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Responsabilidade do empregador e fato do príncipe nos tempos de Coronavírus

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TRABALHADORES VULNERÁVEIS

Enoque Ribeiro dos Santos

Enoque Ribeiro dos Santos

20/03/2020

A grande pergunta que se faz no momento é quem vai pagar a conta pelos danos causados pela pandemia do coronavírus: o Estado, o empregador ou, como sempre, o empregado? Notadamente os mais desfavorecidos, os desempregados e os que vivem na informalidade, pois se já estava difícil arrumar um emprego, imagine agora com a paralisação virtualmente de toda a economia, por tempo ainda indeterminado.

É com este objetivo em mente que viemos neste espaço trazer alguma substância jurídica para reflexão dos estudiosos do assunto, na medida em que novos elementos foram introduzidos no cenário jurídico, social e econômico do País nos últimos dias.

I – UMA NOVA CATEGORIA DE TRABALHADORES VULNERÁVEIS

O Estado, municipal, estadual ou federal, por meio de decretos e regulamentações, criou uma nova categoria de trabalhadores vulneráveis: aqueles com idade superior a 60 anos, independentemente da atividade em que exerçam (essencial ou não essencial), com exceção dos serviços médicos/sanitários, que a partir desta semana deverão ser confinados em suas residências, não apenas para sua proteção, como também para a proteção de toda a sociedade. Os diabéticos, hipertensos, com insuficiência renal crônica, doença respiratória, doença cardiovascular, entre outros também se encontram no grupo de risco.

O que acontece para as empresas/empregadores que desobedecerem a esta nova legislação? Poderão ser enquadrados na responsabilidade subjetiva ou objetiva?  Quais os direitos de resistência desta espécie de trabalhador em face da recalcitrância empresarial em não dispensá-los?

Com a paralisação temporária das atividades das empresas, se houver rescisão dos contratos de trabalho, individual ou coletivamente, quem pagará pelas verbas rescisórias? O Estado ou a empresa.  A empresa poderá alegar fato do príncipe e o Estado força maior?  A resposta a estas e outras questões procuraremos formular logo abaixo.

II – RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA DO EMPREGADOR

A responsabilidade civil objetiva e subjetiva do empregador constitui-se em um dos institutos mais relevantes do Direito na atualidade, principalmente após o advento do Código Civil de 2002, que deu uma nova roupagem jurídica ao conceito de responsabilidade civil.

O vocábulo “responsabilidade” é utilizado para designar uma série de situações na seara das relações jurídicas. Em sentido mais flexível, a responsabilidade suscita a atribuição a um sujeito, do dever ou obrigação de assumir as consequências ou efeitos de uma determinada atitude, evento ou ação. Diz-se, por exemplo, dessa forma, que alguém é responsável por outrem, como o pai pelos filhos menores, o empregador por seus serviçais ou empregados etc. Em outro sentido, a responsabilidade denota a capacidade da pessoa. Os menores de 16 anos, por exemplo, são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, como se depreende do art. 3º do novo Código Civil. (In: Responsabilidade Objetiva e Subjetiva do Empregador em face do Código Civil. 4ª. ed. LTr: SP).

A rigor, o que se aprecia em sede de responsabilidade civil é a conduta do agente, pessoa jurídica ou física, isto é, a concatenação ou a sequência de atos ou fatos que produza efeitos geralmente lesivos no patrimônio material ou extrapatrimonial do ofendido. Apenas um único ato pode ser capaz de gerar, por si só, a obrigação ou o dever de indenizar.

Uma das grandes inovações do Código Civil foi a contemplação da responsabilidade objetiva, presente em várias leis, que desconsidera a noção de culpabilidade. A tendência jurisprudencial do alargamento do conceito de culpa, sob o prisma do dever genérico de não prejudicar, possibilitou a criação da Teoria do Risco em várias configurações.

Por essa teoria, o sujeito responsável por riscos inerentes à atividade econômica, ou perigos que sua atuação possa promover deve arcar com a indenização, mesmo que envide todos os esforços no sentido de evitar o dano. Já que o sujeito é privilegiado pelas vantagens ou benefícios do negócio ou atividade, deve responder por possíveis indenizações que essa atividade possa ocasionar. A legislação dos acidentes de trabalho constitui o exemplo claro da teoria da responsabilidade objetiva.

Não obstante, remanesce ainda entre nós que o princípio da responsabilidade extracontratual civil no novo Código Civil de 2002 continua sendo o da responsabilidade subjetiva, ou seja, responsabilidade fundada na culpa que recai nos institutos da negligência, imprudência ou imperícia do ofensor. A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada, como dito, quando existe lei expressa que assim a autorize.

Podemos dizer que a maior inovação do Código Civil de 2002 foi a criação da cláusula geral de responsabilidade objetiva, nas atividades de risco, na redação que deu ao art. 927, parágrafo único:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.”.

Assim sendo, na ausência de lei expressa, a responsabilidade por ato antijurídico será subjetiva, pois esta é a norma geral aplicável no ordenamento jurídico pátrio. Entretanto, na análise do caso concreto, o magistrado, em casos excepcionais, considerando os aspectos da nova lei, poderá entender como aplicável a responsabilidade objetiva no caso sub judice.

III – CONCEITOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Responsabilidade civil pode ser conceituada então como a obrigação de responder pelas consequências jurídicas decorrentes do ato ilícito praticado, reparando o prejuízo ou dano causado.

Essa responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual, ou aquiliana, derivada da Lex Aquilia, oriunda do Direito Romano, que se traduz na violação de um preceito de lei, sem conexão com uma norma contratual.

A responsabilidade civil, entre nós, vem regulada, entre outros, pelos arts. 186 e 927 do novo Código Civil de 2002. Estatui o art. 186, in verbis:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Já o art. 187 do Código Civil diz:

“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Dessa forma, não apenas o ato lícito, como também o ato ilícito são considerados espécies do gênero ato jurídico.

Na seara do Direito do Trabalho, o art. 8º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), por sua vez, preceitua que na falta de disposições legais ou contratuais, o Direito do Trabalho subsidiariamente recorrerá ao Direito Comum naquilo que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

Dessa forma, constituem requisitos da responsabilidade civil:

a) a ação ou omissão (fato lesivo);

c) o nexo de causalidade; e

d) a culpa ou o dolo do agente, bem como eventual ato abusivo (art. 187 do código civil).

e) o dano ou prejuízo;

IV –A BIPARTIÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR  

A responsabilidade civil biparte-se em responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva.

A responsabilidade civil objetiva já é tratada pelo Direito do Trabalho há décadas, conforme preceitua o art. 2º, § 2º, da CLT, que enuncia:

“§ 2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.(Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)”

Esse tipo de responsabilidade funda-se na Teoria do Risco, independentemente de dolo ou culpa. Neste caso, o empregador, ou a empresa, assume os riscos da atividade econômica, em qualquer circunstância (recessão, crise econômica, cambial, financeira, de competitividade, ou até mesmo na força maior (pandemias, como o caso do coronavírus) e casos fortuitos), conforme dispõem os arts. 501 e 502 da Consolidação das Leis do Trabalho.

O art. 504 da CLT ainda declara que, comprovada a falsa alegação do motivo de força maior, é garantida a reintegração aos empregados estáveis, e aos não estáveis o complemento da indenização já percebida, assegurado a ambos o pagamento da remuneração atrasada.

O FATO DO PRÍNCIPE

Visualizamos nestes artigos da CLT, a ocorrência do factum principis, ou seja, a paralisação do trabalho por ato de autoridade, que constitui uma das espécies da força maior. Se uma lei municipal, estadual ou federal impede ou obstrui as atividades de uma empresa, o Estado (por aquele ente da federação) responderá solidariamente pelos débitos trabalhistas.

Mozart Victor Russomano já declarava que o “factum principis é ato de autoridade pública que determina a suspensão temporária ou definitiva das atividades da empresa, evidentemente, na forma da definição do art. 501 e ss., é modalidade de força maior”. (RUSSOMANO, Mozart Victor. CLT anotada. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003).

Declara ainda aquele autor que sobre o factum principis existe norma especial, contida no art. 486 da CLT, que transfere a responsabilidade pelo pagamento das verbas rescisórias à pessoa jurídica de Direito Público, que praticou o ato determinador da suspensão (temporária ou definitiva) do trabalho da empresa.

A título ilustrativo, transcrevemos ementa do  colendo TST sobre o tema:

CLÍNICA MÉDICA “SANTA GENOVEVA”. FACTUM PRINCIPIS. FATO NOTÓRIO. PROVA. O factum principis supõe ato estatal, um ato de império, e não se caracteriza se a administração pública age como contratante e intervém na contratada que, por má administração, causou a morte de quase uma centena de pacientes, bem como não acarreta a responsabilidade do ente público pelos encargos trabalhistas do empregador. Portanto, a decisão que, sob exame da prova, reconheceu a notoriedade do fato descrito, para efeito de recusar a alegação de que houve um fato do príncipe, não viabiliza o recurso de natureza extraordinária. Cabia à Reclamada o ônus da contraprova (CPC, art. 333, II). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (Tribunal: TST Decisão: 6.11.2002, Proc: AIRR n. 699730. Ano: 2000. Região: 1. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista Turma: 5. Órgão Julgador — Quinta Turma Relator: Juiz Convocado Walmir Oliveira da Costa, DJ 22.11.2002)

Com exceção desses casos, a responsabilidade é sempre da empresa que deve arcar com o risco do negócio. O empregado não pode ser constrangido a socializar prejuízos para os quais não concorreu. Não acarreta, ademais, a responsabilidade do ente público pelos encargos trabalhistas do empregador.

Se o empregador, por sua culpa exclusiva, der causa à interdição de um ou mais de seus estabelecimentos ou plantas industriais, pelo órgão fiscalizador, deverá assumir, na integralidade, a responsabilidade por sua incúria ou negligência na administração de seus negócios, como, aliás, preconiza o art. 501 da CLT, anteriormente enunciado. Nesse caso, não poderá invocar a ocorrência de força maior, nem o enquadramento do evento na Teoria da Imprevisão (Teoria Rebus Sic Stantibus) para tentar se desincumbir do pagamento dos encargos.

Para a configuração do fato do príncipe, de forma que o empregador possa elidir a sua responsabilidade pelo evento, será necessária a ocorrência das seguintes situações fáticas, quais sejam:

  1. a) a imprevisibilidade do evento danoso;
  2. b) a inexistência de concurso direto ou indireto do empregador no aludido fato;
  3. c) a necessidade imperativa de que o evento atinja frontalmente e significativamente a situação econômico-financeira do empreendimento do empregador.

Desta forma, podemos concluir neste ponto que se o empregador tiver suas atividades suspensas, temporária ou definitivamente, por ato estatal (Município, Estado e União), sem que tenha havido de sua parte qualquer concurso direto ou indireto e o evento, no caso, a pandemia do  coronavírus atingiu frontalmente e substancialmente sua situação econômica e financeira, o Estado deverá responder solidariamente por eventuais  custos  com rescisão de contratos de trabalho de empregados da empresa, enquanto esta responderá por suas inerentes responsabilidade contratuais (salários pendentes, férias atrasadas, normais, terço constitucional etc).

Portanto, havendo dispensa individual ou coletiva (esta preferencialmente negociada com o sindicato da categoria profissional para que não haja problemas com as autoridades), o Estado, nos casos do coronavírus, deverá responder solidariamente com as empresas pelas verbas da indenização.  As verbas rescisórias ficarão a cargo do Estado, como responsável solidário, e as verbas normais do contrato de trabalho sob a responsabilidade do  empregador.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA DO EMPREGADOR EM FACE DOS EMPREGADOS EM GRUPO DE RISCO

Se o empregador não dispensar os trabalhadores com mais de 60 anos e do grupo de risco e estes vierem a ser acometidos pelo vírus e sofrer alguma sequela, as empresas  poderão responder em juízo ou administrativamente por responsabilidade objetiva (art. 927, p.u, código civil), por danos materiais e morais, além de eventualmente ter de responder a Inquérito Civil perante o Ministério Público do Trabalho, cujos desdobramentos poderão ser ainda maiores (celebração de Termos de Ajuste de Conduta, ação civil pública com condenação por dano moral coletivo etc).

Cremos que os empregados poderão exercer o direito de resistência face ao empregador, se negando a comparecer ao local de trabalho, até que os riscos ambientais à sua saúde e de todos os trabalhadores sejam eliminados pelo empregador, de acordo com a interpretação do art. 5º., parágrafo 2º., da Constituição Federal de 1988, já que os trabalhadores poderão exercer este direito coletivamente, por meio de seus sindicatos ou órgãos de classe.

Havendo necessidade de celebração de acordos ou convenções coletivas, com redução de salário (até 25%) e de jornada de trabalho, que sejam conduzidas por meio de negociação coletiva de trabalho, com os sindicatos, ou intermediadas pelo Ministério Público do Trabalho, que possui expertise jurídico neste ramo, em condições que estabeleçam a manutenção dos empregos, bem como que sejam limitadas no tempo.

CONCLUSÃO

A pandemia do coronavírus mudou a vida de todas as pessoas e governantes no planeta e certamente provocará uma multidão de novas relações jurídicas e de demandas, sejam judiciais ou administrativas, pois inúmeros direitos serão atingidos, independentemente da situação (empregador, trabalhador informal ou não, desempregado e as instancias dos Estados, a nível municipal, estadual e federal).

Não remanesce dúvida que a pandemia do coronavírus pode ser caracterizada como força maior, um ato da natureza (mesmo que eventualmente tenha sido criado em laboratório pelo homem), mas se espalhou pelo globo e certamente afetará relações jurídicas por onde quer que se expanda.

Daí, o papel fundamental do Estado no papel de gestor da economia, no amparo das empresas e dos trabalhadores, especialmente os mais vulneráveis (informais e desempregados, e em situação de risco), que juntos certamente devem ultrapassar mais de  50 milhões de pessoas no Brasil, por meio de verbas sociais do orçamento, que devem ser utilizadas em tempos de crise.

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