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Revista Forense – Volume 430 – O sistema da justiça desportiva no desporto brasileiro, Bianca Sgobbi

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ARTIGOS

CIVIL

DIREITO DESPORTIVO

DOUTRINA

Revista Forense – Volume 430 – O sistema da justiça desportiva no desporto brasileiro, Bianca Sgobbi

DESPORTO

DIREITO DESPORTIVO

ESPORTE

ESPORTE DE ALTO RENDIMENTO

ESPORTE EDUCACIONAL

FUTEBOL

JURISDIÇÃO DESPORTIVA

JUSTIÇA DESPORTIVA

REVISTA FORENSE 430

Revista Forense

Revista Forense

24/04/2020

Revista Forense – Volume 430 – ANO 115
JULHO – DEZEMBRO DE 2019
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA,
JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Mendes Pimentel
Estevão Pinto
Edmundo Lins

DIRETORES
José Manoel de Arruda Alvim Netto – Livre-Docente e Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Eduardo Arruda Alvim – Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/FADISP

Abreviaturas e siglas usadas
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DOUTRINAS

A) DIREITO ADMINISTRATIVO

B) DIREITO CIVIL

C) DIREITO CONSTITUCIONAL

D) DIREITO EMPRESARIAL

E) DIREITO DO TRABALHO

F) DIREITO PROCESSUAL CIVIL

G) DIREITO TRIBUTÁRIO

H) CADERNO DE DIREITO DESPORTIVO

ESTUDOS E COMENTÁRIOS

Resumo: O presente trabalho trata do sistema da justiça desportiva no futebol brasileiro, abordando seu funcionamento. Sendo um novo ramo do Direito, o Direito Desportivo tem sua autonomia e capacidade para julgar e tratar dos assuntos com celeridade. Por seus tribunais estarem ligados ao Ministério do Esporte, suas decisões são proferidas por magistrados que têm conhecimento pleno sobre as situações conflitais que aparecem.

Palavras-chave: Jurisdição desportiva. Desporto. Futebol. Justiça desportiva.

Abstract: This paper deals with the sports justice system in Brazilian football, addressing its operation. Being a new branch of law, Sports Law has its autonomy and ability to judge and deal with matters quickly. Because their courts are linked to the Ministry of Sports their decisions are made by magistrates who are fully aware of the conflicting situations that arise.

Keywords: Sports Jurisdiction. Sport. Soccer. Sports justice.

Sumário: 1. Introdução – 2. Desporto: 2.1 Desporto de participação; 2.2 Desporto educacional; 2.3 Desporto de alto rendimento – 3. Jurisdição – 4. Jurisdição desportiva – 5. Conclusão – Referências bibliográficas.

  1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objeto o sistema da Justiça Desportiva no futebol brasileiro.

Ressalva-se desde o início que não será possível envolver toda a problemática existente dentro deste tema, mas o objetivo aqui traçado será analisar desde a organização das classificações do desporto – visto como Direito do Esporte e sendo um ramo do Direito que aborda relações jurídicas existentes perante as atividades desportivas – até a jurisdição e competência da Justiça Desportiva.

A Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, do atualmente denominado Código Brasileiro de Justiça Desportiva e respeitáveis doutrinas, muito iluminará os caminhos do trabalho a ser apresentado.

Mesmo sendo conhecido e presente em toda rotina, é relevante tratar do tema, pois além de envolver uma das grandes paixões universais que une povos e culturas, o futebol está segurado ainda pela Lei nº 9.615/98 e demais legislações que trazem informações acerca do tema que evoluiu com o decorrer dos anos e foi adequado para atender às necessidades que começaram a surgir diante da Justiça Desportiva, do desporto e do futebol.

Este artigo busca não somente solucionar e sanar dúvidas em relação a instâncias em que são resolvidos os problemas desportivos; mas também conhecer e entender se a jurisdição aqui pesquisada poderá ter suas decisões proferidas alteradas por outra justiça, ou, se esse fato de a jurisdição atingir o trânsito em julgado de um processo e receber recurso ocorre apenas com o âmbito do processo civil, além de buscar também na Constituição Federal se o processo judicial da justiça desportiva se iguala ao processo judicial dos atos administrativos.

Dividido em três partes, o presente artigo terá em seu teor capítulos e seus subtítulos. Em seu primeiro momento, tratará do desporto, desde as modalidades desportivas existentes até a história do futebol. Na segunda parte, a jurisdição em geral será o principal assunto a tratar, conceituando e trazendo para o entendimento seus limites, espécies e demais características. Por fim, o artigo encaminha-se para a jurisdição desportiva.

Para obter o resultado do trabalho aqui apresentado utilizou-se o método dedutivo, além da Constituição Federal, da Lei nº 9.615/98 – Lei Pelé, da Lei nº 11.348/06 – Lei do Incentivo ao Esporte, além de grandes e variadas doutrinas como Teoria Geral do Processo, de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Dinamarco e Antônio Carlos de Araújo Cintra, em sua 31ª edição, artigos científicos, revistas on-line, materiais fornecidos pela Justiça do Esporte, cartilha do Ministério do Esporte e também literatura sobre o tema.

  1. DESPORTO

Desporto é definido como qualquer exercício ou prática realizado de forma coletiva ou individual que apresente finalidade de competir, além de visar melhora da saúde e do físico.

No âmbito jurídico, o Direito do Esporte é um ramo do direito que aborda as relações jurídicas existentes nas atividades desportivas.

Popularmente tratado como esporte, o tema envolve sinônimos desde divertimento até distração ou recreação. Visto como um fenômeno social, é costumeiro na prática cotidiana. Manifesta-se nas escolas, na mídia e até mesmo nas ruas.

Ainda que exista dificuldade em conceituar o desporto, não há dificuldades em reconhecer os preceitos de seu campo de investigação.

Deve-se evidenciar a diferença de desporto para esporte, visto que o esporte, no decorrer da história, foi moldado de formas distintas até se tornar um produto do consumo e meio social. Essa evolução teve o acompanhamento da tecnologia em geral, envolvendo desde materiais e equipamentos esportivos, propostas de patrocínio aos atletas até o acesso pela mídia particularizada, que veio para oferecer canais de única e exclusiva transmissão sobre esporte, de modo a aumentar a sucessão de produtos de consumo estimulados por esse veículo de comunicação.

Sendo o desporto espécie do gênero esporte, é ele dividido em três categorias: Desporto de Participação, Desporto de Alto Rendimento e Desporto Educacional.

2.1    Desporto de participação

Qualificado por ser a forma mais democrática dentre as três manifestações do desporto, o Desporto de Participação é aquele que melhor atende ao regulamento constitucional estabelecido ao final do artigo 217, que afirma que “(…) é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados: § 3º o poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social”, combinado com os princípios fundamentais indicados pelo artigo 2º da Lei nº 9.615/98 – Lei Pelé, que afirmam o direito à livre pratica do desporto de acordo com a capacidade, interesse e vontade de cada um.

É a forma mais democrática, pois além de combinar e atender aos requisitos finais do artigo 217 da Constituição Federal com o artigo 2º da Lei 9.615/98, não restringe a participação de quaisquer indivíduos e ainda invalida mitos referentes a “supremacias” genéticas. Para representar tal circunstância, pode-se usar uma maratona em sua reta final em que uma grande parcela de pessoas comuns conclui a rota juntamente com pessoas que treinam para realizar tal feito.

Praticado livremente pelas pessoas, sem possuir regras a serem seguidas, o Desporto de Participação tem como sua real finalidade contribuir com a integração dos participantes em seu meio social, muito além de promover a saúde, educação e até mesmo a preservação do meio ambiente, como está previsto no artigo 3º inciso II da Lei nº 9.615/98:

O desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente[1].

Há de se destacar, desta forma, os principais conceitos que o Ministério do Esporte e a Lei nº 11.348/06 – Lei do Incentivo ao Esporte trazem para compor a manifestação do Desporto de Participação, sendo eles: lazer, cultura corporal, cultura lúdica e esporte recreativo.

De acordo com uma cartilha sobre a Lei de Incentivo ao Esporte preparada pelo Ministério do Esporte, o lazer é um “fenômeno moderno, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas”[2], de tal modo que a cultura corporal “é a dimensão da cultura constituída pela interação das práticas sociais de esporte, jogo, dança, ginástica”[3]. Nessa mesma linha, a cartilha define o esporte recreativo como “realizado de forma lúdica caraterizado pela livre escolha tendo como expressão a festa e a alegria”[4] e, por fim, a cultura lúdica é conceituada também no mesmo material como “centrada nos jogos, brinquedos e brincadeiras construídos historicamente a partir das referências de inserção social”[5].

A cartilha dá ênfase à cultura lúdica, ou melhor, à liberdade lúdica existente no Desporto de Participação, que além de gerar integração social, gera o entretenimento e vida ativa de forma a evocar sentimentos de liberdade e autenticidade de ação. Isso, quando bem definido, desenvolve saberes para vida pessoal e também profissional.

Para esclarecer, vale apresentar que os esportes de participação podem ser projetos locais para acesso ao esporte e lazer até eventos que tenham como foco a participação, integração, ludicidade, tudo isso sem enfoque competitivo.

Como não é possuidor de foco competitivo, para receber o benefício necessário e provido de incentivos estabelecidos na Lei de Incentivo ao Esporte, devem as atividades de participação cumprir os requisitos do artigo 4º, inciso II do Decreto nº 6.180/07:

Art. 4º. Os projetos desportivos e paradesportivos, em cujo favor serão captados e direcionados os recursos oriundos dos incentivos previstos no art. 1º, atenderão a pelo menos uma das seguintes manifestações:

II – Desporto de participação, caracterizado pela prática voluntária, compreendendo as modalidades desportivas com finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e da educação e na preservação do meio ambiente[6].

Portanto, o desporto de participação terá esse benefício desde que praticado livremente, de forma a contribuir para o bem pessoal de quem realiza determinada prática desportiva, gerando assim evolução pessoal, melhora em seu bem-estar, ou seja, alavancando a vida do desportista em relação a si mesmo.

2.2    Desporto educacional

O desporto educacional é “praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação”[7], conforme o artigo 3º, inciso I, da Lei nº 9.615/98.

Dentre seus objetivos, destaca-se como o principal a busca para proporcionar o desenvolvimento integral da pessoa, sua formação para o exercício evitando que haja seletividade, ou pronunciado de forma clara, a distinção entre as pessoas. Procura-se evitar também a competitividade excessiva de seus praticantes, pois tem como fundamento alcançar a desenvoltura integral do indivíduo e a sua formação para que possa pôr em exercício a cidadania e pratica do lazer.

Sabe-se que o esporte é um fenômeno social e, deste modo, se faz presente nas práticas cotidianas, nas escolas e também nas ruas, do mesmo modo que perduram valores, costumes e maneiras. O esporte tem uma forte característica intrínseca, sendo ela a pluralidade, pois como se espera, a cada dia surgem novos significados para sua prática.

Dentro do Desporto Educacional existem duas manifestações, sendo chamadas de esporte educacional e esporte escolar.

O esporte educacional tem como princípio a participação, cooperação e inclusão que buscam influenciar na formação da cidadania e estilo de vida ativa da criança e do jovem tanto dentro quanto fora da escola.

Por outro lado, o esporte escolar traz em seus princípios o desenvolvimento esportivo e também do espírito esportivo que, nesse caso, tem como objetivo desenvolver ainda mais os jovens com mais aptidão ao esporte sem perder o foco da formação para cidadania. Porém, o que muda levemente nesse caso é o público-alvo, de modo a ser destinado a jovens que possuem maior habilidade esportiva.

A Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, que é regulamentada pelo Decreto nº 7.984/13, define em seu artigo 3º, inciso I, o Desporto Educacional:

I – Desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer[8];

Por ser de suma importância, o Desporto Educacional é detentor de prioridade na distribuição dos recursos públicos. Desta forma, quando tratamos de matéria desportiva, ele será sempre prioritário; pois além de estar previsto que os recursos do Ministério do Esporte terão destino ao desporto educacional, prevê o artigo 217, inciso II da Constituição Federal “a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento”[9].

Além de ser dever do Estado, é exigido pela Lei de Incentivo ao Esporte que o público beneficiado por essa manifestação obrigatoriamente “esteja matriculado em instituições de ensino e que 50% destas pessoas registradas em algum estabelecimento público de ensino”[10]. Ressalta-se que não se permite e nem se aceita a existência de seletividade e competitividade entre aqueles que o praticam: o esporte, aqui, é um instrumento auxiliar no processo de educação.

O fato de se evitar a seletividade significa que a aptidão esportiva individual não pode ser critério para selecionar futuramente aqueles indivíduos que receberão o benefício de um projeto de desporto educacional.

2.3    Desporto de alto rendimento

Compreendendo modalidades esportivas praticadas conforme determinam as regras nacionais e internacionais, visando obter resultados e competição entre participantes, o desporto de alto rendimento possui também a finalidade de integrar pessoas e comunidades de diversas nações. Ele pode ser praticado de maneira profissional – quando o atleta recebe pela prestação de seus serviços esportivos – ou não profissional. A Lei nº 9.615/98, em seu artigo 3º, inciso III, diz que o desporto de alto rendimento é “praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações”[11].

A ideia de rendimento desportivo trata das conquistas ou das futuras conquistas que podem conseguir os praticantes/atletas de desporto. Dessa forma, para que se aumente o rendimento desportivo, os atletas devem possuir condições de explorar os seus recursos ao máximo. Com tudo, os centros de alto rendimento desportivo procuram impulsionar as diversas capacidades que os desportistas possuem; ou seja, buscam rotinas de aperfeiçoamento.

Existem circunstâncias internas e externas que influenciam grandemente no desporto de alto rendimento. O fato de um esportista de elite ter uma excelente equipe técnica fará com que o mesmo tenha um rendimento melhor do que aquele desportista que treina com condições mais precárias, de forma a não conseguir potencializar ainda mais seu rendimento.

Por ser realizado com rigidez em suas regras, pode-se mencionar então que o objetivo desse desporto, além de gerar ganho emocional para quem pratica, busca gerar também ganho emocional para quem assiste.

Dentro do conceito de desporto de alto rendimento, há a distinção entre aqueles organizados com moldes profissionais e não profissionais. Já é conhecido o fato de que o modo profissional é caracterizado por remuneração compactuada por contrato de trabalho ou formas contratuais conexas; de forma que o desportista, neste caso, é considerado pela lei um empregado de determinada entidade esportiva, possuindo direitos e deveres como um empregado comum que se propõe a desempenhar sua função. Portanto, respeita o previsto no inciso I do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.615/98: “de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva”[12]. Exemplos dessa manifestação desportiva são as modalidades disputadas nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, bem como futebol, tênis, atletismo, vôlei e basquete.

Entretanto, quando a legislação brasileira trata do desporto de alto rendimento de forma não profissional, também previsto na Lei nº 9.615/98 em seu artigo 3º, § 1º, inciso II, dizendo sobre a organização e pratica do desporto de alto rendimento “de modo não profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio”[13], há de se levar em consideração a idade do atleta.

Esse atleta não profissional que pratica o desporto de alto rendimento é aquele impossibilitado pelos meios legais por não possuir idade suficiente para assinar um contrato de trabalho, como por exemplo, as categorias de base do esporte de alto rendimento, que comportam jogadores com pouca idade.

Muitos dizem que o desporto de alto rendimento está relacionado a grandes contemplações conectadas a dimensão econômica, impulsionado pela grande revolução da tecnologia. Nas palavras de Marília Maciel Costa, Mestre em Relações internacionais e Doutora em sociologia do Esporte, analista do judiciário no TRF-1ª Região:

O esporte-espetáculo seria, pois, o esporte profissional de alta competitividade transformado em mercadoria, ou seja, o esporte, como mercadoria, é apresentado de forma espetacular com vistas a alcançar maior valor de troca. A questão mercadológica na sociedade capitalista encontrou no espetáculo uma forma de expandir o esporte. Afinal, explorar a forma espetacular de apresentação tornou-se um produto social da modernidade. O caráter espetacular da vida moderna passou a impregnar todas as esferas de relacionamento humano e o esporte, em particular, adequou-se de forma patente[14].

Aproveitando o gancho econômico citado, o artigo 7º, inciso II, da Lei nº 9.615/98 estabelece quando os recursos do Ministério do Esporte serão destinados especificamente a este meio desportivo; ou seja, quando participarem entidades nacionais e administrações do desporto em competições internacionais e também as competições do desporto nacional[15].

Isto posto, pode-se dizer que o desporto de alto rendimento “possibilitou ao ser humano um grau de tensão e excitamento que o tirou de uma rotina cotidiana da sociedade moderna e o lançou em momentos de êxtase”[16], de forma que essas realizações desportivas de alto rendimento se tornaram uma forma segura para se vivenciar emoções de certo modo controladas.

  1. JURISDIÇÃO

Diferenciando-se das outras funções existentes do Estado, a jurisdição, em primeira vista, tem função pacificadora por parte do Estado.

Jurisdição, então, é a atividade pela qual os juízes do Estado examinam as ambições e resolvem as lides.

Desse modo, nota-se que por meio dela os juízes agem de modo a substituir as partes que não podem mais fazer justiça com as próprias mãos, como nos tempos antigos, e também de acordo com o Código Penal em seu artigo 345, que veda a autodefesa. As partes, não podendo mais agir, têm como solução provocar e fazer agir o encargo da jurisdição.

Nessa mesma linha, é conhecido que a jurisdição se exerce através do processo, podendo provisoriamente então conceituá-lo como instrumento de que os órgãos jurisdicionais se valem para resolver de forma passiva as lides existentes, dessa forma cumprindo o papel da justiça.

Dessa maneira, fica claro que o poder estatal atualmente é possuidor de capacidade para eliminar de forma pacificada os conflitos que envolvem as pessoas.

Essa pacificação só acontece diante da vontade do direito objetivo e, dessa forma, o Estado desempenha a função mediante o processo, expedindo uma sentença de mérito (preceito concreto e pertinente ao caso) ou apenas uma execução forçada (realização de algo no mundo das coisas estabelecida pela lei).

Sendo poder do Estado então, vale dizer que a jurisdição vai além, sendo também poder, função e atividade. Sendo poder, conceitua-se em decisões imperativas; tratando de função, apresenta-se o que necessita ser feito pelos órgãos jurisdicionais para promover a pacificação dos conflitos, de modo justo; e como atividade se traduz nos atos realizados por juízes ou árbitros no decorrer dos processos, executando os poderes a eles atribuídos. Estas três características apenas manifestam legitimidade mediante processo legal.

Para que se caracterizasse a jurisdição, muitas das vezes os critérios eram propostos pela doutrina, que tinha total apoio jurídico e nenhuma preocupação com o caráter sociopolítico. Porém, cita-se na obra Teoria Geral do Processo, em sua 31ª edição, que “hoje a perspectiva é substancialmente outra, na medida em que a moderna processualística busca a legitimidade de seu sistema na utilidade que o processo e exercício da jurisdição possam oferecer à nação e suas instituições”, e ainda em relação às características:

Não deixam de ser também importantes as características da jurisdição pelo aspecto jurídico. Entre os critérios distintivos propostos pela doutrina tradicional, os dois indicados por Chiovenda mostram-se suficientes para a caracterização jurídica da jurisdição: a) caráter substitutivo; b) escopo de atuação. Foi muito importante também a construção por Carnelutti, que caracterizava a jurisdição pela circunstância de ser uma atividade exercida sempre com relação a uma lide[17];

Falar do caráter substitutivo é dizer que mediante a lide o Estado ou árbitro pegam para si, como uma atividade sua, as atividades das partes envolvidas na lide. Não cabe a nenhuma das partes envolvidas dizer quem está com a razão; cabe a elas invadir o âmbito jurídico para se satisfazer e, dessa forma, a única atividade admitida por lei quando surge a lide é daquele que exerce a jurisdição; ou seja, o juiz ou o árbitro que estará substituindo as partes.

Essas atividades exercidas pelo Estado são praticadas por pessoas físicas que constituem agentes ou órgãos e, por não agirem em seu nome próprio, a sua imparcialidade é uma característica exigida por lei. É o que diz o Código de Processo Civil em seus artigos 144, 146 e 148; como também diz o Código de Processo Penal em seus artigos 53, 55 e 438: não devem atuar juízes, árbitros ou auxiliares que se interessarem pelo litigio ou que se comportarem de certa maneira para privilegiar alguma parte.

Em relação ao escopo de atuação, ao criar jurisdição em seus órgãos institucionais, o Estado preocupou-se em garantir que as normas do ordenamento jurídico façam chegar aos resultados enunciados; dessa forma, que em cada caso se tenha uma experiência concreta, resultados práticos. Fica claro, então, que “o escopo jurídico da jurisdição é a atuação das normas de direito substancial”.

Essas teorias de Chiovenda, citadas na obra Teoria Geral do Processo (caráter substitutivo e escopo de atuação do direito), correspondem à ideia de que a norma concreta acontece muito antes e independente do processo. Da mesma forma, deve-se atentar à teoria de Carnelutti que trata do comando completo existindo somente quando é proferida a sentença, de modo que “o escopo do processo seria então a justa composição da lide, ou seja, o estabelecimento da norma de direito material que disciplina o caso, dando razão a uma das partes”[18].

Entre tantas afirmações, pode-se dizer, então, que o mais elevado interesse que é satisfeito com a execução da jurisdição é o interesse da própria sociedade, ou seja, do Estado enquanto comunidade, pois “a realização do direito objetivo e a pacificação social são escopos da jurisdição em si mesma, não das partes”[19]. Portanto, o Estado aceita ser provocado pelo interessado em obter sua cooperação, fazendo a instauração do processo e conduzindo-o até o final, com a condição de que possa se obter a prestação jurisdicional até onde ela possa atuar, com isso alcançando a pacificação e fazendo justiça.

Sabe-se que a jurisdição não se retém apenas a essas características já trabalhadas. Dessa maneira, deve-se atentar também à lide, à inércia e à definitividade.

Como já dito, a função jurisdicional se exerce em exuberantes números de casos. Como sempre afirmava Carnelutti, com toda sua referência a uma lide em que a parte interessada apresenta ao Estado, pedindo medidas a serem tomadas acerca do que fora apresentado, de maneira que “a existência da lide é uma característica constante na atividade jurisdicional quando se trata de pretensões insatisfeitas que poderiam ter sido satisfeitas pelo obrigado”. Pois é a existência do conflito de interesses que leva a parte a se dirigir ao juiz e pedir solução.

Ao se tratar da característica da inércia dos órgãos jurisdicionais, busca deixar claro sobre o exercício de forma espontânea que a atividade jurisdicional se tornaria, pois “acabaria sendo contraproducente, pois a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social, e isso viria em muitos casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam antes”[20]. Há de se lembrar que o juiz, ao tomar iniciativa em algum processo, conecta-o de forma tão direta ao caso apresentado que dificilmente teria condições de ser imparcial na tomada de sua decisão. Por esse motivo, é dada à parte a opção de provocar o Estado-juiz a cumprir e exercer sua função jurisdicional.

Assim, a insatisfação é o que motiva estabelecer o processo. Uma parte que se diz titular de uma pretensão provoca o Estado e pede em juízo que seja satisfeito o seu desejo, eliminando por fim sua insatisfação, vencendo dessa maneira a inércia.

Outra característica atribuída aos atos jurisdicionais é a imutabilidade, ou seja, não poderão ser revisados ou modificados futuramente. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVI, estabelece que não seja prejudicado o direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito.

Coisa julgada significa que são imutáveis os efeitos de uma sentença, sendo ela judicial ou arbitral, pois as partes não podem propor novamente em juízo ou agir de forma discordante ao que fora sentenciado; da mesma forma que os juízes não podem decidir novamente a respeito daquele caso e nem o legislador emitir cláusulas contrárias para as partes. Essa característica está presente apenas nos atos jurisdicionais, o mesmo fato não incide sobre os atos administrativos ou legislativos.

A jurisdição diferencia-se da legislação. De acordo com Ada Pellegrini, isso ocorre pelo fato de a jurisdição

Pacificar situações conflituais apresentadas ao Estado-juiz, fazendo justiça em casos concretos – seja afirmando imperativamente a preexistente vontade do direito (sentença), seja produzindo os resultados que o obrigado não produziu com sua conduta própria (execução)[21].

Na linha de Pellegrini, em relação à atividade administrativa, o Estado também cumpre a lei, mas a diferença entre jurisdição e a administração está em:

  1. a) embora cumpra a lei, tendo-a como limite de sua atividade, o administrador não atua com o escopo de atuá-la (o escopo é, diretamente, a realização do bem comum);
  2. b) quando a Administração Pública pratica ato que lhe compete, é o próprio Estado quem realiza uma atividade relativa a uma relação jurídica de que é parte, faltando portanto o caráter substitutivo;
  3. c) os atos administrativos não são definitivos, podendo ser revistos jurisdicionalmente em muitos casos. Acima de tudo, só na jurisdição reside o escopo social magno de pacificar em concreto os conflitos entre pessoas, fazendo justiça na sociedade[22].

Com essa distinção realizada, há de se tratar dos princípios inerentes à jurisdição estatal, pois em todos os países forma-se jurisdição por princípios fundamentais expressos ou não em lei, sendo eles nomeados como: investidura; aderência ao território; indelegabilidade; inevitabilidade; inafastabilidade; juiz natural; inércia.

Alguns princípios já foram tratados por fazerem parte das características da jurisdição, outros devem ser explicados, para que exista melhor entendimento mediante situações futuras.

O princípio da investidura traz a ideia de que só será exercida a jurisdição por aquele que possuir autoridade de juiz, isso pelo fato de ser a jurisdição exercida por uma pessoa física que é um agente (juiz) ou faz parte de algum órgão do Estado.

A aderência ao território se manifesta primeiramente a limitar a soberania nacional, ou seja, ao território do País como o Poder Legislativo ou Executivo. Os magistrados também só possuem autoridade nos limites territoriais de seu Estado; porém, como existem muitos juízes no País partilhados em comarcas ou seções judiciárias, fica restrito a cada juiz exercer sua autoridade nos limites do território ao qual corresponde sua jurisdição. Fica claro, dessa maneira, que esse princípio estabelece limites à autoridade dos juízes.

Tratando do princípio da indelegabilidade da jurisdição, de acordo com a Constituição é vedado a qualquer dos Poderes transmitirem atribuições, da mesma forma que é vedado a qualquer juiz utilizar-se de seus próprios critérios para confiar deveres a outro órgão. Isso ocorre porque essa pessoa é apenas um agente do Estado, ou seja, age em nome dele. Mesmo que não esteja assentada expressamente, essa regra é resultado de construções doutrinárias, princípios e aceitação geral, sofrendo algumas exceções.

Procedendo dessa forma, fala-se do princípio da inevitabilidade, em que a autoridade se impõe sem a manifestação das partes para obter resolução do conflito.

Ao dizer do princípio da inafastabilidade ou do controle jurisdicional expresso no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, é garantido a todos o acesso ao Poder Judiciário, pois a lei não pode excluir qualquer lesão ou ameaça ao direito, da mesma forma que o juiz não pode se escusar de dar sua decisão.

O juiz natural está relacionado ao princípio anterior, pois ninguém pode ser privado do julgamento. A Constituição Federal proíbe os tribunais de exceção para julgar determinadas pessoas ou crimes de naturezas especificas sem previsão constitucional.

E, por fim, o princípio da inércia que já fora tratado, em que os órgãos jurisdicionais esperam que a parte interessada tome a frente e provoque o Estado-juiz para alcançar um resultado de sua pretensão, satisfazendo-o.

Passados os princípios da jurisdição, é importante falar brevemente sobre a sua dimensão e seus poderes inerentes.

No início, a pouca participação que o juiz tinha na execução forçada era fundada no imperium e não jurisdição. Porém, estudos comprovam que atualmente prevalece perante as doutrinas a execução autêntica da atividade jurisdicional.

O juiz dispõe do poder jurisdicional e de polícia, sendo que esse último é analisado para ter certeza da excelência e autenticidade a conferir o primeiro. Todavia, os poderes jurisdicionais são questões de política legislativa, sendo concedidos em maior ou menor intensidade. Ficando clara a forma de que o nosso processo é processo de ação, seja ele em matéria cível ou penal.

Com todas as suas características, a jurisdição possui também espécies e limites que devem ser trabalhados.

A doutrina costuma tratar das espécies de jurisdição classificando-as como categorias. De acordo com Ada Pellegrini, é corriqueiro classificar a jurisdição nas seguintes espécies: a) critério do seu objetivo, sendo assim penal ou cível; b) critério dos organismos judiciários, ou seja, comum ou especial; c) critério da posição hierárquica dos órgãos, superior ou inferior; d) critério da fonte do direito, jurisdição de direito ou de equidade[23]. Esse desmembramento da jurisdição estatal em espécies ocorre por conta dos problemas da distribuição da grande quantidade de processos entre justiças e juízes (superiores ou inferiores), de forma que existem critérios para essa distribuição.

A jurisdição também se exerce fora do Estado e do Poder Judiciário, isso porque existe a figura dos árbitros que são constituídos pelas partes que estão em litigio, sendo então uma escolha bilateral. A arbitragem não possui a mesma fonte que a jurisdição estatal, pois é representada aqui pela vontade das partes que combinam e estão de acordo com uma convenção de arbitragem. O que há de comum entre elas é a presença do escopo social que é a busca da pacificação, eliminando os conflitos existentes com justiça. O fato de uma existir anula a existência de outra, ou seja, elas se excluem. Sendo a jurisdição arbitral autônoma diante do Estado, suas decisões estão prontas a produzir efeitos iguais aos dos juízes togados, não necessitando que eles a alterem.

A pretensão jurisdicional é um objeto que varia conforme o objetivo material no qual está fundamentada.

De tal forma, é comum que haja divisão do exercício da jurisdição entre os juízes de certo país, em que alguns ficam com a competência para analisar pretensões de natureza penal e os outros as demais naturezas existentes. Trata-se, desse modo, de jurisdição penal (causas penais com pretensões punitivas) e jurisdição civil (com pretensões e causas não penais, ou seja, ocorre por exclusão).

Interpreta-se, então, que a jurisdição penal é exercida com a seguinte classificação: por juízes estaduais comuns, pela Justiça Militar estadual, também a Justiça Militar federal, existindo a Justiça Federal e, por fim, a Justiça Eleitoral. Somente a Justiça do Trabalho não possui jurisdição penal; a jurisdição civil é exercida então pela Justiça Estadual, Federal, Trabalhista e Eleitoral, e aqui, apenas a Militar não se exerce. Em sentido estrito, a jurisdição civil é exercida pela Justiça Federal e Justiça dos Estados.

Com esses fatos apresentados, fica claro que não é conveniente atribuir apenas competência civil a determinados juízes e penal a outros, como se nunca existisse união entre eles, ou como se de forma nenhuma o exercício da jurisdição penal gerasse consequências civis ou vice-versa. Estão previstos em lei alguns dispositivos que apresentam interação da jurisdição civil e penal pois sendo ela apenas substancialmente uma, haveria gastos desnecessários e aplicação repetitiva de sua função.

  1. JURISDIÇÃO DESPORTIVA

Com a vigência da Constituição Federal de 1988, atribuiu-se autonomia à Justiça Desportiva para solucionar os litígios que influenciam diretamente o campo esportivo, desde infrações de regras do jogo até mesmo a organização do desporto.

Regula sobre a Justiça Desportiva não apenas o artigo 217 parágrafos 1º, 2º e 3º da Constituição Federal, mas também o artigo 33 da Lei nº 8.028/90 fazendo com que a Justiça Desportiva venha a ser regulamentada pela Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, popularmente conhecida como Lei Pelé.

Dessa maneira, fica nítido que a justiça Desportiva se concretiza em uma justiça especial, tornando-se um meio opcional de resolver conflitos. Sua eficácia é limitada, nesse momento necessita da existência de leis infraconstitucionais para que realmente ocorra a sua concretização e atuação.

Assim, citando quem muito entende e doutrina sobre o assunto, Luiz Antônio Grisard diria que “Justiça Desportiva é a instância não judiciária, constitucional e legalmente instituída para dirimir os conflitos de interesse que se situem dentro de seus limites de competência”.

Os incisos do artigo 217 da Constituição Federal, aqui já referidos, dizem sobre a celeridade processual, enquanto a legitimação da Justiça Desportiva encontra-se expressa nos parágrafos do mesmo artigo aqui mencionado, sendo assim:

I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional;

IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

  • 1º. O poder judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei.
  • 2º. A justiça Desportiva terá o prazo de 60 (sessenta) dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
  • 3º. O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social[24].

Por tratar os incisos da celeridade processual, deve-se ressaltar que essa preocupação ocorre por se conhecer que existem obstáculos passiveis de atrapalhar e atrasar o andamento real do calendário das competições, com prazos fixados que não podem aguardar até a Justiça Comum proferir sua decisão. Portanto, se houver tamanha demora a proferir alguma decisão da Justiça Comum, como acontece de forma corriqueira, gera-se um dano imenso ao calendário de competições que regem os eventos desportivos, sendo dessa forma, mais um comprovante para a que exista a Justiça Desportiva.

Outro grande fator para que exista a Justiça Desportiva é que aparentemente os julgadores têm grau de especialização em Direito Desportivo, algo que, pela formação das escolas de Direito, não se observa de costume no Poder Judiciário, cujos julgadores, salvo raras exceções, não têm formação na seara desportiva.

Por possuir contornos competentes próprios, os julgadores que enfrentam demandas sobre matéria desportiva necessitam ter vivência, melhor dizendo, necessitam de conhecimento das normas tanto práticas quanto teóricas, que julgadores da Justiça Comum não possuem e também não são familiarizados. Esse fator vem a ser um dos principais para a existência da justiça no âmbito desportivo, pois se pertencesse a qualquer outra, os julgamentos e sentenças proferidas para a lide desportiva correriam risco de rejeição.

O Código Desportivo é possuidor de especificidades que são compreendidas unicamente por aqueles que convivem com essa prática desportiva.

Álvaro Melo Filho, em sua obra Direito Desportivo no Limiar Século XXI, faz menção a essa situação, de forma que ao seu ver “não será possível definir o direito e aplicar justiça em função de matéria desportiva fora do mundo do desporto, sem o espírito da verdade desportiva, sem o sentimento da razão desportiva” e dessa menção se percebe quão taxativa é a Constituição, postulando que o Poder Judiciário conhecerá ações relativas à justiça Desportiva somente quando estiverem esgotadas suas instâncias ou quando a decisão final não for proferida no prazo de sessenta dias, conforme indicado no corpo do artigo 217, § 2º, que já fora mencionado anteriormente.

Seguindo essa linha e tratando do fato das instâncias se esgotarem, Marcio de Castro faz menção em seu trabalho a Alcirio Dardeau de Carvalho e seus comentários sobre a Lei regulamentadora do Desporto, citando que “as instâncias da justiça Desportiva ficam esgotadas, em princípio, quando qualquer de seus órgãos profere decisões de que não caibam recursos para outras instâncias o julgamento no caso de competência originária”[25]. Assim, a decisão sendo recorrível, não será possível existir o esgotamento da instância, isso até se a parte interessada na lide deixar de recorrer por motivo qualquer.

Em consequência dos dados apontados, muitos acreditam que o desporto então só possui sentido com o Direito – ou melhor, Poder Judiciário – exercendo-o, mas como existe constante alteração e evolução, deve-se saber que os conflitos que ocorrem diante do desporto geraram um novo ramo do Direito, reforçando ainda mais o conceito de ser imensamente necessária a existência da Justiça Desportiva.

Edson Lemos, em sua Revista do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo do ano de 2002, cita Álvaro, que defende que a justiça aqui tratada possui autonomia hibrida, e cita também o doutrinador Luiz Roberto Martins Castro, que afirma que “o direito desportivo já existe e é efetivamente um novo ramo de Direito e, principalmente, autônomo dos demais. (…) nasceu como qualquer outro ramo do direito, da necessidade de regulamentação das atividades dos seres humanos”[26].

Nessa mesma linha, Lemos cita Castro e Ezabella em sua obra O Direito Desportivo e a Imagem do Atleta, publicada no ano de 2006, no trecho em que afirmam ser direito desportivo “um ordenamento jurídico diferenciado e autorregulável, além de condensar normas constitucionais, internacionais, administrativas, trabalhistas, comerciais, penais, civis e processuais”[27], provando que essas características específicas dão ainda mais autonomia ao desporto jurisdicional em relação aos demais ramos do Direito.

Contudo, o mérito do momento não é decidir qual corrente seguir ou a qual se filiar: o mérito é deixar cada vez mais comprovada a impossibilidade de negar a presença do direito no mundo esportivo e por conta de regras estabilizadas no âmbito jurídico desportivo há de se garantir ordem, proteção e realização da prática desportiva, fazendo com que a Justiça Desportiva exerça um papel primordial para enfrentar os conflitos vindouros das práticas de atividade do desporto.

Não sendo elemento do Poder Judiciário, a Justiça Desportiva não aceita que juízes togados atuem e, como se sabe, estão elencados na Constituição Federal, em seu artigo 92, os órgãos que pertencem ao Poder Judiciário. Entre eles, não está inclusa a justiça aqui trabalhada, fato que serve de justificativa para afastar o caráter judicial e institucional dos seus órgãos. Dessa maneira, se faz tratar então de uma instância administrativa buscando solução de suas lides desportivas.

Contudo, há uma comparação de Schmitt, em sua obra Curso de justiça desportiva, entre a justiça aqui citada e a arbitragem:

De um lado, a arbitragem é opcional para as partes, que poderão (i) abdicar do Judiciário e definir a solução de seus conflitos por árbitros privados ou (ii) submeter-se à atividade jurisdicional do Estado. De outro, a justiça desportiva é, em regra, pressuposto a ser esgotado antes que a parte mova o Poder Judiciário, composta de forma paritária pelos entes participantes da atividade desportiva. Resguardadas as distinções, arbitragem e justiça desportiva não têm poder para executar diretamente suas decisões, porque a força executiva, o monopólio do exercício da força, permanece inerente ao Estado[28].

Dessa forma, além de afastar o caráter judicial, não é possível chegar a um acordo sobre a natureza jurídica que possuem os órgãos da justiça Desportiva. Todavia, existem doutrinadores como o próprio Schmitt que defendem a ideia de que os tribunais de Justiça Desportiva possuam tanto natureza jurídica pública como privada: “os tribunais terão natureza particular quando vinculados a entidades de administração do desporto e natureza pública quando vinculados a competições promovidas pelo Poder Público”[29].

Entretanto, Martinho Neves Miranda, em sua obra O Direito no Desporto, publicada em 2007, afirma que o Direito Desportivo, por ser uma recente ramificação do Direito, ainda está passando pelo processo de adaptação, pois em determinados momentos sua atuação se regulamenta por normas de natureza privada e em outros momentos por normas de natureza pública, possuindo assim uma natureza híbrida.

Mesmo que se fale no afastamento do caráter judicial, o artigo 52 da Lei nº 9.615/98, regulamentada pela Lei nº 9.981/00, preceitua a estrutura dos órgãos assim:

Art. 52. Os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, compondo-se do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades nacionais de administração do desporto; dos Tribunais de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do desporto, e das Comissões Disciplinares, com competência para processar e julgar as questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a ampla defesa e o contraditório[30].

Diante dessa situação, essa autonomia jusdesportiva vem para equilibrar o relacionamento com os outros poderes existentes da administração e da entidade desportiva, funcionando como o famoso sistema de pesos e contrapesos vigente entre os poderes estatais. Ademais, essa independência prevista no artigo citado acima vincula toda a estrutura dos órgãos judiciais, bem como a soberania de suas decisões, de maneira a proteger os tribunais de interferências de atos vindouros de entidades privadas ou públicas.

Por outro lado, essa autonomia legal e constitucional não está autorizada a descumprir os pareceres legais, como o direito à ampla defesa e ao contraditório sempre serem assegurados a atletas que forem penalizados em competições de qualquer modalidade desportiva.

E se tratando de ordenamento jurídico, a justiça Desportiva submete-se, no Brasil, à Constituição Federal (artigos 5º e 217), ao CJD, à Lei Pelé, ao Estatuto do Torcedor e às demais normas regulamentadoras do desporto (complementares, portarias ou estatutos). Aproveitando o gancho, no v. 6, n. 1 de 2018 da Revista do CEJUR/TJSC, Edson Lemos faz menção a Paulo Marcos Schmitt em destacar a composição dos órgãos jusdeportivos que funcionam juntamente com federação, confederações e ligas desportivas:

Conforme bem detalhado por Schmitt (2013, p. 98), pode-se estruturar as instâncias e os órgãos da justiça desportiva da seguinte forma: a) Comissão Disciplinar Regional (CDR) e a Comissão Disciplinar Nacional (CDN), que atuam em primeira instância, na forma de colegiados; b) Tribunais de Justiça Desportiva (TJD) de cada estado e modalidade, que atuam em grau recursal e pertencem à mesma jurisdição das federações; c) Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) de cada estado e modalidade, que atua na mesma jurisdição das confederações, funcionando como uma terceira instância nas situações de esgotamento da matéria no TJD, ressalvados os casos de foro privilegiado; d) Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), que tem previsão em norma internacional da respectiva modalidade esportiva e é a última instância da justiça desportiva e um órgão judicante internacional, com sede em Lausane (Suíça), utilizando-se da arbitragem e da mediação para a resolução dos conflitos atinentes ao desporto[31].

Com sua estrutura e vínculos aos diplomas legais compositores do preceito jurídico brasileiro devidamente apresentados, passa a se analisar um possível conflito entre o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal com o artigo 217, § 1º, da mesma.

Essa hipótese de conflito habita na ocasional impossibilidade de fixação de condições para análise do Poder Judiciário diante de ameaça ou lesão ao direito, exigindo que se esgotem as instâncias jusdesportivas para então ocorrer a realização da análise pelo Poder Judiciário acerca do tema desportivo.

Porém, não há motivos admissíveis para fundamentar que não se utilizem dos meios alternativos, já que estes têm compatibilidade com a natureza do conflito e trazem benefícios aos envolvidos. Inicialmente neste capitulo já fora apresentado o exemplo da arbitragem dado por Schmitt e se ressalta também na sinalização feita por Pedro Arruda a respeito de Arruda Alvim, em sua obra sobre direito processual civil:

A Lei 9.307/1996 (Lei da Arbitragem) é um reflexo da mudança de paradigma nos estudos que envolvem os métodos de solução de conflitos, pois sinaliza novas possibilidades para a aplicação do direito aos litígios, alternativas à via judicial. O que se preconiza atualmente é que o Estado não é o único – e, algumas vezes, sequer o mais adequado – ente vocacionado para essa função, que pode muito bem ser exercida por particulares, algumas vezes com resultados mais proveitosos do que aqueles obtidos no âmbito do Judiciário[32].

Dessa forma, isso também deve ser aplicado à justiça Desportiva de modo equivalente, pois as partes se beneficiam ao fazer uso dos meios alternativos existentes, e especialmente nos casos jusdesportivos, ao se tratar sobre celeridade no momento de solucionar conflitos e tomar decisões com qualidades técnicas mais aprimoradas em razão de tamanha especificidade dos meios alternativos para julgar causas que a eles competem.

Com os meios alternativos para sanar litígios, o Poder Judiciário acaba recebendo uma menor quantia de processos e pode, então, dar melhor qualidade aos que necessitam ser julgados naquele âmbito, deixando ainda de apreciar causas que são de máxima urgência e especificidades como as causas jusdesportivas.

As partes também recebem vantagens com essa instauração e uso dos meios alternativos, sobretudo porque, mesmo que não parecendo, não podem os meios alternativos ser vistos como obstáculos ao acesso à justiça; porém, devem ser vistos como outra e nova forma de cultivar o acesso ao direito e à justiça.

Não sendo possível e nem o objetivo do Poder Judiciário regulamentar todo o domínio da vida social, muitas causas apresentadas a ele não possuem formas adequadas para serem julgadas, ou por conta de sua particularidade ou por acumular trabalho já existente, ressaltando novamente o fato de não haver motivos para impedir novos meios para ajudar nesse trabalho árduo do Judiciário, desde que não venham a ferir nenhuma garantia constitucional – a principal delas sendo a garantia ao contraditório.

É necessário analisar a inafastabilidade da jurisdição, e em relação à Justiça Desportiva, o Poder Judiciário tem a possibilidade sim de ser acionado quando se esgotarem as instâncias desportivas – condição que fora imposta pelo legislador como exceção a beneficiar o âmbito jurídico desportivo. Contudo, deve ficar ainda mais claro que em nenhum momento o jurisdicionado não terá chance de se valer da máquina que é o Estado para sanar seu litígio.

A oportunidade de se valer do socorro do Estado estará sempre à disposição, porém, os meios alternativos estarão ao redor dela e mencionando novamente a linha de ensino do professor Arruda Alvim sobre esse fato não ser “destituição do poder estatal para solucionar conflitos e, menos ainda, de inobservância ao princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional”, pois o Estado tem poder-dever de sobra para deixar as partes livres para se valer da arbitragem na solução das lides pautadas em patrimônios e entre partes maiores e capazes.

E ao relacionar o jusdesportivo, do mesmo modo, não se aborda a destituição do poder da máquina do Estado a inafastabilidade da jurisdição desportiva, pois como diria Pedro Wambier em sua publicação para a Revista de Doutrina aqui já mencionada, “deve se mostrar como uma garantia, em momento algum vedada ou afastada, porém, condicionada”, como a própria Constituição estabelece. Tratando ainda em linhas de citação para melhor entendimento, vale trazer o que Pedro Wambier cita em seu trabalho sobre Schmitt, concluindo que:

(…) um excerto de jurisprudência (infelizmente sem a fonte) que retrata muito bem essa ideia: “A regra é a inafastabilidade do controle de lesões ou de ameaças de lesões a direitos pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), regra que pode ser limitada ou condicionada, como ocorre com o art. 217, § 3º, da Constituição Federal, quanto ao prévio exaurimento da instância desportiva, mas não afastada”.

Dessa forma, fica evidente que o princípio da inafastabilidade, quando se trata da Justiça Desportiva, deve ser analisado como garantia posterior (e não como dever), pois quem o condicionou, nesse caso, foi a própria Constituição, configurando uma exceção, justificada por diversas razões que serão trazidas posteriormente, grande parte delas diretamente relacionadas à especificidade do esporte em relação a outras áreas[33].

Logo, procura-se facilitar o entendimento de que a inafastabilidade não deve ser visada como princípio absoluto, pois se não for analisada como um todo há grande risco de gerar prejuízos àqueles que compõem o andamento da jurisdição. De maneira a se incluir ressalva de que a Justiça Desportiva possui âmbito menor ao se tratar das partes litigantes, pois aqui o jurisdicionado deve ser observado de forma distinta, uma vez que a procuradoria é quem denuncia e a defesa – sendo clube, atleta ou entidade administrativa – não se preocupam em tutelar interesse de outrem a não ser deles mesmos.

Todavia, o princípio também deve ser necessariamente analisado como garantia absoluta – mesmo que se contrapondo à ideia de dever – trazendo a ideia de que o Judiciário estará sempre pronto a receber e apreciar lesão ou ameaça ao direito, mas isso não significa que é obrigatório que as causas sejam direcionadas a ele quando existirem meios alternativos e especializados aptos a realizar a mesma função de forma célere e moderna. Conclui-se dessa parte apresentada que o princípio da inafastabilidade da jurisdição deve ser interpretado não como absoluto, nem de dever, mas sim como direito do cidadão, garantindo que quando necessário o Judiciário não deixará de apreciá-lo.

Todo o raciocínio apresentado aqui recai sobre o princípio da efetividade da Justiça, pois esse sim é o objetivo maior de todo o sistema processual: a realização da prestação jurisdicional. Como traz Wambier em seu trabalho, ao citar as palavras de Rosane Cachapuz e Michelle Bazo:

Diante da realidade em que se encontra hoje o Poder Judiciário, sufocado com a imensa quantidade de processos que diariamente são ajuizados e acomodados aos já existentes, é necessário buscar soluções a dar efetividade à atividade estatal. Isso porque o escopo maior do processo é a efetivação concreta da justiça; logo, o Estado, como detentor do poder de solucionar os conflitos, deve proporcionar aos cidadãos o acesso à justiça, à ordem jurídica justa, ainda que tenha que criar novos instrumentos paralelos à atividade jurisdicional tradicional, para garantir a efetividade[34].

Dessa maneira, é notório que o efeito do processo é superior a qualquer detalhe de como ele chegará a esse resultado, o importante é conseguir sanar o litígio por qualquer meio, desde que respeitando a lei. Ressalta-se, ainda, que os meios alternativos existentes para soluções de conflitos nunca irão porventura gerar obstáculo ao acesso à justiça. Wambier coloca que “a possibilidade de posterior apreciação da causa pelo Poder Judiciário impede que eles sejam um óbice ao acesso à justiça. E isso não é diferente na justiça Desportiva”. A razão pelo qual isso ocorre é que as decisões proferidas nos meios alternativos podem futuramente passar pela apreciação do Judiciário, pois ainda se respeita os direitos fundamentais e as garantias legais preceituadas.

E quanto ao âmbito da Justiça Desportiva, há uma autonomia maior em relação ao Estado, de modo que seu contato com o Judiciário é menor, especialmente porque as lides julgadas nessa área possuem simplicidade e não têm tamanha discussão a ponto de se proferir decisões que futuramente serão levadas ao Judiciário por terem sido atacadas. Mas, que nunca se negue ao Judiciário a possibilidade de corrigir alguma decisão proferida pela justiça Desportiva que desrespeite dispositivo legal, como o episódio da Portuguesa, em que depois de tomada de decisão do STJD, foi pauta nos tribunais durante determinadas semanas.

E com esse ponto de vista, todas as decisões jusdesportivas estão reféns do controle jurisdicional quando contravier qualquer dispositivo legal em sua fundamentação, trâmite ou quando configurar nulidade. O Judiciário, então, tem competência para corrigir as falhas quando detectadas; porém, não havendo desobediência à lei e sendo realizado o processo desportivo de acordo com suas normas, não há possibilidade de se discutir novamente na Justiça Comum o mérito pela parte que ficou inconformada e perdeu – pois ao realizar essa discussão, transformaria o Poder Judiciário em um órgão recursal.

Somente se podem impugnar no Poder Judiciário decisões jusdesportivas que estiverem dentro do artigo 52 da Lei nº 9.615/98. Não se pode visualizar essa prerrogativa como crédito da Justiça Desportiva, mas sim como forma de realizar ajustes ao Estado de Direito, ou seja, freios e contrapesos na diferenciação dos poderes. Dessa forma, se permite aos não legitimados a busca dentro da Justiça Desportiva aos seus interesses.

O fato é que existe consenso entre as doutrinas em reconhecer que o Judiciário deva controlar as decisões que possuem vícios e demais anormalidades ocorridas no âmbito desportivo, justamente para cumprir o princípio da legalidade. Se desrespeitadas as garantias constitucionais do processo, havendo irregularidades na composição e outros vícios existentes, o Poder Judiciário tem competência para anular a decisão. Foca-se na ideia de que a Justiça Desportiva não vem impedir o acesso ao Judiciário – que é de garantia plena pressuposta pela Constituição Federal – de apreciar causas desportivas, desde que cumpridos os requisitos do artigo 217 da Constituição.

Por outro lado, existem ideias apresentadas de que as decisões da justiça Desportiva possuem natureza administrativa, já que os tribunais desportivos estão ligados a uma composição do Ministério dos Esportes conectados cada um à sua confederação suprema do respectivo esporte, não ao Poder Judiciário. Assim, o controle jurisdicional das decisões desportivas se equipararia ao controle jurisdicional dos atos administrativos de um modo geral, que se destinam unicamente à manutenção própria.

Logo, o mérito julgado pela Justiça Desportiva nunca seria revisado pela Justiça Comum – visto que, por conta da natureza jurídica dos atos administrativos, de terem apenas a legalidade analisada pela Justiça Comum, sofrem o risco de possuir sua competência invadida. Os que adotam essa corrente acreditam que a Justiça Desportiva atua como um filtro de acesso ao judiciário, não necessitando o mérito ser revisado.

E se fosse o caso de ocorrer essa revisão de mérito, haveria uma total desconsideração com a instituição desportiva. Novamente citando o trabalho de Wambier que faz referência a Luis Geraldo Sant’ana Lanfredi, antigo auditor do STJD da CBF:

Seria um enorme contrassenso conceber um contencioso único e especial como a Justiça Desportiva e, ao mesmo tempo, não lhe outorgar qualquer deferência para impor suas decisões, ou seja, alguma eficácia, desde que respeitados tenham sido os trâmites, princípios e prazos previstos no ordenamento jurídico para obtenção de uma decisão justa e equilibrada[35].

Seria uma desconsideração à Justiça Desportiva pelo fato de que a sua especificidade é justamente a técnica dos membros julgadores para situações diferentes – situações como infrações desportivas disciplinares. Pedro, em seu trabalho, cita Lanfredi ao dizer que “a coisa julgada material desportiva deve ser encarada como uma realidade intangível”.

Já para Wambier, que novamente usa das palavras de Schmitt, muito citado em seu trabalho e em alguns parágrafos anteriores, não é possível que se analise o mérito jusdesportivo na Justiça Comum, com argumentos baseados no fulcro da autonomia do âmbito da Justiça Desportiva:

(…) o controle jurisdicional em matéria de competições e disciplina, em regra, deve restringir-se à análise da observância dos princípios que orientam a Justiça Desportiva e do devido processo legal, e não quanto ao mérito das demandas julgadas pelas instâncias desportivas. Comprometeria sobremaneira a autonomia e a independência decisória dos órgãos da Justiça Desportiva submeter ao crivo do Poder Judiciário a aplicação de determinada penalidade pela prática de infração disciplinar definida em código visando, por exemplo, à minoração da pena[36].

Com tamanha divergência perante as doutrinas, há a possibilidade de se decidir qual vertente seguir, devendo sempre ter o conhecimento de que a Justiça Desportiva não possui capacidade de esperar tamanha demora como ocorre na Justiça Comum, pois seus calendários desportivos a serem seguidos não podem ser interrompidos e atrapalhados por demoras que poderiam ser evitadas, já que existe e há acesso a meios alternativos de resolução de lide.

  1. CONCLUSÃO

Dessa maneira, conclui-se que mesmo com a existência de inúmeras vertentes diante da jurisdição desportiva, desde aquelas que a igualam a atos administrativos, distanciando seu poder de decisão e até mesmo deixando-se julgar casos desportivos em justiça comum, deve estar claro e em mente que a Justiça Desportiva é sim um novo ramo do Direito e que sua criação – assim como a criação da arbitragem – veio para produzir resultados de forma célere e específica.

Para tanto, faz-se necessário entender os desportos existentes, pois cada caso é um caso e cada desporto tem seu modo de funcionar. Por isso, foram apresentados no artigo os desportos existentes, desde o mais democrático, passando pelo educacional e chegando àquele de alto rendimento.

E por se tratar de discussão sobre jurisdição, deve-se atentar ao fato de que ela dá ao Estado o dever de socorrer aquele que dela necessita, mesmo com limitações e variadas características, sempre obedecendo à Constituição e respeitando todos os princípios.

Muitos enxergam a Justiça Desportiva como um novo ramo do Direito, pois sua criação ocorreu e a tornou um meio alternativo pelo qual se atingem as soluções conflitais com maior celeridade e propriedade, já que o jusdesportivo possui a necessidade de seus julgadores terem conhecimento específico sobre desporto, bem como teria um julgador de primeira instância estatal, pois assim como qualquer outro que não possuir autonomia diante daquilo que profere em decisão, conviveria constantemente com o risco de tê-las reformadas por órgãos do Poder Judiciário.

Convém dizer que a Justiça Desportiva é uma ressalva aberta pela Constituição Federal quando se torna uma instância obrigatória. Portanto, sendo ela específica e qualificada, não necessita submeter suas decisões a outras instâncias julgadoras, já que é fruto de uma exceção da Constituição.

Ao ser uma exceção, possui sua autonomia, e, dessa forma, como todo ser autônomo exige respeito, devem-se respeitar as decisões proferidas pela justiça Desportiva, pois de nada adianta possuir jurisdição, ser célere, possuir julgadores específicos e entendidos do caso se toda ou qualquer uma de suas decisões puderem passar por segunda análise da justiça Comum; mas a construção desse pensamento deve ser fundamentada em uma Justiça Desportiva perfeita; ou seja, com todas as partes especializadas na matéria, e também sem interesses para favorecer ou beneficiar as partes – principalmente seus julgadores.

Assim, ao optar pela impossibilidade de o mérito ser revisado na Justiça Comum deve-se pagar o preço de começar a pensar melhor na escolha dos auditores, pois ao melhorar os profissionais e aperfeiçoá-los nos tribunais, não haverá necessidade e nem chance de cometerem erros ou vícios prejudiciais à celeridade do processo e resolução da causa.

Portanto, com todas as oportunidades de se interferir ou participar o Judiciário nas causas apresentadas à Justiça Desportiva, fica claro que o acesso a jurisdição desportiva contido na Justiça Desportiva não deve ser avaliado como prejudicial em sua função, pois toda falha está sujeita ao controle jurisdicional e, portanto submetida e declarada no artigo 52 da Lei Pelé. Contudo, devem-se ressaltar os benefícios conquistados pela celeridade de andamento e julgamento dos conflitos bem como o aumento de confiança jusdesportivo, confiança que é pauta de discussão atualmente para tratar de esse novo ramo do Direito – ou meio alternativo, como mais bem nomeado – impede ou prejudica o acesso à justiça.

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[1]       BRASIL. Lei nº 9.615 de 24 de março de 1998. Lei Pelé, Vade Mecum RT 15. ed. rev., ampl. Até 29.12.2017 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018. p. 1633.

[2]       LAZER, Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de. Esporte de participação na Lei de Incentivo ao Esporte. Disponível em: <http://www.esporte.gov.br/arquivos/leiIncentivoEsporte/esporteLazer.pdf>. p. 20 Acesso em: 4 set. 2019.

[3]       Ibidem. p.20

[4]       Op. Cit. p. 21

[5]       Op. Cit. p.21.

[6]       BRASIL. Decreto nº 6.180, de 03 de agosto de 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6180.htm>. Acesso em: 6 out. 2019.

[7]       Op. Cit. p. 1633.

[8]       Op. cit. p.1633.

[9]       BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2015/2016. p. 65.

[10]      ESPORTE, Ministério do. Manual: Lei de Incentivo ao Esporte. Disponível em: <http://www.esporte.gov.br/arquivos/leiIncentivoEsporte/Manual_da_Lei_de_Incentivo_ao_Esporte_-_Proponente.pdf>. p. 15. Acesso em: 10 set. 2019.

[11]      Op. Cit. p. 1633.

[12]      Op. Cit. p. 1633.

[13]      Ibidem. p. 1633.

[14]      COSTA, Marília Maciel. Esporte de Alto Rendimento: produção social da modernidade. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/se/v22n1/v22n1a03.pdf>. Acesso em: 11 set. 2019.

[15]      Ibidem. p. 1633.

[16]      COSTA. Op. Cit.

[17]      CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2015. p. 166.

[18]      Op. Cit. p. 167.

[19]      Ibidem. p. 167.

[20]      Ibidem. p.167.

[21]      Op. Cit., p. 170/171.

[22]      Ibidem. p. 171.

[23]      Op. Cit. p. 172.

[24]      Op. Cit. p. 65/66.

[25]      FORLIN, Marcio de Castro. Justiça Desportiva: Organização, jurisdição e competência. 2007. 79 f. Monografia (Especialização) – Curso de Curso de Direito, Univali, Itajaí, 2007. Disponível em: <https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwiDnbLW-OXlAhXEIbkGHb9bDOIQFjACegQIABAC&url=http%3A%2F%2Fsiaibib01.univali.br%2Fpdf%2FMarcio%2520de%2520Castro%2520Forlin.pdf&usg=AOvVaw0e60yd-W-rNoO2DSvkqULW>. Acesso em: 06 nov. 2019. p. 55.

[26]      LEMOS, Edson; ANJOS, Rafael Maas dos. A Exigência do Exaurimento da Justiça Desportiva: Inconstitucionalidade ou Mitigação do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição?. Revista do CEJUR/TJSC, Florianópolis – SC, v. 6, n. 1, p.273-294, dez. 2018. Disponível em: <https://revistadocejur.tjsc.jus.br/cejur/article/view/300>. Acesso em: 13 out. 2019. p. 281.

[27]      Ibidem. p. 281.

[28]      SHCMITT, Paulo Marcos. Curso de Justiça Desportiva. v.1. Edição Eletrônica2013. São Paulo, 2007. Disponível em: <https://www.passeidireto.com/arquivo/33962560/direito-e-justica-desportiva-paulo-marcos-schmitt>. Acesso em 13 out. 2019. p. 75.

[29]      Ibidem. p. 75.

[30]      Op. Cit. p.1634.

[31]      Op. Cit. p. 285.

[32]      WAMBIER, Pedro Arruda Alvim. Constituição e tutela jurisdicional: análise da Justiça Desportiva como equivalente jurisdicional. 2016. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao070/Pedro_Wambier.html>. Acesso em: 23 out. 2019.

[33]      WAMBIER, Op. Cit.

[34]      WAMBIER, Op. Cit.

[35]      WAMBIER, Op. Cit.,

[36]      WAMBIER, Op. Cit.


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