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DOUTRINA

REVISTA FORENSE

Revista Forense – Volume 429 – Notas sobre o Conteúdo dos Direitos-Eficácia, Marcos Bernardes de Mello

DIREITO

DIREITO ÍNSITO NO DEVER

EFICÁCIA JURÍDICA

FACULDADE

FACULTY

FATO JURÍDICO

JURIDICAL EFFICACY

LEGAL FACT

LEGAL RELATIONSHIP

PODER

Revista Forense

Revista Forense

30/06/2019

Volume 429 – ANO 115
JANEIRO – JUNHO DE 2019
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA,
JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Mendes Pimentel
Estevão Pinto
Edmundo Lins

DIRETORES
José Manoel de Arruda Alvim Netto (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
Eduardo Arruda Alvim (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/FADISP)

Abreviaturas e siglas usadas
Conheça outras obras da Editora Forense

HISTÓRIA DO DIREITO

  1. DOUTRINA – Da unidade ou pluralidade de vinculos na obrigação solidaria – Revista Forense – Volume I – 1904.
  2. TRADUÇÕES – Decisões constitucionaes de Marshall – Revista Forense – Volume I – 1904.
  3. JULGADOS – Jurisprudencia civil e commercial – Pactum de Non Alienando – Revista Forense – Volume I – 1904.
  4. PARECERES – Dolo – silêncio intencional – dação em pagamento – Túllio Ascarelli – 21/12/1944 – Revista Forense – Volume CIV outubro de 1945

DOUTRINAS

A. Direito Administrativo

B. Direito Civil

C. Direito do Trabalho

D. Direito Processual Civil

E. Direito Tributário

F. Caderno Especial – Direito Digital e Inovação Tecnológica – Coordenador Marcelo Chiavassa de Paula Lima

ESTUDOS E COMENTÁRIOS

ESTUDOS DE CASOS E JULGADOS

MARCOS BERNARDES DE MELLO

PhD em Direito pela PUC/SP, MSc em Direito pela Faculdade de Direito do Recife –UFPE, Professor Emérito da UFAL, Professor (voluntário) dos Cursos de Mestrado e de Graduação em Direito da UFAL. Membro da Academia Alagoana de Letras Jurídicas. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Instituto dos Advogados de Alagoas. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Membro da Academia Alagoana de Letras.


Resumo: Este artigo tem por finalidade estabelecer precisões conceptuais sobre o direito como categoria de eficácia jurídica, notadamente quanto a seu conteúdo, que é visto de modo diferenciado de como é tratado, em geral, pela doutrina até hoje. Com esse objetivo, serão analisadas, sucintamente, várias questões relacionadas ao direito-eficácia, como seu conceito e suas espécies.

Palavras-chave: Fato jurídico, eficácia jurídica, relação jurídica, direito, faculdade, poder, direito ínsito no dever.

Abstracts: The purpose of this article is to establish conceptual precisions about right as a category of juridical effectiveness, especially as regards its content, which is seen differently from how it is treated by the doctrine until today. To this end, several issues related to right-effectiveness, such as its concept and species, will be briefly analyzed.

Keywords: Legal fact, juridical efficacy, legal relationship, right, faculty, power, right inside duty.

Sumário: I. Considerações introdutórias. II. O conteúdo dos direitos. 1. As espécies. 2. Faculdade e poder: precisões conceptuais. 2.1. Aplicação desses conceitos. 2.2. Objeções possíveis a essa concepção a partir do exemplo. 3. Os deveres ínsitos nos direitos. III. Conclusões. Referências bibliográficas.


I. Considerações Introdutórias

Segundo a doutrina consolidada na tradição da cultura jurídica, as relações jurídicas têm conteúdo composto, (i) no polo ativo (= do credor), por direitos a que correspondem, no polo passivo (= do devedor), deveres (= sujeições ao direito). Esse, no entanto, apenas constitui o mínimo existencial de uma relação jurídica. A sua estrutura eficacial, porém, é bem mais complexa, sendo composta, de ordinário[1], por direitos/deveres, pretensões/obrigações, ações/situações de acionado, exceções/situações de exceptuado. Embora direito/dever e pretensão/obrigação possam ser gerados simultaneamente, como ocorre na maioria das relações jurídicas, as ações e exceções somente nascem posteriormente, porque dependem de haver, ou não, violação da pretensão. Mas, no caso em que a exigibilidade do direito não é imediata (contrato de mútuo, de locação, v.g.), o desenvolvimento do conteúdo de uma relação jurídica obedece, geralmente, a uma sequência que pode ser assim descrita:

(a) o direito em si não tem exigibilidade. Existe apenas in potentia. Por necessária consequência, o seu correlato dever tem essa mesma característica: a inexigibilidade. Nesse momento, há somente um crédito e uma dívida, ambos inexigíveis. (b) Quando esse crédito adquire exigibilidade (em geral quando vence a dívida) o direito se reveste da pretensão e, correlatamente, o dever se transforma em obrigação, passando a ser compulsório o adimplemento da dívida. Adimplida a dívida, extinguem-se a pretensão e a obrigação, podendo extinguir-se, mas não, necessariamente, também a relação jurídica[2]. (c) No entanto, violada, pelo inadimplemento da obrigação, a pretensão se potencializa em ação, permitindo-se ao seu titular impor o seu direito ao devedor. Correspectivo da ação é a situação de acionado do devedor. (d) Finalmente, podem haver, ainda, exceções[3] (= contradireitos de titularidade do devedor que se opõe à pretensão e/ou ação contra ele exercida pelo credor, cuja eficácia consiste em suspender, definitiva (= exceção peremptória) ou transitoriamente (= exceção dilatória), a sua exigibilidade e/ou impositividade). Delas resulta a situação de exceptuado (= aquele contra quem se opõe a exceção).

Além dessas categorias eficaciais, há também os deveres ínsitos no direito (= deveres que cabem ao titular do direito em razão direta e exclusiva dessa titularidade), que são correlatos dos direitos ínsitos nos deveres (= direitos que cabem ao titular do dever em razão direta e exclusiva dessa titularidade), que serão analisados adiante[4].

II. O conteúdo dos direitos

1. As espécies

A partir dessa breve análise pode-se afirmar que o conteúdo de um direito consiste, em regra, de:

(a) permissões para que seu titular possa exercer os poderes e/ou as faculdades que enchem seu conteúdo (= face ativa do direito[5]), e também em (b) deveres ínsitos no direito, antes referidos (= face passiva do direito). O direito, portanto, não é de exercício compulsório, quanto aos poderes e faculdades, no sentido de que seu titular tenha obrigação de exercê-los. Em verdade, o direito, quando potencializado em pretensão e/ou ação, atribui a seu titular permissão para exercer, segundo sua vontade e interesses, mas regularmente[6], as faculdades e poderes que lhe cabem;

(b) deveres ínsitos no direito, que têm que ser cumpridos, necessariamente, como qualquer dever.

Fica evidente, assim, diferentemente do que a doutrina costuma afirmar, que em uma relação jurídica não há um polo ativo que seja somente ativo (= o titular somente tem direitos), nem um polo passivo que seja somente passivo (= o titular apenas de deveres). Ambos os termos da relação jurídica são, simultaneamente, sujeitos ativos e passivos, sem que essa cumulação eficacial resulte de sinalagma, mas, sim, do próprio conteúdo do direito e do dever de que são titulares (= direitos e deveres, diga-se, primários[7]). Em rigor, portanto, a qualificação de ativo ou de passivo atribuída a um sujeito de relação jurídica deve sempre dizer respeito à prevalência, na carga eficacial que cabe a cada um, do direito ou do dever primários, sem levar em conta os direitos ínsitos no dever e os deveres ínsitos nos direitos, que são secundários.

Essas concepções relativas ao conteúdo dos direitos, ao que nos é dado conhecer, não encontram similitude em qualquer doutrina, nacional ou estrangeira. Em verdade, a literatura jurídica pouco se refere a faculdades e poderes como conteúdo de direitos, e quando o faz emprega o vocábulo faculdade no sentido comum de permissão, de possibilidade, de autorização, enfim, de liberdade para exercer o direito. Note-se, por exemplo, que tradicionalmente, em doutrina, o direito subjetivo e a pretensão que o torna exigível são denominados, respectivamente, facultas agendi (faculdade de agir) e facultas exigendi (faculdade de exigir).

O uso do termo faculdade com esse mesmo sentido é encontradiço, também, em decisões judiciais e na legislação, notadamente quando se cuida do direito de propriedade. Em Direito nacional, por exemplo, já a Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas enunciava: Art. 884. Consiste o domínio na livre faculdade de usar e dispor, das cousas, e de as demandar por ações reais. O Código Civil de 1916[8] não usou o vocábulo faculdade, mas declarava assegurar ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los do poder de quem injustamente os possua. Finalmente, o Código de 2002, retornando à linguagem da Consolidação, foi explícito em aludir à faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e, com absoluta inadequação terminológica[9], ao “direito” de reavê-la do “poder” de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Além disso, mesmo dentre os poucos que se referem a poderes e faculdades como conteúdo dos direitos, parece não haver interesse em precisar o que, in abstracto, encheria o conteúdo de um direito (face ativa); basta ver que são tratados com indistinção[10]. Finalmente, nem a literatura jurídica, muito menos a jurisprudência e a legislação, em sua totalidade, nunca se referiram às categorias deveres ínsitos nos direitos nem a direitos ínsitos nos deveres[11].

Diante disso, resulta clara a necessidade de que sejam precisados os conceitos dessas categorias eficaciais: poder e faculdade, direito ínsito no dever e dever ínsito no direito.

2. Faculdade e poder: precisões conceptuais

Sem dúvida alguma, somente há duas situações possíveis quando se trata do exercício, satisfativo, das permissões que integram o conteúdo de um direito, quando já potencializado em pretensão, a saber:

(i) em uma, o titular do direito depende, em caráter de necessidade, da conduta de um terceiro determinado, ou determinável, ou alguém por ele, consistente no adimplemento, voluntário ou forçado, de uma prestação, positiva ou negativa, de que seja devedor em razão de sua posição passiva na relação jurídica em que foi gerado. Nessa situação, a indispensabilidade da cooperação do devedor, adimplindo a prestação devida, para que o titular obtenha a satisfação do seu direito, implica a impossibilidade de que possa exercê-lo por si só, tendo de fazê-lo sempre em face do terceiro devedor. Por isso é que, quando não há adimplemento voluntário pelo devedor, cabem ao credor a exigibilidade da prestação (que é extrajudicial) e, em caso de persistir o inadimplemento, a impositividade, em regra, judicial[12], do cumprimento da obrigação ao sujeito passivo. A essencialidade de que haja o adimplemento da prestação para que seja exercido satisfativamente o direito fica evidente da circunstância de que, da impossibilidade da prestação sem culpa do devedor resulta, necessariamente, a extinção do dever e da obrigação e, por conseguinte, do direito e pretensão que lhes são correlatos (Código Civil, art. 234)[13]. Situações desse tipo são as encontráveis na quase totalidade dos direitos, porque, em geral, o direito implica submissão de outrem que deve um comportamento comissivo ou omissivo em face do seu titular.

(ii) na outra, o titular pode obter a satisfação do seu direito exercendo-o só por si, sem que dependa, em hipótese alguma, de que sujeito passivo determinado, ou determinável, adimpla, voluntaria ou forçadamente, uma prestação a que esteja obrigado como decorrência de um dever correlato do direito. Essa absoluta desnecessidade de que sujeito passivo cumpra uma prestação, qualquer que seja, evidencia que o exercício do direito pelo seu titular independe de conduta de terceiro. Nessa espécie não há por que falar em exigibilidade do direito, tampouco em impositividade, simplesmente por não haver uma prestação a ser adimplida por alguém que seja necessária para que o direito seja exercido satisfativamente[14]. O ser possível exercer o direito por exclusiva vontade e atuação do titular, independentemente do adimplemento de uma prestação por alguém obrigado é o que caracteriza essas situações.

As características dessas duas situações, como já referido, são únicas e invariáveis em ambas as espécies, além de exclusivas de cada uma delas. Por isso, constituem diferença específica que atende aos pressupostos científicos para que se estabeleça a distinção entre as duas espécies que compõem a face ativa do conteúdo eficacial do direito: poder e faculdade[15], que podem ser assim conceituadas:

(i) constitui poder o conteúdo eficacial de um direito (pretensão) cujo exercício satisfativo depende, necessariamente, do adimplemento, voluntário ou forçado, de uma prestação, comissiva ou omissiva, a que esteja obrigado sujeito passivo determinado, ou determinável, em decorrência de um dever (obrigação) correlato do direito;

(ii) há faculdade sempre que o titular de um direito pode, satisfativamente, exercê-lo por suas exclusivas vontade e atuação própria, independentemente, sem exceção, de que um sujeito passivo determinado, ou determinável, adimpla uma prestação de que seja devedor em decorrência daquele direito.

2.1 – Aplicação desses conceitos

Faculdades e poderes estão presentes em todas as classes de direitos, não somente nos direitos subjetivos, mas também nos direitos individuais homogêneos, nos direitos coletivos e nos direitos transindividuais. Por isso, são categorias universais. Podem existir isoladamente como conteúdo único de um direito (como ocorre no poder contido no direito do credor de constituir em mora o devedor inadimplente, ou na faculdade que integra o direito de derrelinquir), ou coexistirem no mesmo direito (o direito contém, simultaneamente, um ou mais poderes e uma ou mais faculdades, de que é exemplo o direito de propriedade definido no art. 1.228 do Código Civil que, no sistema jurídico nacional e, mutatis mutandis, em todos aqueles em que a propriedade privada constitui uma instituição jurídica, tem por conteúdo (a) as faculdades de usar, gozar e dispor do bem que seja seu objeto, assim como (b) o poder para reavê-lo de quem quer que o esteja injustamente detendo).

Por que o usar, gozar e dispor do bem constituem faculdades e a sua reivindicabilidade configura um poder?

Porque,

(a) sem dúvida, o proprietário usa, goza e dispõe do bem por sua exclusiva vontade e atuação, portanto, só por si, sem depender da conduta de um terceiro consistente em uma prestação, positiva ou negativa, de que seja devedor e que seu adimplemento seja indispensável ao exercício do direito. Não há situação que constitua exceção a essa regra. Por isso, são faculdades;

(b) diferentemente, para reivindicar o bem de quem, injustamente, o estiver detendo, o proprietário não pode fazê-lo só por si. Necessita sempre de que o bem lhe seja devolvido, espontânea ou forçadamente, por aquele que o detenha, ilicitamente. A reivindicação tem que ser exercida, sem exceção, em face do terceiro. Desse modo, é um poder.

Poder-se-ia argumentar, em objeção à adequação desses exemplos, que existe sempre a possibilidade de que ocorram eventuais, violações do direito, como, v.g., quando alguém se opõe, exclui ou perturba, injustamente, o uso e fruição do bem pelo proprietário, o que o obriga a defender seu direito em juízo; nessa hipótese, em não havendo possibilidade de desforço pessoal imediato para defesa da posse violada, se tornaria inevitável a interferência de terceiro, a autoridade judiciária para a efetivação do exercício do seu direito, o que negaria o elemento caracterizador da faculdade (a desnecessidade de exigir de alguém uma conduta para que o proprietário exerça seu direito). A objeção não teria fundamento, porém, porque, (a) primeiro, como observado adiante, na nota nº 17, violação do direito constitui um fato jurídico ilícito que gera uma relação jurídica diferente, em tudo, daquela que produziu o direito violado; (b) segundo, o conteúdo eficacial dessa nova relação jurídica consiste, basicamente, em sua face ativa, no direito à tutela jurídica que atribui à vítima do fato ilícito a pretensão à tutela jurídica que lhe assegura o poder de exigir do Estado a obrigação de prestação jurisdicional, restaurando a integridade do direito violado[16]; (c) terceiro, a imprescindibilidade de exigir condutas de terceiros para que o titular do direito de propriedade violado possa exercer sua faculdade de usar e fruir do bem, no caso de invocação da jurisdição estatal (juiz, e.g.), é evidente, não diz respeito ao direito de propriedade em si, mas, sim, ao outro direito, o direito à tutela jurídica, cujo sujeito passivo, o Estado, tem o dever, precisamente, de garantir ao proprietário o exercício por si, livremente, sem a necessidade de cooperação de terceiro, da faculdade violada de usar e gozar do bem. A imprescindível imposição pelo Estado ao infrator do respeito à faculdade por ele infringida, em razão de decorrer de outro direito, não altera a essência de faculdade de ser exercível independentemente de imposição a alguém determinado.

Já a atribuição que o Código defere ao proprietário de reaver a coisa de quem, injustamente, a possua ou detenha, constitui um poder, o poder de reivindicação, uma vez que, à evidência, não há como ser exercido senão em face daquele que esteja violando o seu direito de propriedade, possuindo ou detendo, injustamente, a coisa, impondo-lhe sua devolução.

Duas observações precisam ser feitas à terminologia empregada pelo Legislador no art. 1.228:

(a) o Código Civil, ao usar a expressão direito de reavê-la para denominar o poder de reivindicação comete uma impropriedade porque um direito não pode ser conteúdo de outro direito. Cada direito é um direito em si, com individualidade própria. No caso do art. 1.228 do Código Civil, o poder de reivindicar é inerente ao direito de propriedade, do qual constitui conteúdo essencial. Isso demonstra a inadequação da terminologia do Código. Corretamente, deve-se ler poder de reavê-la;

(b) o vocábulo poder como usado no Código na expressão poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha não deve ser interpretado como se tivesse acepção jurídica própria referida a alguma categoria eficacial. Em verdade, alude, simplesmente, à situação fáctica de apoderamento de um bem por aquele que não é o verdadeiro dono. Portanto, poder, no texto legal tem o significado comum de ocupação da coisa, e nunca o de elemento integrante de conteúdo de direito.

2.2 – Objeções possíveis a essa concepção a partir do exemplo

Ao exemplo dado, poder-se-iam opor objeções, dizendo-o inadequado e equivocado, usando-se dois argumentos, a saber:

(i) a uma, não se poderia classificar como faculdade a atribuição que os sistemas jurídicos deferem ao proprietário, ou possuidor, de dispor de seus bens por duas razões principais: (i.a) primeira, a classificação iria de encontro à posição de doutrinadores que, à unanimidade (quase) e desde sempre, a denominam poder de disposição e, (i.b) segunda, porque os titulares da propriedade (bem assim da posse) para dispor da coisa não podem fazê-lo por si, sozinhos, uma vez que os típicos atos de disposição, em sua quase totalidade, como vender, permutar, doar e dar em pagamento, implicam essencial bilateralidade; e

(ii) a duas, porque também contrariaria a disposição do Código que, explicitamente, se refere a direito de reivindicação, de modo que não seria possível falar-se em poder de reivindicação.

Tais objeções, porém, seriam sem razão, como se passará a demonstrar.

(i) Não há dúvida de que, de ordinário, o ato de dispor de um bem supõe que seja exercido em face de outrem, o adquirente (= comprador, permutante, donatário, arrematante, credor na dação em pagamento, adquirente da posse), o que, considerando o critério distintivo adotado, ter-se-ia de classificá-lo como poder, não como faculdade. Sem fundamento, porém, pois,

(a) primeiramente, não é apenas o exercício do direito por si só, sem a participação de terceiro que caracteriza faculdade, mas, especialmente, que não haja necessidade de que um sujeito passivo adimpla uma prestação a esteja obrigado como submissão ao direito. Nas mencionadas espécies de disposição, não há qualquer exigência de conduta a terceiro determinado que seja necessária a que o titular da faculdade a exerça. A necessidade da presença do terceiro determinado é pura e simples consequência da essencial bilateralidade do negócio jurídico, que se configura na confluência de vontades harmônicas sobre seu objeto. A ausência de imposição do conteúdo do direito ao adquirente mostra que há exercício de uma faculdade e não de um poder.

(b) Por outro aspecto, é preciso considerar que as mencionadas formas de dispor não esgotam as espécies de como se pode dispor de um direito, uma vez que há outras duas que, para se concretizarem, prescindem, de maneira absoluta, da participação de alguém determinado, de modo que, em hipótese alguma, podem implicar exigência de uma prestação de um sujeito passivo: são a renúncia e o abandono (= derrelição). Parece irretorquível que tanto a renúncia como o abandono são negócios jurídicos unilaterais, donde lhes bastar à concreção do suporte fático, exclusivamente, o ato volitivo do renunciante ou do abandonador para que passem a existir e ser eficazes.

É verdade que, em direito nacional[17], a renúncia de bem imóvel para que produza sua eficácia de direito real da perda da propriedade pelo renunciante, exige o elemento integrativo do registro público. Tal exigência, porém, não elimina nem modifica o caráter unilateral do negócio jurídico, tampouco a desnecessidade de adimplemento de prestação por sujeito passivo determinado. Todo negócio jurídico juri-real, necessite ou não de ato integrativo registral, existe desde que, concretizado seu suporte fático suficiente, tenha entrada no mundo jurídico no plano da existência; se é válido, passa ao plano da eficácia onde poderá produzir, de imediato, seus efeitos jurídicos obrigacionais. Somente sua eficácia de direito real depende do registro[18]. Se o negócio jurídico, diferentemente, é apenas de natureza obrigacional (sem caráter juri-real) sua eficácia se produz total e imediatamente, sem que persista pendência eficacial, salvo excepcional condição suspensiva. Portanto, a unilateralidade da renúncia, por ser o único dado essencial à concreção de seu suporte fático, é bastante em si para que exista o negócio jurídico que, se válido, gerará sua eficácia obrigacional. Eventual bilateralidade em negócio jurídico a que se dê a denominação de renúncia a descaracteriza como tal; tratar-se-á de qualquer outra espécie de negócio jurídico, não, porém, de renúncia. Renúncia feita em favor de alguém, por exemplo, constitui o negócio jurídico da doação[19].

O abandono, a sua vez, prescinde de qualquer ato integrativo, inclusive de registro, para que gere sua completa eficácia; basta o abandono para que se disponha da propriedade ou da posse.

Além da circunstância de, nas outras formas de disposição, não haver exigência de conduta de um sujeito passivo, adimplindo uma prestação, essas duas espécies mostram que não se pode atribuir a natureza de poder à aptidão do proprietário ou possuidor de dispor de um bem, ou de sua posse, o que ressalta seu caráter de faculdade.

Nunca é demais relembrar que, em Ciência, a correta conceituação de um objeto que constitui gênero exige, necessariamente, que seu enunciado abranja todas as espécies que o compõem, sem qualquer exceção, por ínfima que seja. É essencial, portanto, que seja considerado o mínimo ontológico que caracteriza a espécie. Se alguma delas resta excluída, o conceito é incompleto, por isso inadequado, insuficiente. O rigor científico não admite exceções. Assim, conceituar como um poder a atribuição (= permissão) que tem o proprietário, ou o possuidor, de alienar (= dispor) o bem de que tem o domínio, ou a posse, porque há espécies que requerem seja exercida em face de terceiro, implicaria excluir as duas espécies (renúncia e derrelicção) em que não é só desnecessária, como é impossível, seu exercício (a atribuição) em face de alguém.

Já nas outras hipóteses de disposição que se realiza por meio de negócios jurídicos bilaterais (venda, permuta, arrematação, doação, dação em pagamento) o fato de que o dispor precisa ser feito a um terceiro determinado, ou ao menos determinável, não lhes retira a natureza de faculdade, porque, conforme anotado, nelas (a) o outro figurante não participa da eficácia como sujeito passivo determinado a quem se impõe uma submissão a prestar uma conduta; (b) a disposição patrimonial que constitui o seu objeto é elemento comum caracterizador de todas as espécies, inclusive da renúncia e do abandono; (c) a bilateralidade, bem assim a unilateralidade, necessárias a que se concretize a faculdade, por não constituir um dado essencial a caracterizar o gênero, pode existir, ou não, sem que influa sobre a substância das espécies, modificando-as.

Diferentemente, no poder, o exercício com imposição a um sujeito passivo é o elemento medular que o individualiza como gênero, sendo-lhe, portanto, indispensável à caracterização.

Essa a razão pela qual a atribuição jurídica ao proprietário de disposição de seus bens (sentido lato) constitui faculdade e não poder.

(ii) Quanto ao fato de o Código Civil atual, como o anterior, referir-se a direito de reivindicar o bem injustamente apropriado ou possuído por terceiro, e não ao poder de reivindicar, já se mostrou antes que se trata de uma claudicação terminológica do legislador: logicamente, direito não pode ser conteúdo de direito. Acrescente-se que o poder que existe por si e em si (sem ser conteúdo de um direito) não é poder, é direito em sentido próprio e estrito[20]. No caso do poder de reivindicar, não há como dizê-lo direito simplesmente porque não é autônomo, mas somente existe integrando o conteúdo eficacial do direito de propriedade.

3. Os deveres ínsitos nos direitos

Conforme já mencionado, pesquisas empreendidas sobre os problemas que envolvem a eficácia jurídica levaram à conclusão de que o conteúdo de cada direito é integrado não apenas pelos poderes e/ou faculdades que o tipificam, mas também por deveres (= sujeições, encargos e/ou onerações) que existem somente em razão da natureza desses poderes e faculdades. São deveres autóctones do direito, porque dele decorrem e não existem por si, autonomamente, mas dependem, necessariamente, da existência do direito no qual são ínsitos. Por isso, o dever ínsito não tem independência existencial, não existe por si, fora do conteúdo típico de cada direito (= faculdades e/ou poderes), de modo que, extinto o poder e/ou a faculdade extingue-se, reflexa e necessariamente. Em razão dessa característica, foram denominados deveres ínsitos nos direitos ou, simplesmente, por elipse, deveres ínsitos.

Considerando a existência desses deveres ínsitos, abstratamente, são possíveis as seguintes combinações entre os conteúdos dos direitos:

(i) faculdade + dever ínsito

(ii) poder + dever ínsito

(iii) faculdade + poder + dever ínsito

Em face dessa constatação, parece de todo correto afirmar (como já feito antes) que, salvo muito raras exceções resultantes da natureza excepcional de alguns direitos (e.g. o direito do Estado de que os médicos notifiquem doenças infectocontagiosas), nas relações jurídicas não existe um sujeito ativo que seja apenas ativo, tampouco, um sujeito passivo que seja somente passivo, porque a eles cabem os deveres ínsitos nos direitos e direitos ínsitos nos deveres.

O conteúdo desses deveres e direitos ínsitos varia em razão da espécie do direito e do dever a que são inerentes, tanto em intensidade, quanto em amplitude. Em alguns casos o detalhamento pelas normas jurídicas do conteúdo dos direitos e correlatos deveres é tão minucioso que já os incluem taxativamente. Em outros, a indeterminação normativa sobre a eficácia jurídica ou a falta de relacionamento do dever ao direito e do direito ao dever implica a necessidade de sua revelação pela doutrina.

Vejam-se, como exemplos, algumas espécies:

(a) Nas relações jurídicas de crédito, à força do princípio pacta sunt servanda, cabe ao credor o direito e a consequente pretensão (= poder) de ter do devedor, no tempo, forma e lugar pactuados ou determinados em lei, o adimplemento da prestação a que está obrigado (= submissão). Esses poder e submissão constituem, sem dúvida, o conteúdo típico e essencial dessas espécies de relações jurídicas. No entanto, não o esgotam, porque, além deles, em decorrência do princípio da cooperação, há (i) os deveres do credor de não criar obstáculos a que o devedor cumpra, regularmente, sua obrigação e de lhe dar quitação, a que correspondem (ii) os direitos do devedor de adimpli-la segundo o avençado, recebendo a quitação. Por isso,

(i) quando o credor, injustamente, se recusa a aceitar a prestação regularmente oferecida pelo devedor e/ou a lhe dar a necessária quitação, impedindo-lhe, assim, de cumprir sua obrigação, incide em mora, cujo fundamento consiste no inadimplemento desse dever de não criar obstáculo (= cooperar) para que a dívida seja adimplida;

(ii) portanto, da violação do direito do devedor a adimplir do qual decorre sua ação (de direito material) que lhe assegura impor ao credor inadimplente, pela via processual da “ação” de consignação em pagamento (Código Civil, art. 335, I, e CPC, art. 539), a aceitação da prestação, com a devida quitação[21].

O dever do credor de receber a dívida conforme ajustada e o direito do devedor a adimpli-la regularmente, como parece claro, não são autônomos; existem na dependência inexorável de que haja, na relação jurídica obrigacional, no polo ativo, um direito ao adimplemento e, no polo passivo, um correlato dever de adimplir corretamente (típicos da relação jurídica obrigacional). Por isso, extintos o direito ao adimplemento e o dever de adimplir extinguem também o dever ínsito no primeiro e o direito ínsito no segundo.

(b) No direito de família, a maneira minuciosa e exaustiva como a legislação regula relações jurídicas que ocorrem em seu âmbito de incidência, praticamente, esgota a enunciação dos direitos e deveres típicos e também daqueles que, em essência e por natureza, lhes são ínsitos. Poucas são as espécies não regradas por normas jurídicas específicas. Por exemplo, no conteúdo dos direitos (típicos) dos pais que integram o poder familiar relacionados no art. 1.634 do Código Civil, há os deveres de exercê-los comedidamente e sempre em benefício dos filhos. Esses deveres, embora sejam ínsitos por natureza, já estão positivados no Código Civil, art. 1.638. Do mesmo modo, correlato desses deveres ínsitos, têm os pais o direito, também ínsito por natureza, de serem tratados pelos filhos com respeito e obediência. No entanto, esse direito ínsito dos pais também está positivado no Código Civil, art.1.634, VII, donde parecer que seria autônomo. A nosso ver, apesar da explicitação em norma de direito positivo, os deveres e direitos ínsitos por natureza não deixam de ter esse caráter.

(c) No âmbito do direito das coisas[22], o conteúdo típico do direito de propriedade, já referido acima, como definido no art. 1.228 do Código Civil, consistiria nas faculdades de usar, gozar e dispor do bem e no poder de reivindicá-lo de quem injustamente o possua ou detenha. Esse poder e essas faculdades dirigir-se-iam, não a um sujeito determinado ou determinável, como ocorre com os direitos de crédito e de família que são direitos relativos, mas, em face de sua natureza de direito absoluto, a sujeitos passivos totais (= o alter), em razão de sua eficácia erga omnes. O direito de propriedade teria, assim, como correlato um dever típico de todos (= o alter) de se absterem de violar (= sujeição) aqueles poder e faculdades. Essa a concepção dominante em doutrina.

Essa visão, sem dúvida, é correta apenas em parte, porque insuficiente para definir em sua integralidade o conteúdo do direito de propriedade, uma vez que não considera os deveres ínsitos que cabem ao proprietário e os correlatos direitos ínsitos que competem ao alter (= sujeitos passivos totais, que em decorrência da titularidade desses direitos ínsitos passam a ser sujeitos ativos totais)[23].

Em verdade, além daqueles deveres mencionados na nota nº 23, há outros, bem mais expressivos, como os que vinculam o titular do direito de propriedade relacionados ao seu exercício (= uso e gozo). São deveres que somente os tem quem se encontra na situação jurídica de proprietário, nessa incluída a de possuidor, e deles não pode desligar-se enquanto nela se mantiver. Nessa categoria está o dever do proprietário ou possuidor de exercer o seu direito segundo a sua função social e a sua finalidade econômica, bem como que respeite os denominados direitos de vizinhança relacionados à segurança, ao sossego e à saúde dos vizinhos. Esses deveres são, por natureza, ínsitos no conteúdo do direito de propriedade, embora, pela sua importância social, muitos deles já sejam explicitados em normas constitucionais e legais[24] (p. ex., no Código Civil de 1916, art. 554, e, desde a Constituição Federal de 1934, como princípio constitucional o da função social, que parece incluir o princípio da adequada finalidade econômica da propriedade mencionados no Código Civil, art. 1.228, § 1º).

Correspectivo desse dever, que tem caráter absoluto por sua origem, há o direito do alter (= sujeitos ativos totais) a que o uso da propriedade atenda à sua função social e sua finalidade econômica. Por isso, se o uso da propriedade desatende à sua função social ou a sua finalidade econômica, o proprietário viola esse dever ínsito e fica sujeito às sanções dos arts. 182, § 4º, e 184 da Constituição Federal. Mas não somente. Qualquer cidadão tem legitimação para provocar a iniciativa do Ministério Público para que proponha ação civil pública que vise a impor o uso da propriedade segundo sua função social ou sua finalidade econômica (Lei nº 7.347, de 24/7/1985, art. 1º, I, IV, V e VI).

(d) Nos direitos fundamentais também há deveres ínsitos. O direito à vida, e.g., tem como dever ínsito da pessoa o de preservá-la. Considerando o caráter de direito absoluto que tem o direito à vida, o dever de preservação da própria vida constitui um dever a sujeitos ativos totais, vale dizer um dever perante todos (= alter)[25]. Denominá-lo, como se costuma fazer, dever consigo mesmo é desconsiderar a intrínseca natureza relacional do direito. Como imposição do essencial princípio da intersubjetividade que rege as relações jurídicas, ninguém pode dever a si próprio, nem dever a ninguém, mas sempre a outrem, mesmo indeterminado, como ser credor de si próprio ou de ninguém.

Em nada difere o que acontece com os direitos de personalidade ao nome, à honra, à intimidade, à incolumidade da saúde, ao próprio corpo e suas partes, por exemplo, que implicam os deveres ínsitos de seus titulares de preservá-las agindo honradamente, resguardando sua intimidade e sua saúde.

O mesmo ocorre com os demais direitos fundamentais, em essência; neles, como em qualquer outro direito, pode haver deveres ínsitos de seus titulares, que, em razão de sua origem, são também deveres fundamentais. Veja-se.

Do princípio da dignidade dos seres humanos, por exemplo, resulta o direito fundamental de ser tratado com dignidade, no qual está ínsito o dever de respeitar a própria dignidade, bem como a dos demais indivíduos. O direito à liberdade impõe o dever ínsito de não atentar contra a liberdade dos outros. O direito à isonomia tem ínsito o dever de tratar a todos com igualdade, quando iguais as situações em que se encontram, e desigualmente, quando essas situações forem desiguais. Ínsito no direito à tutela jurisdicional estatal (= denominado direito de ação) existe o dever de somente invocá-la quando lhe seja necessária e conveniente (= tenha interesse de agir)[26]. O direito à livre manifestação do pensamento implica o dever ínsito de não a fazer anonimamente (neste caso o dever está explícito na cláusula constitucional da vedação do anonimato), bem como de não atingir ilicitamente a honra, a intimidade dos outros, e.g., sob pena, aqui, de responsabilidade penal e civil por danos.

Embora poucos, há deveres que não contêm direitos ínsitos, como no dever que têm os médicos de notificar os serviços de saúde sobre a ocorrência de certas doenças contagiosas capazes de pôr em risco a comunidade (provocar epidemias, p. ex.). O dever, aí, é de obediência. Em espécie como essa, o dever é correlato de um direito subjetivo do Estado cujo fundamento consiste na proteção do interesse público.

É verdade que, na maioria dos direitos, a violação dos deveres a eles relacionados implica uma sanção que, no mínimo, consiste no surgimento de ação de direito material que atribui ao seu titular o poder de impor a pretensão, em regra, por meio da jurisdição estatal. Dentre esses deveres ínsitos, porém, especialmente alguns inerentes a certos direitos fundamentais, há deles em que o seu descumprimento não afeta a eficácia do direito de que é ínsito, de modo que não se pode negar ao titular inadimplente o direito que o contém. São deveres cujo inadimplemento não acarreta sanção (lembre-se: sanção não constitui característica essencial do Direito). Exemplos: aquele que atenta contra a própria vida não perde o direito à vida; a quem não cuida da própria saúde não se pode negar o direito à saúde; quem não preserva sua honra não perde o direito à honra.

III. Conclusões

Em conclusão, diferentemente do que, tradicionalmente, em doutrina se afirma, os direitos têm uma face ativa, que é predominante, cujo conteúdo se compõe de poderes e faculdades, e uma face passiva integrada por deveres ínsitos. O mesmo ocorre com os correspectivos deveres, só que nesses predomina a face passiva constituída por submissões, onerações e vinculações, e a face ativa se compõe por direitos ínsitos.

Diante disso, nas relações jurídicas, não existe um sujeito ativo, que seja somente titular de poderes e faculdades, porque lhe cabem os deveres ínsitos, e um sujeito passivo que somente tenha deveres, em face da titularidade de direitos ínsitos.

Os poderes e as faculdades que integram a face ativa dos direitos se diferenciam em razão do modo como se pode exercer o direito: se depende em caráter de necessidade de que um sujeito passivo adimpla uma prestação para que o exercício do direito seja satisfativo, tem-se um poder; de modo diferente, se o titular do direito pode exercê-lo, satisfativamente, por si só, independentemente de que seja indispensável que um sujeito passivo adimpla uma prestação, há uma faculdade.

Finalmente, afirma-se que em cada direito há deveres que integram seu conteúdo que, por isso, são denominados deveres ínsitos, e correlatos a esses nos deveres há direitos ínsitos, que se caracterizam por existirem, exclusivamente, em razão dos direitos e deveres de que são ínsitos.

Referências Bibliográficas

FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis: publicação autorizada pelo Governo. 3. ed. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1876.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 22. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

________. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, 1ª Parte. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

________. Da ação como objeto litigioso no processo civil. As reformas do Código de Processo Civil e a Teoria Quinária: homenagem a Pontes de Miranda nos 30 anos de seu falecimento. Coord. Eduardo J. da Fonseca Costa, L.E. Ribeiro Mourão e Pedro Henrique Pedrosa Nogueira. Salvador: JusPodivm, 2010.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de direito privado, t. V e XI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

________. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969. 3. ed. t. V. Rio de Janeiro: Forense, 1987.


[1]    Sobre eficácia jurídica, cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência, §§ 48/49, e Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, 1ª Parte, Cap. VII. Aqui se disse de ordinário porque o princípio (metajurídico) da coextensão dos direitos, pretensões e ações (que se enuncia: a todo direito corresponde uma pretensão e uma ação que o asseguram) não tem caráter absoluto; por exemplo, os chamados direitos mutilados são, por natureza, privados de pretensão e a ação (e.g. direito à dívida de jogo); pela prescrição os direitos perdem a pretensão, a ação e a exceção; há ações sem pretensão e sem direito (habeas corpus em favor de terceiro, ação popular, v.g.).

[2]    Nas relações jurídicas de trato sucessivo, também ditas de prestações continuadas, como, por exemplo, as resultantes de contrato de locação, a relação jurídica persiste, embora a cada período (todos os meses) extingam-se a obrigação e a pretensão com o pagamento do aluguel,

[3]    Embora a titularidade da exceção seja daquele de quem se exige a prestação (do devedor), por se fundar, sempre, em uma pretensão sua (por isso é denominada contradireito) parece correto tê-la como atinente ao polo ativo da relação jurídica, e não ao passivo.

[4]    Essas espécies direitos e deveres ínsitos não são mencionadas pela doutrina, ao que nos é dado saber, até hoje. Vide adiante, em detalhe.

[5]    Toma-se a liberdade de usar as expressões face ativa e face passiva para nomear, os poderes e faculdades e os deveres ínsitos no direito que constituem o conteúdo possível de um direito.

[6]    Sem abuso, isto é, respeitados os seus limites impostos por seu fim econômico ou social, a boa-fé e os bons costumes (Código Civil, art. 187).

[7]    Primários, aqui, são os direitos e os deveres dos quais decorrem os direitos e os deveres ínsitos, que, em razão de sua origem, são ditos secundários.

[8]    O Código Civil de 1916, assim se expressava: Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.

[9]    A impropriedade resulta de que direito não pode ser conteúdo de direito.

[10]   Essas divergências estão presentes também nas legislações civis, e se refletem na falta de uniformidade, mesmo nas mais evoluídas, como a matéria é tratada. Veja-se, por exemplo, como alguns códigos definem o que constitui o conteúdo do direito de propriedade (um dos mais complexos na ordem civil): (i) o BGB, § 903, o novo CC e Com. da Nação Argentina, art. 1941 e o CC Paraguaio, arts. 1954 e 1964, referem-se, apenas, a faculdades; (ii) o CC do Peru, art. 923º, alude somente a poder jurídico; (iii) os Códigos Civis da Suíça, art. 641, do Uruguai, art. 486, da Itália, art.  832 da Colômbia, art. 669, da Espanha, art. 348, da França, art. 544, do Chile, art. 582, de Portugal, art. 1305º, da Bélgica, art. 544, e de Québec, 947, não fazem menção nem faculdade nem a poder; (iv) o CC Brasileiro, art. 1.228 refere-se a faculdade e a direito, não fazendo menção a poder.

[11]   Sem dúvida encontram-se referências doutrinárias a direitos-deveres e deveres-direitos, como no caso do direito fundamental ao voto, que, em direito nacional, acarreta o dever de votar, punível em caso de inadimplemento. Mas o sentido é outro diferente desse que aqui se faz.

[12]   Em regra, desde que o Estado proibiu a autotutela do direito (= justiça de mão própria) e assumiu o monopólio da distribuição da justiça, poucas são as hipóteses em que as pessoas podem impor o próprio direito. São exemplos dessas exceções, o desforço pessoal imediato do possuidor em casos de violação de sua posse e a legítima defesa própria e de terceiro.

[13]   O mesmo não ocorre se a impossibilidade da prestação resultar de culpa do devedor, caso em que a obrigação se transmuda em obrigação de ressarcimento de perdas e danos, sem que o conteúdo do direito resultante perca suas características originais.

[14]   Exclua-se a hipótese de violação do direito, o que somente pode ocorrer por conduta de terceiro estranho à relação jurídica de que o direito conteúdo. Um ato de violação dessa natureza caracterizará um ato ilícito absoluto que criará outra relação jurídica, com outro conteúdo específico. Vide adiante.

[15]   Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, § 565, 4, t. V, p. 236), embora não faça essa distinção que aqui adotamos, aponta como exemplos de faculdades: plantar no terreno, colher-lhe os frutos, permitir ou proibir que o cavalo de outrem entre nele, vendê-lo, doá-lo, trocá-lo.

[16]   O direito à tutela jurídica constitui direito fundamental reconhecido a todo sujeito de direito pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, e tem, como sujeito passivo, o Estado a quem cabe o dever de prestação jurisdicional, sempre que necessária. O direito à tutela jurídica, de que todos somos dele titulares, e o correspectivo dever de prestação que tem o Estado, existem in potentia. Por isso, toda vez que alguém (um sujeito de direito) necessita da prestação jurisdicional estatal esse direito se potencializa em pretensão à tutela jurídica a que corresponde a obrigação de prestação jurisdicional do Estado de decidir sobre a ação de direito material que lhe é posta (= demanda). Vide, sobre isso nosso Da ação como objeto litigioso no processo civil. As reformas do Código de Processo Civil e a Teoria Quinária: homenagem a Pontes de Miranda nos 30 anos de seu falecimento.

[17]   No Direito Paraguaio, por exemplo, a renúncia se dá pelo simples abandono da coisa, sem necessidade, de registro (Código Civil, art. 1954, terceira parte).

[18]   Sobre os efeitos do elemento integrativo do suporte fáctico, MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência, § 12, 6 e 7.

[19]   É muito comum o equívoco em inventário um herdeiro declarar que renuncia à herança em favor de outro. Em verdade, nesse ato há uma doação, não renúncia.

[20]   Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. V, § 567, 1.

[21]   A existência desse direito do devedor a adimplir se torna mais evidente em face do fato de que a aquiescência do devedor constitui elemento essencial à eficácia da remissão da dívida pelo credor (Código Civil, art. 385). Se o devedor não aceita o perdão da dívida e, apesar disso, o credor se recusa a recebê-la regularmente, poderá ele consignar seu objeto em juízo e, assim, obter a sua quitação. Se esse direito não houvesse, a pura e simples remissão feita pelo credor extinguiria, ipso iure, a obrigação, mesmo contra a vontade do devedor.

[22]   Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, t. XI, p. 9), ao referir-se ao conceito de propriedade, ensina haver quatro sentidos em que o termo pode ser tomado: (a) um amplíssimo que abrange todo e qualquer direito patrimonial, no que se incluem os direitos de créditos; não se limita, portanto, ao direito das coisas; (b) um amplo, que se refere a todo e qualquer direito irradiado de incidência de norma jurídica de direito das coisas, logo, à posse, ao domínio, ao domínio útil, aos direitos de usufrutuário e demais direitos reais limitados; (c) um estrito, quase coincidente com esse último, que diz respeito a todo direito que tem por objeto bens corpóreos e incorpóreos (= propriedade artística, literária, científica e industrial); finalmente, (d) um sentido estritíssimo que se restringe à propriedade sobre bens corpóreos (= domínio).

[23]   Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969, 3. ed. t. V, p. 395, Rio de Janeiro: Forense, 1987), sem, evidentemente, empregar a terminologia direitos e deveres ínsitos (porque de nossa autoria), citando obra de J. Biermann (Privatrecht und Polizei), mencionou deveres que, no direito de propriedade imobiliária, têm esse caráter (= ínsitos) quando escreveu: (c) Às vezes, o proprietário ou o titular de outro direito real está sujeito a deveres e obrigações de atos positivos, e.g., os de conservar o terreno de acordo com as leis de polícia sanitária, de derrubar, segundo as posturas, edifícios em ruína, de limpar calhas, esgotos e pousadas ou alojamentos de animais.

[24]   Desde os romanos, já havia normas reguladoras das relações de vizinhança. Apesar de sempre ter sido objeto de críticas e mesmo combatida por pensadores, a ideia de propriedade privada como dogma intocável atravessou os séculos e chegou a nossos dias praticamente incólume. O Código Napoleônico, art. 544, bem retratou essa concepção quando declarou: propriedade é o direito de fruir e dispor das coisas da maneira a mais absoluta, contanto que delas não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos. Só a partir da segunda metade do Século XX, aproximadamente, nos países ditos capitalistas (a Rússia tornou-se comunista no primeiro quartel daquele século), o modo como era vista a propriedade privada começou a sofrer relevantes modificações em razão, notadamente, das preocupações com a ecologia, nos países ricos, e nos países pobres, com a exploração das riquezas do subsolo e a exclusão social resultante, principalmente, da subutilização dos fundos rurais, fatores de geração de conflitos cada vez mais intensos e graves.

[25]   Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. V, § 509.2.

[26]   Daí se justificar a penalização da litigância de má-fé e também da lide temerária, porque constituem, intrinsecamente, violação desse dever ínsito no direito à tutela jurisdicional.

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