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José Manuel de Sacadura Rocha

José Manuel de Sacadura Rocha

05/02/2020

A argumentação objetivista de que a segurança jurídica está garantida pelo aparelho estatal e pelo ordenamento jurídico é inverossímil. A consequente refutação de que o subjetivismo condiciona a vida social a um relativismo permissivo e pernicioso é igualmente ilógico e desprovido de razão. Não são necessários estudos consideráveis para se constatar tal fato, basta atentarmos para a violência e o medo com que as pessoas vivem em sociedade. Falta de poder estatal e estabelecimento normativo não é.

Por outro lado é preciso considerar que o Estado e o Direito modernos são instituições humanas criadas e recriadas em séculos não muito longínquos, principalmente se tais fenômenos forem considerados em relação aos milhares de anos de existência da espécie humana. Os primeiros hominídeos surgiram na terra há aproximadamente cinco milhões de anos; o homo sapiens tem aproximadamente 200 mil anos. O código de Hamurabi foi elaborado por volta de 1700 a.C., portanto tem pouco mais de 3 700 anos.

A bem da verdade, a convivência humana conduzida por formalismos objetivistas tipo leis, regulamentos, institutos jurídicos e algum tipo de tecnocracia política, representa apenas 1,85% da existência do homo sapiens. Se se considerar o tempo na terra dos primeiros hominídeos a relação é absolutamente desprezível. O que se depreende destes fatos é que, obviamente, a possibilidade da vida e convivência humana depende da intersubjetividade (Hegel) entre os agentes sociais muito mais fortemente do que de aparelhos formais de poder. Isto significa que longe de termos sobrevivido de forma objetivista o fizemos muito mais de forma subjetivista, e o fizemos relativamente bem, pois ainda aqui estamos e com alto desenvolvimento de conhecimento e tecnologia.

Ora, as relações humanas quando são “naturalmente” estabelecidas derivam peremptoriamente para a significação relativa dos fatos, dos valores e das leis. Isto, contudo, não significa a impossibilidade da comunicação de forma a estabelecer processos retroativos de convivência e mutualismo. Pelo contrário: corre em defesa desse “naturalismo” comunicacional o fato de que, a superação dessa dificuldade inicial de viver indagando as máximas universais, cria a dependência da “negociação”. Diferentemente do que os objetivistas e os positivistas jurídicos alegam, as relações intersubjetivas reforçam a condição democrática de viver e conviver.

O relativismo não é a impossibilidade de solução de controvérsia, mas a possibilidade de escutar e resolver a lide de forma livre e democrática (Wittgenstein). Do ponto de vista do subjetivismo jurídico e da realidade histórica dos povos, o objetivismo engendrou muito mais resultados autoritários e tiranias, resolvidos belicamente, do que a propensão ao diálogo pela aceitação da alteridade e da valorização da linguagem explicitada pelo outro.

Não se está aqui a defender o deteriorar da normatividade ou o esvaziamento do poder estatal e jurídico. Apenas constatando o fato de que a convivência se deve à primazia da ética. E a ética está no Ser e não no dever-ser normativo, ou, de oura forma, no dever ser moral e não no formalismo objetivista. Afinal, moral e norma formam quiçá os dois grandes pilares sobre os quais repousa faticamente a sabedoria social – ou pelo menos deveria repousar (Hume). Ou os agentes sociais se pautam por condutas ilibadas, e daí floresce um sistema de Direito assaz condizente, ou das opções indignas só restará um “mal-estar na civilização”, não do tipo domesticação das vontades, mas devido a uma crise de valores das quais todos percebemos o perigo de nos “autodissolvermos” meio à barbárie. Assim, se por um lado não é promissor defender a ortodoxia jurídica, por outro não se pode cair em um relativismo puro e ilimitado.

Em nosso livro Ética O Homem e o Direito: desobediência da personalidade ética defendemos que “o pós-modernismo exige a reconstrução do pensamento filosófico e deontológico que caminha de forma subjetiva meio a pressupostos objetivistas”. Como conciliar, desta forma, a matéria da ética e da convivência jurídica, é o que nos propomos a fazer nesta obra.

Jean-Paul Sartre nos disse que a distinção do Ser dos outros “entes” – coisas e animais -, é a possibilidade de escolha (O Ser e o Nada). Obviamente isto era um prenúncio de uma fenomenologia para a liberdade: escolhendo – e só há escolha na liberdade! – o “ser-em-si” se transforma em “ser-para-si”. A ideia não é completamente nova: Aristóteles discordara do mestre Platão quando este insistia, a lá Sócrates, que a causa da violência era a ignorância, a falta de conhecimento. Aristóteles refutava dizendo que havia nobres homens com muito conhecimento e que eram capazes de praticar atos antiéticos indizíveis. Daí a necessidade de separar ética de dianoética: a ética exige a escolha pelo bem com base na dianoética, o conhecimento que distingue o bem do mal, claro, tendo por parâmetro o bem estar da comunidade. A humanidade está na escolha, não em uma escolha qualquer, mas aquela que preserva a igualdade e a liberdade meio ao inexorável viver social.

Acho que é isto que Heidegger queria dizer com a expressão Dasein. “A necessidade de dar vida a esse apelo de vida do pensamento concentra-se na compreensão da vida fática do homem”, resgata o existencialismo e inaugura na fenomenologia a diferença entre “viver” e “existir”. Diferente da primeira, existir é engajar-se. Quando escolhemos a ética damos um salto existencial e fenomenológico ao mesmo tempo. Tomamos uma direção irreversível, inalienável, inegociável, e, assim, nos humanizamos.

Em Ser e Tempo Heidegger nos compele a pensar – sentir! – a necessidade do espaçamento, da distância, para podermos refletir sobre a propriedade de existir para além do viver sem engajamento, ou sem escolha, o que obviamente, em tempos e situações de arbítrio se torna uma tautologia mediática. De fato as mídias modernas, testadas cientificamente no holocausto da Segunda Grande Guerra – dos guetos aos algozes -, e que permeiam mais e mais nossas sociedades de controle (Foucault), são engendradas para restituir uma estética ao sentir humano, quando a desumanização se dá pela massificação comunicativa dos objetos, das mercadorias, dos valores e das crenças. Sem possibilidade de espaçamento – o que os processos comunicativos de massa atuais virtuais mais inventa -, o homem não pode escolher, a liberdade é uma formalidade, a ética remete a um passado romântico e a estética é confundida nas atrocidades do cotidiano pós-moderno.

O Direito não está imune à grandiosidade mirabolante deste projeto tecnocrata que desumaniza. Mas indivíduos, diuturnamente, contra todas as expectativas e possibilidades objetivistas escolhem serem éticos por sua autoestima, por sua dignidade e por seus princípios. Neles repousa a resistência à banalidade do mal. Para eles gostaria de dedicar este artigo. Por eles escrevi um livro de Ética Jurídica.

*Escrito originalmente em 25/02/2011

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