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Revista Forense – Volume 430 – Breve retrospecto sobre os fundamentos históricos da garantia ao “devido” processo legal, Alenilton Da Silva Cardoso

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PROCESSO CIVIL

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Revista Forense – Volume 430 – Breve retrospecto sobre os fundamentos históricos da garantia ao “devido” processo legal, Alenilton Da Silva Cardoso

AMPLA DEFESA

CONTRADITÓRIO

DEVIDO PROCESSO LEGAL

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

DIREITOS INDIVIDUAIS

FORMALISMO PROCESSUAL

NEOPROCESSUALISMO

PROCESSO CIVIL

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 430

Revista Forense

Revista Forense

15/04/2020

Revista Forense – Volume 430 – ANO 115
JULHO – DEZEMBRO DE 2019
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA,
JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Mendes Pimentel
Estevão Pinto
Edmundo Lins

DIRETORES
José Manoel de Arruda Alvim Netto – Livre-Docente e Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Eduardo Arruda Alvim – Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/FADISP

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DOUTRINAS

A) DIREITO ADMINISTRATIVO

B) DIREITO CIVIL

C) DIREITO CONSTITUCIONAL

D) DIREITO EMPRESARIAL

E) DIREITO DO TRABALHO

F) DIREITO PROCESSUAL CIVIL

G) DIREITO TRIBUTÁRIO

H) CADERNO DE DIREITO DESPORTIVO

ESTUDOS E COMENTÁRIOS

Resumo: Este é um breve ensaio que relaciona a evolução do processo civil contemporâneo com alguns dos acontecimentos da história da humanidade. Sua intenção não é aprofundar os fatos históricos, mas simplesmente apontar as razões éticas do nosso modelo atual de processo.

Palavras-chave: Processo. Evolução. História.

Abstract: This is a brief essay that relates the evolution of contemporary civil process to some of the events in the history of mankind. Its intention is not to deepen historical facts, but simply to point out the ethical reasons of our current model of process.

Keywords: Process. Evolution. History.

Sumário: Introdução – 1. As influências greco-italianas no delineamento do direito e do processo – 2. O processo num contexto mais moderno – 3. As fases do direito processual civil brasileiro – Conclusão – Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Vários ordenamentos foram percorridos na história até o princípio do devido processo legal alcançar o sentido de hoje. Nos primórdios, não existiam ramificações do direito, muito menos, direito processual. Os conflitos eram eminentemente civis e penais. Preocupava-se, basicamente, com as questões cotidianas, para além das punições àqueles que transgrediam os costumes de boa convivência.

Como os perigos inerentes à autotutela já haviam sido percebidos, em muitas comunidades os conflitos individuais eram levados para a apreciação dos respectivos líderes, que gozavam da confiança e do respeito do grupo.

Posteriormente, aquelas mesmas comunidades passaram a exigir autoridades mais imparciais e confiáveis. Tanto a desconfiança contra a atuação dos julgadores, quanto a indisposição de alguns indivíduos cumprirem as decisões contra si adotadas, ensejaram a assunção da responsabilidade pelo Estado, que se empoderou da tarefa de resolver os conflitos por meio de pessoas por ele indicadas.

Administrando a Justiça, o Estado sentiu a necessidade de criar normas jurídicas processuais. A diversidade de procedimentos adotados pelos julgadores levou o Estado a fixar as primeiras instruções sobre procedimento, que funcionavam como espécie de protocolo para a abordagem uniforme das questões.

Adveio daí a figura embrionária do juiz, na pessoa de árbitros, assim como o regramento processual, posteriormente aperfeiçoados pela civilização grega, admiradora da arte da retórica e da racionalidade, que cultuava a Nike, filha de Themis, como a Deusa da Justiça.

  1. AS INFLUÊNCIAS GRECO-ITALIANAS NO DELINEAMENTO DO DIREITO E DO PROCESSO

Fundamentaram-se na Grécia vários dos princípios processuais que temos até hoje. Pelo poder da argumentação teatral, baseada na ideia de persuadir racionalmente o julgador – livre de preconceitos e superstições –, a convicção final se operava na lógica das provas, desenvolvendo-se um sistema contraditório, que comprometia o juiz a realizar prévia audiência com as partes, antes de proferir a decisão[1].

A civilização romana também desenvolveu papel fundamental nessa evolução. Prestadores de culto à Iustitia, sua Deusa da Justiça, os romanos avançaram o seu modo de resolução de conflitos em três fases históricas.

Na primeira fase, do período mais primitivo (753 a.C a 149 a.C), as resoluções se baseavam no sistema de acções previstas na Lei das XII Tábuas. Levava-se verbalmente o problema para conhecimento de uma autoridade, que concedia a acção da lei, fixando o objeto do litígio. A partir da acção concedida, os árbitros tinham o poder de determinar a coleta das provas, prolatando decisão ao final[2].

O problema gerado a partir dessa situação foram os abusos de poder que passaram a ser cometidos por alguns árbitros. Além disso, as relações jurídicas se tornaram mais complexas, tornando as acções insuficientes.

Surge, assim, a segunda fase do sistema de resolução de conflitos romano, conhecida como período formulário (140 a.C). Nesse andamento, passou-se a valorizar a intervenção dos advogados, que levavam ao conhecimento do Pretor o conflito da pessoa que estava a procurar solução[3].

O Pretor tinha o dever de redigir uma fórmula. Esta funcionava como espécie de programa de averiguação dos fatos e de sua valorização. Os árbitros, que tiveram seu poder reduzido, desenvolviam a discussão a partir da fórmula indicada pelo Pretor, cabendo ao Estado a imposição da decisão[4].

Ocorre que a Igreja Católica desenvolveu um sofisticado sistema de regras procedimentais para tratar dos conflitos envolvendo suas autoridades. Comprometido com aspectos formais de procedimento, esse sistema possuía uma noção mais bem delineada de segurança jurídica, diminuindo o risco de injustiças nos resultados finais alcançados[5].

Isso representou o 3º período do sistema de resolução de conflitos romano. Denominado período da cognitio extraordinária (200 a 565 d.C), implicou no recebimento de uma forte influência do direito processual canônico no desempenho do poder de resolução dos litígios pelo Estado, fazendo os árbitros privados praticamente desapareceram[6].

O procedimento processual passou a assumir maiores rigores formais, dividido em fases com pedido do autor, direito de defesa do réu, instrução probatória, sentença, recurso e execução do julgado. Neste aspecto, nota-se o quanto o sistema processual que temos até hoje é próximo do direito processual canônico.

Com a queda do Império Romano, e o domínio dos bárbaros[7], o sistema de resolução de conflitos até então praticado sofreu grandes e abruptas interferências. Adepto a juízos divinos, que concebia prática de exorcismos, execuções sumárias e rituais contra bruxaria, o povo bárbaro não praticava uma metodologia de processo que pudesse ser qualificada como lógica e justa, mas sim, cruel e acusatória[8].

Nesse sistema, que se expandiu para países como Portugal e Espanha até adiantada fase da idade média, os procedimentos de acusação eram inquisitivos, obtendo-se provas mediante rituais cruéis de tortura, denominados ordálias. Essas práticas não se prestavam a convencer o juiz acerca da verdade, mas sim, confirmar a condenação, na medida em que o acusado era presumivelmente culpado[9].

Anos mais tarde, com a saída dos bárbaros do seu território, Roma passou a ser tratada como Império Bizantino. Sob o governo do Imperador Justiniano I, que por sua cultura entendia ser necessário salvaguardar a herança do direito romano, empreendeu-se um valioso trabalho de recompilação jurídica[10].

Cercando-se de um estreito grupo de colaboradores igualmente cultos, Justiniano reorganizou as leis romanas, advindo daí a redação do Corpus Juris Civilis, que apesar de ser considerada uma autêntica obra jurídica prima da época e da nossa história, somente veio a ser cientificamente estudada cerca de 600 anos depois, a partir do século XII, quando o texto original foi reencontrado por acaso na Escola de Bolonha, na Itália[11].

Foi um acontecimento histórico. O antigo e puro Direito Romano, de influência grega, foi redescoberto, passando a ser interpretado por estudiosos de diferentes opiniões, conhecidos como Glosadores[12].

Eram assim chamados por traçarem glosas marginais e interlineares no texto do Corpus Juris Civilis estudado, ampliando e tornando mais acessível o seu sentido. Adveio daí a hermenêutica e a sistematização das normas, fazendo da Universidade italiana de Bolonha a 1ª Escola de Direito da História, cujos estudos se expandiram para o Mundo.

  1. O PROCESSO NUM CONTEXTO MAIS MODERNO

Num outro contexto da história, início do século XIII, na Grã-Bretanha, a classe dos barões ingleses ascendeu a sua importância. Detentores de títulos reais, logo abaixo dos viscondes, os barões eram homens considerados distintos por sua lealdade à coroa.

O fato do rei João da Inglaterra[13] ter se tornado impopular pelo seu autoritarismo e política tributária, cada vez mais onerosa para cobrir gastos na guerra contra a França em 1204, levou vários barões a se unirem contra o Monarca, exigindo que este passasse a respeitar leis elaboradas por um grupo de nobres.

A situação ficou quase que insustentável para o poder do rei João, obrigando-lhe a fazer um acordo com os barões, acomodando interesses e pretensões.

Por essa razão, em 1215 foi publicada a Magna Carta Inglesa, conhecida como a grande carta das liberdades, positivando uma série de regras limitativas ao poder do Estado. Esse foi o primeiro capítulo histórico do constitucionalismo, firmando a ideia da autoridade da lei, a partir do qual se positivaram regras importantes como a proporcionalidade entre o ilícito e a pena, a vedação do confisco, a necessidade de declaração prévia de intenções do Estado, além da anterioridade de lei.

Com o Iluminismo, compreendido entre os séculos XVII e XVIII, sedimentou-se uma crítica ainda mais apurada ao absolutismo. Ideias de autores como Rousseau, Montesquieu, Voltaire, Locke, centradas na razão como a principal fonte de autoridade e legitimidade social, impactaram no pensamento coletivo da época. Fora isso, as relações comerciais se desenvolveram, gerando grandes mercados em países como Inglaterra, Itália e Espanha, nascendo, então, as Corporações de Mercadores, com a intenção de proteger os comerciantes contra o Estado e seu sistema feudal, considerados usurpadores[14].

O fortalecimento das corporações ganhou espaço e relevância, exsurgindo desse contexto a Lei espanhola das Sete Partidas. Essa lei previa basicamente que o Direito deveria ser aplicado aos mercadores por juízes consulares, eleitos pelas próprias corporações mercantis, pois se acreditava que o Direito outorgado pelo Estado era precário e parcial[15].

A par do comportamento cristão, que via na arbitragem pelos clérigos uma maneira adequada de solucionar seus conflitos, o sistema dos juízos consulares logrou tamanho êxito, passando não muito tempo depois a também estar a aberto para não mercadores, popularizando-se. Esse foi um dos embriões da necessidade de divisão do poder estatal, como forma de melhor ajustá-lo aos interesses da iniciativa privada[16].

Com a Revolução Francesa (ocorrida no final do século XVIII), maiores reclamos ganharam espaço. Inspirada nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, avançou-se para uma concepção de valorização do indivíduo como sujeito merecedor de tratamento igual em termos de direito, cristalizando o princípio da igualdade perante a lei[17].

Houve nessa passagem, uma transformação importante no sistema de direitos. Mais adaptado às reivindicações civis e políticas, concebeu-se o aperfeiçoamento do processo em termos metodológicos, diversificando o processo civil do penal[18].

Notou-se nesse momento histórico, que o processo poderia servir de instrumento para a realização do diálogo e civilidade democráticos, retomando de certa forma o sentido de processo iniciado entre os gregos e os romanos.

Os direitos individuais e sociais avançavam bem, consolidando-se em boa parte do mundo[19], quando duas indesejáveis Grandes Guerras foram travadas. A Segunda Grande Guerra, principalmente, anestesiou toda essa retomada ética, estarrecendo a todos. A intolerância e o desrespeito contra a condição humana levaram a civilização a perceber o quanto o poder ideológico pode ser cruel, não tanto pelo poder em si, mas pelo menosprezo e pela falta de capacidade dos governos ditadores se indignarem com o sofrimento humano[20].

O efeito colateral positivo desse período histórico sombrio foi a Consolidação dos Direitos Humanos e do valor da dignidade humana como algo absoluto. Progrediu-se da compreensão de indivíduo livre e igual para o fato de ser pessoa humana dotada de dignidade, pela sua simples condição existencial[21].

Uma nova agenda estatal e social adveio dessa compreensão. O Estado teve sua volta clamada, desta vez, com uma nova função, mais humana e assistencial.

Consequentemente, as instituições estatais, incluindo o processo, assumiram uma nova função, notadamente, em razão da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que não apenas posicionou a dignidade humana como epicentro normativo para a positivação válida do direito, como fundamentou a liberdade, a igualdade e a solidariedade como parâmetros de justiça.

Derivada da lógica da Declaração Universal, a cláusula do devido processo legal se tornou fundamento para as relações humanas. Foi expressamente incluída na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950; no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966 (Pacto de Nova York); na Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica); e na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, de 1981 (Carta de Banjul).

Essa nova razão prática considera essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão. Considera que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla. Considera, ainda, que todos os Estados se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades; enfatizando que uma compreensão comum desses direitos é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso[22].

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, está inspirada nessa lógica. Tornando fundamentais direitos individuais como devido processo legal – com ampla defesa e contraditório, julgamento por juiz legitimamente constituído e imparcial, vedando condenações baseadas em provas ilícitas, eis que o acusado é presumivelmente inocente, até prova em contrário, tudo no contexto da lealdade, da boa-fé, da segurança jurídica e da efetividade – o constituinte brasileiro assentou positivamente que o processo brasileiro é fator de dignidade humana, responsável pela apuração justa e cabível das ilicitudes.

  1. AS FASES DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO

Durante consolidação aventada no tópico anterior, o processo civil pátrio também experimentou mudanças, passando por quatro fases.

A primeira, conhecida como sincretista ou praxista, vislumbrava o direito processual civil como capítulo do direito privado, sem autonomia. Proveniente das ordenações portuguesas, resultou num ordenamento encabeçado pela Constituição Imperial de 1824, numa época em que as questões de relevância eram ligadas à intenção de processar e punir os crimes, assim como à regulação das relações comerciais[23].

Desabrochou desse contexto o Código de Processo Criminal de 1832 e o Código Comercial de 1850. Este último, trouxe a reboque o Regulamento 737 de 1850, assumindo importante função para a resolução dos conflitos privados do período, pois determinava a ordem procedimental a ser seguida pelo juízo no processo envolvendo relações comerciais[24].

Nesse andamento, o Livro III das Ordenações Filipinas Portuguesas ainda era aplicado no Brasil, levando o Governo Imperial a imbuir a Antonio Joaquim Ribas a tarefa de compilar todas as leis processuais existentes, que resultou na aprovação da Consolidação das Leis do Processo Civil Brasileiro, em 1876.

Esse diploma tornou obrigatória a praxe judiciária. Consistia numa síntese de teses legislativas, trechos das Ordenações e leis extravagantes, acrescidas da influência do direito romano e consuetudinário.

Referida Consolidação tinha seu conteúdo dividido em duas partes: a primeira, relativa à Organização Judiciária. A segunda, à forma do processo.

Não se perpetuou por muito tempo, pois com a instauração da República, em 1889, o Regulamento nº 737/1850 passou a ser igualmente aplicado nas causas cíveis, em razão do Decreto nº 763, de 16 de setembro de 1890.

Enquanto isso, na Alemanha, Oskar Von Bülow[25] sistematizava as ideias sobre o processo, fazendo surgir em 1868 o movimento tecnicista/autonomista. Floresceu daí a ciência processual autônoma, atribuindo ao processo civil os seus próprios métodos e estruturas. Isso acarretou a elaboração e aprovação do primeiro Código de Processo Civil Brasileiro, de 1939, de inspiração italiana, influenciada, por seu turno, pelo tecnicismo de Bülow.

Essa foi a segunda fase do direito processual civil brasileiro, chamada autonomista, processualista ou tecnicista, por valorizar as formas do processo como método indispensável à segurança da boa abordagem da lide, abstraída do direito material envolvido.

O CPC/39 perpetuou seus efeitos até 1973, quando foi aprovado o segundo Código Processual Brasileiro. Conhecido como Código Buzaid, recebeu esse apelido pelo fato de Alfredo Buzaid, Ministro da Justiça na época, ter envidado seus esforços para a confecção de um novo diploma, próximo dos ensinamentos do seu Mestre, o italiano Enrico Túlio Liebman, conhecido por seu aprofundado conhecimento técnico[26].

O direito processual brasileiro encontrou sua terceira fase nesse período. Instrumentalista, teleológico ou finalista, o processo adentrou numa fase em que se tentou superar o formalismo estéril, sendo rearticulado para funcionar como instrumento de acesso à justiça[27].

Passou-se a discutir, na década de 70, a importância dos resultados e da finalidade social do processo, realçando o objetivo pelo justo resultado como valor do acesso à justiça. As ondas renovatórias propostas na época por Mauro Capelletti e Bryant Gart[28], na obra intitulada Acesso à Justiça, trouxeram para o mundo uma reflexão funcional para o processo, constatadas a partir dos problemas enfrentados no sistema judiciário como um todo.

Com a redemocratização do país e a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito processual no Brasil embrenhou na fase atual, denominada, a neoprocessualista. Operou-se o fenômeno da constitucionalização no âmbito das relações processuais, mais aproximada dos valores Constitucionais, especificamente, da dignidade humana[29].

O formalismo processual, nesse contexto, passou a se exigir mais ético e valorativo. O Estado, por seu turno, assumiu a obrigação de observar a agenda fixada para o país pela Constituição de 1988[30].

O problema é que o Código Buzaid, positivado no Brasil antes da Constituição de 1988, em plena época da ditadura militar, já não andava firme com a agenda da Lei Maior. Repleto de reformas, também já não se apresentava textualmente coeso, não raramente difícil de ser compreendido, posto que ainda apegado com o tecnicismo implementado pelo CPC/39.

Em 16 de março de 2015, foi publicada a Lei nº 13.105, ficando promulgado o terceiro Código de Processo Civil Brasileiro.

Estabelecendo uma sintonia mais plena com a Constituição Federal, principalmente, os valores da boa-fé processual, da proporcionalidade, da razoabilidade, da eficiência, e da dignidade da pessoa humana, o novo diploma procurou dar maior organização ao sistema, simplificando os procedimentos de acesso à justiça, qualificando a igualdade jurídica, inclusive, perante a jurisprudência, impingindo mais efetividade ao processo civil, na perspectiva de construir no país uma sociedade mais livre, justa e solidária.

Com efeito, o preâmbulo da Constituição de 1988 preceitua que o Estado Democrático está destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Essa ideologia reflete o modo de implementar as normas do Código Processual Civil, mais consentâneo com a jurisdição constitucional e os direitos reconhecidamente fundamentais.

CONCLUSÃO

A função do processo civil, a partir do seu retrospecto histórico, é realizar a democracia e manter a paz social. Cabe a ele concretizar nas relações interprivadas a justiça preconizada pelo Direito Civil e pela Constituição Federal.

Materializando a dignidade, dando, portanto, satisfação ao elemento humano, no que tange aos seus conflitos, é um dos meios pelos quais o Estado exerce controle social, a partir dos compromissos estabelecidos na evolução da humanidade.

Como uma resposta aos acontecimentos históricos, a par do aperfeiçoamento das técnicas voltadas à liberdade, à igualdade e à limitação do poder estatal, hoje está sedimentado que o processo deve ser visto como diálogo aperfeiçoado da democracia, pautado pela racionalidade.

Seu objetivo é apurar a razão e a verdade, o certo e o errado, a partir de oportunidades iguais na argumentação, na interpretação das normas e na produção de provas. Como método ético de abordagem e tratamento dos conflitos, legitima e qualifica como justas as resoluções firmadas a partir de um autêntico debate.

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[1]       PLATÃO. A República. Trad. Pietro Nassehi. São Paulo: Martin Claret, 2005. Vide também ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2. ed. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, Bauru, 2007.

[2]       LIEBMANN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. vol. I. 3. ed. Trad. Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 55, 59-60.

[3]       Idem.

[4]       CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di diritto processuale civile (1894-1937). Volume Primo. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1993, pp. 148-156.

[5]       CRUZ e TUCCI. José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1998, pp. 76-90.

[6]       LIEBMANN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Op. Cit. pp. 59-60.

[7]       Proveniente do grego antigo, a palavra “bárbaro” (????????) era utilizada para se referir àquelas pessoas que não eram gregas, principalmente, o povo persa. Da mesma forma, estava relacionada no Império Romano ao fato de uma pessoa não ser romana, ser bruta ou incivilizada, por não compartilhar dos hábitos e costumes romanos, tais como os povos germânicos, gauleses, celtas e hunos (In MAROZZI, Justin. The Way of Herodotus: Travels with the Man who Invented History. Londres: Da Capo Press, 2010, pp. 311-315).

[8]       CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I. Trad. J. Guimarães Menegale, São Paulo: Saraiva, 1965, pp. 38-40.

[9]       CALAMANDREI, Piero. Instituições de direito processual civil. vol. I, 2. ed. Trad. Douglas Dias Ferreira. Campinas: Bookseller, 2003, pp. 95-97.

[10]      LEMERLE, Paul. História de Bizâncio. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

[11]      CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito – Geral e do Brasil. São Paulo: Lumen Juris, 2017.

[12]      Idem.

[13]      Historicamente conhecido como Rei João Sem Terra, devido a não ter herdado nenhuma propriedade após a morte seu pai, Henrique II.

[14]      CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. Trad. Hiltomar Martins de Oliveira. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 248; No mesmo sentido: CARNELUTTI, Francesco. Instituições de Processo Civil. Trad. Adrián Sotero de Wit Batista. Vol. I, Campinas: Servanda, 1999, p. 72.

[15]      Idem.

[16]      MONTESQUIEU. Barão de La Brède e de (Charles-Louis de Secondat). O Espírito das leis. Trad. Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 2000.

[17]      LLOBREGAT, José Garberí. Constitución y derecho procesal: los fundamentos constitucionales del derecho procesal. Navarra: Thomson Reuters Aranzadi, 2009, p. 206.

[18]      FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais. 2. ed. Coimbra: Editora Coimbra, 1996, pp. 114-122.

[19]      Tudo corria relativamente bem, na sequência de eventos históricos importantes, como a promulgação da Constituição Mexicana de 1917, reconhecendo garantias ao trabalhador; e a promulgação da Constituição de Weimar, de 1919, reorganizando o Estado Alemão, funcionalizando-o ao bem-estar social. (Neste sentido: vide FIX-ZAMUDIO, Héctor; CARMONA, Salvador Valencia. Derecho Constitucional Mexicano y Comparado. 2. ed. México: Porrua, 2001; e GOMES CANOTILHO, Joaquim José. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1996).

[20]      ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. Vide também Origens do Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo, São Paulo: Companhia das Letras, 1989, pp. 327-330.

[21]      Idem.

[22]      Expressões previstas no Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

[23]      DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, pp. 144-148.

[24]      COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23. ed. São Paulo: Saraiva. 2011, pp. 115-121.

[25]      BÜLOW, Oskar Von. Teoria das exceções e dos pressupostos processuais. Trad. Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2005.

[26]      DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. Op. Cit. pp. 144-148.

[27]      Idem.

[28]      CAPPELLETTI, Mauro. Processo, Ideologias e Sociedade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010.

[29]      DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. vol. 1. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, pp. 42-45.

[30]      Idem.


<CLIQUE E ACESSE O VOL.429>

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Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
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  2. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
  3. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
  4. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
  5. A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.

III) Política de Privacidade

Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.


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