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Marcílio Toscano Franca Filho

Marcílio Toscano Franca Filho

14/03/2019

No verão italiano de 1957, as areias de Rimini, charmoso balneário do Adriático, testemunharam os guardas municipais multarem moças vestindo biquínis por desrespeitarem normas locais sobre bons costumes. O maiô de duas peças, criado na França poucos anos antes, estava proibidíssimo na Itália.

A vedação chegou às costas brasileiras em 11 de agosto de 1961, quando o presidente Jânio Quadros publicou seu Decreto 51.182, determinando que “nos concursos de beleza, seleções de representantes femininas e semelhantes, as competidoras e participantes não poderão apresentar-se ou desfilar em trajes de banho sendo tolerado o uso de saiote”. Uma interpretação extensiva do decreto baniu os biquínis em praias nacionais.

A luta das mulheres por liberdade e igualdade muitas vezes se expressa em manifestações sobre o (des)vestir. O corpo vira arma com biquínis, topless, nudez, decotes, saias, amamentação em público. Outras vezes, o protesto é exatamente pelo direito de andar coberta, usando o niqab ou a burca. Em qualquer dos casos, a roupa ou a falta dela são símbolos da liberdade.

Mostrar ou esconder o corpo em espaços públicos é motivo de punição em diversos países e compõe o chamado “Clothing Law” – um “Fashion Law” sem qualquer glamour. Na Europa, desde 2010, a Bélgica e a França promulgaram leis que proíbem o uso de véus islâmicos que escondem o rosto, punindo com multas o seu descumprimento. Apesar do combate dos grupos de direitos humanos, a Corte Européia de Direitos Humanos considerou essas leis válidas. A mesma proibição legal existe na Dinamarca (lei de 2018), Áustria (lei de 2017) e Alemanha (2017).

Com sinal trocado, a luta das mulheres no Irã é para que a lei de 1979, que obriga as mulheres a usarem os véus (hijab), seja revogada. O protesto White Wednesdays convoca as mulheres para saírem de véus brancos às quartas-feiras e os tirarem em público. Muitas ativistas foram presas, mas a luta por liberdade de escolha continua.

A criminalização da nudez, a compulsoriedade de certas peças do vestuário e muitos outros exemplos de controle e vigilância sobre a roupa, em diversas jurisdições ao longo da história, são recolhidos por Ruthann Robson no seu livro “Dressing Constitutionally: Hierarchy, Sexuality, and Democracy from our Hairstyles to our Shoes” (Cambridge University Press, 2013). Na obra, é possível perceber as muitas ligações entre modo de vestir e liberdades públicas.

Aliás, o filósofo coreano Byung-Chul Han, da Universidade das Artes (UdK), de Berlim, afirma que mais controle e mais vigilância são justamente o que está por trás da nossa “sociedade da transparência”. Para Byung-Chul Han, a generalizada obsessão contemporânea pela transparência manifesta-se exatamente porque a integridade e a confiança já desapareceram e a nossa sociedade necessita de mais vigilância e mais controle para se conter e contentar. A sociedade da transparência, do panóptico digital, é, para ele, uma sociedade doente e autoritária.

Não é à toa que, durante os dias cinzentos da Idade Média, ao pintar uma Alegoria da Justiça, em 1537, Lucas Cranach tenha optado por vesti-la com um delicado e inovador véu transparente. A casta e moralista sociedade medieval não viu desrespeito no retrato desnudo da Justiça; apenas necessidade de controle e vigilância.

Atualmente, entre controles e vigilâncias, há outras tantas situações em que o direito e a justiça são chamados à passarela para garantirem a diversidade dos corpos e trajes femininos na ocupação dos espaços públicos.

Na Argentina, desde 2001, foram promulgadas doze leis (locais ou regionais) que obrigam a produção de roupas em tamanhos maiores, com a finalidade de contemplar a diversidade corporal das mulheres e com isso, prevenir ou reduzir os casos de anorexia e bulimia, que tem um dos mais altos índices mundiais. A ONG AnyBody Argentina tem atuado nesse tema com diversas campanhas para chamar atenção dos malefícios da oferta de roupas apenas em tamanhos pequenos, com destaque para a recente: “Tamanho único não é o único tamanho”, que oferece um guia das lojas e marcas que produzem e vendem roupas de diversas medidas.

Em 2016, quando assumiu a prefeitura de Londres, o prefeito Sadiq Khan proibiu a veiculação na rede de transportes da cidade (Transport for London) de anúncios que promovessem imagens negativas de corpos. A justificativa foi que as imagens veiculadas não refletiam as linhas mais ou menos sinuosas de silhuetas reais e poderiam deixar a mulher com vergonha de seu corpo.

Não nos enganemos: linha, moda e direito tem tudo a ver! A linha-traço que contorna uma silhueta ou que faz nascer modelos na folha de papel do estilista é a mesma linha-traço que divide propriedades ou que estabele parentescos no direito civil. A linha-fio que costura um vestido, um dia, já coseu os autos de processos judiciais de velhos tribunais ou foi arame-farpado nas fronteiras do direito internacional.

Enfim, é impossível conceber o quotidiano do direito e da moda sem as linhas. Porém, como diria Oscar Niemeyer, não a linha em ângulo reto, “duro e inflexível”, mas a linha da “curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas nuvens do céu, no corpo, da mulher amada. De curvas é feito todo o Universo. O Universo curvo de Einstein.” Um direito também curvo.


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