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O erro médico e a responsabilidade civil – parte 3

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O erro médico e a responsabilidade civil – parte 3

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Humberto Theodoro Júnior

Humberto Theodoro Júnior

22/01/2020

Veja, a seguir, a terceira parte do artigo ‘O erro médico e a responsabilidade civil’, de Humberto Theodoro Júnior. Entenda mais sobre culpa médica, consentimento informado, entre outros tópicos:

A culpa médica e o “consentimento não informado” do paciente

Como já demonstrado, a responsabilidade civil do médico é subjetiva, subordinada, portanto, à comprovação de sua negligência, imperícia ou imprudência na prestação do serviço. Entretanto, a culpa do profissional pode resultar não de erro ocorrido na realização do mister, mas por não prestar informações adequadas a respeito do procedimento a ser adotado e de suas consequências. Esse dever de informação é denominado pela doutrina de consentimento informado.

O consentimento informado é “instrumento de um processo de comunicação recíproca entre médico e paciente, contendo informações sobre riscos e benefícios que médicos devem prover aos pacientes, para que estes possam decidir autonomamente se querem ou não se submeter a determinado tratamento”.[1]

Essa obrigação de bem informar o paciente a respeito dos riscos do tratamento ou do procedimento a que irá se submeter decorre dos arts. 13 e 14, do Código Civil, que tratam do direito de disposição sobre o próprio corpo. Encontra, também, preciso fundamento no regime tutelar do Código de Defesa do Consumidor que inclui entre seus direitos básicos o que lhe assegura a informação adequada e clara sobre os produtos e serviços contratados, “bem como sobre os riscos que apresentam” (CDC, art. 6º, III).

Não basta, entretanto, que o médico apresente um termo para que o paciente assine antes do procedimento. A informação a ser prestada pelo profissional “deve ser de tal ordem que realize a autonomia do paciente”, configurando-se, em verdade, em um processo que “resulta da relação de confiança estabelecida entre o médico e o paciente”.[2]

Consentimento informado, segundo a doutrina

Informa KFOURI que a “moderna dogmática da responsabilidade médica vê no consentimento um instrumento que permite, para além dos interesses e objetivos médico-terapêuticos, incrementar o respeito pela pessoa doente, na sua dimensão holística”. É, ao paciente, no exercício do seu direito de liberdade, que caberá – entre os tratamentos que lhe forem apresentados –, escolher o que melhor lhe convier, ou mesmo não optar por nenhum deles[3].

A informação, na espécie, não é um requisito meramente formal: “o médico deve ao paciente uma informação leal, completa e acessível, tanto sobre o ato cirúrgico em si e cuidados pós-operatórios como também aos riscos inerentes à cirurgia e ao tratamento, aí incluídos os riscos que apresentem caráter excepcional. As informações repassadas envolvem diagnóstico, prognóstico, bem como benefícios, riscos e alternativas de tratamento[4] (g.n.).

Qual a consequência da falta de informação ou da informação imprecisa ou lacunosa?

Para a doutrina especializada, o consentimento deficientemente prestado – ou a falta de comprovação do assentimento – “acarreta a presunção de que o ato médico se realizou sem a aquiescência do enfermo. Se daí advier dano, poderá responder civilmente o médico”.

Repita-se: “os médicos devem aos pacientes uma informação objetiva, veraz, completa e acessível[5]. (g.n.). É, portanto, fora de qualquer dúvida que “o médico incorre em responsabilidade, no caso de o tratamento vir a ser ministrado sem o consentimento livre e esclarecido”. Na realidade, “pode-se afirmar que o consentimento é um pré-requisito essencial de todo tratamento ou intervenção médica”[6].

É muito importante que resulte destacado que, na ordem das ideias expostas, não é suficiente que o médico informe ao paciente as características e os riscos do tratamento proposto. É importante que as informações sejam completas, estendendo-se aos outros tratamentos também acessíveis, pois só conhecendo todas as opções é que o paciente poderá exercer a opção de escolher e deliberar livremente sobre a que melhor corresponder à sua autonomia deliberativa sobre o corpo, a vida e a saúde[7]. Se tais cautelas, não se cumpriram por inteiro, “o médico passa a responder pelos riscos para os quais não foi dada autorização”[8].

O consentimento informado, no enfoque jurisprudencial

O STJ tem sido enérgico na cobrança da adequada informação devida pelo médico ao paciente:

“(…)5. Haverá  efetivo  cumprimento  do  dever  de informação quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso do paciente, não  se  mostrando suficiente a informação genérica. Da mesma forma, para  validar  a  informação  prestada,  não pode o consentimento do paciente ser genérico (blanket consent), necessitando ser claramente individualizado.6.  O  dever  de  informar  é  dever de conduta decorrente da boa-fé objetiva  e  sua  simples  inobservância  caracteriza inadimplemento contratual,  fonte  de responsabilidade civil per se. A indenização, nesses  casos,  é  devida pela privação sofrida pelo paciente em sua autodeterminação,  por  lhe  ter  sido  retirada  a  oportunidade de ponderar  os  riscos  e vantagens de determinado tratamento, que, ao final,  lhe  causou  danos, que poderiam não ter sido causados, caso não fosse realizado o procedimento, por opção do paciente”[9].

Por isso, a jurisprudência do STJ já se firmou no sentido de responsabilizar o médico em razão da insuficiência do dever de informar:

  1. Responsabilidade Civil. Médico. Consentimento informado. A despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar – nos casos mais graves – negligência no exercício profissional. As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que aumenta o risco, ou o dano”.[10]
  2. Responsabilidade Civil. Hospital. Santa Casa. Consentimento informado. A Santa Casa, apesar de ser instituição sem fins lucrativos, responde solidariamente pelo erro do seu médico, que deixa de cumprir com a obrigação de obter consentimento informado a respeito de cirurgia de risco, da qual resultou a perda da visão da paciente”[11] (a responsabilidade do hospital por falha do cirurgião, todavia, pressupõe vínculo deste ao seu quadro permanente de servidores)[12].

Importante também ressaltar julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que, a despeito de reconhecer não ter havido culpa do profissional na realização de procedimento cirúrgico, deferiu indenização ao paciente, em razão da insuficiência das informações prestadas pelo médico a respeito das consequências da cirurgia:

“Descontentamento com o resultado que decorreu, sobretudo, da ausência de informação prévia, por parte do cirurgião, acerca dos riscos, procedimentos e consequências da operação. Violação do dever de informação e da boa-fé objetiva (art. 6º, III, do CDC e art. 59 do Código de Ética Médica). Quebra de confiança da relação contratual”.[13]

No mesmo sentido, a orientação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“– A obrigação de reparar por erro médico exige a comprovação de que o profissional tenha agido com imperícia, negligência ou imprudência, além da demonstração do nexo de causalidade entre a conduta médica e as consequências lesivas à saúde do paciente, sem o que não se pode atribuir-lhe responsabilidade civil.

– Antes da realização de procedimentos cirúrgicos, incumbe ao médico informar expressamente ao paciente, de forma clara e precisa, sobre os detalhes do procedimento, os riscos e implicações, obrigação inerente ao exercício da própria atividade, conforme previsto no Código de Ética Médica.

– O descumprimento deste dever de informação, se não constitui erro médico propriamente dito, se configura como falha de dever profissional e impõe a obrigação de indenização do paciente por danos extrapatrimoniais.

– Comprovada a falha no cumprimento do dever de informação pelo médico, deve ser reconhecida a responsabilidade solidária da operadora de plano de saúde, por imperativo da regra insculpida no art. 14, caput e § 4º do CDC na qualidade de fornecedora de serviços médicos, considerando que o profissional que realizou o procedimento cirúrgico é a ela credenciado”.[14]

Quanto ao ônus da prova do cumprimento do dever de informar e obter o consentimento informado do paciente, o posicionamento do STJ é no sentido de que toca ao médico ou ao hospital, “orientado pelo princípio da colaboração processual, em que cada parte deve contribuir com os elementos probatórios que mais facilmente lhe possam ser exigidos”. Ademais, “a responsabilidade subjetiva do médico (CDC, art. 14, § 4º) não exclui a possibilidade de inversão do ônus da prova, se presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, devendo o profissional demonstrar ter agido com respeito às orientações técnicas aplicáveis”[15].

Cumpre, por fim, ressaltar, que o dever de prestar informações é específico do médico, não se podendo responsabilizar o hospital pela falha do profissional, a não ser que se trate de profissional integrante do seu quadro técnico permanente:

“Não observa boa lógica a responsabilização do hospital por ausência de informações adequadas ao paciente, quanto aos riscos da cirurgia, pois, normalmente, essas informações são prestadas pelo médico cirurgião, sem interferência do hospital. Não cabe ao hospital, normalmente, intrometer-se na relação de confiança existente entre médico e paciente.[16]

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[1] GOLDIM JR. Apud BORGES, Gustavo; MOTTIN, Roberta Weirich. Responsabilidade civil por ausência de consentimento informado no atendimento médico: panorama jurisprudencial do STJ. Revista de Direito Privado, n. 64, 2015, p. 129.

[2] BORGES, Gustavo; MOTTIN, Roberta Weirich. Responsabilidade civil por ausência de consentimento informado no atendimento médico: panorama jurisprudencial do STJ. Revista de Direito Privado, n. 64, 2015, p. 129 e 131.

[3] KFOURI NETO. Op, cit., p. 271.

[4] KFOURI NETO. Op, cit., p. 273-274.

[5] KFOURI NETO. Op, cit., p. 277.

[6] KFOURI NETO. Op, cit., p. 276.

[7] “Não basta que se mantenham os atuais procedimentos para obtenção do chamado consentimento informado (ou consentimento livre e esclarecido, ou consentimento pós-informado)” (DANTAS, Eduardo. Direito médico. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2009, p.101).

[8] SILVA, Rafael Pereffida. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2007, p. 158.

[9] STJ, 4ª T., REsp 1.540.580/DF, Rel. p/ac. Min. Luís Felipe Salomão, ac. 02.08.2018, DJe 04.09.2018. Segundo o acórdão, o dever do médico de informação regula-se pelo art. 6º, III, art. 8º e art. 9º, todos do CDC e que tornam “bastante rigorosos os deveres de informar com clareza, lealdade e exatidão”.

[10] STJ, 4ª T., REsp. 436.827/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, ac. 01.10.2002, DJU 18.11.2001, p. 228.

[11] STJ, 4ª T., REsp. 467.878/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, ac. 05.12.2002, DJU 10.02.2003, p. 222.

[12] STJ, 4ª T., REsp. 1.019.404/RN, Rel. Min. João Otávio de Noronha, ac. 22.03.2011, DJe 01.04.2011.

[13] TJSC, 4ª Câm. de Direito Civil, Ap. 2011.020032-9, Rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, ac. 23.08.2012.

[14] TJMG, 18ª Câm. Cível, Ap. 1.0024.08.970397-9/001, Rel. Des. Vasconcelos Lins, ac. 30.11.2016, DJe 07.12.2016.

[15] STJ, REsp 1.540.580/DF, cit.

[16] STJ. 4ª T., REsp. 902.784/MG, Rel. Min. Raul Araújo, ac. 19.09.2016, DJe 11.10.2016.


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