parcial (v.g. defesa não recorre de uma condenação e a acusação faz pleito de aumento de pena).

A mudança proposta recentemente com a inovação legislativa não tem o condão por si só de alterar a verdadeira regra processual constitucional inserida legitimamente. Aliás, por se tratar de uma regra constitucional ela se aplica com base no sistema conhecido como “tudo ou nada” não havendo espaço para mesquinharia interpretativa constitucional, e, então, nem o próprio Supremo Tribunal Federal poderia fazê-lo como fez (HC 126.292).

Em geral, cite-se a norma fundamental que serve de base para a maioria das legislações constitucionais ou não, e internacionais, do Ocidente: refere-se tão simplesmente ao clássico texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, art. 9: “Tout homme étant présumé innocent jusqu’à ce qu’il ait été declaré coupable, s’il est jugé indispensable de l’arrêter, toute rigueur qui ne serait pas nécessaire pour s’assurer de sa personne doit être sévèrement réprimé par la loi” (Todo homem é presumido inocente até que seja declarado culpado, se é considerado indispensável prendê-lo, todo o rigor que não é necessário para garantir a sua pessoa deve ser severamente reprimido por lei [trad. livre]).

Nessa mesma linha, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, de 1948, menciona a culpabilidade legalmente estabelecida: art. 11,1ª parte: “Toute personne accusée d’un acte délictueux est présumée inocente jusqu’à ce que sa culpabilité ait été légalement établie au cours d’un procès public où toutes les garanties nécessaires à sa défense lui auront été assurées (…)” (Toda pessoa acusada de um ato delituoso é presumida inocente até que a sua culpabilidade seja legalmente estabelecida ao curso de um processo público, onde todas as garantias necessárias à sua defesa lhe sejam asseguradas [trad. livre]).

É interessante frisar que os textos ut supra não fazem nenhuma menção ao “trânsito em julgado” da condenação. Assim é que a grande maioria da legislação estrangeira, nas suas pegadas, também não o faz.[1]

Daí, portanto, a ilação objetiva de que a responsabilidade penal depende de cada sistema processual. Não há fórmula internacionalmente aceita.

No sistema brasileiro, a Constituição Federal de 1988 condiciona tal reconhecimento, como dito, ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Embora, a princípio, possa ser defensável a prisão em 2ª Instância com base na legislação comparada, convém esclarecer o seguinte: o sistema processual penal brasileiro tem, por criação constitucional, “quatro” instâncias possíveis, enquanto outros países têm, geralmente, tão somente duas ou três.

Faz-se mister, nesse âmbito, não descurar da relevante garantia do duplo grau de jurisdição, formal e materialmente. Isso independente de previsão de eventual recurso especial em matéria especificamente jurídico-constitucional.

Daí por que tem aparência de legítimo o argumento (nem sempre verdadeiro) de que em vários países a pena é executada após a condenação em 2ª Instância – nesses países, estabelece-se o trânsito em julgado com a decisão em 2ª Instância: às vezes, por não haver interesse recursal, não existir previsão legal ou órgãos para os quais recorrer, entres outros casos.

Ademais, os sistemas estrangeiros não podem ser comparados ao sistema brasileiro dada a óbvia impossibilidade de tal exercício.

A importação a crítica de institutos jurídicos gera, na verdade, “invencionices” ou “engenhocas” quase sempre perigosas, que, aliás, costumam tornar o sistema jurídico incoerente e inseguro. Isso não significa pura e simples aperfeiçoamento.

Desse cenário, é de ser descartada a mudança via “lei ordinária”, e se optar coerentemente pela alteração via “Emenda Constitucional”. Isso demanda superar ad argumentandum e racionalmente o Poder Constituinte Originário, e a perenidade que dispõe o art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal.

A criação de um conceito de “trânsito em julgado” novo também esbarra em óbices teóricos e práticos densos. Ao se criá-lo na lei, pretende-se que a Lei Fundamental se curve à lei ordinária. O que pode gerar um retrocesso em sede de direitos fundamentais.

A pura modificação de dispositivo processual penal como destacado sem alterar a Constituição Federal, como a proposta feita, tão somente promove inversão: ao modo que o Supremo Tribunal (seguido pelo todo Judiciário) fez quando interpretou a Constituição à luz da jurisprudência, sempre contingente e casuística.

As mudanças suscitadas pelo Ministério da Justiça acabam por pretender interpretar a Constituição à luz da lei infraconstitucional. É o bastante!


[1] A Constituição italiana, por exemplo, dispõe que: “l’imputato non è considerato colpevole sino alla condanna definitiva (…)”.  A lei ordinária estabelece em regra “duas instâncias”, salvo particular exceção.

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