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Assembleia de Acionistas – Nulidades

ANULABILIDADE

ASSEMBLÉIA

ASSEMBLEIA DE ACIONISTAS

DELIBERAÇÕES SOCIETÁRIAS

DIREITO EMPRESARIAL

VOTO

12/04/2019

O direito positivo brasileiro é incauto com relação à sistematização de nulidades e anulabilidades para matéria de deliberações societárias[2], porquanto sejam distintos os pressupostos que regem as sanções de invalidade do negócio jurídico de escambo e aqueles de natureza associativa e plurilateral. Na LSA, a regulação de tão importante assunto é feita no apertado conteúdo do art. 286, que dispõe: “Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em assembleia geral ou especial, irregularmente convocada ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação prescreve em 2 (dois) anos, contados da deliberação”. Além de misturar com o tema da “prescrição” – na verdade, um prazo decadencial[3] –, o dispositivo ainda trata somente do regime de anulabilidades, deixando ao intérprete a adequação do que sejam as nulidades em matéria de assembleia.

Muito embora haja trato confuso na doutrina sobre a terminologia, é importante distinguir entre o nulo e o anulável. Se ambos atingem o plano da validade, a nulidade é vício insanável e torna ineficaz o ato jurídico. Ao contrário, a anulabilidade permite convalidação porque os efeitos são restritos às pessoas atingidas pelo ato[4]. Todavia, considerando as deliberações de assembleia como “declarações de vontade coletiva da companhia”[5] ou, com mais apuro técnico, um “ato colegial”[6], a compreensão das invalidades em matéria de deliberações societárias deve se distinguir do direito comum até mesmo com a ressalva da ampla possibilidade de sanar vícios como princípio desse sistema invulgar de invalidades[7].

Não bastasse isso, o mesmo art. 286 trata indistintamente dos vícios, que merecem qualificação específica entre os ocorridos em assembleia, os derivados de deliberação e aqueles consequentes ao voto[8]. Em síntese, o impacto dessa diferenciação se dá da seguinte forma: (a) nos vícios de assembleia, há contaminação do próprio ato colegial societário, por irregularidade formal na convocação ou na instalação e com invalidação integral de todas as deliberações; (b) nos vícios das deliberações, o problema acontece na formação da vontade societária, por malferimento da lei ou do estatuto na composição de quórum; (c) por fim, pode haver contaminação de validade da deliberação se todos ou parte dos votos utilizados para formação do quórum for viciada por incapacidade dos votantes (art. 115, § 1.º, art.134, § 1.º, e art. 228, § 2.º), erro, dolo, fraude ou simulação, ressalvando-se que o voto deve ser decisivo na composição da maioria.

Pela relevância no direito brasileiro, não é demais destacar a singular visão de Tullio Ascarelli sobre o tema de vícios das deliberações[9]. A formação da vontade da sociedade[10] deve ter seus vícios segmentados entre deliberações e votos e os vícios poderão ocorrer em: (a) deliberações de assembleia que dispõem de direitos de terceiros ou de acionistas enquanto terceiros, que seria contaminada pela ineficácia em relação ao interesse de terceiro, impugnável por ação declaratória imprescritível; (b) deliberações violadoras de normas de ordem pública, contaminada pela nulidade “declarada de conformidade com o direito comum”; (c) deliberações em contraste com direitos legais ou estatutários inderrogáveis do acionista, que também são apenadas com nulidade; (d) deliberações que malfiram direitos individuais patrimoniais e gerenciais dos acionistas, ressalvado que não há “contradição entre a existência de um direito individual e o fato de excluir, a lei, a possibilidade do seu exercício em casos determinados”; (e) seguindo nomenclatura de Vivante, destaca, ainda, os vícios de deliberações inexistentes ou, “na falta de deliberação, não se pode falar em deliberação viciada”; (f) nulidade por malferimento de regras formais da assembleia[11]. Formula Ascarelli a seguinte conclusão:

Querendo formular um princípio geral a respeito dos vícios de impugnabilidade e daqueles de nulidade da deliberação, poder-se-ia dizer que, enquanto a deliberação exista […] a violação das normas que disciplinam as assembleias e as suas deliberações ou os direitos individuais renunciáveis dos acionistas, acarreta a anulabilidade da deliberação, ao passo que a violação das normas de ordem pública, ou emanadas no interesse de terceiros, acarreta a nulidade ou a ineficácia da deliberação, bem como são nulas as deliberações ou as cláusulas do estatuto cujo objeto contraste com direitos inderrogáveis e irrenunciáveis do acionista[12].

Interessante anotar, a propósito das críticas de Pontes de Miranda à teoria do contrato plurilateral de Ascarelli[13], que o sistema de nulidade pode ser algo distinto quando se está diante de uma sociedade somente com dois sócios, porque mesmo nesse caso de redução à bilateralidade não ocorreria intercâmbio de prestações, já que prevalece o escopo comum[14]. As consequências de tal discussão estariam na extensão de efeitos da declaração de nulidade que não atinge todos os sócios[15].

Feitas as distinções, alguma sistematização pode ser oferecida a partir da distinção entre os vícios de assembleia, de deliberação e de voto, respaldando o raciocínio na imprescindível e clássica obra de Erasmo Valladão A. N. França sobre o tema. A propósito, o grande comercialista propõe a distinção entre a sanção de nulidade e de anulabilidade a partir do interesse envolvido. Sendo interesses pessoais do acionista, a penalidade é a anulação. Caso o malferimento seja da lei ou de preceitos de ordem pública, aplica-se a nulidade.

(a) Em razão desse pressuposto, a invalidade de assembleia segue sempre o regime da anulabilidade, porquanto haja a tutela de interesses próprios do acionista[16], ainda que sejam consideradas formalidades essenciais à convocação, instalação e deliberação do conclave (arts. 123 a 128 da LSA). A anulação da assembleia dependeria da demonstração de erro, dolo, fraude e simulação. Caso reconhecido o vício, ocorre o comprometimento da assembleia na sua inteireza;

(b) As deliberações já são definidas por pressuposto mais complexo, baseado também no interesse[17]. Se o conteúdo da deliberação atingir a ordem pública, interesses de terceiros, preceitos legais, e desvirtuar o modelo societário, ou ainda suprimir direitos de acionistas, a sanção jurídica será de nulidade. Acrescentem-se, aqui, as hipóteses de Ascarelli com suportes fáticos de nulidade [i. 1]. São anuláveis as deliberações exaradas com erro, dolo, coação e fraude e demais decisões que normalmente impliquem afastamento de interesses dos acionistas – ressalvando-se hipóteses específicas de nulidade e ineficácia, que devem ser analisadas casuisticamente[18]. O reconhecimento de vício da deliberação pode não implicar perda dos demais atos decididos em assembleia.

(c) O voto segue a disciplina da anulabilidade, com o pressuposto de somente arguir o vício do voto decisivo para a formação do quórum necessário à deliberação[19]. Assim, serão anuláveis votos exarados com erro, dolo, coação, fraude e conflitantes com o interesse da companhia (art. 115, § 4.º, da LSA). Ressalva-se a nulidade do voto em caso de incapacidade absoluta do acionista e a ineficácia do voto proferido contra o acordo de acionistas (art. 118 da LSA).

Somente para fim de comparação, mostra-se interessante observar o direito português, que estabeleceu fronteiras um pouco mais nítidas em casos de nulidade e anulabilidade para deliberações, respectivamente nos arts. 56.º[20] e 58.º[21] do Código de Sociedades Comerciais. A opção do legislador lusitano foi tratar das deliberações, considerando a dimensão das consequências do vício para penalizar com nulidade ou anulabilidade. Os chamados vícios de vontade protegem interesses dos sócios, conforme se depreende do art. 45.º, 1, da mesma legislação portuguesa:

1 – Nas sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções o erro, o dolo, a coacção e a usura podem ser invocados como justa causa de exoneração pelo sócio atingido ou prejudicado, desde que se verifiquem as circunstâncias, incluindo o tempo, de que, segundo a lei civil, resultaria a sua relevância para efeitos de anulação do negócio jurídico.

Em matéria de sociedade anônima, questiona-se o impacto do conteúdo previsto no art. 48, parágrafo único, do CC[22], que determina a anulabilidade de decisões da pessoa jurídica tomadas por maioria dos membros de administração coletiva, se violarem a lei ou o estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude.

Em princípio, tal dispositivo não atinge o conteúdo de assembleias de sociedades anônimas, seja porque não se trata de administração, seja por existirem dispositivos legais específicos para regular a matéria. Infelizmente, às vezes é preciso reafirmar o óbvio em matéria de interpretação.

Assim, a aplicação do art. 48 poderia ser invocada para os casos não regulados pelo estatuto para eventuais vícios no âmbito da administração (diretoria e conselho de administração) das companhias. Relevante notar que os mesmos problemas de regulação da matéria – apontados neste estudo – persistem na redação do CC.


Bibliografia
ADAMEK, Marcelo Vieira von. Ação de acertamento de deliberação assemblear. In: BRUSCHI, Gilberto Gomes et al. Direito processual empresarial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. São Paulo: Saraiva, 1945.
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2.
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Da assembleia geral de credores. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. São Paulo: RT, 2007.
______. Invalidade das deliberações de assembleia das S/A. São Paulo: Malheiros, 1999.
______. Temas de direito societário, falimentar e teoria da empresa. São Paulo: Malheiros, 2009.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. t. XXXVIII e XLIX.

[1] Destaque-se que no presente estudo não se aborda a questão da nulidade de constituição da companhia (art. 285 da LSA). Sobre o tema: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade das deliberações de assembleia das S/A. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 24-25.
[2] Sobre essa contumaz “imprevidência do legislador brasileiro”: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Da assembleia geral de credores. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 189.
[3] FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade… cit., p. 128-130.
[4] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2011 p. 95.
[5] CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 2, p. 613.
[6] FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade… cit., p. 41-45.
[7] FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade… cit., p. 23.
[8] FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade… cit., p. 85.
[9] ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. São Paulo: Saraiva, 1945. p. 397-417.
[10] ASCARELLI, Tullio. Problemas… cit., p. 398.
[11] ASCARELLI, Tullio. Problemas… cit., p. 398-411.
[12] ASCARELLI, Tullio. Problemas… cit., p. 413.
[13] ASCARELLI, Tullio. Problemas… cit., p. 285-286.
[14] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. t. XLIX, p. 17. Também: Tratado…, t. XXXVIII, cit., p. 8-9. Nesse tomo, especificamente, o tratadista aborda que no contrato plurilateral as “invalidades concernentes à manifestação de vontade de um só dos figurantes não atingem todo o contrato, salvo se, atendidas a finalidade do contrato e as circunstâncias, se tem de considerar essencial a figura daquele que manifestou invalidamente a vontade”.
[15] FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Temas de direito societário, falimentar e teoria da empresa. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 552-553.
[16] FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade… cit., p. 89. O autor ressalva a hipótese de nulidade de assembleia não convocada e confirma a anulabilidade no exemplo de ausência de quórum legal ou estatutário de instalação devido a erro na contagem de ações (Idem, p. 90).
[17] FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade… cit., p. 98-99.
[18] Com alguns exemplos e distinções: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade… cit., p. 102-106.
[19] FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade… cit., p. 117.
[20] Artigo 56.º (Deliberações nulas)
1 – São nulas as deliberações dos sócios:
a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;
b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;
c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios;
d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.
2 – Não se consideram convocadas as assembleias cujo aviso convocatório seja assinado por quem não tenha essa competência, aquelas de cujo aviso convocatório não constem o dia, hora e local da reunião e as que reúnam em dia, hora ou local diversos dos constantes do aviso.
3 – A nulidade de uma deliberação nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o seu assentimento à deliberação.
[21] Artigo 58.º (Deliberações anuláveis)
1 – São anuláveis as deliberações que:
  1. a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;
  2. b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
  3. c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
2 – Quando as estipulações contratuais se limitarem a reproduzir preceitos legais, são estes considerados directamente violados, para os efeitos deste artigo e do artigo 56.º.
3 – Os sócios que tenham formado maioria em deliberação abrangida pela alínea b) do n.º 1 respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados.
4 – […]
[22] Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as decisões a que se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude.

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