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A alienação da empresa insolvente: uma enorme lacuna na Lei de Recuperação Judicial

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A alienação da empresa insolvente: uma enorme lacuna na Lei de Recuperação Judicial

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Thomas Felsberg

Thomas Felsberg

10/03/2020

Os dados apresentados no relatório Doing Business, pesquisa conduzida pelo Banco Mundial, apontam que a recuperação de créditos no Brasil corresponde a menos da metade do recuperado de empresas insolventes em países da América Latina e Caribe, e menor ainda do que em outras regiões.[1]

Em 2018 recuperava-se, em média, 14,6 centavos de dólar para cada dólar investido em empresas que se tornaram insolventes no Brasil, enquanto a média da América Latina era de 30,9 centavos de dólar. Em comparação com os demais países o Brasil supera apenas a taxa da Venezuela, que emplaca baixíssimos 5,6 centavos de dólar. Ainda, se comparada à média, no mesmo ano, dos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), cuja média de recuperação atinge os 70,5 centavos de dólar por dólar investido, a diferença é ainda mais gritante.

Nesse cenário, é certo que precisamos de mudanças para possibilitar a retomada de investimentos e das atividades de empresas endividadas. Uma delas seria inserir em nossa legislação um instituto como se conhece nas principais economias do mundo, que consiste na alienação da empresa insolvente como um todo, mediante um mecanismo de mercado. O que falta também é proteger o comprador da empresa inadimplente, que se responsabilizaria apenas por passivos e contingências expressamente contabilizados nos balanços de venda.

O caso da General Motors é emblemático. A GM apresentou à Corte de Nova York o pedido de insolvência com o apoio financeiro de Washington e do governo do Canadá. O processo, que durou seis semanas, foi amparado no mecanismo 363, que permitiu a capitalização da empresa por um novo veículo (NGMCO Inc.), com participação de 60% do governo norte-americano (aporte de US$ 50 bilhões) e de 12% do governo canadense (aporte de US$ 9,5 bilhões). As ações foram depois vendidas na bolsa com um resultado positivo para ambos os governos.

A fim de viabilizar essa operação, o magistrado Robert Gebert decidiu em primeira instância que a “New GM” só poderia assumir as obrigações que estivessem vinculadas com o desenvolvimento de sua atividade econômica.[2] Dessa forma, a aplicação do mecanismo 363 foi feita de acordo com a interpretação mais comum entre as cortes americanas, que entendem que o afastamento da sucessão das obrigações é essencial para salvar a atividade econômica das empresas.[3] No caso, da então maior empresa dos EUA.

Observando a experiência americana, não é suficiente que a legislação brasileira aborde a alienação, sem sucessão de obrigações, apenas de parte da empresa, ou seja, da venda das chamadas unidades produtivas isoladas (UPIs). Ocorrendo desta maneira, os casos de sucesso de recuperação da empresa são pouquíssimos, também em razão do prazo que demanda o processo integral que levam em média três anos a contar da distribuição do pedido de recuperação.

É necessário criar um mecanismo que permita a alienação total e rápida da empresa insolvente, resguardando a manutenção da atividade empresarial, sem deixar de lado os direitos de credores extra concursais e tributários, o que se daria pela inclusão dos mesmos na proposta de venda.

Nessa hipótese, aos credores extraconcursais seria facultado objetar a venda no momento oportuno, caso tenham alternativa melhor para recuperação de seus créditos. Claro, sempre cabe aos credores a última palavra sobre a viabilidade do plano de recuperação, que devem examinar os cenários possíveis, como a manutenção da empresa nas mãos de atuais acionistas, a troca de controle ou a extinção de suas atividades com a liquidação dos ativos, determinando em qual desses cenários haveria maior taxa de recuperação.

Vale consignar que o projeto do Deputado Hugo Leal, ora em trâmite na Câmara dos Deputados, procura disciplinar essa modalidade de alienação da empresa, embora de forma algo genérica.

A alienação de uma empresa insolvente é particularmente benéfica a todos os credores, sejam eles financeiros, fornecedores ou trabalhistas, pois transferir a operação e os negócios da empresa insolvente com a sua dívida reestruturada a um comprador solvente viabiliza a recuperação de créditos, além de beneficiar empregos, PIB e capacidade contributiva para o fisco. Uma alternativa melhor para o devedor, muito superior à recuperação judicial como existe hoje, e infinitamente melhor do que a falência.

FONTE: Felsberg Advogados


[1] CARVALHO, Carlos de Viana. Regulação e concorrência no SFN – Uma nova agenda. Em: https://www.bcb.gov.br/conteudo/home-ptbr/TextosApresentacoes/Apresenta%C3%A7%C3%A3o_CV_Semin%C3%A1rio%20FGV_15.02.19.pdf . Acesso em: 12 de fevereiro de 2020.

[2] UNITED STATES BANKRUPTCY COURT – SOUTHERN DISTRICT OF NEW YORK, Case No. 09-50026, Castillo v. General Motors.

[3]BECUE, S. M. F. A alienação de estabelecimento, como meio de recuperação judicial, e a inexistência de sucessão empresarial do adquirente (Art. 60, LRF). 2014. 181 f. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, 2014.


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