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Thomas Felsberg

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27/02/2020

Há uma percepção cultural no Brasil que a Recuperação Judicial foi inventada para dar um calote nos credores e que, portanto, cabe às partes se portarem como antagonistas e travar uma batalha sem trégua para que um dos lados vença e subjugue o outro. Nada mais falso. Desde tempos imemoriais, aos credores era assegurado liquidar o devedor, repartindo em seu benefício os seus ativos.

Em um dado momento, os credores nas diversas jurisdições perceberam que, ao invés de esquartejar o devedor, era mais vantajoso permitir uma sobrevida ao mesmo para gerar um fluxo de pagamentos futuros. Ou seja, melhor era focar no fluxo futuro de pagamentos do que na divisão dos ativos do devedor. E essa postura teria o benefício adicional de preservar empregos, o PIB e a capacidade contributiva. Por fim, a famosa solução do ganha-ganha, ou como dizem os anglo saxões a “win-win situation”.

Essa falha na percepção cultural brasileira tem como consequência que, aqui, a recuperação de créditos devidos por empresas insolventes corresponda estatisticamente a metade da recuperação nos demais países da América Latina e 1/6 da que ocorre nos países da OECD, nosso novo parâmetro.

De fato, esse caráter litigioso tem se mostrado a regra no Judiciário brasileiro, conforme constatado pelo próprio Conselho Nacional de Justiça[1]. No caso específico da recuperação judicial, há tempos a ineficiência do modelo atual pode ser constatada a partir de dados empíricos, em que a maioria dos planos aprovados não constitui um projeto de reestruturação para tornar a empresa viável economicamente. São basicamente renegociações mal feitas de dívidas, em que a tônica tem sido forçar que a empresa se desfaça de bens em benefício de interesses de alguns credores que competem entre si.

Exemplos dessa situação são os créditos extra-concursais, em que, seguindo o mantra sagrado adotado pelo nosso legislador, os principais credores, os Bancos e o Fisco, não poderiam ser afetados pela recuperação judicial. Embora não seja isso que ocorre na prática, por ser claramente inviável. Outro exemplo é a orientação geral dada por alguns credores de recorrer sistematicamente aos tribunais superiores, perenizando desnecessariamente a insolvência e dificultando a vida já precária das empresas insolventes. Também característica desse estado de coisas é a falta de cooperação dos credores entre si, que ao invés de se unir com o devedor tendo por objetivo a construção de um plano eficaz, disputam entre si avidamente os bens do devedor sujeitos a créditos extra-concursais.

Sobre o modelo de recuperação judicial americano, ensina José Cretella Neto: “(a recuperação nos EUA) é aplicada sempre no intuito de preservar a empresa e garantir o crédito dos credores, (…) aí reside, talvez, o maior mérito do legislador nos Estados Unidos.[2]”. A liquidação de ativos é evitada, dando incentivos então ao fresh start da empresa recuperanda.

A lei americana mostra-se então favorável ao viés da recuperação de créditos, mediante a efetiva recuperação da empresa e, como consequência, a recuperação de sua função social e econômica.

A partir da experiência brasileira já acumulada, é necessário resolver a instabilidade presente no ambiente de negociação de dívidas a fim de otimizar a recuperação de crédito. A atuação dos envolvidos deve ser mais livre e direta em relação à construção do plano visando, por fim, superar a judicialização exacerbada do processo de recuperação judicial.

Um dos casos que obteve sucesso na recuperação de credibilidade e manutenção do seu fluxo de caixa foi a recuperação judicial da Livraria Cultura. Em 2019, em razão da natureza da sua atividade, o Grupo Cultura possuía o seu fluxo de recebíveis vinculados às suas vendas com cartões de créditos, cujos recebíveis haviam sido cedidos fiduciariamente a instituições financeiras. A possibilidade de soerguimento, a necessidade de manutenção da fonte produtiva e outros aspectos técnicos fizeram com que figuras naturalmente belicosas se sentassem para conversar. Sem entrar no mérito da aplicabilidade de normas específicas da lei, este diálogo só foi possível porque o próprio Judiciário permitiu a utilização desses recebíveis para favorecer a continuidade da própria empresa, ainda preservando as garantias constituídas e liderou uma conversa franca e aberta com os principais envolvidos.

A partir desse exemplo e de vários outros, é possível concluir que o processo de recuperação judicial não precisa ser palco de um Fla-Flu. A atuação coordenada dos envolvidos permite a manutenção das atividades da empresa insolvente, evitando que a única solução encontrada seja a liquidação de ativos. Dessa forma, a recuperação é feita concomitantemente com a recuperação de crédito por parte dos credores, porquanto é questão de bom senso concluir que uma empresa recuperada paga as suas dívidas.

Fonte: Felsberg Advogados


[1] Em estudo publicado pela PUCRS, um dos fatores de litigiosidade pode ser definido como a disposição das partes para litigar frente a baixos custos, busca de ganhos fáceis ou mesmo a intenção de postergação injustificada de responsabilidades. Outros fatores também contribuem para o ambiente belicoso que se desenvolve no Judiciário brasileiro. Pesquisa acessada em 15.1.2020 por meio do seguinte acesso eletrônico: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/pesq_sintese_morosidade_dpj.pdf

[2] CRETELLA NETO José, Nova lei de Falências e Recuperação de Empresas 1° edição, Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 28.


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