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A necessidade de se repensar soluções para assistência jurídica

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A necessidade de se repensar soluções para assistência jurídica

ACESSO À JUSTIÇA

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SOLUÇÕES JURÍDICAS

Franklyn Roger

Franklyn Roger

03/03/2020

A inexistência de sede da Justiça Federal nos municípios do território nacional sempre foi uma preocupação de nosso constituinte, a ponto de a Carta prever regra específica para as ações previdenciárias, delegando a competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual, sempre que na comarca de domicílio da parte não houvesse Vara Federal.

De acordo com a redação originária do texto constitucional (artigo 109, §3º): “Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual”.

Nota-se, portanto, que havia um critério objetivo, a inexistência de Vara Federal e a automática competência da Justiça Estadual, refletindo-se em verdadeira promoção do acesso à justiça aos segurados.

Essa realidade foi completamente modificada pela Emenda Constitucional n. 103/2019, que através de simples alteração do artigo 109, §3º, criou um filtro, ou melhor uma longa estrada para o acesso à justiça, diante da nova redação do dispositivo: “Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal”.

A norma destinada às ações previdenciárias, até então, de eficácia plena, agora se torna de eficácia contida, dependendo de lei regulamentadora de seu conteúdo. E aqui se inicia a perversidade do legislador. A Lei n. 13.876/2019 altera a Lei n. 5.010/66, especificamente em seu artigo 15, que trata das hipóteses de competência delegada da Justiça Estadual em virtude da inexistência de sede da Justiça Federal.

Com a nova redação do inciso III, a Justiça Estadual preserva a competência para as causas em que “forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal”.

Com o novo critério, diversas comarcas da Justiça Estadual perderam a competência com a regulamentação pelos Tribunais Regionais Federais. No Rio de Janeiro, por exemplo, o TRF-2 reconheceu a competência de 3 (três) das 81 (oitenta e uma) comarcas (Mangaratiba, Paraty e Itaocara), com a adoção do novo critério geográfico.

O tema mereceu regulamentação também pelo Conselho da Justiça Federal. Através do artigo 4º da Resolução n. 602/2019, o órgão destacou a preservação da competência da Justiça Estadual para os processos em fase de conhecimento e execução iniciados antes de 1º de janeiro de 2020.

Mas qual o problema desse conjunto de alterações normativas? A questão é simples. A ratio da norma era facilitar o acesso à justiça dos beneficiários do regime de seguridade social que necessitassem judicializar questões em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, para discussão de benefícios previdenciários e assistenciais.

Nos grandes centros urbanos a realidade dessa reforma é nenhuma, diante da presença de órgãos da Justiça Federal e da Defensoria Pública da União que proporcionam o acesso à justiça dos segurados.

Mas quando avançamos para o interior dos Estados, a realidade se torna outra. Primeiro porque a inexistência de sede da Justiça Federal era uma barreira evidente do acesso à justiça. Entretanto, o acesso se torna ainda mais dificultoso se pensarmos que a Defensoria Pública da União não está implantada em 207 (duzentas e sete) das 271 (duzentas e setenta e uma) Seções Judiciárias da Justiça Federal.

E apesar de haver comando constitucional do art. 98 do ADCT determinando a adoção de medidas para assegurar a presença de um Defensor Público por comarca até o ano 2022, não se percebe nenhuma movimentação para implantação do dispositivo.

O que vemos, na realidade, é um total desaparelhamento do Estado, como se os Poderes Legislativo e Executivo quisessem criar inúmeras barreiras às pessoas mais necessitadas, tudo sob o olhar aquiescente do Poder Judiciário que hoje também é resistente à expansão de suas funções, vide suspensão da figura do Juiz das Garantias.

A jurisprudência não tem sido muito propositiva em temas de ações previdenciárias, se rememoramos o julgamento do RExt 631.240, em que o STF reconheceu a constitucionalidade do prévio esgotamento da via administrativa em causas previdenciárias, criando exceções apenas caso haja demora maior que 45 dias na apreciação do benefício (realidade atual do INSS), quando houver a efetiva negativa do órgão e quando, apesar de não formulado o requerimento, seja notório o entendimento da autarquia contrário ao da pretensão do segurado.

Mas no que a reforma impacta a atuação da Defensoria Pública?

Pelo desenho da LC n. 80/94 dentre a adoção de diversos critérios da atribuição, um deles é a correlação entre a competência do Poder Judiciário e a atuação da respectiva Defensoria Pública.

De acordo com o art. 2°, a Defensoria Pública compreende a Defensoria Pública da União e Territórios[1], a Defensoria Pública do Distrito Federal e a Defensoria Pública dos Estados.

Apesar da redação do dispositivo trazer a interpretação de que a Defensoria Pública seria um único organismo, especializado no âmbito federal e estadual, a melhor interpretação orienta que esta concepção se refere apenas ao plano das funções institucionais.

É dizer, quem presta assistência jurídica é a Defensoria Pública, em razão do seu dever constitucional de desempenhar sua missão constitucional, nos termos do art. 134 da CRFB[2].

No plano administrativo e de divisão de atribuições, cada Defensoria Pública é observada individualmente, não havendo hierarquia ou subordinação entre as instituições de entes federados diversos. Assim, o artigo 14 da LC n. 80/94 estatui ser atribuição da Defensoria Pública da União prestar assistência jurídica junto à Justiça Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar da União e perante os Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União.

Seguindo esta mesma linha, o artigo 106 da LC n. 80/94 define a atribuição da Defensoria Pública dos Estados a partir do encargo de atuar perante todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do Estado.

Pois bem, a dicção da Lei Complementar n. 80/94 nunca deixa dúvidas. Se a demanda tramita perante a Justiça Federal ou suas especializações, a atribuição para atuar é, de regra, pertencente à Defensoria Pública da União.

No caso em que não há sede da Justiça Federal, a Constituição e a lei delegam a competência para apreciação das demandas previdenciárias à Justiça Estadual. Diante do marco normativo estabelecido, se as demandas previdenciárias passam a ser de competência da Justiça Estadual, seguindo a lógica da divisão de atribuições estatuída na LC n. 80/94, a atuação ficará a cargo da Defensoria Pública do Estado[3].

Trata-se de um dever advindo do artigo 109, §3° da CRFB, combinado com os arts. 106 e 129, II da LC n. 80/94, por se tratar de um desempenho de função institucional da Defensoria Pública.

No entanto, com o advento da reforma constitucional e legislativa, encontramos um novo problema. Há uma significativa redução das comarcas da Justiça Estadual com competência delegada, o que representa o restabelecimento da competência da Justiça Federal.

Agora, teremos um panorama em que haverá sede da Justiça Federal competente em razão do critério geográfico de 70 quilômetro, mas não haverá nas cidades uma sede da Defensoria Pública da União para prestar assistência jurídica. Será uma situação que se tornará ainda mais corrente, com a nova redação da Lei n. 5.010/66 que suprimirá a competência da Justiça Estadual em várias comarcas até então competentes.

Sobre a atuação da Defensoria Pública, não há norma constitucional que discipline a matéria de modo que o guia interpretativo passa a ser o texto da LC n. 80/94. Não podemos fechar os olhos para o fato de que a Defensoria Pública da União ainda não possui Defensores Públicos Federais lotados em todas as unidades da federação, prestando assistência jurídica integral.

A Emenda Constitucional n. 80/14 busca equacionar essa realidade, ao determinar que nos próximos oito anos o estado brasileiro reforce a autonomia da instituição, permitindo que a mesma possa ampliar o seu serviço de assistência jurídica.

Apesar deste panorama, a preocupação do legislador com a assistência jurídica no plano federal é objeto de disposição normativa, ao que se depreende do artigo 14, §1° da LC n. 80/94 que permite à Defensoria Pública da União firmar convênios com as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal, para que estas, em seu nome, atuem junto aos órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição da Justiça Federal e suas especializações, visando assegurar o desempenho das funções que lhe são conferidas.

Não se pode insuflar o movimento de segregação entre a Defensoria Pública da União e as Defensorias Públicas Estaduais, considerando a necessidade de se enxergar a unidade da instituição, em seu plano funcional.

A ausência de Defensor Público Federal não pode ser óbice ao desempenho da atividade de assistência jurídica. Assim, parece-me necessário que as Defensorias Públicas, por meios de seus órgãos da administração superior, discutam e viabilizem soluções estruturais para que essas demandas previdenciárias não sejam obstaculizadas pelas novas regras legais.

Talvez para aqueles que disponham de auxílio transporte, auxílio gasolina e viaturas oficias, 70 quilômetros sejam uma distância de fácil percurso. Entretanto, para a população humilde que procura ter acesso à benefícios de prestação continuada (Loas, auxílio doença, auxílio acidente, aposentadoria rural, dentre outros) deslocar-se de uma cidade para outra, com o preço do transporte elevado é deverás custoso e até mesmo desestimulante.

A melhor solução, então, passa a ser o convênio entre a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública dos Estados e do DF para que estas continuem prestando assistência jurídica nas causas previdenciárias, ao menos com a elaboração da petição inicial e encaminhamento para distribuição com o auxílio da Defensoria Pública da União.

O Condege, por exemplo, possui uma iniciativa de peticionamento integrado através de um termo de cooperação firmado entre DPU, DPDF e várias Defensorias Públicas Estaduais. Apesar de uma série de falhas desse mecanismo, talvez ele possa ser aperfeiçoado para cobrir o tema das ações previdenciárias.

A partir do convênio, os Defensores Públicos Estaduais continuariam com a atribuição para realizar o atendimento inicial em matéria previdenciária nos locais onde não há sede da Defensoria Pública da União, e esta que detém acesso ao processo eletrônico da Justiça Federal se encarregaria da distribuição e acompanhamento dos processos onde estivesse instalada, ficando o encargo das ações onde a instituição não oficie, ao sistema dativo.

A Defensoria Pública não é um fim em si mesmo, mas uma instituição vocacionada a assegurar plena e efetiva assistência jurídica aos interessados.

FONTE: CONJUR

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[1] A Emenda Constitucional n. 69/12, desvinculou a Defensoria Pública do Distrito Federal da competência legislativa da União e do encargo de prestar assistência jurídica perante os territórios.

[2] “No entanto, sob o prisma funcional, é possível identificar a unidade entre todas as Defensorias Públicas do país, haja vista desempenharem as mesmas funções institucionais e com a mesma finalidade ideológica. Na verdade, funcionalmente os diversos ramos da Defensoria Pública se encontram separados unicamente em virtude da distribuição constitucional de atribuições, criada para que a instituição possa melhor proteger aos interesses dos necessitados.” (ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios institucionais da defensoria pública. Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 363.).

[3] Exceção apenas à matéria afeta a instâncias administrativas, que ficará a cargo da Defensoria Pública da União, já que não há norma na Constituição que preveja essa delegação, como bem destaca Frederico de Lima: “Em certos casos, embora a matéria seja discutida em instância administrativa federal, a insatisfação do administrado com o resultado deve ser debatida no âmbito da Justiça Estadual. O exemplo mais marcante concerne às questões pertinentes à concessão do benefício previdenciário em razão de acidente de trabalho. Ainda que administrativamente seja da alçada do INSS – instância federal -, a questão, caso necessite ser judicializada, será submetida ao Judiciário Estadual, e não à Justiça Federal, por força do art. 109, I da Constituição.

(…)

Esta leitura permite a que se chegue a conclusão de que nas instâncias administrativas federais, independentemente da matéria discutida e do ramo do Poder Judiciário que posteriormente possa se debruçar sobre a questão, a competência para oficiar é da Defensoria Pública da União, por intermédio dos Defensores Públicos Federais de 2ª Categoria.” (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública. Salvador, Juspodivm, 2010, p. 268.).


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