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Déficits de colegialidade no STF

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29/10/2019

Além da patente ilegalidade e da evidente inconstitucionalidade, a prática das decisões cautelares monocráticas no controle abstrato de constitucionalidade configura uma completa transgressão de um dos componentes fundamentais da deliberação de uma Corte Constitucional: a colegialidade.

Déficits de colegialidade no STF

A colegialidade representa uma das principais diretrizes para a prática deliberativa de órgãos judiciais colegiados. Como afirmei em estudo aprofundado sobre o tema [1], o termo colegialidade possui uma ambiguidade intrínseca, que o torna plurissignificativo com relação ao fenômeno da deliberação no seio de um órgão colegiado. Desse modo, ele pode fazer alusão a distintos matizes e nuances de uma mesma prática deliberativa – as posturas argumentativas de cada membro em face do colegiado e suas respectivas interações; as posições institucionais e os comportamentos sociais e psicológicos individuais e do grupo; os atos e as formas de atuação deliberativa e de tomada de decisão coletiva; etc. – dependendo da perspectiva de análise que se queira adotar.

O aspecto mais saliente das práticas deliberativas de tribunais constitucionais diz respeito à noção que os magistrados cultivam em torno da colegialidade como uma exigência de imparcialidade e de impessoalidade do órgão judicial, independentemente das figuras individuais de seus membros. Levando esse aspecto em conta, a colegialidade deve fazer do tribunal constitucional, no plano interno, um corpo decisório unitário que impede o desenvolvimento do individualismo e, com isso, contribui com a despersonalização dos magistrados e a impessoalidade do órgão judicial.

Nesse sentido, como se pode perceber, a unidade institucional [2] e a colegialidade correspondem, respectivamente, aos aspectos externo e interno da ideia de coesão do órgão judicial. Quanto mais conscientes estiverem os membros do colegiado de que constituem apenas uma parte do todo, e quanto maior for a convicção de todos em torno da totalidade de seu conjunto, maior será o grau de colegialidade desse órgão.

Apesar de depender em grande parte das posturas deliberativas individuais (que podem estar vinculadas ao caráter, à personalidade e às virtudes de cada indivíduo), seria possível trabalhar com regras, procedimentos e práticas que favoreçam a colegialidade. Exemplo claro está nas normas e procedimentos que asseguram a isonomia das posições institucionais de cada membro do órgão colegiado – ainda que isso não impeça estabelecer certas prerrogativas próprias da figura distinta de seu presidente –, como a que atribui valor igual de voto a todos – excetuado o voto de qualidade do presidente na hipótese de empate na votação.

Nesse contexto, é crucial o grau de abertura que cada sistema atribui à atuação monocrática dos magistrados. Quanto maiores as possibilidades previstas pelo ordenamento de solução de casos por meio de decisões monocráticas, menor o papel do órgão colegiado e, portanto, menor o grau de colegialidade do tribunal constitucional em questão. No direito comparado, é possível observar que outras Cortes Constitucionais não abrem espaço para a atuação monocrática de seus magistrados.

É o caso, por exemplo, do Tribunal Constitucional da Espanha, que mantém uma colegialidade muito forte no seio de seu órgão pleno pelo fato de que naquele tribunal não há nenhuma abertura processual e procedimental para a atuação jurisdicional individual por meio de decisões monocráticas.

A colegialidade é um princípio que deve ser cultivado e preservado na prática deliberativa. Além da previsão e do respeito a certas normas e procedimentos de deliberação, ela exige o empenho e a participação efetiva de todos os integrantes nos momentos deliberativos do tribunal [3]. Pressupõe, igualmente, a consideração por parte de cada membro de que as decisões são tomadas por todo o colegiado, e não por suas frações ou unidades [4]. A colegialidade, dessa forma, é contrária às posturas individualistas de magistrados e, portanto, pressupõe normas e procedimentos que inibam comportamentos que visem fazer sobressair sua figura ou seus atos individuais em relação ao grupo.

O Supremo Tribunal Federal possui atualmente um sistema de normas, procedimentos e práticas de deliberação que pouco favorecem essa noção de colegialidade. Cultiva-se abertamente no tribunal uma cultura de individualismo e de atuação monocrática por parte de cada magistrado. Essa característica está presente em diversos aspectos da conformação institucional do tribunal e de sua prática deliberativa, tais como:

  • a ausência de deliberações prévias que impliquem contatos e trocas internas entre os magistrados;
  • a estrutura organizativa e administrativa muito autônoma e independente dos gabinetes dos juízes, que não favorece a prática da intercomunicação;
  • a previsão de amplos poderes concedidos aos magistrados para solucionar definitivamente os processos e recursos por meio de decisões monocráticas;
  • a sistemática de votos individuais em série nas sessões deliberativas, os quais posteriormente são todos individualmente publicados em sua íntegra e também em formato seriatim nos acórdãos;
  • a manutenção, por parte de cada magistrado, de contatos diretos com os meios de comunicação, conformando um tribunal institucionalmente fragmentado em suas relações político-institucionais com a imprensa etc.

A diretriz de colegialidade, com todas as características aqui ressaltadas, deve servir como norte para reformas institucionais em todos esses aspectos da prática deliberativa do STF.


[1] VALE, André Rufino do. Argumentação constitucional: um estudo sobre a deli-beração nos Tribunais Constitucionais. São Paulo: Almedina, 2019.

[2] Aqui se trata, especialmente, da unidade institucional do tribunal constitucional com relação ao seu exterior, que exige que o órgão colegiado que o representa se dirija ao público externo com uma única e unívoca voz institucional. As delibe-rações colegiadas devem sempre se desenvolver tendo como norte a produção dessa manifestação institucional una e inequívoca do tribunal.

[3] Importante mencionar aqui que, na realidade italiana, Giuseppe Branca, então presidente da Corte Costituzionale (em 1970), fez um estudo descritivo e sintético de todo o processo decisório na Corte italiana para concluir que a colegialidade está presente quando existe a participação ativa e efetiva de todos os magistrados (partecipazione attiva, efetiva di tutti i giudici) em todos os momentos deliberati-vos no interior do tribunal. Ao final, também atribui à colegialidade um signifi-cado muito semelhante ao esboçado neste tópico, no sentido de que ela constitui uma exigência de que as diversas posições individuais componham uma linha comum que seja ou aparente ser objetiva: “La collegialità, soltanto la collegialità effettiva, del resto, consente alle diverse posizioni individuali di comporsi in uma linea comune che finisce per essere o apparire obiettiva” (BRANCA, Giuseppe. Collegialità nei giudizi della Corte Costituzionale. Padova: Cedam, 1970).

[4] Essa noção de totalidade do grupo também corresponde à ideia de colegialidade esboçada por Harry T. Edwards com base em sua experiência de juiz de circuito nos Estados Unidos (United States Court of Appeals for the D.C. Circuit), em que ele deixa enfatizado que “the fundamental principle of collegiality is the recognition that judging on the appellate bench is a group process” (EDWARDS, Harry T. The effects of collegiality on judicial decision making. University of Pennsylvania Law Review, v. 151, n. 5, p. 1656, May 2003).


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