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O transporte irregular de defensivo agrícola e suas implicações criminais

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O transporte irregular de defensivo agrícola* (agrotóxico)** e suas implicações criminais

AGROTÓXICO

CÓDIGO PENAL

DEFENSIVO AGRÍCOLA

DIREITO PENAL

IMPLICAÇÕES CRIMINAIS

TRANSPORTE DE AGROTÓXICO

TRANSPORTE IRREGULAR

Joaquim Leitão Júnior

Joaquim Leitão Júnior

16/10/2019

Um assunto que gera discussões diz respeito ao transporte irregular de defensivo agrícola (agrotóxico) e suas variáveis na seara criminal. Aliás, a tipificação dessa conduta traz à tona a grande problemática de seu enquadramento.

Outrossim, para fins de análise, é importante definir se o recipiente de defensivo agrícola (agrotóxico) está com o produto ou a substância tóxica. Se não estiver, poderá ter outros desdobramentos criminais.

Sob o ponto de vista conceitual, o anexo I acrescentado pela Portaria MTE 2.546, de 14 de dezembro de 2011, alterada pela Portaria MTb 1.086, de 18 de dezembro de 2018, traz o seguinte conceito de agrotóxico (defensivo agrícola), a saber:

Agrotóxicos e afins: São produtos químicos com propriedades tóxicas e que são utilizados na agricultura para controlar pragas, doenças, ou plantas daninhas que causam danos às plantações. Afins são produtos com características ou funções semelhantes aos agrotóxicos. (Inserida pela Portaria MTb n.º 1.086, de 18 de dezembro de 2018.)

Por sua vez, o art. 3.º da Lei 7.802/1989 dispõe que:

Os agrotóxicos, seus componentes e afins […], só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura.

Já o transporte dessas substâncias está regulamentado pela Norma Regulamentadora 31 do Ministério do Trabalho e Emprego, aprovada pela Portaria Ministerial 86, de 03.03.2005, publicada no Diário Oficial da União de 04.03.2005. Vejamos:

31.8.19 Os agrotóxicos, adjuvantes e produtos afins devem ser transportados em recipientes rotulados, resistentes e hermeticamente fechados.

31.8.19.1 É vedado transportar agrotóxicos, adjuvantes e produtos afins, em um mesmo compartimento que contenha alimentos, rações, forragens, utensílios de uso pessoal e doméstico.

31.8.19.2 Os veículos utilizados para transporte de agrotóxicos, adjuvantes e produtos afins, devem ser higienizados e descontaminados, sempre que forem destinados para outros fins.

Sublinhadas essas questões iniciais, é chegada a hora dos enfrentamentos a respeito do transporte irregular de defensivo agrícola (agrotóxico) e suas variáveis na esfera penal.

O primeiro exame perpassa pela ótica do art. 56 da Lei 9.605/1998.

Análise da conduta sob o prisma do art. 56 da Lei 9.605/1998

O art. 56 da Lei 9.605/1998 traz como relevante penal a conduta de transportar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998
Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1.º Nas mesmas penas incorre quem abandona os produtos ou substâncias referidos no caput, ou os utiliza em desacordo com as normas de segurança.
§ 1.º Nas mesmas penas incorre quem: (Redação dada pela Lei n.º 12.305, de 2010.)
I – abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança; (Incluído pela Lei n.º 12.305, de 2010.)
II – manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento. (Incluído pela Lei n.º 12.305, de 2010.
§ 2.º Se o produto ou a substância for nuclear ou radioativa, a pena é aumentada de um sexto a um terço.
§ 3.º Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Obviamente, há elementos normativos no tipo penal contidos nas expressões “em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos”.

Torna-se indispensável buscar a legislação extrapenal para verificar se precisamente há ou não a incidência da norma em vista dos fatos. Entretanto, há doutrina que faz referência a esse assunto como norma penal em branco[1].

A nosso ver, tecnicamente, é um misto de elemento normativo do tipo e norma penal em branco, pois reúne ambas as situações. Contudo, não paramos por aí, porque a conduta de transportar irregularmente agrotóxico permite outras tipificações variáveis.

Exame da conduta na ótica do art. 15 da Lei 7.802/1989

Nessa banda, o art. 15 da Lei 7.802/1989 também incrimina a conduta de quem transporta resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente. Nessa ocasião, o agente estará sujeito à pena de reclusão.

Por conseguinte, se alguém exportar ou importar agrotóxicos, sem estar autorizado pela legislação de regência para tanto, incidirá na infração penal do crime do art. 56 da Lei 9.605/1998, visto que os núcleos em referência (“importar” e “exportar”) não se encontram previstos no art. 15 da Lei 7.802/1989. Nesse contexto, há uma crítica do Desembargador Federal, Dr. Paulo Afonso Brum Vaz, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que merece reprodução[2].

Avancemos nos exames do art. 15 da Lei 7.802/1989, senão vejamos:

Art. 15. Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.974, de 2000.)[3]

Não podemos olvidar que existe uma discussão tangente ao delito previsto no art. 15 da Lei 7.802/1989 de ter sido ou não revogado pelo advento do art. 56 da Lei 9.605/1998. Em resposta, advogamos a tese de que o dispositivo do art. 15 da Lei 7.802/1989 persiste intacto e em plena vigência concomitante com o art. 56 da Lei 9.605/1998 perante nosso ordenamento pátrio[4].

Comungando dessa posição, os doutrinadores Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, acerca da polêmica, observam que:

[…] muito embora a redação desse tipo penal se assemelhe à do art. 15 da Lei n.º 7.802/89, nele não há qualquer menção expressa a agrotóxicos, seus componentes e afins. Ora, a conclusão a que se chega é de que o art. 15 da Lei n.º 7.802/89 foi preservado. E tanto é verdade que a Lei n.º 9.605/98 não faz qualquer menção, explícita ou implícita, ao outro crime da Lei n.º 7.802/89, ou seja, à conduta prevista no art. 16 para aqueles que deixam de promover medidas necessárias à proteção da saúde ou do meio ambiente. Não será demais lembrar que a Lei n.º 7.802/89 é especial, pois cuida apenas de agrotóxicos, e, por isso, não pode ser considerada revogada pelo art. 56 da Lei n.º 9.605/98, regra geral. A propósito, Assis Toledo lembra que “considera-se especial (lex specialis) a norma que contém todos os elementos da geral (lex generalis) e mais o elemento especializador. Há, pois, na norma especial um plus, isto é, um detalhe a mais que sutilmente a distingue da norma geral”. Continuam, pois, em vigor os dois tipos penais da lei de agrotóxicos (arts. 15 e 16), tratando o dispositivo ora em exame de outros produtos ou substâncias tóxicas diversas[5].

Para essa parcela da doutrina, então, os dois tipos penais da Lei de Agrotóxicos (arts. 15 e 16) continuam a conviver no ordenamento com o art. 56 da Lei 9.605/1998, em que aqueles dois primeiros são tipos especiais, apesar de a jurisprudência também divergir da mesma linha, consoante se verá adiante.

Temos ainda o dever de enfrentar a disposição do art. 16 da Lei 7.802/1989 que, apesar de citado, não incrimina a conduta de quem transporta o agrotóxico. Em verdade, o tipo penal do art. 16 da referida lei criminaliza o empregador, o profissional responsável ou o prestador de serviço que deixar de promover as medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente. Atentemos à disposição do citado dispositivo legal in verbis:

Art. 16. O empregador, profissional responsável ou o prestador de serviço, que deixar de promover as medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente, estará sujeito à pena de reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, além de multa de 100 (cem) a 1.000 (mil) MVR.
Em caso de culpa, será punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, além de multa de 50 (cinquenta) a 500 (quinhentos) MVR.

Sem muito esforço de interpretação, entendemos que o art. 16[6] da Lei 7.802/1989 não incide na análise da temática, razão pela qual nos cumpre avançar em outras variáveis.

Ainda se tem também a discussão do agrotóxico (defensivo agrícola) ao redor do art. 334-A do Código Penal brasileiro.

Reflexão da conduta à luz do art. 334-A, § 1.º, do Código Penal brasileiro

Embora o art. 334-A, § 1.º[7], do Código Penal brasileiro tenha como preceito primário as seguintes condutas, ele expressamente não contempla o verbo transportar na via terrestre (conquanto preconiza o dobro de pena, se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial, no § 3.º do indigitado dispositivo legal):

Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
§ 1.º Incorre na mesma pena quem:
I – pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;
II – importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;
III – reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;
IV – vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;
V – adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.
§ 2.º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.
§ 3.º A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

A primeira provocação nesse ponto é: o fato de o citado dispositivo não contemplar, expressamente, o verbo “transportar” na via terrestre estaria abrangido pelo verbo importar ou exportar ou seria um silêncio eloquente do legislador?

Pensamos que as expressões importar ou exportar mercadoria proibida são por demais abrangentes e poderiam perfeitamente abarcar o verbo transportar mercadoria proibida (agrotóxicos, defensivos agrícolas) na via terrestre, já que esse importar ou exportar permite várias modalidades de materializar essa conduta, inclusive por meio de transporte, por obviedade.

O fato de o citado dispositivo não contemplar, expressamente, o verbo transportar na via terrestre como hipótese de agravamento da pena seria um silêncio eloquente do legislador? A pergunta não é de difícil resposta, pois o legislador entendeu por opção de política criminal fixar pena em dobro, apenas se o crime de contrabando for praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial, no § 3.º do indigitado dispositivo legal, que seriam formas mais difíceis de fiscalizar – não prevendo o transporte terrestre como causa de majoração da pena. Logo, se quisesse, poderia, e, se assim não fez, não pode o intérprete alargar o campo de incidência.

Registra-se de qualquer forma, para incidência de outros possíveis verbos, que o produto ou a substância devem ser proibidos para se cogitar eventualmente essa figura penal.

Em nosso sentir, a conduta de quem insere (introduz) em solo nacional, ou dele exporta, substância agrotóxica (defensivo agrícola), sem que esteja autorizado a assim proceder pela legislação de regência, poderia cogitar a aplicabilidade do tipo penal de contrabando, caso essa conduta não encontrasse vida no art. 56 da Lei 9.605/1998, em que a aplicabilidade se dará, por se tratar de norma especial relativamente àquela do art. 334-A do Código Penal brasileiro, não se perdendo de vista o art. 15 da Lei de Agrotóxico, em que, conforme a moldura fática, poderia ou não atrair sua aplicabilidade, conforme se verá adiante.

Segundo preleciona o penalista Cezar Roberto Bitencourt, reputa-se:

[…] especial uma norma penal, em relação a outra geral, quando reúne todos os elementos desta, acrescidos de mais alguns, denominados especializantes. Isto é, a norma especial acrescenta elemento próprio à descrição típica prevista em norma geral. Assim, como afirma Jescheck, “toda a ação que realiza o tipo do delito especial realiza também necessariamente, ao mesmo tempo, o tipo do geral, enquanto que o inverso não é verdadeiro. A relação especial tem a finalidade, precisamente, de excluir a lei geral, e, por isso, deve precedê-la. O princípio da especialidade evita o bis in idem, determinando a prevalência da norma especial em comparação com a geral, e pode ser estabelecido in abstracto, enquanto os outros princípios exigem o confronto in concreto das leis que definem o mesmo fato[8].

Extrai-se que o critério especializante que faz incidir a hipótese do art. 56 da Lei Ambiental é o fato de que ali se pune importação não de qualquer “mercadoria proibida” (art. 334-A do CP), senão que de produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana e ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos. Nesse ponto, não se pode olvidar da inteligência do art. 15 da Lei de Agrotóxico, conforme a moldura fática, que poderia ou não atrair sua aplicabilidade, consoante se verá mais adiante.

A jurisprudência[9] em enfrentamento ao tema já decidiu de várias maneiras consoante mencionado em linhas pretéritas. Veremos agora ponto a ponto essas variações sobre o assunto. Vejamos:

Penal e processual. Habeas corpus. Contrabando e transporte de agrotóxicos. Organização criminosa. Prisão preventiva. Requisitos. Ordem pública. Perigo de evasão. Ausência. Liberdade provisória. Fiança. Cabimento. 1. Havendo a operação policial desmantelado a estrutura da suposta organização criminosa, além de não restar bem evidenciada a possibilidade de reiteração da conduta, não se afigura presente o requisito da garantia da ordem pública, previsto no art. 312 do CPP. 2. A probabilidade de fuga do Paciente não passa de mera cogitação, insuficiente para a decretação da custódia cautelar. 3. Tendo em conta os delitos em tese praticados, bem como as peculiaridades do caso em tela, a liberação do Paciente deve restar condicionada à prestação de fiança, como medida de cautela e fixação de vínculo entre o acusado e o Juízo, na linha da jurisprudência desta Corte (TRF-4, HC 13193/SC 2007.04.00.013193-9, data de publicação: 13.06.2007).

Na hipótese supra, a jurisprudência admitiu o concurso de crime. Nesse mesmo sentido, é a lição também do delegado da polícia federal, Dr. Márcio Adriano Anselmo:

Temos, portanto, que no caso da prática do crime de contrabando o sujeito passivo pratica também o delito previsto no artigo 15 da Lei de Agrotóxicos em concurso formal. Trata-se de concurso formal heterogêneo, ou seja, ocorre quando o agente, mediante uma só ação, pratica dois crimes previstos em normas penais diversas (um previsto no Código Penal e outro na Lei de Agrotóxicos)[10].

Seguindo ainda a linha doutrinária supra, de maneira mais evidente, o mesmo Tribunal Regional da 4.ª Região entendeu, diante das mesmas condutas de crime de contrabando e do art. 15 da Lei de Agrotóxicos, ter os dois crimes em concurso de crimes (um delito de contrabando e outro delito de transporte de agrotóxico). Analisemos:

Penal e processo penal. Artigo 334 do Código Penal. Contrabando. Artigo 15 da Lei n.º 7.802/89. Produção, comercialização e transporte de agrotóxicos. Prisão preventiva. Liberdade provisória. Fiança. Fixação da garantia financeira. Limites e circunstâncias. CPP, arts. 325 e 326. 1. Os limites do valor da fiança, estabelecidos no art. 325 do CPP, devem ser dosados na forma do art. 326 do CPP e eventualmente alterados em razão de especial condição financeira do réu (art. 325, § 1.º, CPP). 2. A fiança deve ser fixada de modo que não se torne obstáculo indevido à liberdade (afastado expressamente pelo art. 350 do CPP para o preso pobre), nem caracterize montante irrisório, meramente simbólico, que torne inócua sua função de garantia processual. 3. Tratando-se de dois crimes com penas máximas de quatro anos (art. 334 do Código Penal e art. 15 da Lei n.º 7.802/89), aplicável é a alínea c do art. 325 CPP, variando a fiança de 20 a 100 SMR (cada qual equivalia a 40 BTNs), o que hoje importa no valor de R$ 1.396,80 a 6.984,00, podendo pela situação econômica do réu ser reduzido a R$ 465,60 ou aumentada a 69.840,00. 4. Sopesadas as condições legais para a fixação da fiança, as circunstâncias do art. 526 do CPP e, especialmente, considerando as condições financeiras do réu – art. 326 c/c 325, § 1.º, CPP –, fica condicionada a liberdade provisória ao pagamento de fiança arbitrada em R$ 6.000,00 (seis mil reais) (TRF-4, RSE 921/RS 2006.04.00.000921-2, data de publicação: 16.08.2006).

O Tribunal Regional Federal da 3.ª Região faz uma distinção interessante que também é empregada pelo Superior Tribunal de Justiça, dizendo que, se o agente, após importar agrotóxico em desobediência à legislação pertinente, transporta-o no interior do território brasileiro comete o crime do art. 56 da Lei 9.605/1998, norma especial com relação ao delito de contrabando (CP, art. 334-A). O(s) Tribunal(ais) prossegue(m) pontuando que a situação é diversa, se o agente que, sem ter introduzido o agrotóxico em solo nacional, é autuado transportando-o internamente, hipótese em que restará tipificado o crime do art. 15 da Lei 7.802/1990 (posição a que nos filiamos, consoante tópico pretérito). Atenhamos ao julgado:

Penal. Transporte ilegal de agrotóxico de origem estrangeira. Tipicidade. Materialidade e autoria delitivas. Dosimetria. Sentença parcialmente reformada.
1. O art. 3.º da Lei n. 7.802/1989 dispõe que: “Os agrotóxicos, seus componentes e afins […], só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura”.
2. O transporte dessas substâncias está regulamentado pela Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego, aprovada pela Portaria Ministerial n. 86, de 03.03.2005, publicada no Diário Oficial da União de 04.03.2005.
3. Em princípio, o transporte de agrotóxico em infração às normas de regência pode ser tipificado em duas normas penais, tanto no art. 56 da Lei n. 9.605/98 quanto no art. 15 da Lei n. 7.802/1989.
4. Conforme a jurisprudência, o aparente conflito entre as normas penais resolve-se da seguinte forma: o agente que, após importar agrotóxico em desobediência à legislação pertinente, transporta-o no interior do território brasileiro comete o crime do art. 56 da Lei n. 9.605/1998, especial em relação ao delito de contrabando (CP, art. 334). Diversa é a situação do agente que, sem ter introduzido o agrotóxico em solo nacional, é autuado transportando-o internamente, hipótese em que restará tipificado o crime do art. 15 da Lei n. 7.802/1990 (STJ, REsp n. 1378064/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, j. 27.06.2017; REsp n. 1449266/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 06.08.15; TRF da 3.ª Região, ACR n. 2007.60.02.004157-8, Rel. Juiz Fed. Conv. Márcio Mesquita, j. 22.10.2009; TRF da 4.ª Região, ACR n. 2006.71.16.000686-2, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 15.07.2009).
5. O tipo penal do art. 15 da Lei n. 7.802/89 faz referência a agrotóxicos, componentes e afins, sendo “resíduos e embalagens vazias” complemento do objeto material, a saber, “agrotóxicos, seus componentes e afins”.
6. Comprovadas a materialidade e autoria delitivas.
7. Na espécie, a considerável quantidade de agrotóxico ilegalmente transportado pelo acusado (37 kg), bem como seus maus antecedentes representados por condenação transitada em julgado (cfr. fl. 224) diversa daquela que ensejou a exasperação da pena pela reincidência (cfr. fls. 212 e 214), ensejam o aumento da pena-base em 1/6 (um sexto), para 2 (dois) anos e 4 (quatro) de reclusão, e 11 (onze) dias-multa, nos termos do art. 59 do Código Penal.
8. Dada a reincidência do acusado, ficam mantidos o regime inicial semiaberto e o indeferimento da substituição da pena de reclusão por restritivas de direitos. Na espécie, ainda que descontado, nos termos do art. 387 do Código de Processo Penal, o período de 4 (quatro) dias em que o réu permaneceu preso em flagrante delito, mantém-se o regime inicial semiaberto, em razão da reincidência.
9. Desprovida a apelação do acusado.
10. Provida a apelação do Ministério Público Federal” (TRF-3, Apelação Criminal 0009151-90.2012.4.03.6000/MS, 2012.60.00.009151-1/MS, Rel. Des. Federal André Nekatschalo).

Nesse outro caso, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região seguiu outra direção:

Direito penal e processual penal. Recurso em sentido estrito. Importação, transporte e guarda de agrotóxico de procedência estrangeira em desacordo com a legislação nacional. Art. 56 da Lei 9.605/98. Norma especial em relação ao crime de contrabando a que alude o art. 334 do CP. Competência da Justiça Federal. A importação de agrotóxicos de ingresso proibido no Brasil amolda-se à figura típica inscrita no art. 56 da Lei 9.605/98 – considerada norma especial em relação ao crime de contrabando a que alude o art. 334 do CP – competindo à Justiça Federal processar e julgar o feito. Precedentes desta Corte (TRF-4, RSE 2.829/RS 2007.71.03.002829-1, Data de publicação: 04.06.2010).

Notamos que o julgado enfatizou que a conduta típica inscrita no art. 56 da Lei 9.605/1998 seria considerada norma especial em relação ao crime de contrabando a que alude o art. 334-A do CPB.

Art. 180 ou art. 180, § 1.º, ambos do Código Penal brasileiro

Por derradeiro, no campo da tipificação, poderíamos cogitar por algum momento que a situação de quem “adquire”, por preço inferior ao do mercado regular, para uso próprio ou comercialização, o agrotóxico – que é produto de contrabando, introduzido irregularmente no País – estaria abrangido pela conduta tratada no art. 180 ou art. 180, § 1.º, ambos do Código Penal brasileiro.

Cuida-se de mercadoria que se sabe ou deveria saber, pelas condições, ser produto de crime.

Todavia, pelo princípio da especialidade, atrevemo-nos a dizer que o agente, praticando qualquer uma das atividades citadas no art. 15 da Lei 7.802/1989, a inteligência desse artigo incidirá, em vez do art. 180 ou art. 180, § 1.º, ambos do Código Penal brasileiro – sem prejuízo do art. 56 da Lei do Meio Ambiente, em depender da moldura fática.

Devemos partir do pressuposto de que, após adquirir, o agente vai transportar, comercializar ou usar o produto.

Valendo-nos das lições de Paulo Afonso Brum Vaz, devemos ter em mente que, quando não se aperfeiçoar a hipótese de coautoria (art. 29 do CP), o enquadramento tenderá na subsunção no art. 15 da Lei dos Agrotóxicos e, no que tange às condutas não contempladas por esse tipo penal, o enquadramento recairá no art. 56 da Lei dos Crimes Ambientais.

Da competência criminal (discussão da Justiça Estadual versus Justiça Federal)

De mais a mais, a infração penal do art. 15 da Lei de Agrotóxicos, art. 56 da Lei do Meio Ambiente e, em especial, o delito de contrabando (art. 334-A do CPB), de qualquer espécie e seja qual for o seu objeto, são crimes que podem interessar precipuamente ou não à União reprimir, pois sempre será afetada, mediata ou imediatamente, em seus serviços e interesses.

Além do mais, sob o enfoque do contrabando, o Brasil é signatário da Convenção sobre a Repressão do Contrabando, assinada em Buenos Aires, em 1935, fazendo incidir a regra do art. 109, V, da CF, anotando ainda a Súmula 105 do STJ: “A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens”[11], embora devamos ter em mente o ensaio supra, acerca das tipificações.

Concernente à competência dos delitos enumerados nos arts. 15 e 16 da Lei 7.802/1989 (Lei dos Agrotóxicos) e no art. 56 da Lei do Meio Ambiente, há o entendimento contrário ao do contrabando, asseverando que, similar ao que ocorre com crimes contra o meio ambiente, em regra, a competência para processar e julgar os delitos tipificados nos arts. 15 e 16 da Lei 7.802/1989 (Lei dos Agrotóxicos) é da Justiça Estadual[12].

O argumento é de que a regra constitucional de competência em matéria penal (art. 109, IV) somente atrai a Justiça Federal, se o delito afetar bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias, fundações ou empresas públicas. Assim, os crimes decorrentes supra, que afetem a saúde pública, apenas serão da competência federal se ocorrer a situação mencionada. Exemplificando a situação, projetemos a hipotética conduta de utilização criminosa de agrotóxicos, que cause danos à fauna aquática de um rio pertencente à União; será da competência da Justiça Federal o respectivo processo-crime. São bens da União Federal, lembrando, “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais” (art. 20, III, da CF).

Logo, exigir-se-á do intérprete perquirir à luz do caso concreto para avaliar a incidência da competência da Justiça Federal ou não, assim como da atribuição para investigar (Polícia Civil ou Polícia Federal).

Da (in)dispensabilidade de perícia seja em qualquer dos dispositivos a se enquadrar a conduta

O assunto deveras é tormentoso acerca da (in)dispensabilidade de perícia, seja em qualquer dos dispositivos[13] a se enquadrar a conduta do transporte irregular de agrotóxico (defensivo agrícola).

Há corrente que defende a dispensabilidade de perícia, assim como outra que prega pela sua imperiosa necessidade para materializar o crime.

Por fim, como intérpretes e operadores do direito, devemos ter a cautela das variáveis dessa conduta do transporte irregular de agrotóxico (defensivo agrícola) na seara criminal, em que se recomenda, diante da celeuma, a requisição da perícia para evitar prejuízos às investigações.

Das considerações finais

Em arremate, para tipificação dessa conduta de transporte irregular de defensivo agrícola (agrotóxico), será importante definir se o recipiente está com o produto ou substância tóxica para se analisarem suas variáveis na seara criminal. Caso não haja produto ou substância tóxica, poderão ter outros contornos jurídicos.

Ademais, com as ressalvas dos posicionamentos citados, entendemos que, se o agente, após importar agrotóxico em desobediência à legislação em voga, transporta-o para o interior do território brasileiro, realmente faz incidir o crime do art. 56 da Lei 9.605/1998, norma especial em relação ao delito de contrabando (art. 334-A, CPB). A situação é diversa, se o agente, sem ter introduzido o agrotóxico em solo nacional, é autuado transportando-o internamente. Entendemos que nessa hipótese restará tipificado o crime do art. 15 da Lei 7.802/1990[14]. Outrossim, o tipo penal do art. 15 da Lei 7.802/89 faz referência a agrotóxicos, componentes e afins, sendo “resíduos e embalagens vazias” complemento do objeto material, a saber, “agrotóxicos, seus componentes e afins”.

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Referências

ANSELMO, Márcio Adriano. Contrabando e aplicação do art. 15 da Lei n.º 7.802/89. Jus Navegandi. Disponível em: www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp/id=5316. Acesso em: 12 set. 2019.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2002.

GRIGORI, Pedro. Agrotóxico, veneno, defensivo? Entenda a disputa pelo nome desses produtos agrícolas. Agência Pública / Repórter Brasil, 24 jan. 2019. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2019/01/agrotoxico-veneno-defensivo-entenda-a-disputa-pelo-nome-desses-produtos-agricolas/. Acesso em: 5 set. 2019.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 2009.

PASSOS DE FREITAS, Vladimir; PASSOS DE FREITAS, Gilberto. Crimes contra a natureza. São Paulo: RT, 2012.

VAZ, Paulo Afonso Brum. Crimes de agrotóxicos. Artigo publicado em 16.09.2005. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao008/paulo_vaz.htm. Acesso em: 5 set. 2019.

WIKIPEDIA, a enciclopédia livre. Defesa fitossanitária. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Defesa_fitossanit%C3%A1ria. Acesso em: 5 set. 2019.

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* O termo “defensivo”, segundo grandes especialistas da área, é uma impropriedade e consistiria num equívoco, ambíguo, utópico, vago e tendencioso, já que sob o ponto de vista etimológico corresponde como “próprio para a defesa”, mas não indica com precisão a defesa de quem teria por escopo. O defensivo poderia até constituir um “eufemismo” para dar a impressão de não se ter emprego de substâncias tóxicas e nocivas.
Ora, o agricultor, tendo o conhecimento de que o produto é tóxico, certamente redobrará os cuidados devidos ou adotará outra forma de controlar a praga, o patógeno [doença] ou a planta invasora [daninha], lembrando que, no passado, o agricultor já usava a expressão “veneno”.
Ademais, se empregamos a terminologia “defensivo agrícola”, a defesa intuitivamente seria da agricultura, não especificando tratar-se de substância tóxica para o controle de espécies daninhas. De qualquer forma, pelo uso da terminologia “defensivo agrícola”, podemos entender qualquer técnica usada na defesa da agricultura um defensivo agrícola.
Sob esse prisma, o especialista Adilson D. Paschoal [do Departamento de Entomologia e Acarologia da Escola Superior de Agricultura Luiza de Queiroz (Esalq) da USP] sustenta que até métodos orgânicos e de controle de erosão do solo poderiam ser denominados também de “defensivos agrícolas”.
Adilson D. Paschoal assevera, outrossim, que, “quando pensamos em termos da natureza, tais produtos não podem ser encarados como instrumentos de defesa, mas de ataque maciço contra todo tipo de vida. E de destruição e perturbação do equilíbrio da natureza”.
A mesma observação se dá com relação à terminologia “fitossanitário”.
O fitossanitário ou a proteção sanitária vegetal “é o conjunto de medidas adotadas pela agricultura a fim de evitar a propagação de pragas e doenças, especialmente exóticas, em biomas, plantações ou áreas em que estas não existem e onde os organismos não possuem defesas ou mecanismos naturais de controle” (Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Defesa_fitossanit%C3%A1ria. Acesso em: 5 set. 2019).
Logo, para essa corrente, o termo “defensivo agrícola” possui mais viés ideológico do que o termo “agrotóxico”, que tem a pretensão de substituir, sendo a expressão “agrotóxico” mais correta para todas as acepções, mormente etimológica e cientificamente, porquanto a ciência encarregada de estudar os efeitos desses produtos é nominada de toxicologia (Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2019/01/agrotoxico-veneno-defensivo-entenda-a-disputa-pelo-nome-desses-produtos-agricolas/. Acesso em: 5 set. 2019).
**O termo agrotóxico tem origem do grego: ágros (campo) e toxicon (veneno). No exterior, o termo “pesticida” (do latim pestis, a doença, e cida, o que mata) é adotado oficialmente por países de línguas francesa (pesticides) e inglesa (pesticides). Já o termo praguicida (do latim plaga, a praga, e cida, o que mata) é usado nos países espanhóis (plaguicida). Avançando, segundo o especialista Adilson D. Paschoal, os termos não são adequados para a língua portuguesa. Nesse sentido, o termo “pesticida” significa “o que mata a peste”, e “peste” é doença, em que o vocábulo não pode ter um alcance geral, a ponto de abranger pragas, patógenos e outras plantas invasoras. Prossegue o especialista Adilson D. Paschoal afirmando que, ainda para corresponder a doença, a terminologia seria inapropriada, já que não é a “doença que se mata, mas os seus agentes causadores: “os patógenos” (Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2019/01/agrotoxico-veneno-defensivo-entenda-a-disputa-pelo-nome-desses-produtos-agricolas/. Acesso em: 5 set. 2019).

[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 2009. p. 956.

[2] “A circunstância de o tipo penal específico não conter as condutas ‘importar’ e ‘exportar’ pode gerar situações verdadeiramente injustas. Basta ver o benefício do art. 89 da Lei 9.099/1995, conhecido como sursis processual. Consoante se mencionou, ele é perfeitamente aplicável ao delito previsto na Lei Ambiental (art. 56), cuja pena mínima é igual a um ano. Não se aplica, contudo, ao crime previsto no art. 15 da Lei 7.802/1989. Desse modo, um grande contrabandista de agrotóxicos terá, em tese, se acionado criminalmente, direito à suspensão condicional do processo, benefício que não se oferecerá, no entanto, tendo em conta o quantitativo da pena mínima (dois anos), àquele que, não tendo importado, se dedica ao transporte, em território nacional, da mencionada substância. Se é que a conduta de importação não é mais grave que a de transporte, ao menos se deve admitir que ambas têm o mesmo potencial de lesividade, não se justificando, de maneira alguma, o tratamento legislativo diferenciado. Ou se deslocam, para o tipo penal da lei ambiental, as condutas previstas no diploma específico, ou, o que parece mais correto, se altera a Lei 7.802/1989, para nela incluir os núcleos faltantes, especialmente aquelas modalidades de ‘importar’ e ‘exportar’.
Merece alguma referência a situação de quem ‘adquire’, invariavelmente por preço inferior ao do mercado regular, para uso próprio ou comercialização, o agrotóxico que é produto de contrabando, vale dizer, introduzido irregularmente no País. À primeira vista, poder-se-ia pensar que a conduta se enquadra no art. 180 do CP, que cuida do crime de receptação. Afinal, trata-se de mercadoria que se sabe ou deveria saber, pelas condições, ser produto de crime. Aqui, novamente, urge invocar o princípio da especialidade. Parece-nos de meridiana clareza que, praticando o agente qualquer um dos verbos do art. 15 da Lei 7.802/1989, esta será a regra punitiva a incidir. Deduz-se que, depois de adquirir, o agente vai transportar, comercializar ou usar o produto. Dessarte, sempre que não se aperfeiçoe a hipótese de coautoria (art. 29 do CP), o enquadramento deverá buscar a subsunção no art. 15 da Lei dos Agrotóxicos e, no que tange às condutas não contempladas por este tipo penal, no art. 56 da Lei dos Crimes Ambientais” (VAZ, Paulo Afonso Brum. Crimes de agrotóxicos. Artigo publicado em 16.09.2005. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao008/paulo_vaz.htm. Acesso em: 5 set. 2019).

[3] Altera a Lei 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.

[4] Em verdade, existem três correntes doutrinárias acerca dessa discussão especificamente:
1.ª Corrente
Sustenta que todas as condutas contidas no tipo do art. 15 da Lei dos Agrotóxicos foram contempladas pelo tipo previsto no art. 56 da Lei dos Crimes Ambientais. Desse modo, o art. 15 estaria revogado por este último. Aplicar-se-ia, dessarte, a regra do art. 2.º, § 1.º, da LINDB, dispondo que a lei posterior revoga a anterior quando regule inteiramente a matéria por esta tratada. Essa posição é defendida por Paulo Affonso Leme Machado, Paulo de Bessa Antunes, Édis Milaré, Luiz Paulo Sirvinkas entre outros.
2.ª Corrente
Defende que o delito previsto no art. 15 da Lei dos Agrotóxicos, lei especial, não estaria revogado pela Lei dos Crimes Ambientais (lei geral). Filiamo-nos a essa corrente.
– Enquanto na Lei 9.605/1998 a sanção penal é dirigida contra quem pratica conduta lesiva ao meio ambiente, manipulando substância tóxica, no tipo descrito no art. 15 da Lei 7.802/1989, a punição volta-se contra o manuseio de agrotóxicos. Seria desnecessário dizer que o primeiro vocábulo tem um significado mais amplo do que o segundo. Defende essa corrente os autores do quilate de Guilherme de Souza Nucci, Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, Paulo José da Costa Junior.
3.ª Corrente
Para essa corrente, não é possível sustentar pela revogação do art. 15 da Lei 7.802/1989, alterada pela Lei 9.974/2000, que é posterior à Lei 9.605/1998. Assim, o art. 15 da Lei 7.802/1989 permanece em vigência, porém a pena a ser aplicada deve ser a do art. 56 da Lei 9.605/1998, porquanto seria desproporcional punir o uso de “resíduos e embalagens vazias” com pena maior do que a pena prevista para quem efetivamente emprega o próprio conteúdo da embalagem. Estão alinhados nesse entendimento Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fábio M. de Almeida Delmanto e Silvio Luiz Maciel.

[5] PASSOS DE FREITAS, Vladimir; PASSOS DE FREITAS, Gilberto. Crimes contra a natureza. São Paulo: RT, 2012. p. 188-189.

[6] Lembrando que existe a discussão doutrinária de vigência desse dispositivo, diante do advento do art. 68 da Lei 9.605/1998, que deverá ser analisada perante cada caso concreto.

[7] Em que pese o art. 334-A do CPB não contemplar o verbo “transportar” expressamente, parece que intuitivamente quem “importa” ou “exporta” se valeria de algum tipo de transporte por razões óbvias para tanto.

[8] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 130.

[9] No mesmo norte, conferir: Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, Apelação Criminal 0000543-19.2011.4.01.3503, Rel. Des. Federal Olindo Menezes, Publicação 26.09.2018.

[10] ANSELMO, Márcio Adriano. Contrabando e aplicação do art. 15 da Lei n.º 7.802/89. Jus Navegandi. Disponível em: http:www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp/id=5316. Acesso em: 12 set. 2019.

[11]O STJ, por sua 3.ª Seção, em precedente antigo enfrentando o Conflito de Competência 6511/SP, em 14.08.1996 (LexSTJ, vol. 90, p. 248, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini), entendeu que o crime de comercialização de agrotóxico irregular, sendo da competência dos Estados legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno de agrotóxicos, seus componentes e afins, é competência da Justiça Estadual, em detrimento da competência da Justiça Federal.

[12] “Penal e processo penal. Conflito negativo de competência. Justiça Estadual x Justiça Federal. 1. Crime de transporte de agrotóxicos de origem estrangeira. Art. 15 da Lei n. 7.802/1989. Inexistência de processo para investigar suposto contrabando. Ausência de afronta a bens, serviços ou interesse da União. 2. Ausência de elementos que comprovem transnacionalidade da conduta. Procedência estrangeira do agrotóxico. Fato que não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal. 3. Conflito conhecido, para declarar a competência da Justiça Estadual, a suscitante. 1. Cuidando-se de crime de transporte de agrotóxico de origem estrangeira, sem que se tenha instaurado processo por contrabando e sem que se demonstre a transnacionalidade da conduta, não se verifica o preenchimento das hipóteses constitucionais de competência da Justiça Federal. 2. Admitir, de forma peremptória, que todo crime que tenha relação com produtos trazidos de outro país seja da competência da Justiça Federal, independentemente da vulneração imediata, e não meramente reflexa, de bens, serviços e interesses da União, e sem que efetivamente se verifique a transnacionalidade da conduta, desvirtuaria a competência fixada constitucionalmente. 3. Conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da 3.ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu/PR, o suscitante” (CC 125.263/PR, 3.ª Seção, Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme (Desemb. convocado do TJSP), DJe 30.10.2014) Ante o exposto, conheço do conflito de competência, e declaro competente o Juízo de Direito da Segunda Vara da Comarca de São Joaquim da Barra – SP, ora suscitante. P. e I. Brasília (DF), 9 de fevereiro de 2018. Ministro Felix Fischer Relator (STJ, CC 156.159/SP 2017/0335772-0, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 19.02.2018).
No mesmo sentido, quanto à competência estadual para julgar e processar os delitos dos arts. 15 e 16 da Lei 7.802/1989 (Lei dos Agrotóxicos), são os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: STJ, 3.ª Seção, CC 107.001/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 18.11.2009; CC 149.750/MS, 3.ª Seção, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 26.04.2017, DJe 03.05.2017; e STJ, CC 155.950/AL 2017/0324621-1, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJ 13.03.2018.

[13] Arts. 15 e 16 da Lei 7.802/1989 (Lei dos Agrotóxicos); art. 56 da Lei do Meio Ambiente; art. 334-A do CPB.

[14] Penal. Recurso especial. Art. 15 da Lei 7.802/89 e art. 56 da Lei 9.605/98. Princípio da consunção. Aplicação no caso concreto. Revaloração do conjunto fático-probatório. Fatos explicitamente admitidos e delineados no v. Acórdão proferido pelo eg. Tribunal a quo. Conflito aparente de normas. Critério da especialidade. Possibilidade. Recurso parcialmente provido […].
II – A Lei n. 7.802/89 é especial em relação à Lei 9.605/98 no que tange ao transporte de agrotóxico. Entretanto, aquela não veicula o verbo importar como um dos núcleos do tipo previsto no art. 15, diferentemente do que ocorre com a Lei dos Crimes Ambientais, em seu art. 56. Este dispositivo é mais amplo, contendo doze núcleos, dentre eles o de importar e o de transportar substâncias tóxicas.
III – Na hipótese vertente, tendo o mesmo agente se valido, em um mesmo contexto fático, do transporte de agrotóxicos, após ingressar em território nacional destituído da autorização e documentação devidas para tanto, pratica tão somente a infração prevista no art. 15 da Lei 7.802/89 (norma mais grave e especial em relação à Lei de Crimes Ambientais) porquanto o núcleo importar, in casu, estava inteiramente subordinado à consecução do transporte de agrotóxico […] (STJ, REsp 1378064/PR, Rel. Min. Felix Fischer, j. 27.06.2017).
Recurso especial. Direito penal. Importação de substância tóxica (artigo 56 da Lei n.º 9.605/98) e transporte de agrotóxico (artigo 15 da Lei n.º 7.802/89). Adequação típica.
1. Inexistindo elementos no sentido de que o denunciado, tendo recebido na rodoviária de Foz de Iguaçu mala com produto que sabia ter procedência estrangeira para transporte dentro do território nacional, tenha ajustado ou aderido à importação antes da sua consumação, não se pode falar em participação na importação de substância tóxica (artigo 56 da Lei n.º 9.605/98), mas em delito autônomo de transporte de agrotóxico (artigo 15 da Lei n.º 7.802/89) […] (STJ, REsp 1449266/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 06.08.2015).
Penal. Apelação criminal. Transporte de agrotóxico de origem estrangeira, sem documentação de regular internação e sem registro no Ministério da Agricultura. Conflito aparente entre o artigo 334 do Código Penal e artigo 15 da Lei 7.802/1989. Aplicação do princípio da especialidade. Materialidade comprovada. Autoria comprovada com relação a um dos corréus. Dosimetria da pena: processos em andamento. Maus antecedentes. Aferição no caso concreto […].
2. Os réus são acusados de importar e transportar agrotóxico de procedência estrangeira sem prova de importação regular, bem como sem a competente autorização do Ministério da Agricultura. O conflito aparente entre as normas do artigo 334, caput, do Código Penal e artigo 15 da Lei n.º 7.802/89 resolve-se pela aplicação do princípio da especialidade e da consunção.


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