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Mitos do Direito Econômico: Direito Econômico como solução

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03/10/2019

No post anterior, foi comentado o primeiro mito do Direito Econômico: como perversão (clique aqui!). Continuaremos com mais um mito: o Direito Econômico como solução. Confira mais sobre o tema de acordo com a obra Direito Econômico – Do Direito Nacional ao Direito Supranacional:

O segundo mito – Direito Econômico como solução

Nesse ponto, pode-se analisar outra grande vertente, a das teorias da “socialização do direito pelo Direito Econômico”, que corresponde precisamente ao segundo grande mito do Direito Econômico.

Um grande número de especialistas em Direito Econômico pode ser encaixado nessa concepção, que vislumbrava com incontido entusiasmo a ação estatal destinada a corrigir os rumos do mercado livre. Para eles, o Direito Econômico era sinônimo de intervenção retificadora do Estado no domínio econômico e, ao contrário de sinalizar o colapso do sistema, como o faziam as duas outras grandes ideologias já apontadas, a “nova disciplina” viria justamente permitir que as “injustiças” do capitalismo tivessem um fim.

Significativo dessa postura é o lançamento da Nuova Rivista di Diritto Commerciale, Diritto dell’Economia, Diritto Sociale, em 1947, que tem como primeiro artigo publicado uma espécie de profissão de fé de Lorenzo Mossa. [1] Na Itália do pós-Segunda Guerra Mundial, de sucessivas derrotas bélicas e morais, o jurista relança o Direito Comercial para uma nova e benemérita função.

Com um estilo vibrante e emocionado, Mossa aponta que o direito de guerra deve transmudar-se em direito da paz, e para tanto a nova Revista terá papel fundamental: “A revista se lança decididamente ao estudo do direito da economia, que, após a Segunda Guerra Mundial, na espantosa crise econômica e ética da Europa, forma assim a desbordante realidade social, como a esperança do nosso destino. Este direito, tão sensível ao imperativo da política e à razão suprema da ética, será objeto de pesquisas por estudiosos”, que se deslocarão do direito comercial para o direito da economia, de característica social. [2]

Depois de 25 anos, [3] aponta Mossa, “o direito da economia está, finalmente, no destino da economia para o bem da comunidade nacional”, em uma relação que faz precipitar, à luz do ideal social, todo o direito. “O início é no Direito da Economia”. [4] Tal como Mossa, embora por razões parcialmente diversas, muitos teóricos apontaram um caráter finalístico preconcebido para as normas de Direito Econômico. Robert Savy, Geraldo de Camargo Vidigal, A. F. Cesarino Jr. e Washington Albino Peluso de Souza são exemplos de defensores dessa concepção. [5] Subjazia nessas ideias a pretensão de que algo de absolutamente inovador estava por acontecer, capaz de afetar mentalidades, de mudar os homens e o mundo.

O melhor exemplo dessa postura é o de Robert Savy, que apresenta uma definição finalista de Direito Econômico, tendo-o por “um conjunto de regras tendentes a assegurar um equilíbrio entre os interesses individuais dos agentes econômicos privados ou públicos e o interesse econômico geral, para um dado momento e numa determinada sociedade. É a finalidade da regra que permite a sua qualificação: será de direito econômico, sempre que o seu objetivo for levar os vários agentes econômicos a tomar em consideração as exigências do interesse econômico geral. […] Na sua essência, constituirá o direito de intervenção do Estado na vida econômica”.[6]

Mas há pelo menos dois problemas nesta definição: em primeiro lugar, também o direito do período liberal, em que a presença do Estado era mais discreta, pretendia, declaradamente, fazer valer a satisfação dos interesses gerais. Apenas se pensava que tal podia ser alcançado com níveis de interferência estatal inferiores aos que se praticariam a partir de 1930. Uma tal definição não permite a conclusão do próprio Savy, de que o surgimento do Direito Econômico se encontra no alargamento do papel do Estado sobre a economia.

Em suma, não é o fato de visar ao interesse geral que delimita o território do Direito Econômico.Um segundo problema básico se encontra na pretensão de atribuir ao agente econômico capitalista a função de considerar os interesses gerais. Tal proposição parece absolutamente inverossímil. O agente econômico capitalista não é obrigado a levar em conta outro interesse que não o seu. O engano aqui se prende à concepção errônea de que a mudança do papel do Estado tenha alterado a lógica do capitalismo e de seus agentes.

A dinâmica fundamental do capitalismo permanece dotada da mesma vocação de buscar proveito individual, e, assim, dar, tendencialmente, satisfação a necessidades sociais. O que os autores finalistas não conseguem evitar é a contaminação das teorias com seu inescondível entusiasmo pessoal pelas mudanças prometidas pelo novo papel do Estado. A presença do Estado apenas fez introduzir novas variantes a serem consideradas pelo agente econômico na perseguição de seus interesses individuais. E isso não quer dizer que este passe a buscar a satisfação de interesses outros que não o seu próprio. Max Weber, nesse sentido, afirma que a “ânsia do lucro ilimitado” não é privilégio do capitalismo. Mas, “de qualquer forma, o capitalismo, na organização capitalista permanente e racional, equivale à procura de um lucro sempre renovado, da ‘rentabilidade’”. “Só pode ser assim”, conclui, “uma empresa individual que não se orientasse por esse princípio estaria condenada a desaparecer”. [7]

Geraldo Vidigal sustenta que “o Direito Econômico é a disciplina jurídica de atividades desenvolvidas nos mercados, visando a organizá-los sob a inspiração dominante do interesse social”.[8] Repete-se aqui o erro de atribuírem finalidades ex ante ao ordenamento jurídico. Não se pode afirmar que uma dada norma ou conjunto de normas tenham por função proporcionar um bem-estar. Se proporcionam ou não um bem-estar (e para quem proporcionam), isso depende de aferição ex post, ou seja, após a ocorrência do fato, mediante pesquisa de campo.

Ainda uma vez se vê aqui a influência do idealismo herdado da filosofia clássica.Também não haveria motivos para se sustentar que antes do intervencionismo dos anos 1930 não existia interesse em alcançar-se o bem-estar social. Toda a teoria liberal econômica está calcada na premissa de que o maior bem-estar coletivo advirá da maior liberdade individual de agir e empreender, concordemos com ela ou não. Cesarino Jr. define o Direito Econômico como “o complexo de normas e leis imperativas que regulamenta a agricultura, o comércio e a indústria, tendo em vista harmonizar as suas atividades e subordiná-las ao bem comum, protegendo o economicamente fraco contra o economicamente mais forte”.[9]

Ninguém pode afirmar que o Direito Econômico se presta a proteger o mais fraco do mais forte, conduzir as atividades econômicas à realização do bem comum. Porque não deixará de ser Direito Econômico se as políticas públicas não conduzirem a esses fins.Washington Peluso Albino de Souza apresenta a seguinte definição: “Direito Econômico é o conjunto de normas de conteúdo econômico que, pelo princípio da economicidade, assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos definidos pela ideologia adotada na ordem jurídica e que regulamenta a atividade dos respectivos sujeitos na efetivação da política econômica posta em prática para a concretização daquela ideologia”.[10] E o princípio da economicidade se caracteriza pela adoção da “linha de maior vantagem na busca da justiça”. A aparente desideologização do conceito, ao se referir o autor à “ideologia adotada na ordem jurídica”, se perde com o conceito de “princípio da economicidade”, que impõe uma vinculação com a busca da justiça.

Para desmitificar o Direito Econômico, laicizá-lo, é preciso compreender apenas que intervir ou deixar a economia seguir livre curso são opções de política econômica estatal. São remédios decorrentes de diagnósticos de detentores do poder sobre os problemas econômicos e sociais. Nada mais do que isso. Não são a cristalização do bem-estar social, nem a realização da justiça, nem a socialização do capitalismo. São técnicas de ação estatal, utilizadas de acordo com as avaliações dos governantes, e podem priorizar este ou aquele segmento social, esta ou aquela solução, dentre várias possíveis.

E essa intervenção estatal oscila ao longo da vida do capitalismo, ao sabor das pressões, das necessidades, do jogo político e da capacidade dos agentes econômicos de influenciar decisões. Há fartos exemplos de medidas econômicas estatais cujo efeito foi meramente o de prejudicar interesses da população, como são os casos das práticas de arrocho salarial no Brasil em sucessivos governos, militares ou não.

Sob o pretexto de combater a inflação, os salários eram reajustados sempre em patamares inferiores ao da oscilação geral de preços. Como tais políticas públicas foram totalmente ineficientes, não resolvendo o problema inflacionário, deduz-se que resultaram de um diagnóstico falho das causas da inflação e que não são necessariamente voltadas ao bem-estar da população.

Desamarrado de compromissos pré-arranjados pela doutrina, de ideais artificialmente colados ao Estado, o Direito Econômico pode ser mais bem entendido. A maior intervenção do Estado não é nem a perversão do capitalismo, nem sua socialização ou aperfeiçoamento rumo a uma sociedade de bem-estar. É uma solução conjuntural para problemas sociais detectados por aqueles que têm o poder de decidir em nome do Estado, num ambiente inescondivelmente capitalista. Os resultados disso só podem ser referidos a posteriori.

Quer saber mais sobre os mitos? Então conheça o livro Direito Econômico – Do Direito Nacional ao Direito Supranacional, de Fernando Herren Aguillar!

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Resenha: Direito Econômico - Do Direito Nacional ao Direito Supranacional


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