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Mitos do Direito Econômico: o Direito Econômico como um fenômeno da década de 30

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Mitos do Direito Econômico: o Direito Econômico como um fenômeno da década de 30

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FERNANDO HERREN AGUILLAR

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10/10/2019

Nos posts anteriores, foram explicados os primeiros mitos do Direito Econômico: como perversão (clique aqui!) e como solução (clique aqui!) Por fim, continuaremos com mais um mito: o Direito Econômico como um fenômeno da década de 30. Confira mais sobre o tema de acordo com a obra Direito Econômico – Do Direito Nacional ao Direito Supranacional:

O terceiro mito – Direito Econômico como um fenômeno da década de 30

O terceiro mito, o de que teria havido um período de abstenção estatal na economia, segue o mesmo destino dos dois primeiros. Aqui encontramos a chave para entender a origem da disciplina do Direito Econômico. Sustentarei a seguir que a estruturação do mercado capitalista não é um fenômeno espontâneo das relações econômicas, mas uma construção do Estado, por meio do Direito. E que não é uma novidade introduzida em 1930 a intervenção estatal conformadora dos mercados.

O conteúdo da disciplina do Direito Econômico está intimamente relacionado ao papel desempenhado pelo direito e pelo Estado na concertação política que escolhe as formas de organização econômica da sociedade. Acreditava-se na oposição entre capitalismo e intervencionismo enquanto se concebeu a intervenção econômica estatal como uma exceção ao regime capitalista. Quando se passou a visualizar o intervencionismo como característica própria do capitalismo, essa crença cedeu lugar a novas explicações: não é que tenha havido um período sem intervenção do Estado no domínio econômico. É que essa intervenção era julgada inerente à “natureza das coisas”. A organização do mercado era feita pelo Direito, pelo Estado, protegendo a propriedade e o contrato. Mas nada disso era tido como criação humana.

A proteção mínima à propriedade era tida como fruto do Direito Natural e, portanto, regulada ou não pelo direito positivo (Estado), seria objeto de necessária tutela. John Locke dá o melhor exemplo para a afirmação. Em passagem antológica, Locke justifica a transformação da propriedade: de algo dado por Deus aos homens como um todo para algo que pode e deve ser detido individualmente, pela razão e pela natureza das coisas. [1] Mesmo assim, Locke defende a constituição de uma “sociedade civil”, porque, em “estado de natureza”, o direito de propriedade, ainda que preexistente, seria vulnerável à cobiça humana.

A positivação da proteção à propriedade, na tradição liberal-contratualista a partir de Locke, portanto, significa o resguardo mais firme a esses direitos naturais, preexistentes à lei posta, mas que seriam mais bem protegidos por esta última. Entretanto, a regulação em si era tida por neutra, ambientalmente integrada. O direito positivo que tutela a propriedade nada mais fez que ampliar a proteção a um “direito natural de propriedade” preexistente.

Os comentários que seguem foram feitos por Pimenta Bueno, ao analisar o art. 179 da Constituição do Império, e não poderiam ser mais ilustrativos do que sustentei acima:“O contrato não é uma invenção ou criação da lei, e sim uma expressão da natureza e razão humana, é uma convenção ou mútuo acordo, pela qual duas ou mais pessoas se obrigam para com uma outra, ou mais de uma, a prestar, fazer ou não fazer alguma coisa. É um ato natural e voluntário constituído pela inteligência e arbítrio do homem, é o exercício da faculdade que ele tem de dispor dos diversos meios que possui de desenvolver o seu ser e preencher os fins de sua natureza, de sua existência intelectual, moral e física”. [2] Como salienta João Bosco Leopoldino da Fonseca, ao observar esta mesma análise de Pimenta Bueno, “não era tarefa do Estado conduzir a economia através de leis. Se o fizesse, estaria rompendo o equilíbrio que as forças econômicas da natureza, deixadas ao seu fluxo natural, forçosamente alcançariam”. [3]

De fato, a Constituição não devia comportar regulação econômica, segundo o conceito da época. A própria Constituição do Império no Brasil, em seu art. 178, dispunha que “é só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos e individuais dos cidadãos”. A fundação estrutural da economia capitalista pelo direito, implícita na tutela da propriedade privada e do contrato, não era percebida como uma regulação econômica. Por esse motivo, a intervenção que se verificava então nem era considerada como tal, porque fazia parte da “natureza das coisas”.

A historicidade e a relatividade da propriedade privada eram obscurecidas pelo discurso da transcendência dessa forma específica de organizar a sociedade e a economia. Enxergava-se o que era dado ver, dentro dos padrões de conhecimento adquiridos, e em face do estágio de desenvolvimento histórico da economia capitalista. Nesse primeiro quadro de apreensão das relações entre Estado e economia, não se distinguia o Direito Econômico.

Quando, mais tarde, a presença do Estado passou a ser cada vez mais notada no âmbito econômico, o conjunto de regulações jurídicas que a expressava, agora mais pronunciadamente, passou a ser referido como Direito Econômico. Assim, o Direito Econômico surgiu, aos olhos dos que testemunharam aquelas transformações em seu nascedouro, como sinônimo de transformação das estruturas do modo de produção capitalista, no sentido de afastamento de suas fundações originais. Daí ter sustentado Farjat que a mentalidade liberal do século passado representava a proibição do surgimento de um Direito Econômico. [4]

Nessa forma de visualizar o Direito Econômico, seu surgimento dataria dos anos 30 do século XX, impulsionado pelas crises que decorreram da Primeira Guerra Mundial e da quebra da Bolsa de Nova Iorque. Ocorre, porém, que o retorno hoje visto a ambientes de mercado menos intensamente regulamentados sinaliza que a ação maior ou menor do Estado no modo de produção capitalista não se dá de maneira a perverter suas estruturas originais. Ao contrário, a ação estatal é episodicamente mais ou menos conveniente na preservação do próprio sistema capitalista.

Para tanto é ora conclamada, ora contestada, do que se pode legitimamente concluir que o Direito Econômico não é nem um disciplinamento que apenas surge nos momentos de crise de mercado, nem um fenômeno de perversão da lógica e da dinâmica capitalista. Ele tem função constante no modo de produção, mas essa função é altamente maleável e sensível ao ambiente. Mais ainda, o Direito Econômico tem seu conteúdo definido igualmente pelo perfil da ação concreta praticada pelo Estado e, portanto, pode variar tanto quanto esta última.

Na realidade, o Direito Econômico (enquanto conjunto de normas que veiculam políticas econômicas) só começou a ser percebido com o aumento da intensidade da interferência estatal sobre a economia, mas preexistiu a esse fato. E o conceito limitado de Direito Econômico que foi produzido pelos primeiros analistas do fenômeno interventivo é decorrência necessária das limitações que a história impunha. O fluxo e refluxo do papel do Estado ao longo de dois séculos de capitalismo moderno nos oferecem hoje elementos de análise que não eram tão ampla e plenamente acessíveis ao observador do mesmo sistema há apenas uma década. É preciso, portanto, reler toda a história do Direito Econômico com base nos fatos novos.

A retração por que passa hoje o papel do Estado na economia capitalista não sinaliza, portanto, o fim do Direito Econômico, tanto quanto a hiperatividade estatal não marca seu aparecimento. O aumento da regulação estatal apenas permitiu a “descoberta” de um Direito Econômico preexistente, e a sua diminuição forneceu elementos para melhor entender a dinâmica capitalista, impondo, por conseguinte, uma reavaliação circunstancial do âmbito do Direito Econômico. Em determinado momento, o Direito Econômico não pôde ser visualizado porque coincidiu, em parte, com o âmbito de regulação do Direito Civil e Comercial, o Direito Privado.


[1] Esforçar-me-ei por demonstrar como os homens puderam tornar-se proprietários de partes daquilo que Deus deu à Humanidade em comum, e isso sem qualquer consentimento expresso de todos os comunheiros” (Segundo Tratado sobre o Governo Civil, Capítulo 5, p. 24. Tradução do autor).

[2]  Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Brasília, Senado Federal, 1978, p. 395-396.

[3] Direito Econômico, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 106.

[4] Gérard Farjat, Droit Économique, Paris, PUF, 1982.


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