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Arbitrabilidade objetiva e Direito Aplicável na utilização da arbitragem pela Administração Pública no Brasil e em Portugal

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MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM

Arbitrabilidade objetiva e Direito Aplicável na utilização da arbitragem pela Administração Pública no Brasil e em Portugal

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ARBITRABILIDADE OBJETIVA

ARBITRAGEM

BRASIL

DIREITO APLICÁVEL

LEI DE ARBITRAGEM BRASILEIRA

LEI PORTUGUESA DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA

PORTUGAL

Rafael Carvalho Rezende Oliveira

Rafael Carvalho Rezende Oliveira

22/10/2019

Daniel Brantes Ferreira, Ph.D.
Rafael Carvalho Rezende Oliveira, Ph.D

A Lei de arbitragem brasileira (Lei 9.307/1996) dispõe, em seu art. 1º, § 1º, que a administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Em suma, são patrimoniais direitos de valor econômico e são disponíveis direitos que podem ser objeto de alienação, renúncia ou transação.

A lei portuguesa da Arbitragem Voluntária (LAV – Lei 63/2011), em seu art. 1.º, nº 5, enuncia que [o] Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objecto litígios de direito privado.

Em suma, entende-se pela análise comparada dos dispositivos sob comento que no Brasil a arbitragem somente poderá ser utilizada pela Administração Pública quando se tratar, nos termos da Lei de Arbitragem brasileira, de direitos patrimoniais disponíveis. Já em Portugal, nos termos do mencionado dispositivo da LAV, se houver autorização legal tal restrição para a utilização da arbitragem poderá ser superada. A regra geral ditada pela LAV é a aplicação da arbitragem apenas para solução de conflitos que envolvem direitos patrimoniais disponíveis. A mitigação desse imperativo, no entanto, pode ocorrer através de lei em casos que envolvem a administração pública.

No Brasil, a arbitragem em contratos privados da Administração Pública (ex.: contratos celebrados por empresas estatais, contratos de locação em que a Administração é locatária) sempre contou, mesmo antes da Reforma da Lei de Arbitragem e do Decreto mencionados, com maior aceitação da doutrina e da jurisprudência, especialmente em razão da preponderância da aplicação do regime jurídico de direito privado e pela ausência, em regra, das cláusulas exorbitantes, na forma do art. 62, § 3.º, I, da Lei 8.666/1993.

No campo dos contratos administrativos, submetidos preponderantemente ao direito público, a arbitragem já contava com previsão em diplomas legais específicos (ex.: art. 5º, parágrafo único, da Lei 5.662/1971, art. 5º art. 23-A da Lei 8.987/1995, art. 93, XV, da Lei nº 9.472/1997, art. 43, X, da Lei nº 9.478/1997, art. 35, XVI, da Lei nº 10.233/2001, art. 11, III, da Lei 11.079/2004).

A ausência de lei, com a previsão de utilização ampla da arbitragem em todos os contratos administrativos, não era fator impeditivo para sua efetivação, uma vez que o art. 54 da Lei 8.666/1993 determina a aplicação supletiva dos princípios da teoria geral dos contratos e das disposições de direito privado aos contratos administrativos.

É inerente ao contrato administrativo a possibilidade de sua extinção antes do advento do termo final, por razões de interesse público, por inadimplemento das partes ou por outras razões previstas em lei, sendo razoável admitir que o poder público, apoiado no princípio da eficiência administrativa e no princípio da boa administração, estabeleça cláusula arbitral para solução eficiente (técnica e célere) das controvérsias contratuais.

Registre-se, também, que o art. 55, § 2º da Lei 8.666/1993, ao exigir a estipulação de cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, não impede a pactuação da arbitragem[1]. Em verdade, a referida norma não exige que todas as controvérsias sejam dirimidas pelo Judiciário, mas apenas prevê a cláusula de eleição de foro, mesmo porque a arbitragem não afasta, de forma absoluta, a via jurisdicional (ex.: arts. 6º, parágrafo único; 11, parágrafo único; 13, § 2º; 20, §§ 1º e 2º; 22-A, 22-C, 33). Em suma: a cláusula de eleição de foro não é incompatível com a cláusula arbitral[2].

Em suma, a alteração da lei de arbitragem pela lei 13.129/2015 que permitiu, de forma categórica, a arbitragem na Administração Pública, conferiu segurança jurídica à questão.

A dúvida, no entanto, reside na definição da expressão direitos patrimoniais disponíveis. Em nossa opinião, trata-se de assunto inerente às contratações administrativas, uma vez que o contrato é o instrumento que encerra a disposição, pela Administração, da melhor forma de atender o interesse público.[3]

Portugal vive, nesse momento, em matéria legislativa, o que o Brasil vivenciou com a alteração da Lei de Arbitragem em 2015 e com a promulgação dos diplomas normativos nos diversos níveis federativos. Ou seja, a Lei de Arbitragem Voluntária (LAV) permite a arbitragem no âmbito da Administração Pública, no entanto, não se preocupa com as especificidades da área e trata do tema apenas de forma geral. O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), em seu artigo 180º, nº 1 e em suas alíneas, dispõe:

“Artigo 180.º

Tribunal arbitral

1 – Sem prejuízo do disposto em lei especial, pode ser constituído tribunal arbitral para o julgamento de:

  1. a) Questões respeitantes a contratos, incluindo a anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos relativos à respetiva execução;
  2. b) Questões respeitantes a responsabilidade civil extracontratual, incluindo a efetivação do direito de regresso, ou indemnizações devidas nos termos da lei, no âmbito das relações jurídicas administrativas;
  3. c) Questões respeitantes à validade de atos administrativos, salvo determinação legal em contrário;
  4. d) Questões respeitantes a relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional.”

O art. 1, nº 5 da Lei nº 63 de 2011 (LAV) permite expressamente a celebração de convenção arbitral pelo Estado e outras pessoas colectivas de direito público se autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objeto litígios de direito privado dispositivo legal com conteúdo muito similar (com exceção do fato da lei poder autorizar a arbitragem em matérias que superam os direitos patrimoniais disponíveis somente em relação a administração pública) ao do art. 1º, § 1º da Lei de Arbitragem brasileira inserido através da reforma da lei de arbitragem ocorrida em 2015 . No entanto, o CPTA insere questões no âmbito da arbitrabilidade objetiva da Administração Pública portuguesa que não são possíveis, a priori, no Brasil, tais como: (i) a arbitragem para julgar a validade de atos administrativos e (ii) questões de relações jurídicas de emprego público. No Brasil, com a reforma da legislação trabalhista por meio da Lei nº 13.467/2017 (“Reforma Trabalhista”), o ordenamento jurídico passou a contemplar a arbitrabilidade de conflitos trabalhistas individuais privados, nos termos do art. 507-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Já o controle do ato administrativo só é realizado pela própria Administração Pública, pelo Poder Legislativo ou pela via judicial.[4]

A proposta de Lei da Arbitragem Administrativa Voluntária elaborada pelo Grupo de Trabalho constituído pelo Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, coordenada pelo Professor Tiago Serrão, vem para preencher lacuna sobre a arbitrabilidade na Administração Pública portuguesa, uma vez que seu artigo 1º, nº 1 (que trata da Arbitrabilidade especificamente) traz clareza ao tema, vejamos:

“1- Pode ser constituído tribunal arbitral para julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas que tenham por objeto:

  1. Questões respeitantes à validade de atos administrativos e normas, nos casos expressamente previstos em lei;
  2. Questões respeitantes a contratos, incluindo a validade de atos administrativos relativos à respetiva execução;
  3. Questões respeitantes a responsabilidade civil extracontratual por ato da função administrativa, incluindo a efetivação do direito de regresso e o arbitramento de indemnizações ou compensações devidas nos termos da lei;
  4. Questões respeitantes à validade de atos administrativos e normas relativos à formação de contratos;
  5. Questões respeitantes à formação e ao regime substantivo de vínculos emergentes de relações jurídicas de emprego público, exceto quando resultem de acidente de trabalho, doença profissional ou envolvam outros interesses de natureza pessoal;
  6. Questões respeitantes a relações jurídicas relacionadas com formas públicas ou privadas de proteção social”.

Pelo enunciado nº 2 do mesmo artigo, a proposta esclarece que os árbitros não podem pronunciar-se sobre a conveniência ou oportunidade das atuações administrativas, o que inviabilizaria o exame do mérito da ação administrativa pelo árbitro, cuja atuação ficaria adstrita à verificação da legalidade e da constitucionalidade dos atos submetidos ao seu controle, na linha da previsão contida no artigo 180º, nº 1 alíneas “a” e “c’ do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”).

De acordo com o artigo 39º nº 1 da Lei 63/2011 (Lei de Arbitragem Voluntária), o árbitro poderá julgar por equidade, se convencionado pelas partes, inclusive nas arbitragens que envolvam o Estado. Tal hipótese é vedada pela Lei de Arbitragem brasileira que enuncia, em seu art. 2º § 3º: a arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.[5]

A proposta de Lei da Arbitragem Administrativa Voluntária elaborada pelo Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados segue a tendência de vedação da aplicação da equidade para a arbitragem na Administração Pública ao enunciar em seu art. 11º que os árbitros decidem de acordo com o direito constituído português. A proposta parece salutar, especialmente quando tratamos, em regra, de direitos patrimoniais disponíveis de interesse público.

Em suma, o objeto da arbitragem na Administração Pública na legislação portuguesa é mais amplo do que na legislação brasileira. No Brasil, na atualidade, a arbitragem relacionada à Administração Pública não pode ser por equidade, não envolve também, normalmente, a revisão de atos administrativos e não pode ser utilizada para questões relativas aos servidores públicos.

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[1] A exigência contida art. 55, § 2º da Lei 8.666/1993 é afastada nos seguintes casos: a) licitações internacionais para a aquisição de bens e serviços cujo pagamento seja feito com o produto de financiamento concedido por organismo financeiro internacional de que o Brasil faça parte, ou por agência estrangeira de cooperação; b) contratação com empresa estrangeira, para a compra de equipamentos fabricados e entregues no exterior, desde que para este caso tenha havido prévia autorização do chefe do Poder Executivo; e c) aquisição de bens e serviços realizada por unidades administrativas com sede no exterior (art. 32, § 6.º c/c o art. 55, § 2.º, ambos da Lei 8.666/1993).

[2] SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. O cabimento da arbitragem nos contratos administrativos. In: RDA n. 248, mai./ago., 2008, p. 123; CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei 9.307/96. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 48-49; SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos, Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 245.

[3] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Arbitragem nos contratos da Administração Pública. Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution – RBADR, vol. 1, nº 1, jan./jun. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 99-121. Nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal, o art. 31, § 4º da Lei 13.448/2017, que dispõe sobre a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria, considera como integrantes do conceito de “direitos patrimoniais disponíveis” as seguintes questões: a) as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; b) o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de concessão; e c) o inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes. No Estado do Rio de Janeiro, por sua vez, o art. 1º, parágrafo único, do Decreto 46.245/2018 insere nos conflitos relacionados a direitos patrimoniais disponíveis as controvérsias que possuam natureza pecuniária e que não versem sobre interesses públicos primários.

[4] Sobre o controle dos atos da Administração Pública, vide: OLIVERA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 7. ed., São Paulo: Método, 2019, p. 833-934.

[5] De forma semelhante, o Decreto federal 10.025/2019 dispõe: “Art. 3º A arbitragem de que trata este Decreto observará as seguintes condições: I – será admitida exclusivamente a arbitragem de direito; (…) § 2º Fica vedada a arbitragem por equidade.


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